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Processo n.º 933/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls. 441 e seguintes foi proferida a seguinte decisão sumária:
«A., LDA., não se conformando com o acórdão tirado no Pleno da Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 5 de Julho de
2007, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo dos 'artigos 69º e segs.'
da LTC, nos seguintes termos:
'[...]
1. Em primeiro lugar, o presente recurso tem como fundamento a questão da
inconstitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra‑Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU), aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, de 1991.07.11 (v. DM n.º 16276,
de 1991.12.20), que prevêem a Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas (TRIU), face às normas e princípios consagrados nos arts. 2º, 9º,
18º, 20º, 62º, 103º, 165.º/1/i) e 266º da CRP (v. art. 70º/l/b) da LTC).
A referida questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressamente, além do
mais, nos textos nºs. 5 a 10 e conclusão 4.ª das alegações apresentadas em
2006.03.03 pela ora recorrente, neste Venerando Supremo Tribunal.
2. Em segundo lugar, o presente recurso tem como fundamento a questão da
inconstitucionalidade do art. 88º/l/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e do
art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, face às normas e princípios
constitucionais consagrados nos arts. 2º, 9º, 18º, 20º, 62º, 103º, 165º/1/i),
204º e 268º/4 e 5 da CRP, quando interpretados e aplicados com a dimensão e
sentido normativo restritivo que lhe foi atribuído pelo douto acórdão recorrido.
Com efeito, ao longo de todo o presente processo de impugnação judicial, a ora
recorrente sempre invocou e sustentou expressamente o seguinte:
a) As normas do RTMIEU, que prevêem a TRIU, por criarem uma contribuição
especial que tem a natureza de imposto não previsto na lei, são
inconstitucionais e inaplicáveis in casu, face às normas e princípios
constitucionais consagrados nos arts. 103º/2 e 165º1/i) da CRP — cfr. conclusão
4 e texto n.º s 5 a 10 das alegações apresentadas em 2006.03.03;
b) Nos termos dos arts. 88º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e 1º/4 da
Lei 1/87, de 6 de Janeiro, os órgãos e agentes das autarquias locais não podem
criar, cobrar e liquidar tributos que não se encontrem previstos na lei – cfr.
conclusão 5.ª e texto n.º s 11 a 13 das alegações apresentadas em 2006.03.03;
c) Os actos de liquidação e cobrança sub judice são nulos, pois não foram
praticados ao abrigo de qualquer norma legal ou regulamentar editada nos termos
constitucionalmente estabelecidos, violando ainda o princípio reforçado da
legalidade tributária e o direito fundamental de propriedade privada,
consagrados nos arts. 62º e 103º da CRP - cfr. conclusão 7.ª e texto n.º s 15 a
16 das alegações apresentadas em 2006.03.03.
O douto acórdão recorrido e o douto acórdão deste Venerando Supremo Tribunal, de
2006.11.29, negaram provimento aos recursos interpostos pela ora recorrente, com
base numa interpretação e aplicação restritiva da dimensão e sentido normativos
do art. 88º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e do art. 1º/4 da Lei 1/87,
de 6 de Janeiro, decidindo que tais normas não estabeleceriam a nulidade de
actos consubstanciados na exigência de tributos previamente criados por órgãos
do Município de Lisboa.
Para mais preciso enquadramento desta questão, sublinhe-se ainda que nas
alegações apresentadas em 2007.02.28, a ora recorrente invocou expressamente o
seguinte:
a) “O entendimento contrário à douta tese sufragada, “acaba, na prática, por
permitir o tornear da proibição absoluta da imposição de tributos ilegais aos
cidadãos pelas autarquias locais, ao possibilitar a manutenção na ordem jurídica
de efeitos decorrentes da aplicação de norma tributária nula, desde que o
respectivo recurso não seja interposto no prazo previsto para os actos
anuláveis, assim desconsiderando o desvalor que necessariamente tem de estar
ligado não só à norma nula como também ao acto que em execução daquela se venha
a praticar em dissonância com o que dimana do n.º 3, do art 103.º CRP” (v.
Acórdão STA (Plenário), de 2005.04.07, Proc. 01108/03 in www.dgsi.pt)” — fls. 5
das alegações;
b) “No mesmo sentido, defendeu o Venerando Juiz Conselheiro Benjamim Silva
Rodrigues no seu voto de vencido (ao qual aderiram ainda os Venerandos Juízes
Conselheiros Fernando Manuel Azevedo Moreira, Rui Manuel Pinheiro Moreira,
Isabel Jovita Loureiro dos Santos Macedo e Abel Ferreira Atanásio) no acórdão do
STA (Plenário), de 2001.05.30, com o aplauso do Prof. Vieira de Andrade:
“Quanto a esta sanção jurídica (nulidade), acontece até que ela representa uma
opção continuamente reafirmada pelo legislador ordinário parlamentar, no
exercício da competência reservada da Assembleia da República (actualmente o
art. 165º, nº. 1, alínea q), da CRP), sempre que regulou a matéria das Finanças
Locais (arts. 2º, nº. 4, da Lei nº. 42/98; 1’ nº. 4, da Lei 1/97, 1.º n.º 4, do
DL nº 98/84 e 1º, nº. 4, da Lei nº. 1/87), e é fundada num princípio
estruturante da nossa Lei Fundamental, qual seja o do auto-consentimento da
tributação através dos representantes nacionais eleitos pelo Povo princípio do
parlamentarismo dos impostos ou da auto-tributação —, e numa obstinada intenção
legislativa de impedir aos órgãos locais e criação de impostos (e agora também
de taxas) ao arrepio daqueles representantes nacionais, conhecida, como é
historicamente, a apetência das comunidades locais para aumentarem as suas
receitas mediante a imposição de tributos...” (v. CJA, 43, p.p.45)” — v. fls. 6
das alegações;
c) “Apesar de se poder entender que a violação de princípios fundamentais
constitucionalmente consagrados não implica necessariamente a nulidade dos actos
impugnados, desde que tal violação não afecte o núcleo essencial de qualquer
direito fundamental (v. art. 13 3º/2/d) do CPA), tal já não sucederá – como se
verifica no caso sub judice – quando a lei preveja expressamente a nulidade como
consequência jurídica de tal violação, pois a posição contrária conduziria, para
usarmos as palavras do Senhor Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, a permitir
que entre pela janela o que o legislador não quis deixar entrar pela porta (CJA,
43/45)” – v. fls. 7 das alegações;
d) “Num acto administrativo é possível distinguir elementos essenciais gerais e
elementos essenciais específicos, que Vieira de Andrade designa por elementos
essenciais de cada tipo de acto (CJA, n.º 43, p.p. 47-48), escrevendo a
propósito:
“(...) A falta de base legal não pode ser aqui mera causa de anulabilidade, pois
que não ofende apenas o princípio geral da legalidade, mas o princípio reforçado
da legalidade tributária, associado ao direito de propriedade dos cidadãos” (v.
Nulidade ..., CJA, n.º 43. p.p. 46-47; cfr. votos de vencido ao douto Ac. do
STA, de 2001.05.30, CJA, n.º 43, p.p. 45)”— v. fls. 11 das alegações;
e) “Como se decidiu no douto acórdão da Secção de Contencioso Tributário do
Tribunal Central Administrativo, de 2000.07.12:
Em sede de criação de impostos e de sistema fiscal, a competência exclusiva cabe
à Assembleia da República, fora o caso de Governo munido de lei autorizada;
sendo assim, na hipótese, o acto de liquidação enferma de vício de violação de
lei na medida em que resulta evidente a invasão da esfera de atribuições e
competências do Poder Legislativo por órgãos da Administração Local.
A (referida) violação de lei (...) gera sempre, em todos os casos, a invalidade
absoluta do acto, ex vi dos arts. 363 ºn.º 1 do C. Adm., 88º n.º 1”do DL 100/84
de 29.3 (LAL) e 133.º n.º2 a) do DL 442/9] de 15.11 (CPA)” (v. Proc. 3239/00;
cfr. sentença de 1999.10.29, Proc. 8/95 (Trib. Trib. Porto, 3º Juízo))” — v.
fls. 13 das alegações.
Ao interpretarem e aplicarem restritivamente o art. 88º/1/a) e c) do DL 100/84,
de 29 de Março, e o art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, os referidos arestos
aplicaram as referidas normas com uma dimensão e sentido normativos
diametralmente opostos aos invocados pela ora recorrente, contrariando assim
directamente as normas e princípios constitucionais expressamente invocados nas
alegações apresentadas em 2006.03.03 e em 2007.02.28, neste Venerando Supremo
Tribunal, designadamente os consagrados nos arts. 62º, 103º/2 e 165º/1/li) da
CRP.
3. Dado que as referidas normas foram aplicadas com uma dimensão e sentido
normativos que a ora recorrente sempre reputou de inconstitucionais, cremos ser
inquestionável a admissibilidade do presente recurso (v. arts. 70º/1/b) e 72º/2
da LTC).
[...]'
Convidada, nos termos do artigo 75º-A da LTC, a esclarecer o Tribunal do 'exacto
sentido' das normas impugnadas, acrescentou:
'[...]
1. ...
2. Em primeiro lugar, o presente recurso tem como fundamento a questão da
inconstitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU), aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, de 1991.07.11 (v. DM n.º 16276,
de 1991.12.20), que prevêem a Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas (TRIU).
As normas referidas estabelecem o seguinte:
“Artigo 1.º
(Objecto)
1 - A Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIIJ)
constitui a contrapartida devida ao Município de Lisboa pelas utilidades
prestadas ou a prestar aos particulares em matéria de infra-estruturas
urbanísticas primárias e secundárias cuja realização, remodelação ou reforço
seja consequência de operações de loteamento, de obras de construção,
reconstrução ou ampliação de edifícios ou respectivas fracções ou de alterações
na utilização destes.
2 - Para efeitos do presente Regulamento, constituem, designadamente:
a) Infra-estruturas urbanísticas primárias - arruamentos e estruturas viárias,
sistemas de drenagem pública de águas residuais domésticas, industriais e
pluviais (contemplando redes de colectores e instalações de tratamento de
efluentes), sistemas de estacionamento público (contemplando estacionamento de
superfície e parques subterrâneos) e interfaces de transportes;
b) Infra-estruturas urbanísticas secundárias — equipamentos de saúde, escolares,
culturais, desportivos, lúdicos e de participação cívica, espaços verdes,
mercados e cemitérios.
3 - As infra-estruturas gerais e equipamentos urbanos da competência do
Município referidas no número anterior não se confundem com as infra-estruturas
próprias das operações de loteamento ou das obras de edificação, ou seja, com as
obras de urbanização que constituem um encargo dos particulares e cuja
realização, regra geral, se confina às parcelas de terreno de sua propriedade
destinadas a integrar o domínio público Municipal”.
Artigo 2.º
(Incidência objectiva)
A TRIU incide sobre o aumento de área bruta de construção e/ou do coeficiente de
utilização resultantes das seguintes operações urbanísticas:
a) Loteamento urbano;
b) Construção, reconstrução e ampliação de edifícios ou respectivas fracções, ou
alteração da utilização destes.
§ Único -Para este efeito, estão excluídos do campo de incidência a área bruta
de construção e respectivos usos licenciados ou autorizados das edificações
existentes, ainda que sejam demolidas”
No douto acórdão recorrido considerou-se que, face às referidas normas, seria
exigível à ora recorrente a liquidação e pagamento da TRIU, apesar de, como
resulta claramente da matéria de facto provada no presente processo e
especificada a fls. 3-4 do douto aresto recorrido, não terem sido apuradas ou
provadas quaisquer utilidades prestadas ou a prestar pelo Município de Lisboa à
ora recorrente, em consequência do licenciamento em análise.
Cremos assim que os referidos sentido e dimensão normativa dos normativos em
causa não podem ser adoptados, por serem incompatíveis com as normas e
princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 9º, 18º, 200, 620, 103º,
165º/1/i) e 266º da CRP (v. art. 70º/1/b) da LTC).
Pretende-se assim questionar a conformidade constitucional das referidas
disposições regulamentares, na medida em que criaram uma contribuição especial,
com a natureza de imposto, não previsto na lei, face às normas e princípios
consagrados nos arts. 2º, 90, 18º, 20º, 62º, 103º, 165º/1/i) e 266º da CRP (v.
art. 70º/1/b) da LTC).
3. Em segundo lugar, o presente recurso tem como fundamento a questão da
inconstitucionalidade do art. 88º/1/a e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e do
art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro.
As referidas normas estabelecem o seguinte:
“Artigo 88º
(Deliberações nulas)
1 - São nulas, independentemente de declaração dos tribunais, as deliberações
dos órgãos autárquicos:
a) Que forem estranhas às suas atribuições;
(...)
c) Que transgredirem as disposições legais respeitantes ao lançamento de
impostos.
Artigo 1º
Autonomia financeira das autarquias
4 - São nulas as deliberações de qualquer órgão das autarquias locais que
determinem o lançamento de impostos, taxas, derramas ou mais-valias não
previstos na lei”
No douto acórdão recorrido estes dispositivos foram interpretados e aplicados
com uma dimensão e sentido normativo restritivo, considerando-se que de tais
normas não resultaria a nulidade de actos de lançamento e liquidação de tributos
previamente criados por órgãos do Município de Lisboa, como se verifica in casu.
Pelo presente recurso pretende assim questionar-se a conformidade constitucional
dos arts. 88º/l/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e art. 1º/4 da Lei 1/87,
de 6 de Janeiro, quando interpretados e aplicados com este sentido e dimensão
normativa restritivos, face às normas e princípios constitucionais consagrados
nos arts. 2º, 9º, 18º, 20º, 62º, 103º, 165º/l/i), 204º e 268º/4 e 5 da CRP.
[...]'
Resulta, assim, que a recorrente pretende impugnar o acórdão de 5 de Julho de
2007 do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo, visando, conforme diz, 'questionar a conformidade
constitucional':
– das normas dos artigos 1º e 2º do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU), aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, de 1991.07.11;
– das normas dos artigos 88º n.º 1 alíneas a) e c) do Decreto-Lei n.º 100/84 de
29 de Março, e artigo 1º n.º 4 da Lei n.º 1/87 de 6 de Janeiro, quando
interpretados e aplicados com o sentido 'que de tais normas não resultaria a
nulidade de actos de lançamento e liquidação de tributos previamente criados por
órgãos do Município de Lisboa'.
Apura-se que o recurso se funda na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC,
preceito que efectivamente admite recurso para o Tribunal Constitucional 'das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo'.
O Tribunal tem entendido, com base nesta regra, que constituem requisitos do
recurso, a sua natureza normativa, a adequada suscitação prévia da questão
perante o tribunal recorrido, e a exigência de a norma acusada de
desconformidade constitucional integrar a ratio decidendi da decisão em análise.
Importa, por isso, verificar se o aresto recorrido aplicou as normas
alegadamente inconstitucionais como fundamento da sua decisão e se as questões
colocadas revestem natureza normativa.
O referido acórdão tem, na parte que interessa agora reter, o seguinte teor:
'[...]
Importa começar por sublinhar que o recurso em causa é, como se disse, por
oposição de acórdãos, cuja finalidade primacial, no âmbito do contencioso
administrativo e fiscal, “é a de assegurar a igualdade de tratamento de
situações iguais, contribuindo também “para a uniformização da jurisprudência
pela persuasão que a decisão, proferida por um tribunal e formação do mais alto
nível, poderá ter sobre os tribunais inferiores”. Cfr. JORGE DE SOUSA, Código de
Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, p. 1143.
Temos, assim, que o objecto do recurso é unicamente constituído pela questão já
enunciada: a da nulidade ou anulabilidade das liquidações em causa, que não das
deliberações, normativas ou não, de que resultam e que não foram objecto de
qualquer apreciação concreta e específica, no acórdão recorrido.
E, no ponto, segue-se aqui de perto o acórdão do Plenário do STA, de 7 de Abril
de 2005 — processo n.º 01.108/03, para que aliás se remete, em que o ora relator
interveio como adjunto, dado o modo exaustivo como a questão ali foi tratada.
Na verdade, nem o artigo 88.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 100/84, de
29 de Março, nem o n.º 4 do artigo 1.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro,
aplicável ao caso, estabelecem a nulidade dos actos de liquidação dos tributos
aí referidos mas, antes, a nulidade das deliberações que determinaram o seu
lançamento.
No domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de
norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste,
gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime
que resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo
Tributário (aplicável ao caso).
Assim, a serem nulas as deliberações camarárias que prevêem o lançamento dos
tributos liquidados pelos actos impugnados, estes enfermarão de ilegalidade
abstracta que poderia ser invocada até ao termo do prazo de oposição, se tivesse
tido lugar a cobrança coerciva.
Tendo havido pagamento voluntário, a impugnação dos actos referidos apenas
poderia ter lugar de acordo com o regime legal de impugnação de actos anuláveis.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma
inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito
fundamental – alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Processo
Administrativo – o que não é o caso do princípio da legalidade ou do direito à
propriedade privada que não é absoluto ou ilimitado, como o Tribunal
Constitucional vem acentuando.
As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de
propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, mesmo que se
considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e
garantias.
Cfr. os acórdãos do STA de 30/05/2001 rec. 22.251 (Plenário) e de 29/06/2005
rec. 117/05, 22/06/2005 rec. 1259/04 (Pleno), 25/05/2004 rec. 208/04, 25/05/2004
rec. 1708/03, 12/01/2005 rec. 19/04, 28/01/2004 rec. 1709/03, 14/01/2004 rec.
1678/03, 15/12/2004 rec. 1920/03; do TC n.º 67/91 in BMJ 406-190 e o Parecer da
Procuradoria Geral da República de 30/06/2005, in DR, II Série, de 26/09/2005.
Refira-se, finalmente, quanto à arguição de falta de atribuições e usurpação de
poder – cfr. conclusão 3.ª – que, como acima se referiu, não estão em causa
deliberações dos órgãos autárquicos que violem normas legais respeitantes ao
lançamento de tributos mas, antes, a liquidação ao abrigo delas praticada para
que valem, ainda, mutatis mutandis, as considerações acima expendidas.
Improcedem assim todas as conclusões de recurso.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se o aresto
recorrido.
[...]'
Da leitura desta decisão resulta particularmente claro, em primeiro lugar, que
nela não foram aplicadas normas do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU), aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa de 11 de Julho de 1991; com
efeito, o aresto explica expressamente que 'o objecto do recurso é unicamente
constituído pela questão já enunciada: a da nulidade ou anulabilidade das
liquidações em causa, que não das deliberações, normativas ou não, de que
resultam e que não foram objecto de qualquer apreciação concreta e específica,
no acórdão recorrido'.
Deste modo, por não se verificar este requisito, não é possível conhecer do
recurso na parte relativa às normas do Regulamento municipal em questão.
Quanto ao resto, decidiu, em síntese, o STA que 'nem o artigo 88.º, n.º 1,
alínea c), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, nem o n.º 4 do artigo 1.º
da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, aplicável ao caso, estabelecem a nulidade dos
actos de liquidação dos tributos aí referidos mas, antes, a nulidade das
deliberações que determinaram o seu lançamento.'
E esclareceu:
'No domínio do contencioso tributário, a nulidade ou mesmo a inexistência de
norma em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste,
gerando apenas uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime
que resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo
Tributário (aplicável ao caso)'.
Ou seja, no que toca às normas dos artigos 88º n.º 1 alíneas a) e c) do
Decreto-Lei n.º 100/84 de 29 de Março e artigo 1º n.º 4 da Lei n.º 1/87 de 6 de
Janeiro, resulta que a questão que a recorrente pretende colocar ao Tribunal
Constitucional é, essencialmente, o modo como o STA as aplicou ao caso concreto:
a crítica que a recorrente tece, nesta parte, dirige-se à decisão, à solução
jurídica perfilhada no Tribunal recorrido.
Na verdade, o STA decidiu que o alcance da sanção de nulidade decorrente das
normas impugnadas reportar-se-ia aos actos regulamentares, mas não aos actos de
liquidação dos tributos referidos naqueles regulamentos, solução que, aliás,
resultaria 'do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de
Processo Tributário'.
Está assim em causa uma questão relacionada com 'a melhor' interpretação do
direito ordinário que não cabe no objecto do recurso previsto na aludida alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Com este fundamento, também se não conhece do recurso na parte restante.
Em face do exposto e com fundamento no artigo 78º-A n.º 1 da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso.»
2. Inconformada, a recorrente reclama para a conferência, argumentando:
A., LDA., recorrente no processo à margem referenciado, não se conformando com a
douta decisão sumária de 2007.10.31, que decidiu não conhecer do objecto do
recurso interposto pela ora recorrente para este Venerando Tribunal, vem, ao
abrigo do art. 78º-A da LTC,
RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Pela douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de
2005.12.07, foi julgada procedente a excepção de caso julgado deduzida pelo
Município de Lisboa, absolvendo-se o Réu da impugnação judicial deduzida pela
ora recorrente, contra a liquidação e cobrança, pelos órgãos do Município de
Lisboa, de uma taxa urbanística, no valor de 22.648.391$00 (Proc. Cam.
1268/OB/93).
Não se conformando com a referida decisão, a ora reclamante recorreu para a
Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA),
invocando nas conclusões 4.ª 5.ª e 7.ª das respectivas alegações de recurso as
seguintes questões de inconstitucionalidade:
“4.ª As normas do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU), que prevêem a TRIU, são
inconstitucionais e inaplicáveis in casu, pois criaram uma contribuição
especial, que, nos termos do art. 4.º/3 da LGT, tem a natureza de imposto não
previsto na lei (v. arts. 103º/2 e 165º1/i) da CRP) — cfr. texto n.º s 5 a 10;
5º Os actos sub judice são nulos, pois os órgãos e agentes das autarquias locais
não podem
criar tributos que não se encontrem previstos na lei, traduzindo-se na criação
de obrigações tributárias sem base legal (v. arts. 103º e 165º/l/i) da CRP; cfr.
art. 88º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março e art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de
Janeiro e art. 2º/4 da Lei 42/98, de 6 de Agosto)— cfr. texto n.º s 11 a 13;
(...)
7.ª Os actos sub judice são ainda nulos, pois violaram o princípio reforçado da
legalidade tributária (v. art. 103º da CRP e art. 133º/2/d) do CPA) e o direito
fundamental de propriedade privada (v. art. 62º da CRP) — cfr. texto n.º s 15 a
16”.
Por acórdão do STA, de 2006.11.29, foi julgada procedente a excepção de
intempestividade da impugnação, negando-se provimento ao recurso jurisdicional
interposto pela ora reclamante, tendo-se decidido a propósito das questões de
inconstitucionalidade suscitadas o seguinte:
“A impugnante, ora recorrente, veio impugnar nos presentes autos a liquidação e
cobrança de taxa urbanística exigida pela CML, pedindo se declarassem nulos tais
actos por, em síntese, o RTMIEU não ser aplicável à obra licenciada e, além
disso, ser inconstitucional.
(...)
Ora, nem o artigo 88.º, n.º 1, alínea c) do DL 100/84, de 29/3, nem o n.º 4 da
Lei 1/87, de 6/1, estabelecem a nulidade dos actos de liquidação dos tributos aí
referidos mas, antes, a nulidade das deliberações que determinaram o seu
lançamento.
E, como se diz no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste
Tribunal de 16/11/05, no processo 19/04, “no domínio do contencioso tributário,
a nulidade ou mesmo a inexistência de norma em que se baseie um acto de
liquidação não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de
ilegalidade abstracta da liquidação, com o regime que resulta da al. a) do n.º 1
do art.º 286.º do CPT”.
Assim, a serem nulas as deliberações camarárias que prevêem o lançamento dos
tributos liquidados pelos actos impugnados, estes enfermarão de ilegalidade
abstracta que poderia ser invocada até ao termo do prazo de oposição, se tivesse
tido lugar a cobrança coerciva.
Tendo havido pagamento voluntário, a impugnação dos actos referidos apenas
poderia ter lugar de acordo com o regime legal de impugnação de actos anuláveis.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma
inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito
fundamental — al. d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA — o que não é o caso do
princípio da legalidade ou do direito à propriedade privada que não é absoluto
ou ilimitado, como o TC vem acentuando.
As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de
propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, mesmo que se
considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e
garantias.
(...)
Assim, o vício imputado aos actos tributários impugnados seria, pois, sancionado
pela regra da anulabilidade, pelo que não seria aplicável ao caso sub judice o
artigo 102.º, n.º 3 do CPPT.
Nestes termos, improcedem as alegações da recorrente quanto à tempestividade da
impugnação”.
Não se conformando com a referida decisão» a ora reclamante recorreu para o
Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, invocando nas conclusões 2.ª
4.ª e 5.ª das respectivas alegações de recurso as seguintes questões de
inconstitucionalidade:
“2ª. ...os actos sub judice são nulos, pois os órgãos e agentes das autarquias
locais não podem criar impostos que não se encontrem previstos na lei,
traduzindo-se na criação de obrigações tributárias sem base ou causa legal (v.
arts. 103º e 165º/1/i) da CRP; cfr. art. 88º/l/a) e c) do DL 100/84, de 29 de
Março e art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro e art. 2º/4 da Lei 42/98, de 6 de
Agosto) — cfr. texto nºs. 2,3 e 6;
(...)
4º. Os actos sub judice são ainda nulos por natureza, por violarem o princípio
reforçado da legalidade tributária (v. art. 103º da CRP e art. 133º/2/d) do CPA)
e o direito fundamental de propriedade privada (v. art. 62º da CRP) — cfr. texto
nºs. 5 e 6;
5º. A presente impugnação é claramente tempestiva, pois está em causa a nulidade
de actos de liquidação e cobrança de contribuições especiais não previstas na
lei, que podem ser sindicados a todo o tempo (v. arts. 103º/2, 112º, 165º/1/i),
239º e 266º da CRP; cfr. art. 28º da LPTA, art. 88º/l/a) e c) e 2 do DL 100/84,
de 29 de Março e art. 134º do CPA) — cfr. nºs.7 a 9”.
Por acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 2007.07.05,
foi negado provimento ao referido recurso jurisdicional, repetindo-se a
argumentação e segmentos decisórios do acórdão do STA, de 2006.11.29.
Não se conformando com o referido acórdão, a ora reclamante dele recorreu para
este Venerando Tribunal Constitucional.
Por despacho proferido pelo Senhor Conselheiro Relator, do Pleno da 5.ª Secção
do STA, de 2007.09.12, foi admitido o referido recurso interposto para o
Tribunal Constitucional.
Na douta decisão sumária ora reclamada decidiu-se que não podia tomar-se
conhecimento do recurso interposto pela ora reclamante, por considerar, em
síntese, que:
a) O aresto recorrido não aplicou as normas do RTMIEU
b) A crítica da recorrente no que respeita às normas do art. 88º/1/a) e c) do DL
100/84, de 29 de Março, e do art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro dirige-se à
solução perfilhada no aresto recorrido.
Salvo o devido respeito — e é verdadeiramente muito —, cremos que a decisão
reclamada não pode manter-se.
2. Em primeiro lugar, o acórdão do STA, de 2006.11.29, decidiu que as questões
de ilegalidade e vícios imputados aos actos tributários de liquidação sub
judice, que aplicaram o RTMIEU, seriam “sancionados pela regra da
anulabilidade”, pelo que nunca se poderia entender que as normas do RTMIEU não
foram efectivamente aplicadas in casu (v. arts. 70º/l/b) e 72º da LTC).
Nos termos do disposto nos arts. 70º/1/b) e 72º/2 da LTC, são pressupostos
objectivos do presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional:
a) Aplicação efectiva de uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade
tenha sido suscitada adequadamente no decurso de determinado processo judicial;
b) Necessidade de a decisão recorrida fazer caso julgado no referido processo;
c) Menção na petição de recurso para o Tribunal Constitucional dos elementos
exigidos no art. 75º-A/i e 2 da LTC (v. Blanco de Morais, Justiça
Constitucional, 2005, 11/700; cfr. Ac TC 1/05, de 5 de Janeiro, Proc. 909/04,
Cons. Maria João Antunes, 364/96, de 6 de Março, Proc. 27/92, Cons. Tavares da
Costa, ambos in www.tribunalconstitucional Ac. RL de 1998.01 .13, Proc. 0006285,
www.dgsi.pt).
A propósito do requisito da aplicação efectiva da norma julgada
inconstitucional, este Venerando Tribunal Constitucional tem pacífica e
uniformemente entendido que “há aplicação da norma para efeitos da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 não só nos casos de aplicação expressa,
como também nos casos da aplicação implícita” (v. Ac. TC 406/87, de 7 de
Outubro, Proc. 82/87, www.dqsi.pt cfr. Acs. TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc.
480/05; 454/03, de 14 de Outubro, Proc. 458/03; 445/99, de 8 de Julho, Proc.
37/99; 11/99, de 12 de Janeiro, Proc. 271/97; 1081/96, de 23 de Outubro, Proc.
438/96; 226/94, de 8 de Março, Proc. 47/93; 160/91, de 4 de Abril, Proc. 720/00;
47/90, de 21 de Fevereiro, Proc. 87/89, todos in www.tribunalconstitucional.
pt).
A questão de inconstitucionalidade suscitada deverá assim integrar uma das
rationes decidendi ou um dos fundamentos normativos da decisão (v. Acs. TC
207/97, de 11 de Março, Proc. 719/96, Cons. Tavares da Costa; 586/95, de 7 de
Novembro, Proc. 310/95, Cons. Ribeiro Mendes; 120/92, de 31 de Março, Proc.
153/90, Cons. Tavares da Costa, todos in www.dgsi.pt cfr. Guilherme da Fonseca e
Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, 1997, p.p. 39).
No caso sub judice verifica-se que o acórdão recorrido confirmou o douto acórdão
de 2006.11.29, que negou provimento ao recurso interposto, considerando-se que
“o vício imputado aos actos tributários impugnados seria (...) sancionado pela
regra da anulabilidade”.
No douto acórdão, de 2006.11.29 e no aresto recorrido, foi apreciada a questão
jurídica da tempestividade da impugnação judicial dos actos de liquidação e
cobrança de taxa urbanística exigida pela CML, tendo-se decidido a esse respeito
o seguinte:
“Tendo havido pagamento voluntário, a impugnação dos actos referidos apenas
poderia ter lugar de acordo com o regime legal de impugnação de actos anuláveis.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação a acto que aplique norma
inconstitucional, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito
fundamental — ai. d) do n.º 2 do art.º l33.º do CPA — o que não é o caso do
princípio da legalidade ou do direito à propriedade privada que não é absoluto
ou ilimitado, como o TC vem acentuando.
(...)
Assim, o vício imputado aos actos tributários impugnados seria, pois, sancionado
pela regra da anulabilidade, pelo que não seria aplicável ao caso sub judice o
artigo 102.º, n.º 3 do CPPT.
Nestes termos, improcedem as alegações da recorrente quanto à tempestividade da
impugnação”.
Perante o texto do acórdão transcrito, não nos parece possível afirmar que não
foram aplicadas como ratio decidendi as “normas do Regulamento da Taxa pela
Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTMIEU),
aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, de 1991.07.11 (v. DM
n.º 16276, de 1991.12.20), que prevêem a Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIU), face às normas e princípios consagrados
nos arts. 2º, 9º, 18º, 20º, 62º, 103º, 165º/1/i) e 266º da CRP”.
De outro modo, nunca se poderia concluir que “o vício imputado aos actos
tributários impugnados” pela ora reclamante — inaplicabilidade e
inconstitucionalidade do RTMIEU ao licenciamento em análise — “seria (...)
sancionado pela regra da anulabilidade”.
Registe-se a finalizar que, ainda que se entendesse que as normas que constituem
o RTMIEU não foram expressamente aplicadas como ratio decidendi pela decisão
recorrida — o que se impugna —, sempre teria ocorrido aplicação implícita das
referidas normas (v. Acs. TC nº. 318/90, de 12 de Dezembro, Proc. 291/89, Cons.
Alves Correia; no. 466/91, de 17 de Dezembro, Proc. 160/91, Cons. Ribeiro
Mendes, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 200 vol., p.p. 605 e segs; cfr.
Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, 11/702).
Por um lado, o STA podia e devia conhecer da questão de constitucionalidade
suscitada, já que a mesma foi expressamente suscitada no texto nºs. 5 a 10 e
conclusão 4.ª das alegações apresentadas em 2006.03.03 pela ora reclamante, no
STA, inscrevendo-se assim na sua esfera de “competência vinculada” (v. Ac. TC
162/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons. Messias Bento,
www.tribunalconstitucional. pt).
Por outro lado, o STA nunca poderia ter decidido que “o vício imputado aos actos
tributários impugnados seria (...) sancionado pela regra da anulabilidade”, sem,
pelo menos, ter implicitamente aplicado ou convocado normas do RTMIEU.
Nesta linha, decidiu o douto acórdão deste Venerando Tribunal, de 1996.05.07, o
seguinte:
“Porque a questão de constitucionalidade se prende directamente com o objecto do
recurso interposto — o seu julgamento acha-se dependente do próprio âmbito de
cognição daquele tribunal — tem de considerar-se que no acórdão recorrido se fez
aplicação implícita das normas cuja constitucionalidade se havia anteriormente
suscitado” (v. Ac. TC 637/96, Proc. 252/95, Cons. Monteiro Diniz,
www.tribunalconstitucional.pt).
Finalmente, dado que no contencioso administrativo o juiz tem o dever de se
pronunciar sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra
o acto impugnado e de identificar, ele próprio, “a existência de causas de
invalidade diversas das que tenham sido alegadas” (v. art. 95º/2 do CPTA; cfr.
Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 2005, p.p. 484; Mário
Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF Anotados, 2004,
p.p. 549 e segs.), é inquestionável que o STA, ao decidir que “improcedem as
alegações da recorrente quanto à tempestividade da impugnação” por “o vício
imputado aos actos tributários impugnados ser sancionado pela regra da
anulabilidade”, necessariamente convocou as normas constantes do RTMIEU (v. art.
660º e 668º/1/d) do CPC).
É pois manifesto que, contrariamente ao decidido na douta decisão reclamada, as
normas do RTMIEU foram efectivamente aplicadas no caso em análise, pois, além do
mais, o acórdão do STA, de 2006.11.29, negou provimento ao recurso interposto
com fundamento na aplicação aos vícios imputados pela ora reclamante aos actos
de liquidação e cobrança — inaplicabilidade e inconstitucionalidade do RTMIEU —
do regime da anulabilidade.
3. Em segundo lugar, através do presente recurso a ora recorrente não pretende e
nunca pretendeu impugnar a forma ou “modo como o STA aplicou” os arts. 88º/1/a)
e c) do DL 1000/84, de 29 de Março e 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro “ao caso
concreto”, nem suscitou qualquer “questão relacionada com a melhor interpretação
do direito ordinário”, tendo questionado a constitucionalidade da dimensão
normativa dos referidos preceitos, face ao sentido e alcance que lhe foram
atribuídos in casu (v. art. 70º/lIb) da LTC).
Como tem constituído jurisprudência pacífica deste Venerando Tribunal
Constitucional:
a) “Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade pode questionar-se todo um
preceito legal, apenas parte dele ou tão só uma interpretação que do mesmo se
faça” (v. Ac. TC nos. 367/94, de 11 de Maio, Proc. 797/93);
b) “Em causa está a interpretação de normas, pelo que é determinante do juízo a
proferir o concreto teor da decisão recorrida, quer na dimensão com que
configurou o problema posto no STA, quer no entendimento com que aplicou as
normas questionadas ao caso” (v. Ac. TC no. 366/94, de 6 de Março, Proc.
226/94);
c) “É necessário que a desconformidade com normas princípios constitucionais
tenha sido imputada, de modo claro, perceptível (...) a uma norma precisamente
determinada, ainda que em certo sentido mediatizado pela decisão recorrida” (v.
Ac. TC nº. 433/2006, de 12 de Julho, Proc. 430/2006; cfr. Ac. TC no. 482/2005,
de 27 de Setembro, Proc. 555/05);
d) “Quando o recorrente pretenda questionar uma certa interpretação de uma norma
(...) tem ele não só o ónus de identificar o preceito de que se extrai essa
norma, mas também o de precisar o sentido normativo que reputa de
inconstitucional” (v. Ac. TC nº. 472/00 de 7 de Novembro, Proc. 381/00), ou que
“se indique esse sentido (essa interpretação)” (v. Ac. TC nº. 424/00, de 11 de
Outubro, Proc. 575/99).
Nesta linha, referindo-se expressamente à questão em análise, Jorge Bacelar
Gouveia escreveu, além do mais, o seguinte:
Do ponto de vista do objecto do processo de fiscalização concreta da
constitucionalidade, ao contrário do que literalmente se inculca, não se trata
apenas do recurso das decisões de tribunais que aplicaram certa norma,
constitucional ou inconstitucionalmente, mas também acolhe a aplicação como
parâmetro decisório de certa decisão interpretativa que não seja adequada
segundo um juízo de conformidade constitucional, o que implica a existência de
dois distintos objectos processuais:
- a norma aplicada ou não aplicada contra a CRF;
- uma certa interpretação da norma considerada inconstitucional” (v. Manual de
Direito Constitucional, II/1358).
Por seu turno, como bem sublinha Lopes do Rego:
“Quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação
normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa
interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a
julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com tal sentido” (O objecto idóneo dos recurso
de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, nº.
3, 2004, p.p. 8).
E, mais adiante, o mesmo autor continua, referindo claramente que cabe “sempre à
parte que pretende suscitar adequadamente uma questão de inconstitucionalidade
normativa o ónus de especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido
com que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela
decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional” (v. aut.
cit., loc. cit).
Contrariamente ao que consta da decisão reclamada, a ora recorrente não suscitou
no presente recurso qualquer “questão relacionada com a melhor interpretação do
direito ordinário”, in casu, do sentido normativo restritivo atribuído pelo
douto acórdão recorrido aos arts. 88º/l/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março e
art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro.
Bem pelo contrário, considerando expressamente a dimensão e alcance normativo
restritivo que foi atribuído às referidas normas pela decisão recorrida, a ora
recorrente veio questionar perante este Venerando Tribunal Constitucional a
conformidade constitucional de tal sentido normativo, pois, conforme claramente
se afirmou na resposta ao convite do Exmo. Senhor Conselheiro Relator, para
“enunciar o exacto sentido das normas cuja conformidade constitucional pretende
questionar”:
“…o presente recurso tem como fundamento a questão da inconstitucionalidade do
art. 88º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e do art. 1º/4 da Lei 1/87, de
6 de Janeiro. (...) No douto acórdão recorrido estes dispositivos foram
interpretados e aplicados com uma dimensão e sentido normativo restritivo,
considerando-se que de tais normas não resultaria a nulidade de actos de
lançamento e liquidação de tributos previamente criados por órgãos do Município
de Lisboa, como se verifica in casu.
Pelo presente recurso pretende assim questionar-se a conformidade constitucional
dos arts. 88º/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março, e art. 1º/4 da Lei 1/87,
de 6 de Janeiro, quando interpretados e aplicados com este sentido e dimensão
normativa restritivos, face às normas e princípios constitucionais consagrados
nos arts. 2º, 9º, 18º, 20º, 62º, 103º, 165º/1/i), 204º e 268º/4 e 5 da CRP.
Refira-se a finalizar que as dimensões e sentidos normativos referidos são
diametralmente opostos aos invocados pela ora recorrente durante todo o
processo, pois sempre os reputou de inconstitucionais (v. arts. 62º, 103º/2 e
165º/1/i) da CRP; cfr. alegações apresentadas em 2006.03.03 e em 2007.02.28, no
Venerando Supremo Tribunal Administrativo)”.
No caso sub judice está em causa um recurso de constitucionalidade interposto
nos termos do art. 70º/1/b) da LTC de decisão de Tribunal que aplicou “norma
cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo”, pelo que nunca
poderia deixar de se estender que é “determinante do juízo a proferir o concreto
teor da decisão recorrida” (v. Ac. TC nº. 366/94, de 6 de Março, Proc. 226/94).
Ora, a recorrente apenas questionou a constitucionalidade da dimensão normativa
restritiva atribuída no douto aresto recorrido às normas sindicadas, na medida
em que tal “sentido mediatizado pela decisão recorrida” (v. Ac. TC nº. 433/2006,
de 12 de Julho, Proc. 430/2006) afronta as normas e princípios constitucionais
consagrados nos arts. 2º, 9º, 18º, 200, 62º, 103º, 165º/1/i), 204º, 268º/4 e 5
da CRP.
Trata-se assim claramente, nas palavras da decisão reclamada, de uma critica
dirigida “à solução jurídica perfilhada no tribunal recorrido”, quanto ao
sentido normativo atribuído às normas impugnadas, mas assente na violação de
parâmetros e critérios constitucionais, pelos resultados e desconformidade
constitucional de tal interpretação, e não por simples critérios de “direito
ordinário”, discutindo-se, v.g., se tal interpretação restritiva seria
admissível ao abrigo do disposto no art. 9º do C. Civil (cfr. art. 70º/l/b) da
LTC).
No presente recurso, a ora recorrente nunca questionou a admissibilidade de tal
interpretação restritiva, por violação de critérios de “direito ordinário”, mas
apenas a constitucionalidade das normas em causa com o alcance, sentido e
dimensão normativa que lhes foi efectivamente atribuído in casu, pelo que se
impõe a respectiva admissão (v. art. 70º/1/b) da LTC).
4. Do exposto resulta assim que o douto aresto recorrido aplicou as normas do
RTMIEU e a ora recorrente invocou questões de constitucionalidade relativamente
às normas do art. 88º/lia) e c) do DL 100/84 e do art. lº/4 da Lei 1/87, no
sentido e com a dimensão normativa que lhe foram atribuídas in casu, pelo que é
manifesta a admissibilidade do presente recurso (v. art. 70º/1/b) da LTC).
NESTES TERMOS,
Deverá ser julgada procedente a presente reclamação, revogando-se a decisão
reclamada, admitindo-se o recurso interposto pelas ora reclamantes e
prosseguindo o presente processo os seus ulteriores termos, com as legais
consequências.
3. Não houve resposta por parte da entidade recorrida.
Cumpre apreciar.
A decisão sumária em causa não conheceu do recurso interposto em virtude de, por
um lado, a decisão recorrida não ter aplicado as normas do Regulamento da Taxa
pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa
(RTMIEU), aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa de 11 de
Julho de 1991, sindicadas pela recorrente.
Na verdade, tratando-se de decisão tomada em recurso por oposição de acórdãos, o
aresto recorrido tem uma característica especial, que é a de solucionar um
conflito de jurisprudência. O objecto do recurso fica desde logo bem definido
pela sua natureza, pelo que só é possível conhecer da matéria directamente
resultante do invocado conflito.
Não há assim oportunidade para decidir outras matérias, ainda que
implicitamente, por a tal se opor a já referida natureza do recurso. E a verdade
é que o aresto recorrido define, e com marcado rigor, o âmbito do recurso, ao
identificar a discordância jurisprudencial que cabia, então, solucionar:
'Trata-se, nos dois arestos, de saber se os actos de liquidação em causa são
nulos ou meramente anuláveis' para efeito de determinação do prazo da sua
impugnação contenciosa. E, prosseguindo, decidiu que o n.º 4 do artigo 1º da Lei
n.º 1/87 de 6 de Janeiro, norma 'aplicável ao caso', não estabelece a nulidade
dos actos de liquidação dos tributos nele referidos, mas a nulidade das
deliberações que criam tais tributos, razão pela qual a impugnação contenciosa
dos actos de liquidação seria extemporânea, por não ter respeitado o prazo de
impugnação dos actos anuláveis.
Nestes termos, ao pretender questionar a conformidade constitucional das normas
do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do
Município de Lisboa (RTMIEU), aprovado por deliberação da Assembleia Municipal
de Lisboa de 11 de Julho de 1991, a recorrente está, claramente, a identificar
normas que não constituem a ratio decidendi do aresto em análise.
Quanto ao restante: tal como se refere na decisão sumária em reclamação, decidiu
o acórdão recorrido que 'nem o artigo 88.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º
100/84, de 29 de Março, nem o n.º 4 do artigo 1.º da Lei n.º 1/87, de 6 de
Janeiro, aplicável ao caso, estabelecem a nulidade dos actos de liquidação dos
tributos aí referidos mas, antes, a nulidade das deliberações que determinaram o
seu lançamento', esclarecendo que 'no domínio do contencioso tributário, a
nulidade ou mesmo a inexistência de norma em que se baseie um acto de liquidação
não implica a nulidade deste, gerando apenas uma situação de ilegalidade
abstracta da liquidação, com o regime que resulta da alínea a) do n.º 1 do
artigo 286.º do Código de Processo Tributário (aplicável ao caso)'.
Diz, no presente recurso de inconstitucionalidade, a recorrente: 'No douto
acórdão recorrido estes dispositivos [os artigos 88º n.º 1 alíneas a) e c) do
Decreto-Lei n.º 100/84 de 29 de Março e o artigo 1º n.º 4 da Lei n.º 1/87 de 6
de Janeiro] foram interpretados e aplicados com uma dimensão e sentido normativo
restritivo, considerando-se que de tais normas não resultaria a nulidade de
actos de lançamento e liquidação de tributos previamente criados por órgãos do
Município de Lisboa, como se verifica in casu.' Assim, no que toca às normas dos
artigos 88º n.º 1 alíneas a) e c) do Decreto-Lei n.º 100/84 de 29 de Março e
artigo 1º n.º 4 da Lei n.º 1/87 de 6 de Janeiro, a questão que a recorrente
pretende colocar ao Tribunal Constitucional é, essencialmente, o modo como o
Supremo Tribunal Administrativo as aplicou ao caso concreto.
A crítica que a recorrente tece dirige-se à decisão, à solução jurídica
perfilhada no Tribunal recorrido, que não concluiu pela nulidade dos actos
impugnados, e não à norma por ela aplicada. A verdade é que a reclamante não
questiona a norma que estabelece a sanção de nulidade quanto às 'deliberações de
qualquer órgão das autarquias locais que determinem o lançamento de impostos,
taxas, derramas ou mais-valias não previstos na lei', antes pretende, e
manifestamente, é estender este regime aos actos de liquidação delas
resultantes. O que, aliás, não surpreende, pois também nos pontos onde
alegadamente terá suscitado a questão de inconstitucionalidade, a mesma não se
apresenta como uma questão de natureza normativa, mas antes como um argumento
destinado a obter a declaração da nulidade dos actos que pretendia impugnar
contenciosamente. Trata‑se, nitidamente, de um pretenso vício da decisão, e não
de uma desconformidade constitucional da norma.
Ora, tal como se afirma na decisão sumaria em reclamação, é assim claro que em
causa está colocada pela reclamante uma questão relacionada com 'a melhor'
interpretação do direito ordinário, questão que não cabe no objecto do recurso
previsto na aludida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Em suma, também não
é de conhecer do recurso nesta parte.
4. Nestes termos, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a
decisão sumária de não conhecimento do recurso. Custas pela reclamante,
fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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