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Processo n.º 25/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente o A., S.A. e recorridos B. e C., o primeiro vem interpor recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pelo Tribunal de Relação do Porto, em 11/10/2012 (cfr. fls. 75 a 85), que julgou improcedente o recurso de apelação apresentado pelo ora recorrente do despacho da Exma. Juíza do 3.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão proferido em 18/03/2012 (cfr. fls. 60-65) que não admitiu, por extemporânea, a impugnação da lista de credores apresentada em 30/09/2011 pelo administrador da insolvência.
2. O recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, pretende ver apreciada uma questão de constitucionalidade nos termos seguintes (cfr. fls. 102-104):
«1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido em 11 de outubro de 2012 nos autos supra referenciados, por ter este procedido à aplicação das normas contidas nos artigos 129º, nº 1, e 130°, nº 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
2. Nas suas alegações de recurso, o Requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade, entre outras, das normas contidas nos artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE, de modo processualmente adequado perante o Tribunal da Relação do Porto, em termos de estar obrigado a dela conhecer, tudo nos termos do artigo 72°, n.°2, da LTC.
3. O Requerente especificou, em termos claros, a questão jurídico-processual cuja inconstitucionalidade pretendeu efetivamente suscitar perante o Tribunal a quo.
4. O douto Acórdão recorrido aplicou aquelas normas com o sentido normativo que o Banco Apelante, ora Requerente, havia reputado de inconstitucional.
5. Ou seja: o Acórdão recorrido interpretou e aplicou os artigos l29°, nº l, e 130º n.°1, do CIRE, no sentido de que é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude a artigo 130º, n°1 do CIRE mesmo quando o administrador de insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.°1, do artigo 129°, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da citada lista.
6. Tal entendimento normativo do Tribunal da Relação do Porto é inconstitucional, por desproporcionada, intolerável e iniqua violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20e da Constituição da República Portuguesa.
7. Com efeito, os artigos 129°, nº 1, e 130º, nº1, do CIRE assim interpretados, impedem que um sujeito processual aceda ao direito e aos tribunais para ver analisada uma sua pretensão.
8. A única interpretação dos artigos 129°, n.°1, e 130°, n°1, do CIRE, conforme com a Constituição é aquela que defenda que, na hipótese de o administrador de insolvência não cumprir o prazo fixado no n.°1, do artiga 129°, do CIRE, para a apresentação da lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos, a prazo de impugnação da mesma lista pelos interessados, a que alude o artigo 130°, nº 1, do CIRE, conta-se a partir da data da notificação do tribunal a todos os credores da respetiva lista.
9. Em síntese: (i) as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são os artigos 129°, n.°1, e 130º, nº 1, do CIRE, na interpretação de que é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados a que alude o artigo 130º, n.°1, do CIRE mesmo quando o administrador de insolvência tenha incumprido o prazo fixado no nº 1, do artigo 129º, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da referida lista; (ii) tal inconstitucionalidade foi invocada nas alegações de recurso do ora Requerente para o tribunal recorrido; e (iii) o Requerente entende que tal inconstitucionalidade deriva do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
10. Por fim, no caso presente verificam-se, igualmente, os restantes requisitos da recorribilidade para o Tribunal Constitucional, na medida em que as normas em causa, constantes dos artigos 129°, nº 1, e 130°, nº 1, do CIRE, foram efetivamente aplicadas, com uma determinada interpretação, no Acórdão recorrido, enquanto ratio decidendi da decisão de não dar provimento ao recurso e manter o despacho do tribunal de primeira instância que julgou intempestiva a impugnação, apresentada pelo ora Requerente nos autos supra referidos, à relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, e do Acórdão recorrido não cabe recurso ordinário, conforme expressamente resulta do disposto no artigo 14°, nº 1, do CIRE.».
3. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido de 25/01/2011 (cfr. fls. 77) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 122), o recorrente alegou (cfr. fls. 126-137) e concluiu no sentido da revogação do acórdão recorrido e da declaração da inconstitucionalidade, por violação do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, das normas extraídas dos artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, quando interpretadas no sentido em que é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador da insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130º, n.º1, do CIRE, mesmo quando o administrador da insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.º1, do artigo 129º, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da referida lista. Alega, a título de conclusões, o seguinte (cfr. alegações, III, fls. 134-137):
« (…) 1. O Acórdão recorrido interpretou e aplicou os artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, do CIRE, no sentido de que é a data da efetiva apresentação pelo administrador de insolvência da lista dos credores reconhecidos o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130º, n.º1, do CIRE, mesmo quando (i) o administrador da insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.º1, do artigo 129º, do CIRE, e (ii) o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da citada lista.
2. Tal entendimento normativo do Tribunal Recorrido é inconstitucional, por desproporcionada, intolerável e iníqua violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
3. Decorre do disposto nos artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, do CIRE, que: (i) os credores reclamam os seus créditos dentro do prazo estabelecido na sentença de declaração de insolvência; (ii) dentro do prazo de 15 dias a contar do termo do prazo para a apresentação dos requerimentos de reclamação de créditos, o administrador de insolvência apresenta na secretaria judicial a lista dos credores reconhecidos (cfr. artigo 129º, n.º1, do CIRE); (iii) durante o prazo de 15 dias previsto no artigo 129º, n.º1, do CIRE, os credores devem deslocar-se à secretaria do tribunal para consultar as listagens e pedir cópias das reclamações de créditos; (iv) os credores que entendam que devem impugnar algum crédito reconhecido pelo administrador da insolvência devem fazê-lo nos 10 dias seguintes ao termo do prazo de 15 dias fixado para o administrador juntar as listas na secretaria (cfr. artigo 130º, n.º1, do CIRE)
4. O prazo de impugnação previsto no artigo 130º, n.º1, do CIRE, concedido aos credores, pressupõe, como é evidente, o prévio cumprimento do prazo imposto ao administrador de insolvência no artigo 129º, n.º1, do CIRE, pois só este lhes dará a garantia de conhecer, com rigor, o tempo próprio dos atos e, por conseguinte, situar no momento ajustado e tempestivo o exercício das faculdades processuais que lhes são concedidas.
5. O administrador da insolvência não está obrigado a notificar os credores das listagens de créditos reconhecidos e não reconhecidos, atendendo ao princípio da desjudicialização do processo de reclamação de créditos, mas está obrigado a entregar as referidas listagens na secretaria judicial no prazo de 15 dias a que alude o artigo 129º, do CIRE, atendendo ao princípio da celeridade previsto no artigo 9º, do CIRE.
6. O problema da interpretação dos artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, do CIRE, coloca-se quando o administrador da insolvência não entrega as listas dos credores reconhecidos e não reconhecidos dentro do prazo previsto no artigo 129º, n.º1, do CIRE e o Tribunal notifica os credores da apresentação das mesmas listas a fim de estes as impugnarem se assim o entenderem, como aconteceu no presente caso.
7. Resulta da interpretação conjugada dos artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, ambos do CIRE, à luz do disposto no artigo 20º, da CRP, que quando o administrador da insolvência não tiver respeitado o prazo previsto no artigo 129º, n.º1, do CIRE, para a apresentação das listas na secretaria, e quando os credores tenham sido notificados pelo Tribunal da junção das mesmas listas, o prazo de impugnação, a que alude o artigo 130º, n.º1, do CIRE, começa a contar a partir da notificação judicial aos credores de que as listagens já se encontram depositadas na secretaria judicial.
8. Sempre que o administrador da insolvência não respeite o prazo de 15 dias para a entrega das listagens mencionadas no artigo 129º, do CIRE, o juiz pode, ao abrigo do poder de fiscalização, ordenar que os credores sejam notificados da junção de tais listas, para obviar a que os seus direitos e interesses legalmente protegidos sejam prejudicados pela ilegalidade praticada pelo administrador da insolvência, contando-se o prazo de impugnação, previsto no artigo 130º, n.º1, do CIRE, dessa notificação judicial.
9. Existe, portanto, no CIRE, espaço para a notificação judicial das listas mencionadas no artigo 129º, do CIRE, e para a, consequente, contagem do prazo de 10 dias mencionado no artigo 130º, n.º1, do CIRE, a partir da data de tal notificação judicial.
10. Por isso, quando o Tribunal entenda – como entendeu no caso dos presentes autos – que deve ordenar a notificação aos credores das listas apresentadas extemporaneamente pelo administrador da insolvência, o prazo de impugnação das mesmas listas deve contar-se a partir da notificação judicial.
11. Existindo, como existiu no caso destes autos, a notificação judicial da junção das listas do artigo 129º, do CIRE, aos credores, o prazo processual para a apresentação da impugnação à mesma conta-se a partir dessa notificação judicial e não a partir da data em que o administrador da insolvência entregou as listas na secretaria.
12. Unicamente por esta interpretação se realiza o princípio do estado de direito que exige um procedimento justo e adequado de acesso à justiça e de realização do direito, previsto no art. 20º, da CRP.
13. Ora, o Acórdão recorrido interpretou os artigos 129º, n.º1 e 130º, n.º1, do CIRE, no sentido de que, quando o administrador da insolvência não cumpre o prazo referido no artigo 129º, n.º1, do CIRE, o prazo de impugnação constante do artigo 130º, n.º1, CIRE, começa a contar a partir da data da efetiva entrega das listas de créditos na secretaria – mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação judicial aos credores da apresentação de tais listas – estando os credores obrigados, por um período de tempo indeterminado, a consultar o processo na secretaria judicial para saber da data da entrega das listas.
14. A interpretação defendida pelo acórdão recorrido revela-se incompatível com a Lei Fundamental, na medida em que consubstancia a introdução de um fator variável, suscetível de tornar indefinido o início e o terminus dos prazos processuais.
15. Não admitir – como fez o acórdão recorrido – a impugnação à lista de créditos reconhecidos deduzida por um credor dentro do prazo de 10 dias a contar da data da notificação de tal lista pelo Tribunal, quando a mesma lista foi junta aos autos pelo administrador da insolvência mais de um ano após o termo do prazo legal para o efeito, é coartar o direito à tutela jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 20º da CRP.
16. Embora se admita que a opção do legislador na redação dos artigos 129º e 130º, do CIRE, foi no sentido de conferir ao processo de insolvência maior simplificação de caráter administrativo, atenta a natureza urgente do processo, isso não significa que tal se faça à custa e ao arrepio dos mais elementares direitos dos cidadãos, no acesso à justiça e ao direito.
17. O princípio da desjudicialização não pode colocar em crise direitos fundamentais, impedindo um justo acesso ao direito e à justiça.
18. Se o prazo de impugnação previsto no artigo 130º, n.º1, do CIRE, começasse a contar a partir da data efetiva da entrega das listas pelo administrador da insolvência na secretaria – como defende o acórdão recorrido – tal representaria uma forte e injustificada limitação do acesso ao Direito e aos Tribunais dos sujeitos do processo de insolvência.
19. Nada garante ao comum cidadão que possa ter conhecimento atempado das listagens entregues fora do prazo previsto no artigo 129º, n.º1, do CIRE, pelo administrador da insolvência.
20. Por isso, caso se entenda – como fez o acórdão recorrido - que o prazo não corre a partir da notificação judicial, mas da data efetiva da apresentação das listas pelo administrador na secretaria, é coartada aos credores da insolvência a possibilidade de agir em juízo, mediante a impugnação de tais listagens.
21. A decisão recorrida revela-se, pois, desadequada, irrazoável e arbitrária e contende com a extensão e o alcance do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ínsito na Constituição da República Portuguesa, na medida em que impede ou dificulta irrazoavelmente a ação em juízo de um sujeito processual da insolvência.
22. A decisão recorrida postergou, inequivocamente, o direito subjetivo do Banco Recorrente – constitucionalmente consagrado no artigo 20º, da CRP – de levar determinada pretensão – a impugnação à lista de credores reconhecidos – ao conhecimento do órgão judicial e de ver tal pretensão ser decidida de forma fundamentada.
23. O ónus imposto pela decisão recorrida a cargo de um credor, como o Banco Recorrente, – isto é, o ónus de averiguar, ao longo de um período temporal indefinido, se as listas já haviam sido entregues pelo administrador na secretaria judicial - não está funcionalmente adequado aos fins do processo, sendo uma exigência puramente formal, arbitrariamente imposta, sem qualquer sentido útil para a tramitação processual, dificultando de modo excessivo e intolerável a atuação procedimental imposta aos intervenientes processuais.
24. Os princípios da celeridade e da desjudicialização devem ceder perante uma decisão de fundo, materialmente justa e equitativa, que se impunha num caso como o dos autos, e que consistiria em o Tribunal contar o prazo de impugnação referido no art. 130º, n.º1, do CIRE, não a partir da entrega efetiva das listagens na secretaria pelo administrador, porquanto este havia incumprido largamente o prazo para o fazer, mas sim a partir da notificação judicial feita aos credores.
25. O Acórdão recorrido interpretou o disposto nos artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, do CIRE, de forma materialmente desadequada, tomando uma decisão meramente formal em detrimento de uma decisão de fundo, impedindo, consequentemente, uma tutela judicial efetiva do direito do Banco Recorrente.
26. A interpretação recorrida viola, ainda, a imposição constitucional da tutela jurisdicional efetiva (princípio da efetividade judicial), a que alude o artigo 20º, n.º5, da CRP, porquanto cria uma dificuldade excessiva e materialmente injustificada no direito de um sujeito processual agir em juízo - através da impugnação da lista dos créditos reconhecidos - criando uma situação de indefesa.
27. Não é aceitável que qualquer cidadão que pretenda impugnar um eventual crédito reclamado em processo de insolvência, tenha que andar diariamente, durante um período de tempo indefinido, a deslocar-se ao Tribunal para averiguar se a listagem de credores reconhecidos e não reconhecidos efetuada pelo administrador de insolvência foi junta aos respetivos autos.
28. A única interpretação conforme com a Constituição é aquela que defenda que, num caso como o dos presentes autos, em que (i) o administrador da insolvência não tiver respeitado o prazo legalmente estabelecido para a junção das listas na secretaria judicial, e (ii) exista uma notificação judicial aos credores da apresentação de tais listas aos autos pelo administrador da insolvência, o prazo de 10 dias para a impugnação das listas começa a contar a partir da notificação judicial e não desde a data efetiva em que o administrador entregou as listas na secretaria.
29. Deve, assim, ser declarada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, das normas extraídas dos artigos 129º, n.º1, e 130º, n.º1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, quando interpretadas no sentido em que é a data da efetiva apresentação pelo administrador da insolvência da lista dos credores reconhecidos o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130º, n.º1, do CIRE, mesmo quando o administrador da insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.º1, do artigo 129º, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da referida lista.».
4. Os recorridos, notificados para o efeito, não contra-alegaram (cfr. cota lavrada a fls. 140).
5. Posteriormente, por despacho de 23 de maio de 2013 (cfr. fls. 142), foi o recorrente notificado para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, face à possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento de mérito quanto à questão de constitucionalidade que constitui objeto do presente recurso, se pronunciar sobre o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente o cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, de forma adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a existência de objeto normativo e a aplicação do critério normativo cuja sindicância se pretende como ratio decidendi da decisão recorrida, nos termos dos artigos 704.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão.
6. O recorrente respondeu nos seguintes termos (cfr. fls. 144 a 148):
«1. O Banco Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE, de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, nas suas alegações de recurso, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tudo nos termos do artigo 72°, n.°2, da LTC.
Vejamos,
2. Por despacho datado de 18 de março de 2012, o Tribunal de primeira instância considerou extemporânea a impugnação à lista, referenciada no artigo 129° do CIRE, apresentada em juízo pelo Banco Recorrente, uma vez que o prazo de 10 dias, referido no artigo 130°, n.º, do CIRE, começava a contar a partir da data efetiva da entrega do administrador da insolvência da lista de credores na secretaria judicial, ainda que a lista tivesse sido junta aos autos pelo administrador da insolvência após o termo do prazo legal previsto no art. 129°, n.°1, do CIRE e ainda que o Tribunal tivesse notificado os credores da junção (extemporânea) da referida lista pelo administrador da insolvência.
3. O Recorrente defendeu, perante o Tribunal a quo, que tal interpretação das normas contidas nos artigos 129°, n.º1, e 130º, n.°1, do CIRE, perfilhada pelo Tribunal de primeira instância — no sentido de que o prazo de impugnação, a que alude o artigo 130°, n.°1, do CIRE, começa a contar a partir da data efetiva da entrega do administrador da insolvência das listas de credores na secretaria judicial, obrigando os credores a deslocarem-se diariamente ao tribunal para sindicar com rigor do depósito das listagens, durante um período temporalmente indefinido - não podia ser admitida, por gritante violação da Constituição, designadamente dos mais elementares princípios do livre acesso ao direito e à justiça, consagrados no artigo 20° da CRP.
4. Aliás, o Recorrente elencou, perante o Tribunal a quo, os direitos/princípios que densificam o princípio do processo justo e equitativo, com expresso acolhimento no disposto no n.°4, do art. 20°, da CRP, e que, no caso dos autos, haviam sido violados pelo Tribunal de primeira instância, designadamente:
- Direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias;
- Proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras;
- Direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos;
- Direito à fundamentação das decisões;
- Direito à decisão em prazo razoável;
- Direito de conhecimento dos dados do processo;
- Direito à prova;
- Direito a um processo orientado para a justiça material.
5. O Recorrente defendeu, ainda, perante o Tribunal a quo, que o decidido pelo Tribunal de primeira instância revelou-se desadequado, irrazoável e arbitrário e contendeu com a extensão e o alcance do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ínsito na Constituição da República Portuguesa - consagrado no seu artigo 20.° - na medida em que impediu ou dificultou irrazoavelmente a ação em juízo de um sujeito processual da insolvência.
6. Nas alegações de recurso, apresentadas ao Tribunal a quo, o Recorrente defendeu que, quando o administrador da insolvência não tiver respeitado o prazo previsto no artigo 129°, n.°1, do CIRE, para a apresentação da lista na secretaria, e quando os credores tenham sido notificados pelo Tribunal da junção extemporânea da mesma lista, a interpretação consentânea com a Lei Fundamental — artigo 20°, da CRP - é a de que o prazo de impugnação da referida lista de credores, a que alude o artigo 130°, n.°1, do CIRE, começa a contar a partir da notificação judicial aos credores de que as listagens já se encontram depositadas. na secretaria judicial.
7. O Recorrente especificou, pois, em termos claros, a questão jurídico-processual cuja inconstitucionalidade pretendeu efetivamente suscitar perante o Tribunal a quo.
8. A este respeito, consta das conclusões de recurso de apelação o seguinte:
17. No caso sub judice, incumprido pelo Sr. Administrador de Insolvência o prazo para apresentação da relação definitiva de credores, a que alude o artigo 129° do CIRE, devem dela ser notificados os credores (da apresentação tardia de tais elementos e quando a mesma se verificar, o que aqui aconteceu) como interessados, a fim de, querendo, sobre ela se pronunciar, v.g. para efeitos de impugnação de créditos.
18. Unicamente por esta via se realiza a sobredita função de garantia do processo, revelando-se outra interpretação incompatível com a segurança jurídica, consubstanciando a introdução de um fator variável suscetível de tornar indefinido o início e o terminus dos prazos processuais.
19. Pelo que, andou e bem, o Tribunal a quo quando ordenou a notificação a todos os credores da lista a que alude o artigo 129° do CIRE.
20. Ora, com a notificação deste despacho aos credores - e da respetiva lista de credores - iniciou-se o prazo processual para a apresentação da impugnação à mesma.
21. Aliás, tendo em consideração que a lei adjetiva não permite a prática de atos processuais inúteis, (vide art. 137° do Código de Processo Civil) é inequívoco que o escopo da referida notificação não foi senão o de conceder aos credores a oportunidade de apresentarem impugnação à lista extemporaneamente apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência.
22. Na verdade, face à patente tempestividade da impugnação apresentada pelo Banco, o M. Juiz a quo agendou data para a realização da tentativa de conciliação a que alude o artigo 136° do CIRE.
23. Caso contrário, qual a razão do aludido despacho? Qual o motivo da notificação da lista aos credores? Qual a razão da marcação da diligência da tentativa de conciliação, a que alude o artigo 136° do CIRE?
24. Face à extemporaneidade da junção da lista pelo Administrador, é por demais evidente que (i) existe necessidade do Tribunal notificar os credores, como o fez, e que (ii) a contagem do prazo de 10 dias previsto no artigo 130° n° 1 do CIRE, iniciou-se com a notificação da lista aos credores efetuada pelo Tribunal a quo.
25. É a partir desse momento que nasce a possibilidade de qualquer interessado atacar o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência.
26. Carece de fundamento legal o despacho recorrido ao considerar que o prazo de 10 dias para a impugnação teve o seu início em 30 de setembro de 2011... “ (data da junção aos autos da listagem).
27. Tal decisão revela-se, desadequada, irrazoável e arbitrária e contende com a extensão e o alcance do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, ínsitas na Constituição da República Portuguesa bem como, olvida a proibição da prática de atos inúteis a que todos os intervenientes processuais se encontram adstritos.
28. Não é aceitável, que qualquer cidadão que pretenda impugnar um eventual crédito reclamado em processo de insolvência, tenha que andar diariamente, durante mais de um ano, a deslocar-se ao Tribunal para confirmar com elevado grau de fiabilidade, que a listagem de credores reconhecidos e não reconhecidos efetuada pelo administrador de insolvência, foi junta aos respetivos autos.
29. O momento a quo do prazo de 10 dias concedido a qualquer interessado para impugnar a lista de credores reconhecidos pelo administrador, nos termos do artigo 130° do CIRE, coincide com o momento ad quem do prazo de 15 dias concedido a este para apresentar na secretaria do tribunal a referida lista (artigo 129° n.°1 do CIRE).
30. No caso de o Administrador de Insolvência preterir aquele prazo, o Tribunal a quo deve notificar todos os credores conhecidos, iniciando-se então o subsequente prazo de 10 dias para a possibilidade de impugnar ou não a aludida relação, previsto no artigo 130° nº 1 do CIRE.
31. Aliás, só assim, se compreende a notificação efetuada pelo Tribunal a quo em 21 de outubro de 2011 bem como, a marcação judicial da tentativa de conciliação, a que faz referência o artigo 136° CIRE
32. Ë axiomático, que, simultaneamente, (i) quando o administrador não cumpre o prazo de 15 dias previsto no artigo 129° do CIRE e (11) tendo havido despacho judicial a ordenar a notificação aos credores interessados da junção da lista é a partir deste momento que começa a contar o prazo estabelecido no artigo 130° n.º 1 do CIRE.
33. O despacho a quo, ao decidir como decidiu, violou frontalmente, o disposto nos artigos 129° e 130° do CIRE, no artigo 137° do Código de Processo Civil e, ainda, o disposto no artigo 20° da CRP.
9. O Recorrente quando suscitou a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 129°, n° 1, e 130°, n.°1, do CIRE, perante o Tribunal a quo, para que este fosse obrigado a dela conhecer, invocou a sua desconformidade com o art. 20°, da CRP, tal como o faz, agora, perante este Tribunal Constitucional.
10. Conclui-se que o Recorrente mencionou, perante o tribunal “a quo”, a norma constitucional que considera violada pela interpretação dos artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE, tendo, ainda, justificado, sumariamente, a inconstitucionalidade, agora, suscitada perante este Tribunal Constitucional.
Acresce que,
11. A interpretação impugnada pelo Recorrente corresponde à fundamentação do Acórdão recorrido.
12. O Recorrente defendeu que as normas extraídas dos artigos 129°, n.° 1, e 130°, n.°1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, quando interpretadas no sentido em que é a data da efetiva apresentação pelo administrador da insolvência da lista dos credores reconhecidos o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130°, n° l, do CIRE, mesmo quando o administrador da insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.°1, do artigo l29°, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da referida lista, violam o artigo 20°, da Constituição da República Portuguesa.
13. Por seu turno, o Acórdão recorrido interpretou e aplicou os artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE, no sentido de que é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130°, n.°1, do CIRE, mesmo quando a mesma lista foi junta aos autos pelo administrador da insolvência mais de um ano após o termo do prazo legal previsto no art. 129°, n.°1, do CIRE e mesmo quando o Tribunal tenha notificado os credores da junção (extemporânea) da referida lista pelo administrador da insolvência.
14. Segundo o Tribunal a quo, essa interpretação dos artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE ...” faz incidir sobre os interessados um especial ónus de acompanhamento da marcha do processo, que deverão efetuar de forma diligente e atenta, pois desse modo terão a garantia e a certeza acerca do momento a partir do qual poderão usar da faculdade de impugnação da lista que reconheça créditos” e, por esse motivo, não é contrária ao princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
15. Atente-se, ainda, nos seguintes excertos retirados do texto do douto acórdão recorrido:
(...) De acordo com o n.°1 do artigo 129° do mesmo diploma legal, nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, (...)
O prazo de que dispõe para a concretização dessa tarefa é de 15 dias, contados do termo do prazo das reclamações de créditos, como especificadamente prevê o n. °1 do já mencionado artigo 129° do CIRE.
No caso concreto, pese embora o prazo legalmente estabelecido nos moldes assinalados e a natureza urgente do processo de insolvência, claramente proclamado no n. °1 do artigo 9° do CIRE, o administrador da insolvência nomeado nos autos apenas apresentou a listagem dos credores por si reconhecidos em 30 de setembro de 201 1, ou seja mais de um ano decorrido sobre o termo do prazo legal fixado para esse efeito!...
Determina o n° 1 do artigo 130° do CIRE que nos 10 dias subsequentes ao termo do prazo fixado no n° 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos (...)
Quanto aos restantes credores, isto é, aqueles que não foram avisados nos termos daquele normativo, dispõem estes do mesmo prazo de 10 dias para impugnarem a lista em causa, mas contado do termo do prazo fixado pelo n.°1 do artigo 129° do CIRE para o administrador apresentar a lista.
Tal significa que, neste último caso, a contagem do prazo se inicia automaticamente, sem dependência de qualquer outra ocorrência ou condição, com o decurso do prazo ali fixado. (...)
Poderá todavia suceder, como ocorreu na situação aqui em debate, que o administrador da Insolvência não apresente a lista dentro do prazo, que não tem natureza perentória, legalmente fixado para o efeito, fazendo-o para além desse prazo. Continuarão, nesta hipótese, os interessados vinculados ao prazo estabelecido no n.°1 do artigo 130° do CIRE, por referência ao n.°1 do artigo 129° do mesmo diploma?
Neste caso o prazo de 10 dias apenas se iniciará a partir da data da efetiva apresentação da lista na secretaria. (...)
Revertendo ao caso dos autos, constata-se, como já se adiantou, ter o administrador da Insolvência apresentado a lista com a relação dos créditos reconhecidos em 30 de setembro de 2011, mais de um ano volvido sobre o termo do prazo fixado no n.°1 do artigo 129° do CIRE.
Constitui a data da efetiva apresentação da lista pelo administrador da Insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, cujo, termo, como esclarece a decisão impugnada, ocorreu em 10. 10.2011. (...)
Síntese conclusiva:
-É de 10 dias, contados do termo do prazo legalmente fixado para o administrador da insolvência apresentar na secretaria do tribunal a lista dos credores por si reconhecidos, o prazo para qualquer interessado impugnar essa mesma lista.
-Se o administrador da insolvência, porém, apresentar a referida lista para além do termo do prazo fixado no n. °1, do art. 129° do CIRE, o prazo para os interessados procederem à sua impugnação inicia-se na data da efetiva apresentação da referida lista.
16. É, assim, bem claro que o Tribunal da Relação do Porto aplicou, como critério normativo, a regra - retirada dos artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE - segundo a qual é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130°, n.°1, do CIRE, mesmo quando o administrador de insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.°1, do artigo 129°, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da citada lista.
17. As normas em causa, constantes dos artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE, foram efetivamente aplicadas, com uma determinada interpretação, no Acórdão recorrido, enquanto ratio decidendi da decisão de não dar provimento ao recurso e manter o despacho do tribunal de primeira instância que julgou intempestiva a impugnação, apresentada pelo ora Recorrente nos autos supra referidos, à relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos.
18. A interpretação normativa impugnada pelo Recorrente integra a ratio ou a fundamentação utilizada na decisão proferida pelo Acórdão recorrido.
19. Em síntese: (i) as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie são os artigos 129°, n.°1, e 130°, n.°1, do CIRE, na interpretação de que é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude o artigo 130°, n.°1, do CIRE, mesmo quando o administrador de insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.°1, do artigo 129°, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da referida lista; (ii) o Recorrente entende que tal inconstitucionalidade deriva do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa; (iii) tal inconstitucionalidade foi invocada nas alegações de recurso do ora Recorrente para o tribunal recorrido, dando, assim, cumprimento ao ónus de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, de forma adequada, para o tribunal recorrido; e (iv) o douto acórdão recorrido aplicou aquelas normas, constantes dos artigos 1 29°, n.°1, e 1 30°, n.°1, do Cl RE, enquanto ratio decidendi da decisão recorrida e com o sentido normativo que o Banco Recorrente havia reputado de inconstitucional nas suas alegações.»
7. Não obstante o processo de insolvência revestir natureza urgente, como determinado no artigo 9.º, n.º 1 do CIRE, que dita que o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem caráter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal, não foi apresentado pelo recorrente requerimento para aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 5, da LTC.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
8. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 119), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
9. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente decorre que do mesmo constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º (cfr. fls. 102); a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – artigos 129°, n.°1, e 130º, nº 1, do CIRE (cfr. n.ºs 2, 5 e 7 a 9 (i), fls. 102-103); a indicação da norma constitucional que se considera violada – «princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa» (cfr. n.º 6 e 9 (iii), fls. 102-104); e a indicação da peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – «alegações de recurso» para o tribunal recorrido (cfr. n.º 2 e 9 (ii), fls. 102 e 104.)
10. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
11. Segundo o recorrente, conforme afirmado no n.º 2 do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, foi suscitada uma questão de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 129.º, n.º 1, e 130.º, n.º 1 do CIRE «de modo processualmente adequado perante o Tribunal da Relação do Porto, em termos de estar obrigado a dela conhecer, tudo nos termos do artigo 72°, n.°2, da LTC» e, conforme afirmado no n.º 4 do mesmo requerimento, o tribunal recorrido aplicou aquelas normas com o sentido normativo que o Banco Apelante, ora Requerente, havia reputado de inconstitucional – segundo alega o recorrente, no n.º 5 do seu requerimento, «no sentido de que é a data da efetiva apresentação da lista dos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência o marco temporal a partir do qual se inicia o prazo de impugnação pelos interessados, a que alude a artigo 130º, n°1 do CIRE mesmo quando o administrador de insolvência tenha incumprido o prazo fixado no n.°1, do artigo 129°, do CIRE, e mesmo quando o Tribunal tenha ordenado a notificação a todos os credores da citada lista.».
E o recorrente, na resposta à notificação do despacho da relatora de fls 142, reiterou que considera preenchidos aqueles pressupostos da admissibilidade do recurso para este Tribunal –quanto à suscitação adequada da questão de constitucionalidade durante o processo em termos de o tribunal a quo dela esteja obrigado a conhecer, no n.º 1 e ss. da resposta e, quanto ao pressuposto relativo à ratio decidendi do acórdão recorrido, nos n.ºs 11 e ss., em especial n.ºs 16-18.
12. Não obstante o afirmado pelo recorrente verifica-se, do teor da peça processual relevante, que não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto de admissibilidade do recurso para este Tribunal que respeita à suscitação de modo adequado de uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo perante o tribunal recorrido em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
12.1 O recorrente alega ter suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa nas suas «alegações de recurso» de apelação para o tribunal recorrido (cfr. requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, n.ºs 2 e 9 (ii) e resposta ao despacho de fls 142, n.º 6 a 10, fls. 145-146 v.º).
12.2 Da leitura da peça processual indicada pelo recorrente decorre todavia que as únicas passagens em que o recorrente se refere à violação de uma concreta norma constitucional – o artigo 20.º da Constituição – são o ponto (i) e o n.º 33 das Conclusões em que se afirma, de modo idêntico: «(i) O despacho a quo, ao decidir como decidiu, violou frontalmente, o disposto nos artigos 129° e 130° do CIRE, no artigo 137° do Código de Processo Civil e, ainda, o disposto no artigo 20° da CRP» e «33. O despacho a quo, ao decidir como decidiu, violou frontalmente, o disposto nos artigos 129° e 130° do CIRE, no artigo 137° do Código de Processo Civil e, ainda, o disposto no artigo 20° da CRP.».
Tal enunciado não corresponde à suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa – mas sim à imputação de uma violação do artigo 20.º da Constituição ao despacho sindicado.
A imputação da violação do artigo 20.º ao despacho sindicado, que decorre do disposto do n.º 33 das alegações de recurso de apelação, é ainda confirmada pela referência, no n.º 27 das Conclusões das mesmas alegações, onde se afirma que «Tal decisão revela-se, desadequada, irrazoável e arbitrária e contende com a extensão e o alcance do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, ínsitas na Constituição da República Portuguesa (…)» - o que o recorrente reitera no n.º 5 da sua resposta ao despacho de fls. 142, em que afirma que «5. O Recorrente defendeu, ainda, perante o Tribunal a quo, que o decidido pelo Tribunal de primeira instância revelou-se desadequado, irrazoável e arbitrário e contendeu com a extensão e o alcance do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ínsito na Constituição da República Portuguesa - consagrado no seu artigo 20.° - na medida em que impediu ou dificultou irrazoavelmente a ação em juízo de um sujeito processual da insolvência».
Aliás, os n.ºs 17 a 32 das Conclusões das alegações de recurso, que antecedem o número 33 que se refere à violação do artigo 20.º da Constituição – citadas no n.º 8 da resposta ao despacho de fls. 142 (cfr. fls. 145-146) –, reportam-se a factos e aos contornos do caso concreto, e à posição do recorrente quanto aos mesmos, indissociáveis do teor da decisão sindicada por via de recurso.
Ao contrário do que alega o recorrente no n.º 10 da sua resposta ao despacho de fls. 142, nos n.ºs 17 a 33 das «alegações de recurso», aquele não justificou, nem sequer sumariamente, a inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada por este tribunal.
Ali se limitou, após referência a factos relativos ao caso concreto, a imputar a violação do artigo 20.º da Constituição à decisão impugnada, não cumprindo o ónus de suscitação processualmente adequada da questão, já que não enuncia de forma expressa, clara e perceptível a questão de constitucionalidade e, assim, não procede à clara e expressa delimitação do objecto do recurso, nem a uma fundamentação, em termos minimamente concludentes, das razões porque considera inconstitucional a “norma” ou “critério normativo” que pretende submeter à apreciação do tribunal. Com efeito, o recorrente não justifica, na peça processual em causa, em termos concludentes, a imputação de inconstitucionalidade, não apresentando um mínimo de suporte argumentativo que permita ao tribunal saber que tem uma questão jurídico-constitucional para decidir.
12.3 Acresce que o alegado elenco, perante o Tribunal a quo – a que o recorrente se refere no n.º 4 da sua resposta ao despacho de fls. 142 (cfr. fls. 144 v.º) –, dos «direitos/princípios que densificam o princípio do processo justo e equitativo, com expresso acolhimento no disposto no n.°4, do art. 20°, da CRP, e que, no caso dos autos, haviam sido violados pelo Tribunal de primeira instância (…)» não é referido nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação no quadro da alegada suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade normativa das normas dos artigos 129.º, n.º 1 e 130, n.º 1, do CIRE (cfr. em especial o n.º 33 das alegações de recurso), mas sim a propósito das considerações gerais tecidas (cfr. fls 6-7) – na sequência do enunciado de factos respeitantes ao processo e da referência às presunções legais –, sobre o processo de um Estado de Direito e a referência ao contributo da jurisprudência e da doutrina para a densificação do conceito de processo equitativo. O recorrente porém, nesta sede de considerações gerais, não se refere a qualquer norma constitucional que consagre aquele processo equitativo nem à violação de qualquer norma constitucional por uma dada interpretação normativa.
12.4 Assim, não obstante o recorrente ter feito referência, nas suas alegações de recurso (cfr. (i) e n.º 33 das Conclusões) à violação do artigo 20.º da Constituição e ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. n.º 27 das Conclusões), tal não configura a suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo.
13. Pelo exposto, não se afigura possível conhecer do objeto do recurso.
III – Decisão
14. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não conhecer do objeto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios previstos no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral
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