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Processo n.º 554/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem interpor recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/05/2012 (cfr. fls. 406 a 410), que negou provimento ao recurso interposto da sentença do 4º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, proferida em 25-11-2011 (cfr. fls. 327-339), que condenou o recorrente, como autor na forma consumada de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, numa pena de prisão.
2. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido de 18/06/2012 (cfr. fls. 419) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 443), o recorrente, notificado para o efeito, veio confirmar o teor das alegações já juntas ao processo (cfr. fls. 446).
3. O Recorrido Ministério Público, notificado para o efeito, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 448-484).
4. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
4.1 O recorrente A., não se conformando com a sentença do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, de 25-11-2011 (cfr. fls. 327-339), que o condenou a pena de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 5 do Regime Geral das Infrações Tributárias, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 347-363), invocando em sede de conclusões (fls. 361-363):
«1. A sentença aqui em apreço, aplicou art. 105º do RGIT para condenar cada um dos arguidos, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança fiscal.
2. Esta norma penal afasta-se da norma equivalente existente na última versão do RJIFNA, redação introduzida pelo Dec.-lei nº 394/93 de 24/11 ao dispensar a apropriação como elemento típico.
3. Ao dispensar a apropriação como elemento distintivo que até à sua entrada em vigor marcava a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional, o RGIT não só afasta o crime de abuso de confiança fiscal do previsto na lei comum como faz sobrepor a uma mesma conduta tanto a comissão de um crime (art. 105º) como a de uma contraordenação (art. 114º), ainda que aquele só seja punível decorridos mais de 90 dias a contar da data em que a prestação deveria ser entregue.
4. A redação do art. 105º, nº 1 e 4º do RGIT eleva a dignidade penal o que anteriormente qualifica como de mero ilícito de natureza administrativa.
5. Deste modo e à semelhança do que sucede com o tipo de ilícito previsto no referido art. 105º, nº 1, do RGIT, também o art. 114º do RGIT estabelece como preponderante o elemento de “não entrega” no âmbito da consumação deste ilícito de mera ordenação social.
6. Deste modo e também à semelhança do que sucede com o tipo criminal, no âmbito desta contraordenação não se pode deixar de entender que a mesma possui a natureza de um ilícito omissivo puro, no que respeita aos termos da respetiva consumação.
7. O único elemento distintivo relevante, reporta-se ao referido prazo de 90 dias, pois a lei considera que a «não entrega» da prestação tributária decorrido este prazo passa a preencher o tipo de crime previsto no referido art. 105º, nº 1.
8. Analisando os preceitos constitucionais plasmados nos arts. 18º, nº 2 e 13º da Constituição da República Portuguesa e compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105º, nº 1 e 114º, nº 1, do RGIT, efetivamente nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos de elemento axiológico-socialmente relevante, que justifica a previsão legal constante daquele art. 105º, nº 1, conferindo-lhe dignidade penal.
9. A identidade e similitude entre o tipo criminal previsto no art. 105º do [RGIT] e a facti species contraordenacional, constante do art. 114º, e a indistinção do bem jurídico tutelado, por ambos os normativos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105º do RGIT.»
4.2 O Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, em Acórdão proferido em 9-05-2012 (cfr. fls. 406-410), apreciando as questões de constitucionalidade colocadas. E fê-lo nos seguintes termos:
«III. 2. 2. A incriminação do abuso de confiança no artigo 105.º do RGIT.
'A consciência coletiva adquiriu o sentimento de que o não pagamento de impostos é ofensivo da igualdade tributária dos cidadãos, da proporcionalidade contributiva, inviabilizando a realização das finalidades do Estado, fazendo-as recair agravadamente sobre outros, inscrevendo-se o direito fiscal num movimento de eticização, obediente aos princípios da legalidade, igualdade e justiça social, com apoio nos artigos 101º a 104º da Constituição da República Portuguesa'.
'Por isso, na teleologia do direito fiscal está subjacente um tratamento vigoroso, vocacionado à realização de fins públicos, de prossecução de incontornáveis interesses de índole financeira, nacionais e comunitários, de subsistência coletiva, de justa repartição dos rendimentos. O jus puniendi de que o Estado se mostra detentor na luta contra os devedores de impostos e contra todos aqueles que incorrem em fraudes na sua liquidação não reveste tratamento chocante, forma desproporcionada em favor do Estado, em colisão com os princípios com dignidade constitucional sedeados ao nível da igualdade dos cidadãos e da menor compressão dos direitos fundamentais - arts. 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República'.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre o problema do concurso entre as normas jurídicas que preveem os crimes de abuso de confiança fiscal e contra a segurança social, artigos 105.º e 107.º do RGIT, de um lado e, artigo 114.º do RGIT, por outro.
Fê-lo no Acórdão 61/07, nos termos do qual reafirmou jurisprudência anterior — decisiva para a boa decisão da presente questão normativa - no seguintes termos:
'no fundo, os agora recorrentes consideram que, ao admitir a hipótese de o mesmo facto ser havido como crime ou como contraordenação, a lei, por um lado, reconhece a falta de dignidade penal do mesmo, assim violando o artigo 2º e o n.º 2 do artigo 18º da CRP e, por outro, cria um privilégio injustificado para os créditos de que é titular o Estado, agora ofendendo o artigo 13º da CRP.
O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador a determinação das condutas que devem ser criminalizadas.
Necessário é, naturalmente, que a opção se não faça em violação das regras e princípios constitucionais relevantes na matéria.
Assim, por exemplo, no acórdão 134/2001, neste ponto transcrevendo o acórdão 604/99, relembrou-se o seguinte:
'como se observou noutro aresto (...), o 1142/96, 'se é sabido que o direito penal de um Estado de Direito visa a proteção de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário, só estes assumindo dignidade penal, o certo é que a Constituição não contém qualquer proibição de criminalização, e, observados que sejam certos princípios, como sejam o princípio da justiça, o princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade [...]' O legislador goza de ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela penal (e, assim, na decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais)', (na linguagem do acórdão 83/95, que seguiu na linha dos acórdãos 634/93 e 650/93).
É evidente - lê-se no citado acórdão 634/83 - que o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva'.
Ora, tal como se concluiu no acórdão 604/99 e se reproduziu no acórdão 134/2001, também as normas em apreciação no presente recurso não infringem os limites constitucionalmente impostos à criminalização, não envolvendo, como ali se escreveu, 'uma situação reconduzível, pela sua excessividade, à violação do princípio da proporcionalidade e ao desrespeito do artigo 18.º da CRP'.
Com efeito, e tal como o acórdão recorrido claramente explica e o Tribunal Constitucional já também afirmou, as condutas incriminadas (atualmente) pelos artigos 105.º (abuso de confiança fiscal) e 107.º (abuso de confiança contra a segurança social) põem em causa interesses de tal forma relevantes que legitimam a opção do legislador (...)'.
Por fim, no acórdão 54/2004; o Tribunal veio considerar estas considerações acabadas de transcrever plenamente transponíveis para a incriminação hoje constante do artigo 105.º do RGIT, orientação que novamente se reitera e que vale igualmente para o artigo 107. do RGIT'.
Partindo da jurisprudência citada, dir-se-á que é impossível negar alguma similitude entre os elementos típicos do crime do artigo 105º/1 e da contraordenação do artigo 114º/1 do RGIT.
Ambos pressupõem a falta de cumprimento, no tempo devido, do dever de entrega de quantias retidas a terceiros, com consequente dever de posterior entrega ao Estado.
Chegados a este ponto, poderia parecer que não existem fundamentos substantivos que justifiquem o tratamento diferenciado das situações previstas em tais normas.
Porém, assim não é.
Se atentarmos nos fins em vista com a incriminação da não entrega e analisarmos o regime específico de financiamento do Estado, para assegurar os fins em vista com a redistribuição fiscal, verificaremos que é legítimo ao legislador ordinário estabelecer normas sancionatórias distintas, em função de objetivos de preservação daquele sistema de financiamento, atentas as suas peculiaridades, por um lado e, por outro o caráter essencial das finalidades que com tais entregas visa satisfazer.
Donde, o risco de ocorrência de um movimento sistemático de recusa de entrega das prestações tributárias, colocaria em causa, de modo evidente, a própria sobrevivência do Estado Social, tal como está constitucionalmente instituído, pelo menos com as características que hoje conhecemos.
Deste modo, pode compreender-se que o legislador ordinário tenha optado por incriminar, de modo mais intenso, condutas que aparentemente se apresentavam como similares, mas que, em função das suas específicas características, causas e consequências, se apresentam juridicamente mais desvaliosas.
No ilícito fiscal, afirmou Augusto Silva Dias, In Ciência e Técnica Fiscal, n.º 22, julho de 1990, 18/19, parafraseando Borgmann, 'assiste-se a uma situação de 'inevitável conflito', que produz tendencialmente uma transferência de custos para terceiros que é, em grande parte, responsável pelo crescimento da evasão fiscal; por um lado, os agentes económicos ou aguentam os prejuízos causados por uma concorrência fiscalmente desleal ou têm de seguir-lhe o exemplo; por outro o próprio Estado perante a fuga ao fisco tende a aumentar a pressão fiscal com sacrifício daqueles que aceitam e cumprem as suas obrigações fiscais e daqueles que têm a sua situação tributária sob controlo.
Assiste-se, neste domínio, segundo este autor, a uma racionalidade instrumental, como disse Habermas, adversa à realização de valores sociais, como sejam a correção de injustiças e melhoria das condições de vida, desfavorável à formação de um sólido sentimento de justiça e consciência fiscal.
A própria comunidade começa a relevar a filosofia do imposto, a atentar no não pagamento, a forma como o é, o número daqueles que a ele se furtam e os inconvenientes comunitários presentes, não só retardando a realização das finalidades coletivas como o encargo a suportar, por eles próprios, ante a indiferença ao pagamento'.
Ora, parece ter sido essa a opção do legislador. Ou seja, estabelecer um regime de responsabilidade criminal mais intenso, no caso de atuações dolosas, densificadas ainda por cima pela permanência na conduta omissiva, por um maior período de tempo, em relação a atuações ainda que dolosas, que se reconduzem, tão só a um atraso na não entrega da prestação tributária, que não ultrapassa os 90 dias, ou que se reconduzam, mesmo que ultrapassado este limite temporal, a atuações, meramente negligentes.
A diferenciação é feita, não tanto em função da origem das prestações não entregues, não tanto em função do destino que lhes é dado, não tanto em função da finalidade que preside à tipificação, mas sim numa maior ilicitude do facto praticado. Na medida em que a não entrega - e já não o simples atraso, doloso da prestação tributária - é suscetível de desfalcar o património fiscal do Estado. Como de resto a não entrega negligente, mas aqui entende o legislador degradar a sua inerente gravidade, em função da não verificação de atuação dolosa.
Do exposto resulta que não é desproporcionado nem viola o princípio da igualdade que o legislador, ao abrigo da sua margem de liberdade normativa, opte por punir, de modo mais intenso, condutas que envolvam a dolosa falta de entrega de prestação tributária, retida (prescindindo do requisito da apropriação) decorrido que seja o prazo de 90 dias, em detrimento daquela outra situação, em que o mesmo facto ocorre de forma negligente ou é colocado termo ao atraso na não entrega, dentro dos 90 dias.
Não é o facto de o legislador ter acabado por prescindir do elemento 'apropriação' da prestação tributária, que coloca em causa o entendimento que vem de ser explanado.
Podemos esquematicamente constatar que a evolução legislativa na questão apropriação versus não entrega, foi a seguinte: no ano de 1990, o legislador utilizou a expressão 'não efetuar a entrega', no caso do Fisco; no ano de 1993, substituiu-a pela expressão 'apropriar', no caso do Fisco; no ano de 1995, no caso da segurança social, utilizou, a expressão 'não entregar'; no ano 2001, voltou a passar a utilizar a expressão 'não entregar', comum a ambas as situações.
Que concluir daqui?
Cremos que seguramente, independentemente da flutuação/variação na forma de expressão, se pode concluir, o que está hoje sedimentado, sem qualquer margem para dúvida, na atual redação dos textos legais, que o que esteve sempre em mente do legislador, foi a criminalização da não entrega por parte do obrigado, que era depositário dos valores referentes a IVA, a IRS, a Imposto de Selo e a contribuições para a segurança social, deduzidas aos trabalhadores, dentro do prazo legal para o efeito, decorrido o prazo em que a situação integra apenas responsabilidade contraordenacional, no pressuposto de que estando-se perante dinheiro, era o mesmo afetado, então a outro destino, fosse ele qual fosse.
Não passa a existir, por esse facto, qualquer sobreposição de previsão, como vimos já.
E se é certo que a matriz do abuso de confiança comum se vem esbatendo, tal se não mostra da mesma forma decisivo - a não ser, para demonstrar, porventura que o nomen juris do tipo está desfasado dos elementos que o configuram - permanecendo tão só, de comum, a violação da relação de confiança, com base na qual o devedor fora instituído fiel depositário da prestação tributária - onde, de resto, reside o desvalor da ação.
'Reconheça-se que o nomen juris do tipo legal 'abuso de confiança' levanta desde logo o problema da delimitação deste crime em relação ao abuso de confiança do artigo 205.º C Penal.
Tratam-se de incriminações que revelam uma estrutura típica diferente.
O abuso de confiança comum constitui um crime de apropriação, cuja realização implica um esbulho do titular, um desapossamento da coisa e uma integração pacífica da coisa na esfera patrimonial do autor.
Destes elementos o abuso de confiança fiscal apenas partilha o primeiro.
O crime fiscal é um crime contra o valor global de um património e não um crime contra a propriedade.
Para sua consumação não é necessário que o autor faça sua a coisa, que disponha dela como se fosse própria, mas apenas que a não entregue estando juridicamente obrigado a fazê-lo.
Por outro lado e como consequência, enquanto naquele tipo a intenção de obter um proveito económico se dilui no dolo de apropriação, em qualquer das formas admitidas, nestes, traduz-se numa intenção especifica de enriquecimento, que não tem correspondência com qualquer resultado (prejuízo patrimonial apropriação) espaço- temporalmente distinto da omissão de entrega da prestação. Não se inclui aqui uma qualquer não entrega, mas só a que for acompanhada de atos reveladores daquela intenção.
Porém tal como no C Penal, a incriminação do abuso de confiança assenta na violação de uma relação de confiança que tem por base um título de entrega.
O pressuposto ou circunstância que concorre no facto, consiste aqui como ali, numa relação jurídica fiscal, em que uma das partes é investida num poder sobre a prestação de imposto que lhe dá a possibilidade de a dissipar em proveito próprio. Por força desta condição, o tipo não abrange indiscriminadamente os casos de não pagamento da prestação tributária. Tal significaria um retorno à figura abominável, definitivamente ultrapassada entre nós, da responsabilidade penal por dívidas. Imprescindível se torna, por isso, que o autor lese a relação de confiança, que reside no facto de a coisa ter sido entregue ao autor para que este a devolva ou utilize para determinados fins. É o que se verifica nas situações de substituição tributária em que a lei determina que a posição de devedor na relação jurídica fiscal seja ocupada a título indireto por um substituto do verdadeiro contribuinte, em virtude da existência entre ambos de uma relação de direito privado.
A lei coloca o devedor substituto numa posição jurídica de detenção e de domínio sobre a prestação - entrega jurídica - para que ele posteriormente a devolva ao fisco.
O desvalor da ação integra, em suma, a defraudação da confiança deste modo depositada no autor.
Os requisitos ou elementos do tipo, consistem na não entrega total ou parcial da prestação devida, com especial intenção de enriquecimento próprio ou alheio. A consumação do ato não exige que haja apropriação da coisa, mas também não basta a simples mora na entrega.
A diferença entre o abuso de confiança fiscal e a contraordenação de falta de entrega de prestação tributária, está em que naquele o não pagamento é acompanhado de atos que exteriorizam e indiciam a intenção de obter vantagem patrimonial indevida, ao passo que nesta última, o autor atrasa, por determinado período a entrega da prestação, violando dolosa ou negligentemente, o prazo estabelecido'. cfr. Augusto Silva Dias, in o novo Direito penal fiscal não aduaneiro, a propósito do RJIFNA, in Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, II, Coimbra Editora.
Não é, pelo facto de o artigo 105º/1 do RGIT passa a conferir dignidade penal ao que anteriormente era qualificado como mera contra- ordenação – a não entrega – desaparecendo a fronteira que então era estabelecida entre crime e contraordenação, feita no âmbito da apropriação versus não entrega, que a nova tipificação passa a padecer de inconstitucionalidade, mormente pela violação dos artigos 13º e 18º/2 da CRP.
O legislador decidiu simplificar, tornar menos exigente, a tipificação, aceitando a 'não entrega' como elemento, comum, do tipo e colocar a fronteira, justificadamente, de resto, ou na diferenciação do elemento subjetivo ou no mero atraso na entrega da prestação tributária.
'O Estado, consoante a sensibilidade à natureza e grandeza dos interesses a acautelar, ao seu grau e prática de ofensividade, na abertura e compreensão à realidade, ' tanto em sede de diagnose como de prognose', embora com 'risco de erro e de variabilidade' - no ensinamento do Prof. Costa Andrade, em anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional 54/04, in RLJ. 1340, 320/1, subordinado à epígrafe 'O abuso de confiança fiscal e a insustentável leveza de um Acórdão do Tribunal Constitucional' - assim lhes confere tutela penal ou, reconhecendo a sua marca de ausência de associalidade, descriminaliza ou, e ainda, atenta a sua repercussão ética, mas de grau menor, relega para o mundo das contraordenações certos comportamentos.
É ao poder político-legislativo, segundo a premência, importância, gravidade e reiteração de lesividade de interesses, que cabe definir a natureza do ilícito, incumbindo ao poder judicial aplicar a lei de que aquele é único fautor'. ibidem.
Não se pode assim concluir - como o fazem os recorrentes - que 'nada permite distinguir os artigos 105.º e 114º, designadamente em termos de elemento axiológico socialmente relevante, que justifique a previsão legal constante daquele artigo 105º/1, conferindo dignidade penal e assim, identidade e similitude entre o tipo criminal previsto no artigo 105º do RGIT e a 'facti species' contraordenacional, constante do artigo 114º'
Indistinção do bem jurídico tutelado, por ambas as normas, donde os recorrentes retiravam o argumento da inconstitucionalidade material do artigo 105º do RGIT.
É claro que o bem jurídico tutelado é o mesmo, mas a potência, a densidade lesiva e as consequências da sua violação, justificam, em absoluto, uma diferenciação de tratamento, por um lado, atribuindo dignidade penal à infração mais grave e com maior grau de ilicitude e, por outro reduzindo a mero ilícito de ordenação social, a menos grave e com menos grau de ilicitude.
O núcleo duro do tipo acaba por manter-se idêntico, constituindo opção do legislador em estabelecer novas linhas programáticas de combate à fraude e evasão fiscais, passando a atribuir-se, agora, relevo à exigência da retenção da prestação ficar a dever-se, não a uma apropriação, para se degradar na da sua não entrega, dolosa, nos cofres do Estado, em detrimento da Fazenda Nacional, mas sem as implicações de caráter constitucional propugnada pelos recorrentes.
Em conclusão, perante todo o exposto, não se mostra que a decisão recorrida tenha afrontado na interpretação e aplicação do artigo 105º/1 do RGIT, qualquer uma das normas invocados pelos arguidos - artigos 18º/2 e 13º/1 da CRP.
Está, por isso, inelutavelmente, o recurso votado ao insucesso.»
4.3 É deste Acórdão que vem interposto o recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 415-418). Alega o recorrente (cfr. Alegações, fls. 422-440), em conclusão:
CONCLUSÕES
l. O Acórdão sentença, aqui em apreço, aplicou art. 105.º do RGIT para condenar cada um dos arguidos, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança fiscal.
2. Esta norma penal afasta-se da norma equivalente existente na última versão do RJIFNA, redação introduzida pelo Dec-lei n.º 394/93 de 24/11 ao dispensar a apropriação como elemento típico.
3. Ao dispensar a apropriação como elemento distintivo que até à sua entrada em vigor marcava a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional, o RGIT não só afasta o crime de abuso de confiança do previsto na lei comum como faz sobrepor a uma mesma conduta tanto a comissão de um crime (art. 105.º) como a de uma contraordenação (art. 114.º), ainda que aquele só seja punível decorridos mais de 90 dias a contar da data em que a prestação deveria ser entregue.
4. A redação do art. 105.º, n.º 1 e, 4.º do RGIT eleva a dignidade penal o que anteriormente qualifica como de mero ilícito de natureza administrativa.
5. Deste modo e à semelhança do que sucede com o tipo de ilícito previsto no referido art. 105.º, n.º 1, do RGIT, também o art. 114.º do RGIT estebelece como preponderante o elemento de 'não entrega' no âmbito da consumação deste ilícito de mera ordenação social.
6. Deste modo e também à semelhança do que sucede com o tipo criminal, no âmbito desta contraordenação não se pode deixar de entender que a mesma possui a natureza de um ilícito omissivo puro, no que respeita aos termos da respetiva consumação.
7. O único elemento distintivo relevante , reporta-se ao referido prazo de 90 dias, pois a lei considera que a 'não entrega' da prestação tributária decorrido este prazo passa a preencher o tipo de crime previsto no referido art. 105.º, nº 1.
8. Analisando os preceitos constitucionais plasmados nos arts. 18.º, n.º 2 e 13.º da Constituição da República Portuguesa e compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.º, nº 1 e 114.º, n.º 1 , do RGIT, efetivamente nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos do elemento axiológico-socialmente relevante, que justifica a previsão legal constante daquele art. 105.º, nº 1, conferindo-lhe dignidade penal.
9. Da análise destes dois preceitos constata-se que, perante a sua similitude suscita-se a questão da inconstitucionalidade da norma constante do art. 105.º, nº 1, do RGIT.
Vejamos os preceitos constitucionais relevantes nesta matéria.
10. Desde logo, o art. 18/2 da Constituição da República Portuguesa estatui que «A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
11. O n.º 3 do mesmo artigo estatui que «As leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».
12. É este preceito constitucional, de acordo com entendimento doutrinal e jurisprudencial predominante, que sustenta o princípio da subsidiariedade do direito penal, enquanto fator limitador de direitos liberdades e garantias.
13. De acordo com este entendimento, 'o direito criminal deve apenas ser utilizado como ultima ratio da política criminal', não sendo lícito o recurso ao mesmo para sancionar infrações sem comprovada dignidade penal (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-1-2004, Processo nº 0240260, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
14. Ou seja, por esta redação é unânime a consideração que no transcrito n.º 2 se consagra o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso.
15. Princípio este que se desdobra no princípio da adequação (as medidas restritivas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei), princípio da exigibilidade (tais medidas devem ainda revelar-se necessárias porque os fins visados não podiam obter-se por outros meios menos gravosos), princípio da proporcionalidade stricto sensu (os meios restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se medidas desproporcionadas ou excessivas em relação aos fins obtidos).
16. Pelo n.º 3 fica-se a saber que as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias devem ser gerais (por se dirigirem a uma generalidade de pessoas) e abstratas (por serem aplicáveis a um conjunto indeterminado de casos). E não ter caráter retroativo, o que também está consagrado no art. 29/1 da Constituição e com o qual se prende o princípio da legalidade previsto no art.lº/1 do Código Penal.
17. Por outro lado, dispõe o art. 29.º, n.º 5, da CRP que '[ninguém] pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime', norma que traduz a consagração a nível jurídico-constitucional do princípio ne bis in idem, principio este que, na sua vertente substantiva, proíbe a plúrima punição da mesma infração, não sendo porém incompatível com uma valoração plural do mesmo facto ou da mesma ação.
18. A doutrina pronuncia-se a favor da possibilidade de aplicação analógica do princípio ne bis in idem nas hipóteses de concurso entre crime e contra- ordenações.
19. Analisando os preceitos constitucionais supra indicados e compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.º, n.º 1 e 114.º, n.º 1, do RGIT, efetivamente nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos do elemento axiológico-socialmente relevante, que justifica a previsão legal constante daquele art. 105.º, n.º 1, conferindo-lhe dignidade penal.
20. A identidade e similitude entre o tipo criminal previsto no art. 105.º do, e a facti species contraordenacional, constante do art. 114.º, e a indistinção do bem jurídico tutelado, por ambos os normativos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105.º do RGIT.
Nestes termos deverá ser conhecido e concedido provimento ao presente recurso e, em conformidade, deverá ser declarada a inconstitucionalidade material das normas jurídicas do art 105 .º do Regime Geral de Infrações Tributárias, por violação dos arts. 18.º, n.º 2 e 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.º, nº 1 e 114.º, nº 1, do RGIT, a identidade e similitude entre o tipo criminal previsto nestes normativos e a indistinção do bem jurídico tutelado por ambos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105.º do RGIT.
4.4 O Ministério Público junto deste Tribunal apresentou contra-alegações (cfr. fls. 448-484), concluindo nos termos que se transcrevem:
«VI. Conclusões
19º
Por todo o exposto ao longo destas conclusões, cremos que o recurso interposto, nos presentes autos, pelo recorrente, A., não merece provimento, devendo, em consequência, manter-se o Acórdão recorrido, de 9 de maio de 2012, do Tribunal da Relação do Porto.
20º
Com efeito, os factos verificados nos presentes autos integram, sem margem para dúvidas, o tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105º, nºs 1, 2 e 5 do RGIT.
21º
A criminalização da não entrega dolosa daquilo que se recebeu a título não translativo de propriedade não corresponde a qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva suscetível de violar o disposto no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
22º
Por outro lado, a previsão do art. 105º do RGIT não coincide com a previsão dos ilícitos de mera ordenação social previstos no artigo 114º do RGIT, uma vez que nesta última disposição são contemplados, apenas e tão só, condutas negligentes, ou condutas dolosas, mas não consideradas criminosas.
23º
O jus puniendi do Estado, relativamente a devedores de impostos e a todos aqueles que incorrem em fraudes na sua liquidação, não reveste tratamento chocante, forma desproporcionada em favor do Estado, em colisão com os princípios com dignidade constitucional sedeados ao nível da igualdade dos cidadãos e da menor compressão dos direitos fundamentais – arts. 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
24º
Cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador, a determinação das condutas que devem ser criminalizadas.
25º
Com efeito, o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais pertence, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, uma larga margem de discricionariedade.
26º
A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente “excessiva”.
27º
Se se atentar nos fins em vista com a incriminação da não entrega de quantias retidas a terceiros com o consequente dever de posterior entrega ao Estado, e se analisar o regime específico de financiamento do Estado, para assegurar os fins em vista com a redistribuição fiscal, afigura-se ser legítimo, ao legislador ordinário, estabelecer normas sancionatórias distintas, em função de objetivos de preservação daquele sistema de financiamento, atentas as suas peculiaridades, por um lado e, por outro o caráter essencial das finalidades, que com tais entregas visa satisfazer.
28º
É legítimo, por esse motivo, que o legislador ordinário opte por incriminar, de modo mais intenso, condutas que, embora aparentemente se mostrem similares a outras, revelem, em função das suas específicas características, causas e consequências, aspetos juridicamente mais desvaliosos.
29º
Afigura-se, assim, aceitável estabelecer um regime de responsabilidade criminal mais intenso, no caso de atuações dolosas, densificadas, ainda por cima, pela permanência na conduta omissiva, por um maior período de tempo, em relação a atuações ainda que dolosas, que se reconduzem, tão só a um atraso na não entrega da prestação tributária, que não ultrapassa os 90 dias, ou que se reconduzam, mesmo que ultrapassado este limite temporal, a atuações, meramente negligentes.
30º
A diferenciação é feita, não tanto em função da origem das prestações não entregues, não tanto em função do destino que lhes é dado, não tanto em função da finalidade que preside à tipificação, mas sim numa maior ilicitude do facto praticado.
31º
Não é desproporcionado, nem viola o princípio da igualdade, que o legislador, ao abrigo da sua margem de liberdade normativa, opte por punir, de modo mais intenso, condutas que envolvam a dolosa falta de entrega de prestação tributária retida, em detrimento daquela outra situação, em que o mesmo facto ocorre de forma negligente, ou é colocado termo ao atraso na não entrega, dentro de um prazo de 90 dias.
32º
Não é pelo facto de o artigo 105º nº 1 do RGIT passar a conferir dignidade penal ao que anteriormente era qualificado como mera contraordenação – a não entrega – desaparecendo a fronteira, que então era estabelecida, entre crime e contraordenação, feita no âmbito da apropriação versus não entrega, que a nova tipificação passa a padecer de inconstitucionalidade, mormente pela violação dos artigos 13º e 18º nº 2 da Constituição.
33º
O bem jurídico tutelado é o mesmo, mas a potência, a densidade lesiva e as consequências da sua violação, justificam, em absoluto, uma diferenciação de tratamento, por um lado, atribuindo dignidade penal á infração mais grave e com maior grau de ilicitude e, por outro reduzindo a mero ilícito de ordenação social, a menos grave e com menos grau de ilicitude.
34º
A questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente afigura-se contrária a jurisprudência firmada deste Tribunal Constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
5. O presente recurso de constitucionalidade parte da alegada similitude da tipificação penal operada pelo artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) com o ilícito contraordenacional previsto no artigo 114.º, n.º 1, do mesmo regime legal e da indistinção do bem jurídico tutelado nesses preceitos, já que, segundo o recorrente, «compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.º, nº 1 e 114.º, nº 1, do RGIT, efetivamente nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos do elemento axiológico-socialmente relevante, que justifica a previsão legal constante daquele art. 105.º, n.º 1, conferindo-lhe dignidade penal» (cfr. Alegações, fls. 434).
É, assim, pedido a este Tribunal (cfr. idem, fls. 440) que julgue «a inconstitucionalidade material das normas jurídicas do art 105.º do Regime Geral de Infrações Tributárias, por violação dos arts. 18.º, n.º 2 e 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.º, nº 1 e 114.º, nº 1, do RGIT, a identidade e similitude entre o tipo criminal previsto nestes normativos e a indistinção do bem jurídico tutelado por ambos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105.º do RGIT.»
6. A questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos foi já apresentada a este Tribunal pelo ora recorrente no âmbito do processo de fiscalização concreta n.º 4/13, verificando-se coincidir não apenas o Autor, como o pedido e a causa de pedir, com o agora requerido.
A pretensão em causa foi decidida pelo Acórdão n.º 216/2013, nos termos que vale a pena transcrever:
« (…)
4. Servindo-se o recorrente da similitude entre os ilícitos de diferente género, um de natureza criminal e o outro de mera ordenação social, previstos nos art.ºs 105.º e 114.º do RGIT respetivamente, para procurar demonstrar a desnecessidade de tutela penal conferida pelo primeiro, convém começar por transcrever esses preceitos legais.
Dispõe o primeiro deles, no elenco dos crimes fiscais:
Artigo 105.º
Abuso de confiança
1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efetuada for superior a € 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas.
6 - (revogado)
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
E estabelece o segundo, no domínio das contraordenações tributárias:
Artigo 114.º
Falta de entrega da prestação tributária
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais;
b) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva preceder a alienação ou aquisição de bens;
c) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens;
d) A alienação de quaisquer bens ou o pedido de levantamento, registo, depósito ou pagamento de valores ou títulos que devam ser precedidos do pagamento de impostos;
e) A falta de liquidação, do pagamento ou da entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papéis e atos;
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
6 - O pagamento do imposto por forma diferente da legalmente prevista é punível com coima de (euro) 75 a (euro) 2000.
Note-se, porque esta é uma particularidade da dimensão aplicativa concreta, que o sistema foi interpretado no sentido de que 'remete para duas realidades diferentes, uma vez que, e no caso do IVA, por exemplo, nos leva a tratar como crime apenas a não entrega do IVA faturado, mas efetivamente recebido, e como contraordenação o IVA apenas faturado, mas nunca recebido'.
5. Nas alegações, o recorrente limitou a sua argumentação, no sentido da inconstitucionalidade da tipificação do abuso de confiança fiscal como crime nos termos do art.º 105.º do RGIT, a dois parâmetros de constitucionalidade. Em primeiro lugar e com maior investimento argumentativo, alega a violação do n.º 2 do art.º 18.º da Constituição, enquanto sede material imediata do princípio da subsidiariedade do direito penal. Acrescenta, embora sem discurso autónomo, a indicação do art.º 13.º (princípio da igualdade), como norma constitucional violada.
Argumentação no essencial semelhante à do recorrente foi já apreciada pelo Tribunal no acórdão n.º 61/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
Como então, também no presente recurso está em apreciação uma argumentação dirigida a convencer de que, ao conceber o sistema de tal modo que o mesmo facto possa ser havido como crime ou como contraordenação, a lei, por um lado, reconhece a falta de dignidade penal do mesmo, e, por outro, cria um privilégio injustificado para os créditos de que é titular o Estado.
Lembremos o que nesse acórdão se disse:
'O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador a determinação das condutas que devem ser criminalizadas. Necessário é, naturalmente, que a opção se não faça em violação das regras e princípios constitucionais relevantes na matéria. Assim, por exemplo, no acórdão n.º 134/2001 (www.tribunalconstitucional.pt), neste ponto transcrevendo o acórdão n.º 604/99 (Diário da República, II série, de 26 de maio de 2000), relembrou-se o seguinte:
«Como se observou noutro aresto (…), o nº 1142/96, “se é sabido que o direito penal de um Estado de Direito visa a proteção de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário, só estes assumindo dignidade penal, o certo é que a Constituição não contém qualquer proibição de criminalização, e, observados que sejam certos princípios, como sejam o princípio da justiça, o princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade [...] 'o legislador goza de ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela penal (e, assim, na decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais)', (na linguagem do acórdão nº 83/95, publicado no Diário da República, II Série, nº 137, de 16 de junho de 1995, que seguiu na linha dos acórdãos nºs. 634/93 e 650/93, publicados no Diário da República, II Série, Suplemento, nº 76, de 31 de março de 1994).
'É evidente – lê-se no citado acórdão nº 634/83 – que o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva'».
Ora, tal como se concluiu no acórdão n.º 604/99 e se reproduziu no acórdão n.º 134/2001, também as normas em apreciação no presente recurso não infringem os limites constitucionalmente impostos à criminalização, não envolvendo, como ali se escreveu, 'uma situação reconduzível, pela sua excessividade, à violação do princípio da proporcionalidade e ao desrespeito do artigo 18º da CR'.
Com efeito, e tal como o acórdão recorrido claramente explica e o Tribunal Constitucional já também afirmou, as condutas incriminadas (atualmente) pelos artigos 105º (abuso de confiança fiscal) e 107º (abuso de confiança contra a segurança social) põem em causa interesses de tal forma relevantes que legitimam a opção do legislador.
Assim, e por exemplo, no acórdão n.º 312/2000 (Diário da República, II série, de 17 de outubro de 2000) escreveu-se, a propósito do crime de abuso de confiança fiscal, então previsto no artigo 24º do RJIFNA:
«5. – No caso em apreço nos presentes autos, deve entender-se que a norma penal incriminadora do crime de abuso de confiança fiscal não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, princípio implicado no direito à liberdade e segurança (artigo 27º, n.º1, da Constituição).
Antes de mais, importa analisar os valores e os bens jurídicos em causa na criminalização das infrações fiscais.
O entendimento tradicional do nosso direito penal é o de que só certas formas de ofensas aos bens jurídicos tutelados que se revestem de particular gravidade, pelo alarme social que a sua prática justificadamente causa, necessitam da intervenção do direito penal, assim realizando o princípio constitucional da necessidade da pena.
No caso das infrações fiscais, a publicação em 1988 e 1989 dos Regimes Jurídicos dos imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), do imposto sobre os rendimentos das pessoas coletivas (IRC), da contribuição autárquica (CA) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais induziu a reforma do tratamento normativo das infrações fiscais não aduaneiras, tendo o Governo pedido e obtido autorização da Assembleia da República para legislar em tal matéria, relativamente a todos os impostos, contribuições parafiscais e demais prestações tributárias e, bem assim, quanto aos benefícios fiscais.
A autorização concedida permitia ao Governo, em matéria penal, adaptar os princípios gerais, os pressupostos da punição, as formas do crime e as causas de suspensão do procedimento e da extinção da responsabilidade criminal, podendo tipificar novos ilícitos penais e definir novas penas, tomando como referência o Código Penal, mas podendo alargar ou restringir a respetiva dosimetria. Define-se, em seguida, o sentido da autorização através da definição dos tipos de ilícito e dos respetivos elementos do tipo, bem como dos valores máximos e mínimos das penas e coimas. Seguidamente, prevê-se na lei de autorização legislativa a adequação do processo penal aos novos tipos de ilícito (penal e contraordenacional) criados.
A Lei de Autorização n.º 89/89, de 11 de setembro veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro, posteriormente alterado, na parte agora em causa, pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de novembro, aprovado na sequência da Lei n.º 61/93, de 20 de agosto.
Este tratamento sistemático da punição das infrações fiscais não aduaneiras mostra bem o relevo que o legislador pretendeu atribuir à defesa dos interesses subjacentes a tal normação e cuja violação a mesma pretende evitar – os interesses da Fazenda Nacional.
Num Estado de direito, social e democrático, a assunção pelo Estado da realização do bem estar social, através da concretização de uma democracia económica, social e cultural, com respeito pelos direitos e liberdade fundamentais, legitima-se pela necessidade de garantir a todos uma existência em condições de dignidade.
A realização destas exigências não só confere ao imposto um caráter de meio privilegiado ao dispor de um Estado de direito para assegurar as necessárias prestações sociais, como também alarga o âmbito do que é digno de tutela penal.(…)
De facto, um Estado para poder cumprir as tarefas que lhe incumbem tem de recorrer a meios que só pode exigir dos seus cidadãos. Esses meios ou instrumentos de realização das suas finalidades são os impostos, cuja cobrança é condição da posterior satisfação das prestações sociais. Compreende-se, assim, que o dever de pagar impostos seja um dever fundamental (cf. Casalta Nabais, “O dever fundamental de pagar impostos”, Livraria Almedina, 1998, pág. 186,ss) e que a violação deste dever, essencial para a realização dos fins do Estado possa ser assegurado através da cominação de sanções criminais.
No caso em apreço, a obrigação em causa não é meramente contratual, mas antes deriva da lei – que estabelece a obrigação de pagamento dos impostos em questão. Por outro lado, nestas situações, o devedor tributário encontra-se instituído em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário. Na verdade, no IVA e no imposto sobre os rendimentos singulares (IRS), os respetivos valores, são deduzidos nos termos legais, devendo depois o respetivo montante ser entregue ao credor tributário que é o Estado.
Perante a norma em questão há assim que levar em conta este aspeto peculiar da posição dos responsáveis tributários, que não comporta uma pura obrigação contratual porque decorre da lei fiscal.
Finalmente, relevar-se-á que a impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança fiscal; a não entrega atempada da prestação, torna possível a instauração do procedimento criminal nos termos do nº 5 do artigo 24º, mas o que importa para a punibilidade do comportamento, como se referiu, é a apropriação dolosa da referida prestação.
Tem assim de se concluir que a norma constante do artigo 24º do RJIFNA não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27º, nº 1, da Constituição, em consonância com o previsto no artigo 1º do Protocolo nº 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.»
Este mesmo entendimento foi posteriormente perfilhado pelo acórdão n.º 389/2001 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e pelo acórdão n.º 516/2000 (Diário da República, II série, de 31 de janeiro de 2001), no qual estava em causa a norma do artigo 27º-B do RJIFNA (Abuso de confiança em relação à segurança social), posteriormente seguido pelos acórdãos n.ºs 427/2002 e 494/2004 (ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt):
«7.Os fundamentos utilizados no citado acórdão nº 312/00 são transponíveis para o presente processo: em primeiro lugar, porque as sanções estabelecidas para o abuso de confiança fiscal e para o abuso de confiança em relação à segurança social são as mesmas – as que constam da norma do artigo 24º do RJIFNA, apreciada naquele acórdão; em segundo lugar, porque as considerações feitas a propósito da tipificação do crime abuso de confiança fiscal valem igualmente para o crime de abuso de confiança em relação à segurança social.
Assim, e resumidamente:
A solução de punir criminalmente as infrações às normas reguladoras dos regimes de segurança social revela a importância atribuída à defesa dos interesses públicos subjacentes à legislação em causa, em consonância aliás com a incumbência atribuída ao Estado, pelo artigo 63º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, de “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social”.
Nos termos do artigo 27º-B do RJIFNA – e do mesmo modo que perante a norma apreciada no acórdão nº 312/00 –, são elementos constitutivos do crime de abuso de confiança em relação à segurança social: a apropriação, total ou parcial, pelas entidades empregadoras, das contribuições que tenham deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores e que por estes sejam legalmente devidas; a não entrega do respetivo montante às instituições de segurança social, no prazo de 90 dias. Não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores do crime só podem ser punidos se praticados com dolo (artigo 13º do Código Penal); se não se provar o dolo mas apenas a negligência, pode existir a contraordenação prevista no artigo 29º, nº 2, do RJIFNA.
A obrigação em causa não é meramente contratual, antes deriva da lei – que impõe a entrega pelas entidades empregadoras às instituições de segurança social do montante das contribuições que aquelas entidades tenham deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores e que por estes sejam legalmente devidas. Nestas situações, as entidades empregadoras encontram-se instituídas “em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário”.
A mera impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança em relação à segurança social. A não entrega atempada da prestação torna possível a instauração do procedimento criminal nos termos do nº 5 do artigo 24º do RJIFNA, mas o que importa para a punibilidade do comportamento, como se referiu, é a apropriação dolosa da referida prestação.
A situação pode aproximar-se do crime de abuso de confiança previsto e punido pelo Código Penal (artigos 205º a 207º), que é um crime contra o património, cuja consumação ocorre com a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia entregue por título não translativo de propriedade.
8.Concluindo, pois:
A Constituição não contém, para este tipo de casos, proibição de criminalização e reconhece a necessidade de, em Estado de direito democrático, se protegerem penalmente os bens e interesses jurídicos essenciais à vida em comunidade.
A proibição de “prisão por dívidas” é indiscutivelmente princípio decorrente da Constituição da República Portuguesa (cf. acórdão nº 440/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º vol., p. 521 ss).
Porém, como se escreveu no acórdão nº 663/98 (Diário da República, II Série, nº 12, de 15 de janeiro de 1999, p. 592 ss), “a privação da liberdade não é proibida se outros factos se vêm juntar à incapacidade de cumprir uma obrigação contratual”. Nestes casos, e no caso de a impossibilidade de cumprir não ser devida a negligência, o direito penal pode prever tipos de crimes puníveis com prisão.
Por outro lado, entre nós sempre se entendeu que o princípio da proibição de “prisão por dívidas” só se aplicava aos “devedores de boa fé”, dele se excluindo os casos de provocação dolosa de incumprimento (cfr. o mencionado acórdão nº 663/98) e considera-se que as razões aduzidas para a proibição da «prisão por dívidas» não se aplicam quando a obrigação não deriva de contrato mas da lei (neste sentido e desenvolvidamente, o acórdão nº 663/98 e, mais recentemente, o acórdão nº 312/00).
A norma constante do artigo 27º-B do RJIFNA não viola portanto o princípio segundo o qual ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Não existe na solução da lei qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva, suscetível de constituir violação do artigo 18º, nº 2, da Constituição ou de contrariar o direito à segurança social consagrado no artigo 63º da Constituição.»
Estas considerações, que se reiteram, são válidas para a incriminação constante da atual redação do art.º 105.º do RGIT.
Acrescenta-se, tão somente, que a evolução legislativa entretanto verificada no regime de punição do ilícito previsto no art.º 105.º do RGIT (cfr. redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), introduziu elementos de punibilidade penal, de discutível recorte dogmático, mas que, apertando a malha de requisitos necessários à punição, conduziram à redução do universo das condutas que são puníveis como crime e, inversamente, passaram a cair na punição como contraordenação. O que, em termos prático-jurídicos, significa atenuar o âmbito ou a intensidade da intrusão restritiva do legislador relativamente a direitos fundamentais que é inerente à configuração como crime, contribuindo para observar o princípio da subsidiariedade do direito penal.
6. O recorrente invoca, ainda, a violação do princípio da igualdade, mas sem argumentação autónoma. Admite-se que possa ter pretendido alegar que o legislador estabelece para o Estado, enquanto credor fiscal, um privilégio inadmissível, por dispensar o elemento típico 'apropriação' quanto ao ilícito previsto no art.º 105.º do RGIT, por confronto com o crime de abuso de confiança.
Considera-se, todavia, que a justificação atrás apresentada para não julgar contrária à Constituição a incriminação constante dos artigos 105º do RGIT vale evidentemente para excluir a imputação de violação do princípio da igualdade. Com efeito, é claro que não é arbitrário distinguir, para este efeito, os créditos correspondentes ao incumprimento de obrigações fiscais dos créditos da titularidade de particulares. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, sendo indispensável que essas entidades disponham dos meios que a comunidade política lhe atribuiu para que possam ser cumpridos os fins a que estão adstritas. O incumprimento dos deveres de entregar ao credor tributário o imposto que o substituto fiscal recebeu ou deduziu é especialmente atentatório dos interesses patrimoniais do Estado enquanto credor tributário. Por outro lado, não é só a natureza do crédito que é diferente. Também a causa, o modo e as obrigações acessórias do dever de entregar a prestação pelo substituto tributário são diversas daquelas que podem estar na origem de outros deveres de entrega de coisas móveis recebidas por título não translativo de propriedade.
7. Consequentemente, não se considera suscetível de violar o disposto no n.º 2 do art.º 18.º ou no n.º 1 do art.º 13.º da Constituição a norma do art.º 105.º do RGIT na medida em que pune como crime de abuso de confiança fiscal a não entrega à administração tributária da prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, efetivamente deduzida e que o agente estava legalmente obrigado a entregar.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso»
7. Em face da identidade do pedido de fiscalização da constitucionalidade formulado a este Tribunal, sem que hajam sido aduzidos argumentos novos, a doutrina exarada no citado Acórdão n.º 216/2013 (e, bem assim, na jurisprudência de que o mesmo se prevalece) mostra-se inteiramente transponível para a situação em apreço.
Pelo que, pelos fundamentos constantes do Acórdão n.º 216/13, se conclui pela improcedência do recurso.
III – DECISÃO
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 105.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias e, em consequência,
b) Não conceder provimento ao recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios previstos no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral
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