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Processo n.º 300/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Vaz Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, A., Companhia de Seguros S.A., foi condenada pelo Instituto de Seguros de Portugal na coima unitária de €10.500,00, pela prática de sete contraordenações, p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, e pelos artigos 36.º, n.º 1 e 86.º do mesmo diploma.
A acoimada impugnou judicialmente essa condenação, pretensão que foi julgada procedente e proferida a sua absolvição.
O Instituto de Seguros de Portugal recorreu, então, para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por seu turno, por acórdão proferido em 11 de setembro de 2012, julgou o recurso procedente e condenou a A., Companhia de Seguros, S.A., nos mesmos termos da decisão administrativa.
A A., Companhia de Seguros, S.A, arguiu, de seguida, a nulidade desse acórdão, o que veio a ser indeferido, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de dezembro de 2012.
2. Nessa sequência, a A., Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional dos dois acórdãos, proferidos em 11 de setembro e 13 de dezembro de 2012, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Neste Tribunal, pela decisão sumária n.º 113/2013, foi decidido não conhecer do recurso na vertente dirigida ao acórdão proferido em 11 de setembro de 2012, por não consubstanciar decisão definitiva, atenta a prolação do acórdão proferido em 13 de dezembro de 2012.
Regressados os autos ao Tribunal a quo, uma vez transitada em julgado a decisão sumária n.º 113/2013 e, com ela, o acórdão do Tribunal da Relação de 13 de dezembro de 2012, veio a A., Companhia de Seguros, S.A., recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de setembro de 2012.
3. Pela decisão sumária n.º 225/13 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
“ (...)
3. Transitada em julgado a Decisão Sumária n.º 113/2013, veio A1, Companhia de Seguros S.A. recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de setembro de 2012, através de requerimento com o seguinte teor:
“A., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (doravante A1.), Recorrida nos autos à margem indicados, tendo sido notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de setembro de 2012, vem dele interpor o competente recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na al. b), do n.º 1 do artº 70º e ao abrigo dos artºs 70º, nº 2, 72º, nº 2, 75º, nº 1, 75º-A, nºs 1 e 2, e 78º, nº 3, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual, (doravante designada Lei do Tribunal Constitucional), o qual tem efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos, por forma a obter
A) a declaração de inconstitucionalidade das normas dos artºs 2.º, 8.º, 41.º, 58.º, 62.º, 74.º e 75.º, do RGCO, dos artºs 1.º, al. f), 283.º, n.º 3, al. b), 358.º, 359.º, 379.º, n.º 1, al. b) e artº 425.º, do CPP e artº 349.º do Código Civil, no sentido em que foram aplicadas pelo Acórdão de 11 de setembro, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, da Constituição da República Portuguesa,
B) a declaração de inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 5.º, 27.º, 27.º-A e 28.º, do RGCO, 87.º do DL n.º 291/2007 e artº 5º, n.ºs 2 a 3, da Norma Regulamentar n.º 7/2009-R, do Instituto de Seguros de Portugal (à data dos factos, Norma Regulamentar n.º 16-R/2007) no sentido em que foram aplicadas pelo Acórdão de 11 de setembro de 2012, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, e 165.º, n.º 1, d), da Constituição da República Portuguesa,
C) a declaração de inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 412.º, n.º s 1 e 2, 417.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, no sentido em que foram aplicadas pelo Acórdão de 11 de setembro de 2012, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
I) OBJETO
O presente recurso vem interposto do Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de setembro de 2012.
Isto porque, conforme se lê na decisão sumária n.º 113/2013 do Tribunal Constitucional, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se junta, “na medida em que foi arguida a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de setembro de 2012 e foi interposto recurso de constitucionalidade da decisão que a indeferiu, aquele acórdão não consubstancia uma decisão definitiva e, como tal, não é ainda recorrível para este Tribunal.”
Tendo a decisão sumária do Tribunal Constitucional referente ao acórdão de 13 de dezembro transitado em 14 de março de 2013, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de setembro é já recorrível para aquele mesmo Tribunal.
Assim,
O requerimento de recurso versa sobre as inconstitucionalidades de diversas soluções jurídicas vertidas no Acórdão de 11 de setembro de 2012, numa dupla perspetiva, a saber:
(i) a inconstitucionalidade de soluções normativas, cuja desconformidade com a Constituição foi invocada em sede de Resposta à Motivação e (ii) sobre as decisões surpresa contidas no referido Acórdão.
Efetivamente:
II) DAS INCONSTITUCIONALIDADES
A. DAS INCONSTITUCIONALIDADES INVOCADAS EM SEDE DE MOTIVAÇÃO DE RECURSO
E como se alegou em sede de Resposta à Motivação de Recurso, de fls..., dos autos, a Recorrente entende e invoca, perante o Tribunal Constitucional que:
1. A norma extraída dos arts 2º., 8.º, 41.º, 58.º, 62.º, 74.º e 75.º, do RGCO, dos artºs 1.º, al. f), 283.º, n.º 3, al. b), 358.º, 359.º, 379.º, n.º 1, al. b) e artº 425.º, do CPP e artº 349.º do Código Civil, interpretada no sentido de que, num processo contraordenacional em que a Arguida tenha sido absolvida em primeira instância, o Tribunal ad quem possa alterar a matéria de facto com recurso à prova por presunção de negligência, acrescentando factos penalmente relevantes que não constavam da Decisão Administrativa e sem os quais a Arguida não podia ser responsabilizada, sem obter o acordo da Arguida, do Assistente e do Ministério Público e sem conceder prazo para defesa é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, da Constituição da República Portuguesa.
2. A norma extraída dos art.ºs 5.º, 27.º, 27.º-A e 28.º, do RGCO, 87.º do DL n.º 291/2007 e artº 5º, n.ºs 2 a 3, da Norma Regulamentar n.º 16-R/2007 do Instituto de Seguros de Portugal (à data dos factos, Norma Regulamentar 7/2009-R), interpretada no sentido de que, no âmbito da gestão de processos de sinistros decorrente do DL n.º 291/2007, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional se suspende, por não poder legalmente iniciar-se ou por falta de autorização legal, ao abrigo do artº 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO, até que seja apresentado o reporte decorrente da aplicação conjugada dos artºs 3.º e 5.º, da Norma Regulamentar 16-R/2007 (à data dos factos, semestral e não quadrimestral, ao abrigo da Norma Regulamentar 7/2009-R), é, em tal interpretação, inconstitucional por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, e 165.º, nº 1, d), da Constituição da República Portuguesa.
B. DA INCONSTITUCIONALIDADE “SURPRESA” DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELA RELAÇÃO DE LISBOA, EM 11 DE SETEMBRO DE 2012
Sem que nada o fizesse prever – face à doutrina e jurisprudência aplicável a esta matéria – no Acórdão de 11 de setembro decide-se o seguinte:
“Por seu turno, o n.º 1 do artº 5.º da mesma norma regulamentar, determina que a informação prevista no artº 3.º deve ser reportada quadrimestralmente ao Instituto de Seguros de Portugal até ao dia 15 do mês seguinte ao final do quadrimestre a que diz respeito, relativamente a todos os sinistros cujo processo foi tecnicamente encerrado nesse período.
É com esse reporte que o ISP fica habilitado a instaurar procedimento contraordenacional se houver motivo para tanto.
(...)
Da factualidade considerada provada extrai-se que só em 28.10.2010 a A1. reportou ao ISP a informação sobre os aludidos prazos relativamente aos processos de sinistros encerrados no primeiro semestre de 2009 (embora já em data anterior tivesse reportado a mesma informação, mas que a própria Arguida considerou não estar correta e por isso solicitou que lhe fosse permitido corrigi-la, o que lhe foi autorizado.
No entanto, verifica-se que foi em 1.03.2010 que o ISP pôde avaliar da existência, ou não, de alguma infração suscetível de fundamentar a instauração de procedimento contraordenacional e, tendo concluído pela afirmativa, foi determinado o levantamento do auto de contraordenação com que se iniciou o procedimento contraordenacional.”
Como se disse em A) supra, a Recorrente entende que a ideia de que apenas após a remessa do reporte decorrente dos artºs 3.º e 5.º, o ISP pode instaurar o procedimento contraordenacional e que, até essa data, o prazo prescricional fica suspenso ao abrigo do artº 27.º-A, al a), do RGCO, viola os artºs 2.º, 3.º, 29.º, 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, e 165.º, nº 1, d), da Constituição da República Portuguesa.
Todavia, caso assim não se entenda, o que, em prescindir, a título meramente hipotético e por mero dever de patrocínio se admite, não pode se não de concluir-se que, a partir do momento em que a Seguradora envia o primeiro reporte, em conformidade com o disposto nos artºs 3.º e 5.º da Norma Regulamentar, o ISP fica habilitado a instaurar procedimento contraordenacional, pelo que o prazo prescricional deixará de estar suspenso desde essa data.
Neste contexto, a Recorrente entende e invoca subsidiariamente [face ao invocado em A)] que:
1. A norma extraída dos art.ºs 5.º, 27.º, 27.º-A e 28.º, do RGCO, 87.º do DL n.º 291/2007 e artº 5.º, n.ºs 2 a 3, da Norma Regulamentar 16-R/2007 do Instituto de Seguros de Portugal (à data dos factos, Norma Regulamentar 7/2009-R), interpretada no sentido de que, no âmbito da gestão de processos de sinistros decorrente do DL n.º 291/2007, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, relativamente a cada uma das infrações imputadas em concurso real efetivo se suspende, por não poder legalmente iniciar-se ou por falta de autorização legal, ao abrigo do artº 27.º-A, n.º 1, al. a) do RGCO, até que seja apresentada a última versão do reporte relativo ao semestre em questão, apesar de o ISP já dispor de reporte da Seguradora, do qual consta a informação correta e necessária à instauração do processo contraordenacional relativamente às infrações que deram lugar à promoção de um processo contraordenacional, é, em tal interpretação, inconstitucional por violação dos artºs 2.º, 3.º, 29.º, 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 10, e 165.º, nº 1, d), da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, deve o presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional ser admitido, seguindo-se a tramitação prevista nos artigos 76.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional.”
4. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido.
II. Fundamentação
5. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo ou de queixa constitucional contra atos concretos de aplicação do Direito. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário.
Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional uma função revisora da atuação dos demais tribunais, fundada na direta imputação de violação da Constituição por tais decisões.
Nas palavras do Acórdão nº 138/2006, a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.” Daí que, quando pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique essa interpretação com o mínimo de precisão. Com efeito, segundo jurisprudência pacífica deste Tribunal e utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição.”
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, como acontece nestes autos, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, do sentido normativo cuja ilegitimidade constitucional vem arguida pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade ou de ilegalidade reforçada deva, por regra, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Donde só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade ou ilegalidade de uma norma quem tenha colocado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Dito isto, este requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) considera-se dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou nas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade, sendo de esperar, face ao ónus que decorre da parte final do n.º2 do artigo 75.ºA, da LTC, que tais circunstâncias justificativas da ausência de suscitação prévia sejam indicadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base (artigo 80.º, n.º 2, da LTC), exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois só assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a reformulação dessa decisão.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade e de legalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pelos recorrentes nos presentes autos.
6. Decorre do requerimento de interposição de recurso que a recorrente procura ver apreciadas pelo Tribunal Constitucionais três questões distintas, a última numa relação de subsidiariedade com as demais.
6.1. No ponto 1 da alínea A da parte II do requerimento, a recorrente aponta o recurso à interpretação de um conjunto vasto de preceitos (catorze), sedeados em três diplomas (Regime Geral das Contraordenações; Código de Processo Penal e Código Civil). E, a partir desse elenco de preceitos, deles extrai sentido, que diz aplicado na decisão recorrida, que enuncia como permitindo que, em processo contraordenacional em que a arguida tenha sido absolvida em primeira instância, “o Tribunal ad quem possa alterar a matéria de facto com recurso à prova por presunção de negligência, acrescentando factos penalmente relevantes que não constavam da Decisão Administrativa e sem os quais a Arguida não podia ser responsabilizada, sem obter o acordo da Arguida, do Assistente e do Ministério Público e sem conceder prazo para defesa”.
6.1.1. Em primeiro lugar, tomando esse enunciado de sentido e cotejando a resposta ao recurso apresentado pelo Instituto de Seguros de Portugal, apreciado na decisão recorrida, verifica-se que, ao contrário do que afirma no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente não suscitou essa questão perante o Tribunal a quo, em termos de vincular este ao seu conhecimento.
Em ponto algum das conclusões dessa peça processual, como, aliás, no corpo da motivação, surgem articulados tais preceitos e esgrimido argumento de constitucionalidade com o sentido complexo que agora se vem colocar perante o Tribunal Constitucional. Seguramente, o que se diz na conclusão 21ª - “Mesmo que se aceite a existência destas presunções em matéria contraordenacional, o que, sem prescindir, e por mera cautela se admite, não pode sustentar-se que os factos em que a negligência presumida se consubstancia não tenham de ser trazidos ao processo, no momento da sua vinculação temática, sob pena de flagrante violação do princípio da Defesa, da Lealdade Processual, do contraditório, da tutela jurisdicional efetiva, entre outros, e” – fica bastante aquém dos contornos da questão formulada no requerimento de interposição de recurso.
6.1.2. Acontece, porém, que o conhecimento do recurso nesta parte sempre decairá, qualquer que seja a conclusão sobre o cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade e, inerentemente, sobre a legitimidade da recorrente nessa vertente do recurso (artigo 72.º, n.º2 da LTC).
É que, diversamente do sustentado pela recorrente, a decisão recorrida não aplicou como determinante judicativa critério normativo de que faça parte a possibilidade do Tribunal da Relação, em sede de apreciação de recurso de decisão absolutória contraordenacional, inscrever nos fundamentos de facto matéria relevante para a verificação do ilícito contraordenacional ausente da decisão administrativa condenatória. Ao invés, considerou que a realidade de facto (psicológica) que deu como assente (provada) na parte decisória já constava materialmente dos fundamentos de facto da decisão administrativa condenatória, embora não exatamente com a mesma formulação.
Isso mesmo foi esclarecido pelo Tribunal a quo no acórdão em que negou provimento à arguição de nulidade, por excesso de pronúncia, com base no entendimento sobre a amplitude do decidido que agora a recorrente recoloca no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Acórdão esse transitado em julgado, após, recorde-se, decisão sobre recurso de constitucionalidade. Releva aqui particularmente o seguinte segmento do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de dezembro de 2012:
“(...) é manifesto que não lhe assiste a mínima razão para afirmar que o seu direito de defesa ou o contraditório foram violados e não se compreende [em nota de rodapé: ou melhor, só se compreende na medida em que, na realidade, o que a recorrida pretende através do expediente da arguição de nulidades, é reafirmar os seus pontos de vista e obter uma reapreciação do caso que lhe seja favorável] que a recorrida venha sustentar que este tribunal ‘fez acrescer à matéria de facto assente factualidade que não constava da decisão administrativa’ pois limitou-se a dizer, essencialmente, o mesmo que consta dessa decisão. Usou uma formulação mais condensada e utilizou termos que considerou mais apropriados (e expurgou alguns que entendeu serem desnecessários), mas a substância ou conteúdo é o mesmo: trata-se da materialização do elemento do tipo contraordenacional em causa”.
Consequentemente, importa concluir que o critério normativo, extraído por interpretação de um conjunto de preceitos, que a recorrente aponta em primeiro lugar, não foi efetivamente aplicado, como ratio decidendi, no Acórdão do Tribunal da Relação recorrido, o que veda, em obediência ao princípio da instrumentalidade da fiscalização concreta da constitucionalidade, o conhecimento do recurso nessa parte (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
6.2. A segunda questão formulada requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, radica em interpretação, que a recorrente reporta novamente de um conjunto de preceitos, e cujo sentido apresenta como sendo o de que “no âmbito da gestão de processos de sinistros decorrente do DL n.º 291/2007, o prazo de prescrição do procedimento se suspende, por não poder legalmente iniciar-se ou por falta de autorização legal, ao abrigo do art.º 27.ºA, n.º1, al. a) do RGCO, até que seja apresentado o reporte decorrente da aplicação conjugada dos artºs 3.º e 5.º, da Norma Regulamentar 16-R/2007”.
6.2.1. A recorrente alega que inscreveu essa argumentação de constitucionalidade na resposta à motivação de recurso mas assim não aconteceu.
Com efeito, tendo sido expressamente equacionada na motivação de recurso apresentado pelo recorrente Instituto de Seguros de Portugal a ocorrência de causa de suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 27.ºA, n.º 1, al. a) do RGCO, até ao cumprimento da obrigação estipulada no art.º 5.º, n.º 1 da Norma Regulamentar n.º 16-R/2007, na redação dada pela Norma Regulamentar 7/2009-R (cfr. conclusões 2ª a 4), a então recorrida, aqui recorrente, A1., Companhia de Seguros S.A., argumentou na resposta a esse propósito exclusivamente no plano infraconstitucional, isto é, de subsunção do caso em apreço ao critério normativo constante daquele preceito do RGCO.
A esta asserção não se opõe a parte final da conclusão 33, onde se alinha simplesmente a violação dos art.ºs 2.º, 3.º, 29.º e 32.º da Constituição, imputação de infração constitucional que não encontra qualquer desenvolvimento argumentativo no corpo da resposta. Aliás, não vêm mesmo mencionadas – ou sequer a colisão de qualquer critério normativo, minimamente recortado, com a Constituição – na alínea M), intitulada “Da Prescrição”, surgindo, isso sim, sustentada a desconformidade com a lei, isto é, a ilegalidade da “ideia de que o art.º 5.º da Norma Regulamentar 16-R/2007 se integra no leque de situações subsumíveis no art.º 27.-A, al. a), da RGCO, não tem qualquer apoio na letra da lei”. Nesse desenvolvimento, a desarmonia constitucional surge necessariamente dirigida à decisão violadora – na ótica do recorrente - do regime legal, e não ao ordenamento infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão.
Temos, então, que a recorrente não suscitou perante o Tribunal a quo a questão que procura ver apreciada por este Tribunal, o que determina, nos termos da al. b) do n.º1 do artigo 70.º e do n.º2 do artigo 72.º, ambos da LTC, a sua ilegitimidade e o não conhecimento do recurso nessa parte.
6.2.2. Mas, mesmo que considerasse satisfeito o ónus de suscitação prévia, verifica-se que a questão formulada no requerimento de interposição de recurso não constitui questão normativa de constitucionalidade, tendo como referente critério ou padrão normativo, mas sim a crítica de violação de parâmetros e princípios constitucional dirigida à operação de subsunção efetuada pela decisão recorrida no domínio da suspensão do prazo prescricional.
Assim, também por inverificação desse pressuposto – colocação de questão normativa de constitucionalidade – não pode o recurso, nessa parte, pelo seu objeto, ser conhecido.
6.3. Os mesmos fundamentos de não conhecimento do recurso afetam igualmente a terceira questão, invocada a título subsidiário das duas anteriores.
6.3.1. Na verdade, a formulação da questão apenas se distingue daquela que se vem de apreciar na adução de elemento adicional, no sentido de que a suspensão do prazo prescricional se estende até “ao último reporte relativo ao semestre em questão, apesar de o ISP já dispor de reporte da Seguradora, do qual consta a informação correta e necessária à instauração do processo contraordenacional relativamente à infrações que deram lugar à promoção de um processo contraordenacional”.
A recorrente considera que nada fazia prever essa interpretação mas, perante os termos da motivação de recurso, não se vê o que permite afirmar a verificação de surpresa – objetiva - nesse domínio nem, por outro lado, estamos perante situação que torne inexigível, numa gestão adequada e prudente da defesa processual, antecipar essa possibilidade e confrontar o Tribunal com a sustentação de insolvabilidade constitucional de critério ou padrão normativo tido por aplicável, obrigando ao seu conhecimento.
Afirma-se, assim, a ilegitimidade da recorrente também quanto a essa questão.
6.3.2. Por outro lado, e aqui ainda com maior nitidez, não estamos perante a colocação em crise por desconformidade constitucional de critério normativo, dotado de abstração e capaz de aplicação generalizada, mas sim perante a problematização da aplicação de critério normativo às circunstâncias particulares do caso concreto – a mesma irremediável ligação ao caso concreto, que já fundamentou nos autos a prolação da decisão sumária n.º 113/2013, de não conhecimento do recurso de constitucionalidade dirigido ao acórdão do Tribunal da Relação de 13 de dezembro de 2012 - consubstanciando impulso dirigido à reapreciação do ato de julgamento, alheio à fiscalização concreta da constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional no artigo 280.º, n.º 1, al. b) da Constituição.
Cabe, de resto, observar que as especificidades do caso que a recorrente inscreve na questão formulada no recurso de constitucional não são conformes com os pressupostos em que assentou a decisão recorrida. A recorrente afirma que o primeiro reporte informativo prestado ao ISP continha informação correta, quando o Tribunal recorrida afirma, em nota, que esse reporte foi considerado incorreto e imprestável pela própria arguida, aqui recorrente, que por isso solicitou que lhe fosse permitido corrigi-la, o que aconteceu em momento posterior. Não se tratou, então, de aplicar entendimento que remeta o facto suspensivo da prescrição para o momento do “último reporte”, mas sim de considerar relevante apenas o momento em que a informação prestada foi reputada pelo declarante como escorreita e operante para observar o comando do artigo 5.º da Norma Regulamentar 16/2007.
4. Inconformada, a recorrente reclamou da decisão sumária para a conferência, argumentando, em síntese, o seguinte:
- Através do recurso, a reclamante suscitou a inconstitucionalidade de diversas soluções normativas vertidas no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de setembro de 2012, numa dupla perspetiva: a) A inconstitucionalidade de soluções normativas, cuja desconformidade com a Constituição foi invocada durante o processo; b) A inconstitucionalidade de decisão surpresa contida no referido Acórdão;
- A reclamante não pode conformar-se com a decisão reclamada relativamente à inconstitucionalidade de soluções normativas cuja desconformidade com a Constituição foi invocada durante o processo, por entender que relativamente às inconstitucionalidades invocadas em 1) e 2) do requerimento de interposição de recurso, a Decisão Sumária assenta em equívocos, sobretudo por aceitar acriticamente a tese vertida pelo Tribunal da Relação segundo a qual a adição do acervo factual levada a cabo em 2ª instância, sem que a aqui reclamante se pudesse pronunciar sobre a referida factualidade, não comporta qualquer menoscabo para o exercício do seu direito de defesa;
- A mera análise da tramitação processual imprimida pela então Reclamante A1. nos presentes autos permite perceber que, desde a primeira hora vinha alegando que o objeto processual fixado na decisão administrativa não admitia a sua condenação, nos termos das disposições conjugadas nos art.ºs. 2.º, 58.º e 62.º do RGCO, art.º 224.º do DL 94-B/98 e art.ºs 283.º, 359.º e 379.º do CPP e 2.º, 20.º, n.º4 e 32.º, da CRP. E foi precisamente por esta razão que o Tribunal da Relação de Lisboa fez acrescer ao objeto processual o facto 10-A (de onde, em rigor, decorrem diversos factos e não apenas um) sem o qual a Reclamante não podia ser condenada, e sem conceder qualquer prazo de defesa;
- O exercício do direito de defesa e da tutela jurisdicional efetiva da reclamante – na vertente do exercício do contraditório, do ne bis in idem, do direito ao recurso para o Tribunal Constitucional – impõe a realização de uma apreciação objetiva das peças e das decisões judiciais, que seguramente levará a concluir pela acuidade da questão colocada à apreciação;
- A abrangência das exigências de suscitação prévia subjacentes à decisão reclamada, extravasa o conteúdo normativo do art.º 72.º, n.º2, da LTC, mostrando-se contrárias à jurisprudência deste Tribunal;
- O acervo factual imputado à Reclamante na decisão administrativa não contém indicação de qualquer matéria de onde possa inferir-se o elemento subjetivo da sua conduta;
- O Tribunal da Relação de Lisboa: a) fez acrescer à matéria assente factualidade que não constava da decisão administrativa, sobre a qual a arguida nunca se defendeu; e fê-lo ciente de que essa matéria era essencial para obter a condenação da arguida, indiferente à circunstância de a A1. ter alertado que uma decisão dessa natureza seria violadora do seu direito de defesa, do princípio do contraditório, do princípio do acusatório e do ne bis in idem, de entre outras coisas; b) ao alterar a matéria de facto nos termos descritos, o Acórdão pronunciou-se sobre matéria que não devia ter apreciado, uma vez que não estavam reunidos os pressupostos descritos no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP; c) o Tribunal não se debruçou sobre a conformidade de diversas soluções jurídicas que empregou na resolução do caso concreto, com a Constituição da República, não obstante a aqui Reclamante ter alegado a inconstitucionalidade das referidas interpretações;
- A aqui Reclamante invocou de forma processualmente adequada as inconstitucionalidades 1) e 2), seja em sede de Resposta à Motivação de Recurso, seja em sede de arguição de nulidade;
- A ora reclamante invocou, em sede de motivação e de conclusões, que a adição de factos ao objeto processual fixado na decisão administrativa consubstanciava uma decisão surpresa, violando princípio da Defesa, da Lealdade Processual, do Contraditório, da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrados nos art.ºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, da CRP;
- E, no que concerne à inconstitucionalidade 2) do requerimento de interposição de recurso, a Reclamante arguiu perante o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de conclusões, que a subsunção da situação do art.º 5.º da Norma Regulamentar 16-R/2007 no art.º 27.ºA, al. a), do RGCO – que regula situações de autorização legal e não regulamentar – não tem qualquer apoio na letra da lei, violando o art.º 2.º da CRP – as garantias decorrentes de um Estado de Direito Democrático – o art.º 3.º da CRP – a garantia da legalidade – o art.º 29.º da CRP – de onde decorre o princípio da legalidade penal – e o art.º 32.º - que regula as garantias de defesa em matéria de direito sancionatório;
- O próprio texto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa faz referência expressa a esse juízo de inconstitucionalidade, quando inventaria as questões trazidas aos autos pela então Recorrida. Do mesmo modo, a cognoscibilidade da inconstitucionalidade invocada em 2) pela Relação de Lisboa surge evidenciada pela própria associação de ideias contida na Decisão Reclamada, de onde decorre, com clareza, a necessária associação do que se escreveu a propósito da prescrição em sede de motivação, e o que se deixa dito na conclusão 33;
- Termos em que o argumento invocado [incumprimento do ónus de suscitação prévia] deve ser julgado improcedente, admitindo-se o recurso das soluções normativas vertidas em 1) e 2), nos seus precisos termos. Caso, porém, se entende que a formulação constante do requerimento de interposição extravasa o sentido inicial das inconstitucionalidades alegadas, deverá admitir-se o recurso com o sentido e alcance que se entenda resultar das alegações constantes da Resposta à Motivação de Recurso;
- Quanto à ratio decidendi da inconstitucionalidade invocada em 1), para efeitos de verificação da admissibilidade do recurso, caberá ao Tribunal Constitucional ajuizar sobre se a fundamentação oferecida pela Relação de Lisboa a este propósito está, ou não, correta. Ora, se se analisar a Decisão Condenatória, o Recurso de Impugnação, a sentença de Primeira Instância, a Motivação de Recurso do ISP, as Respostas da Arguida e do Ministério Público e o Acórdão da Relação, confirmar-se-á que não é verdade que a realidade acrescentada na Relação, sem concessão de qualquer prazo de defesa, já constava da decisão administrativa.
- A afirmação de que “a realidade de facto (psicológica) que deu como assente (provada) na parte decisória, já constava materialmente dos fundamentos de facto da decisão administrativa condenatória”, não está correta, tendo o Tribunal da relação, em sede de recurso da decisão absolutória contraordenacional, inscrever nos fundamentos de facto matéria relevante para a verificação do ilícito contraordenacional ausente da decisão administrativa.
Termina peticionando a revogação parcial da decisão sumaria e a admissão das inconstitucionalidades invocadas em 1) e 2) do requerimento de interposição de recurso.
5. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da correção da decisão sumária e do indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Vem a recorrente A., Companhia de Seguros, S.A., reclamar para a Conferência da decisão sumária n.º 225/13, que decidiu não conhecer do recurso para o Tribunal Constitucional que interpôs do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de setembro de 2012.
Importa, desde logo, referir que a reclamante, como resulta expressamente da parte final do articulado de reclamação, impugna a referida decisão sumária apenas parcialmente, dirigindo o pedido de revogação tão somente às inconstitucionalidades invocadas no requerimento de interposição de recurso em primeiro e segundo lugar. Ou seja, no que concerne à terceira questão, invocada a título subsidiário das duas anteriores, a recorrente conformou-se com o juízo de inadmissibilidade do recurso.
7. Feita esta delimitação, importa desde já dizer que, apesar da extensão argumentativa emprestada à reclamação, a sua improcedência mostra-se manifesta.
7.1. No que concerne à primeira questão colocada, depois de salientar, em termos que nos merecem adesão, a circunscrição do objeto (em sentido material) do recurso de constitucionalidade à apreciação de normas jurídicas, aí se incluindo interpretações normativas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional uma função revisora da atuação dos demais Tribunais, fundada na direta imputação de violação da Constituição por tais decisões, considerou-se na decisão sumária reclamada que não existe identidade entre a questão colocada à apreciação do Tribunal Constitucional e as questões previamente suscitadas perante o Tribunal a quo, por um lado, e que o sentido questionado não só não encontra correspondência em critério normativo efetivamente aplicado na decisão recorrida, como foi expressamente negado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por outro.
7.1.1. Tomando este último fundamento, verifica-se da reclamação que a recorrente procura contrariar a decisão sumária com o argumento de que cabe ao Tribunal Constitucional ajuizar sobre a correção do entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, projetando o conhecimento no presente recurso sobre a presença, ou ausência, do facto dado como provado no Acórdão recorrido no acervo fáctico dado como assente na decisão administrativa condenatória.
Porém, essa apreciação não cabe na competência do Tribunal Constitucional, circunscrita à apreciação dos critérios ou padrões normativos efetivamente acolhidos como juridicamente determinantes pelo Tribunal a quo, independentemente da sua bondade ou correção aplicativa. Não cabe a este Tribunal sindicar o ato de julgamento, na sua dimensão de subsunção aos critérios normativos julgados pertinentes das especificidades do caso em apreço.
Acresce que, no caso, e como se disse na decisão sumária, o invocado aditamento aos fundamentos de facto do acórdão recorrido de “factos penalmente relevantes que não constavam da Decisão Administrativa”, constituiu a base principal da arguição de nulidade, julgada improcedente pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de dezembro de 2012, decisão essa coberta por caso julgado.
Ora, e como se sedimentou nessa decisão, em termos que incumbe ao Tribunal Constitucional tomar como um dado, não foi aplicado critério normativo de que faça parte o acréscimo, em sede de decisão condenatória proferida em recurso pela Relação, de matéria de facto ausente da decisão administrativa que impôs a coima. Ao invés, o Tribunal a quo entendeu (correta ou incorretamente face ao que decorre dos autos, não cabe a este Tribunal apreciar) que se limitou “a dizer, essencialmente o mesmo que consta dessa decisão [administrativa]”.
Assim, a interpretação normativa questionada não foi efetivamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida, como acertadamente afirmado na decisão sumária reclamada, o que basta para concluir pelo não conhecimento do recurso quanto à primeira questão colocada, por inidoneidade objetiva.
7.1.2. Mas, também no que se refere ao incumprimento do ónus de suscitação prévia, cumpre manter o juízo constante da decisão sumária reclamada.
A reclamante procura demonstrar que suscitou previamente, embora com diferente formulação, a mesma questão de constitucionalidade que colocou perante o Tribunal Constitucional, em termos de vincular o Tribunal a quo ao seu conhecimento. Porém, e como se refere na decisão sumária reclamada, assim não aconteceu.
Antes de mais, não relevam para o efeito de suscitação prévia os articulados apresentados após a decisão recorrida, mormente a arguição de nulidade da própria decisão recorrida. Manifestamente, o Tribunal a quo não se encontra vinculado ao conhecimento de questões ou argumentos que não se encontravam formulados nos autos no momento da prolação da decisão recorrida, relevando aqui tão somente o que consta dos articulados que os sujeitos processuais apresentaram no âmbito do recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, por ser esse o meio (e momento) processualmente adequado a obrigar este ao seu conhecimento.
Ora, tomando o segmento da resposta ao recurso transcrito na reclamação, nele encontramos quadro problemático substancialmente distinto daquele colocado à apreciação deste Tribunal, desprovido de zonas de sobreposição (normativa), na perspetiva do recurso de constitucionalidade. Na realidade, a reclamante enuncia problema inteiramente contido no plano infraconstitucional, como se demonstra pela afirmação de vício de nulidade, a partir da leitura que considera correta da decisão administrativa condenatória. Não se encontra, nesses locais, qualquer enunciação de dimensão normativa desconforme com a Constituição, para além da simples indicação de preceitos constitucionais, que sempre será de referir, em argumentação centrada no plano da (i)legalidade, ao ato de julgamento, em si mesmo considerado, i.e. ao resultado aplicativo dos critérios ou padrões normativos relevantes à lide em presença.
Nessa medida, não se trata de exigir absoluta identidade semântica entre a questão previamente suscitada e a formulação constante do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nem de circunscrever a cognição aos princípios e preceitos constitucionais indicados originariamente como violados, o que, aliás, colidiria com o disposto no artigo 79.ºC da LTC (problema que não se confunde com identificação da norma ou interpretação normativa que viola tais preceitos ou princípios constitucionais e que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie). Antes de assegurar que o Tribunal a quo tenha sido previamente confrontado com a mesma questão normativa de constitucionalidade substancialmente considerada, ulteriormente invocada no requerimento de interposição de recurso perante o Tribunal Constitucional, permitindo que sobre ela venha a tomar posição, de forma expressa ou implícita. O que exige da parte ou do sujeito processual a formulação com um mínimo de clareza do critério ou padrão normativo cuja aplicação devia ser recusada, por ilegitimidade constitucional.
Feita essa precisão, importa dizer que não encontra correspondência nos autos a indicação de que o Tribunal a quo apreendeu e enunciou a mesma questão colocada em primeiro lugar no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Da fundamentação do acórdão recorrido consta apenas transcrição parcial da resposta da reclamante, caracterizada como “amálgama argumentativa”, e, quando abordada a questão de nulidade, que se considerou dirigida a “uma hipotética decisão que venha a incluir ‘o facto que o recorrente pretende ser dado como demonstrado por forma a admitir a condenação da Arguida a título negligente’”, nada se diz no plano da conformidade constitucional de qualquer norma ou interpretação normativa. Aliás, denota-se clara antinomia entre a invocação na reclamação de que o Tribunal a quo “faz referência expressa a esse juízo de inconstitucionalidade” e, noutra preposição, que “[o] Tribunal não se de debruçou sobre a conformidade de diversas soluções jurídicas que empregou na resolução do caso concreto, com a Constituição da República, não obstante a aqui Reclamante ter alegado a inconstitucionalidade das referidas interpretações”.
Pelo exposto, também falece, como decidido na decisão sumária reclamada, a legitimidade da recorrente quanto à primeira questão colocada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
7.2. Passemos, agora, a apreciar os argumentos da reclamante relativamente à decisão de não conhecimento da segunda questão colocada.
Também nesse ponto, a decisão sumária assentou em dois fundamentos, qualquer deles capaz de determinar o não conhecimento dessa questão, a saber, ilegitimidade da recorrente, em virtude de ausência de prévia suscitação da questão colocada e da sua inidoneidade objetiva para a fiscalização concreta da constitucionalidade, por inteiramente dirigida ao controlo da operação de subsunção efetuada pela decisão recorrida no domínio da suspensão do prazo prescricional.
7.2.1. Novamente, para fundar a sua legitimidade e contrariar o decidido, vem a reclamante evidenciar segmento da resposta à motivação, que transcreve.
Ora, o que aí se diz, volta a constituir a colocação de problema de legalidade e de subsunção do direito infraconstitucional, com expressão clara no trecho “[a] aplicação subsidiária do regime previsto no DL n.º 94-B/98 no quadro do DL n.º 291/2007 é feita in totum e a ideia de que o art.º 5.º da Norma Regulamentar 16-R/2007 se integra no leque de situações subsumíveis no art.º 27.ºA, al. a), do RGCO, não tem qualquer apoio na letra da lei, violando frontalmente os art.ºs 2.º, 3.º, 29.º e 32.º da CRP”. E, mesmo aí, não existe sintonia entre esse problema e aquele, diverso, inscrito no requerimento de interposição de recurso, em que se alude já não apenas ao artigo 5.º da Norma Regulamentar 16-R/2007, mas “ao reporte decorrente da aplicação conjugada dos arts. 3.º e 5.º da Norma Regulamentar 16-R/2007”.
7.2.2. Problema esse que, como se considera na decisão sumária, não interpela qualquer critério ou padrão normativo aplicado na decisão recorrida, mas sim o resultado da operação subsuntiva efetuada pela decisão recorrida no domínio da suspensão do prazo prescricional, dimensão aplicativa que não encontra inscrição no quadro de fiscalização concreta da constitucionalidade, estritamente normativa, cometida ao Tribunal Constitucional no artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição.
Observa-se, por fim, que, quanto a esse fundamento (que aponta na página 37 da reclamação), a reclamante nada opõe.
8. Cumpre, pelo exposto, concluir pela inadmissibilidade do recurso e pela improcedência da reclamação, com confirmação da decisão sumaria reclamada.
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária n.º 225/13.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Notifique.
Lisboa, 15 de Julho de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.
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