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Processo n.º 364/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Vaz Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 364/2013, a recorrente A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, 15 de novembro (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 15 de maio de 2012, em que foi negado provimento aos recursos intercalares bem como ao recurso da decisão final, que a condenou pela prática de um crime de difamação agravada, de dois crimes de injúrias agravada e de cinco crimes de denúncia caluniosa, impondo-lhe, em cúmulo jurídico dessas penas, a pena única de dois anos e onze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de pagar, no prazo de dezoito meses, a indemnização civil em que, na mesma decisão, foi condenada, a favor de quatro demandantes.
2. Pela decisão sumária n.º 293/13 decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«(...)
9. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade comportam objeto normativo necessário, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas - ou interpretações normativas -, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo ou de queixa constitucional contra atos concretos de aplicação do Direito.
Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são, exclusiva e necessariamente, normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional uma função revisora da atuação dos demais tribunais fundada na direta imputação de violação da Constituição – mormente no plano dos direitos fundamentais - por tais decisões.
Nas palavras do Acórdão nº 138/2006, a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.” Daí que, quando pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique essa interpretação com o mínimo de precisão.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, como aqui acontece, a sua admissibilidade depende ainda da suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e, igualmente, da decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, do sentido normativo cuja ilegitimidade constitucional vem arguida pelo recorrente.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade careça, por regra, de ter sido colocada à apreciação do tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Donde só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade uma norma quem tenha colocado previamente essa precisa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Por outro lado, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base (artigo 80.º, n.º 2, da LTC), exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo constitua determinante judicativa do acórdão recorrido, pois, só assim, o eventual juízo de inconstitucionalidade será idóneo a determinar a reformulação dessa decisão.
Expostos, sumariamente, os pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso de constitucionalidade e de legalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pela recorrente.
10. Numa primeira aproximação à resposta ao convite que lhe foi dirigido, nos termos do n.º6 do artigo 75.ºA da LTC, verifica-se dos seus termos, marcados por forte prolixidade, que a recorrente ignorou - ou pelo menos não lhe deu a devida ponderação - o apelo à clareza, precisão e concisão, inerentes ao cumprimento dos ónus impostos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.ºA da LTC. Essa opção da recorrente coloca dificuldades acrescidas na apreensão do objeto do impulso recursório, mas não dispensa - na medida do viável - o devido exercício exegético sobre o que se mostra enunciado na peça processual apresentada, em termos de delimitar o impulso recursório.
11. Nessa tarefa, a interrogação sobre a identificação da decisão recorrida encontra na circunstância do recurso ter sido interposto na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 3 de julho de 2012 subsídio relevante. Porque o Acórdão que conheceu a arguição de nulidade foi proferido posteriormente à interposição do recurso, emerge nítida a conclusão de que o impulso recursório tem como objeto (em sentido processual) essa decisão.
12. Passemos, pois, a ter em atenção as várias questões de constitucionalidade colocadas pela recorrente, para conhecimento pelo Tribunal Constitucional.
12.1. A formulação da “primeira questão”, depois de narrativa alusiva a requerimento de nulidade de inquérito por impedimento de magistrado do Ministério Público e à sua relação com a decisão da recorrente de não prestar declarações como arguida, encontra remate no último parágrafo dessa parte do requerimento, no sentido de que “deverá ser apreciada a constitucionalidade da interpretação que foi conferida, na apreciação do art 119.º por ref ao art 54.º ambos do CPP, nos autos no tocante à validade do inquérito, por o mesmo a dado momento ter sido presidido por titular que deveria ter requerido a escusa, o que veio a verificar-se posteriormente, razão pela qual não se procedeu à audição da arguida, por violação do art.º 32.º da CRP”.
Esses termos, em que se recorre abundantemente – quase exclusivamente – às vicissitudes específicas do caso em apreço e, expressamente, à apreciação do sentido do direito infraconstitucional, maxime à conjugação dos artigos 54.º e 119.º do CPP, denotam que não nos encontramos perante questionamento dirigido a desconformidade do direito ordinário aplicado com o ordenamento constitucional, mas sim de recurso que visa encontrar no Tribunal Constitucional outra instância de controlo da correção subsuntiva do caso ao direito ordinário, com referência ao regime das nulidades processuais. Trata-se, assim, de questionar a correção do ato de julgamento, em si mesmo considerado, de ponderação e aplicação casuística do direito infraconstitucional, o que se encontra fora do quadro de competência do Tribunal Constitucional, tal como definido na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e concretizado na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC.
Ausente objeto normativo cuja constitucionalidade venha questionada, encontra-se vedado o conhecimento do recurso nessa parte.
Dito isto, importa notar que o acórdão recorrido afasta expressamente que não se tenha procedido à audição da arguida (cfr. fls. 86), o que bastaria para afastar os termos do problema colocado da ratio decidendi acolhida pelo Tribunal a quo, alcançando, com esse diferente fundamento, a mesma conclusão de não conhecimento do recurso quanto a essa primeira questão.
12.2. A “segunda questão”, adiante-se, apresenta o mesmo sentido objetivo. Depois de narrar os termos do requerimento de prova e do despacho que o indeferiu – decisão intercalar cujo recurso foi conhecido no acórdão recorrido - a recorrente discorre sobre a procedência dos argumentos constantes do requerimento indeferido e diz mesmo que “não se entende o porquê da propalada incompetência do Tribunal em diligenciar pela obtenção das certidões requeridas”.
Em termos patentes, a enunciação da questão situa-se inteiramente no plano da ilegalidade da decisão judicial, e não na desconformidade constitucional de qualquer sentido normativo, apresentado em termos providos de generalidade, extraído dos preceitos processuais penais invocados. Quando escreve “sob pena de violar o preceituado no art.º 118.º do CPP, bem como no art.º 32.º n.º1 da CRP, invoca-se a ilegalidade e inconstitucionalidade dos arts.º 315.º e 164.º n.º2 ambos do CPP, quando interpretados no sentido de a prova documental ter de ser exclusivamente apresentado pela arguida, mesmo que aquela não tenha a ela acesso”, a recorrente volta a perspetivar o recurso para o Tribunal Constitucional como se de mais um recurso de instância se tratasse. Denota-se, novamente, o questionamento da interpretação e correção da aplicação do direito infraconstitucional, o que encontra tradução não só no repetido apelo ao controlo de legalidade (não qualificada) como, até, no pedido de conhecimento e declaração de nulidade processual, extravasando manifestamente o controlo da constitucionalidade de normas efetivamente aplicadas na decisão recorrida.
Acresce que, mesmo que se lograsse encontrar na formulação constante da resposta apresentada pela recorrente critério ou padrão normativo demarcado com o mínimo de precisão, o seu sentido teria que se construído a partir da apontada imposição de apresentação de prova documental pelo arguido abarcar também aquela que não lhe seja acessível.
Porém, a decisão recorrida não assenta em qualquer interpretação com esse sentido. Ao invés, nela acolhe-se expressamente o entendimento de que, pese embora a obtenção e junção de documentos incumba, em primeira linha, a quem os apresenta como meio de prova, nos casos que que esteja demonstrada a impossibilidade de o fazer, haverá lugar à dispensa desse ónus, procedendo o Tribunal de acordo com o princípio da descoberta da verdade material na pesquisa e solicitação de tais documentos (cfr. fls. 38 a 42 do acórdão recorrido). A improcedência do recurso intercalar ficou a dever-se à indemonstração dessa impossibilidade, notando o Tribunal a quo e que nada foi dito a esse propósito na contestação, a que se aduziu a ausência de demonstração da necessidade para a descoberta da verdade de tais documentos.
Logo, por não se identificar com a ratio decidendi, mesmo que comportasse o questionamento da ilegitimidade constitucional de critério normativo – o que não acontece – sempre cumpriria, por efeito do disposto no artigo 80.º, n.º 2 da LTC, afastar o conhecimento dessa “segunda questão”.
12.3. A “terceira questão” encontra, depois de extensas considerações sobre o que, no entender da recorrente, constituem os antecedentes do despacho que determinou a emissão de mandados de detenção para condução a diligência, a seguinte formulação: “Deve ser considerada inconstitucional a interpretação conferida [a]os art.)s).º 257.º; 258.º, n.º 1, alínea c) e 254.º n.º1, alínea b), este por referência ao art 116 n.º2 todos do CPP, quando colhem a interpretação que será de emitir mandados de detenção, mesmo quando a recorrente apresenta requerimentos a justificar as faltas às diligências para a qual é convocada, requerendo ser ouvida por carta precatória na comarca da sua residência e profissão, limitando o JIC a indeferir a pretensão, ordenando a emissão de mandados de detenção, bem como das de guias, para pagamento da sanção prevista pela falta, com nítida violação no estatuído no art.º 27.º da CRP, bem como dos art.ºs 4.º, 5.º, 6.º, 13.º e 35.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.
Também aqui, a discordância da recorrente incide sobre o momento aplicativo do direito infraconstitucional operado no ato judicativo, e não em desconformidade constitucional do critério normativo seguido. Não se trata de questionar a previsão da detenção para condução a diligência (o que convocaria a norma da alínea f) do n.º3 do artigo 27.º da Constituição), mas a verificação in casu dos pressupostos legais para a prolação da ordem de detenção. Daí a profusão de circunstâncias específicas do caso, como seja a apresentação de justificação para faltas a diligências e mesmo o indeferimento dessa justificação. Como também, a montante dessa formulação, a imputação de ilegalidade ao despacho que determinou a emissão de mandados de detenção para comparência.
Nestes termos, por inidoneidade do seu objeto, não pode o recurso ser conhecido nesta parte.
Cabe acrescentar, como fundamento autónomo de não conhecimento, que das conclusões do recurso do despacho de 12/12/2007 não consta a colocação perante o Tribunal a quo da formulação supra referida, pelo que a recorrente sempre se encontra carecida de legitimidade para recorrer nessa parte (artigo 72.º, n.º2 da LTC).
12.4. Eis-nos chegados ao ponto 4, e último, do requerimento/resposta apresentado pela recorrente, aquele em que a prolixidade da recorrente encontra maior expressão, dificultando fortemente a perceção da questão ou questões colocadas.
12.4.1. Compreende-se, ainda assim, que a recorrente visa o segmento da decisão recorrida que apreciou o recurso do despacho de fls. 1318, relativamente ao qual elabora longamente no plano da sua incorreção, em virtude de não ter equacionado o disposto no artigo 208.º da CRP quando apreciou o enquadramento jurídico penal.
E, apontando à decisão recorrida decisão sobre a inaplicabilidade desse preceito constitucional, escreve que “à cautela e sob pena de a recorrente ver o seu direito precludido, vem abraçar a tese de que está verificado o vício de inconstitucionalidade relativamente aos artºs 333.º e 334.º ambos do CP quando interpretados, no sentido de o advogado mandatado, com procuração válida, em processo judicial não goza de imunidade necessária ao exercício do mesmo, considerando a recorrente, então mandatária como obstáculo à realização da administração da justiça, por violação dos art.º 32.º e 208.º da CRP”.
Independentemente de outras considerações, certo é que, no plano do recurso do despacho de fls. 1318, nem a recorrente suscitou essa questão perante o Tribunal da Relação de Évora, nem este aplicou sentido normativo reconduzível à formulação empregue no recurso de constitucionalidade.
Com efeito, os fundamentos do recurso do despacho de fls. 1318 a 1319 assentaram na sua nulidade e, compulsando as conclusões da respetiva motivação, verifica-se que nelas nada se diz sobre a articulação do disposto no artigo 208.º da Constituição com as normas incriminatórias dos artigos 333.º e 334.º do Código Penal. Confrontado com questão assente na nulidade do despacho, por incompetência orgânica e falta de fundamentação, o Tribunal da Relação de Évora apreciou tão somente o problema de viciação que lhe foi colocado, não tendo tomado posição, expressa ou implícita, e muito menos como razão de ser da pronúncia proferida, sobre a questão agora colocada pela recorrente, o que se compreende desde logo pela circunstância da arguida não ter sido condenada por qualquer dos crimes tipificados naqueles preceitos do Código Penal.
Assim, porque decorre do artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, que a fiscalização concreta da constitucionalidade tem como objeto normas efetivamente aplicadas pelos Tribunais, e não sobre teses jurídicas, cumpre, também aqui, concluir pela inidoneidade do objeto conferido ao recurso de constitucionalidade, acrescendo a ilegitimidade da recorrente, de acordo com o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
12.4.2. Não se fica por aí a formulação de problema para apreciação do Tribunal Constitucional nessa parte da resposta ao convite ao aperfeiçoamento.
Em termos particularmente confusos, onde se misturam arguição de nulidades, pedido de correção de despacho, transcrição de partes de outro aresto da Relação de Évora e alusões repetidas a “despacho recorrido”, encontra-se na parte final da peça processual de fls. 2386 a 2396 o seguinte:
“Nesta esteira dever-se-á considerar inconstitucional o instituto da extinção do poder jurisdicional (mormente previsto no art. 666º do CPC), quando colhe a interpretação de que o Tribunal se encontra vedado a apreciar a questão apresentada em juízo, por estar esgotado o aludido poder, em virtude de processo crime, em que a Arguida foi parcialmente pronunciada, havendo suscitado nulidades em sede de instrução, e às mesmas ter recaído o atinente despacho de indeferimento, com a consequente e posterior, rejeição do recurso deste, sendo certo que este recurso tinha efeito meramente devolutivo, pelo que não obstante da decisão do Tribunal superior, os factos pela qual foi pronunciada seguiram para julgamento, sendo que, não estando acautelado por via do recurso a sindicância da referida decisão, vem o Tribunal de julgamento eximir-se à apreciação do posteriormente requerido, precisamente com o fundamento que a questão tinha já sido anteriormente apreciada, por nítida violação e tendo em atenção o estatuído nos art. 20º, 32º, nº 1 e 205º todos da CRP.”
Antes, havia a recorrente sustentado a ilegalidade da aplicação do preceituado no artigo 666.º do CPC, com a seguinte argumentação:
“Assim, fazendo fé, que a norma de aplicação imediata à questão em apreço seria esta, pugna a Recorrente que a sua aplicação está em desconformidade com o legalmente estatuído.
Desde logo porque, em abstrato poderá ter o condão de produzir os efeitos de caso julgado, como o estipulado nos art. 663º e 664º, ambos do CPC, isto como é óbvio no tocante à decisão de instrução, e que por via das vicissitudes processuais deu lugar a que a Recorrente a apresentasse noutro requerimento nesta fase de julgamento, salvaguardando como é óbvio, está sempre assegurado a contestação do despacho que se apresenta por via deste recurso.”
Colocada a questão que vem de se transcrever, e que corresponde ao que suscitou a recorrente nas conclusões 16ª a 18.º, afigura-se seguro considerar que não estamos perante a afirmação de desconformidade constitucional da norma correspondente ao teor literal do artigo 666.º, n.º 1 do CPC, de acordo com a qual, proferida a sentença (ou o despacho, nos termos do n.º 3 do preceito), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Procura-se, antes, questionar a bondade de uma interpretação do preceito, mas sem explicitar o seu sentido normativo, para além da simples adição das vicissitudes particulares do caso em apreço.
Porém, e como já se indicou no despacho em que se convidou a recorrente a aperfeiçoar o seu impulso, constitui jurisprudência constante do Tribunal Constitucional que “[a]o questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito já de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito aplicado não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição” (Acórdão n.º 367/94).
Ausente essa delimitação mínima da dimensão normativa questionada, o que acontece, sublinhe-se, após convite ao aperfeiçoamento em que expressa e especificamente se alertou para essa exigência, ficamos, mais uma vez, circunscritos a questionamento dirigido ao ato de julgamento, em si mesmo considerado, na aplicação subsuntiva da preclusão estabelecida no artigo 666.º do CPC, em linha com a argumentação que considera esse preceito aplicado em desconformidade com os cânones legais.
Ora, repete-se, a apreciação da correção ou bondade da decisão recorrida, no plano da seleção e aplicação do direito infraconstitucional, não se enquadra na competência fiscalizadora da constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional, pelo que, mais uma vez, o recurso não pode ser conhecido nessa parte.
Resta referir que o Tribunal a quo articulou na sua decisão, como determinante judicativa, elemento que a recorrente contraria, ou pelo menos omite, a saber, que as concretas questões consideradas no despacho de fls. 1318, coincidentes com aquelas em discussão no recurso então pendente, sempre poderem vir a ser suscitadas posteriormente, incluindo por via de recurso da decisão final.»
3. Inconformada, a recorrente apresentou reclamação da decisão sumária para a conferência, em que, depois de transcrever os termos do requerimento formulado na sequência do convite ao aperfeiçoamento, refere o seguinte:
«Assim, os vícios ora apontados foram suscitados, quer nos requerimentos apresentados junto do tribunal “a quo'; quer nas alegações de recurso para o TRE o recurso, é delimitado às questões de inconstitucionalidade suscitada. A recorrente tem legitimidade art. 72º n. 1 al. b) e n. 2; o recurso é tempestivo (art' 75º n.1); com efeito suspensivo e sobe nos próprios autos (art 78º n. 3) todos do LTC.
Nesta esteira, pugna-se que no requerimento de recurso a recorrente logrou identificar as questões suscitadas, e não obstante, e mesmo que se entenda que se encontram violados preceitos de direito infraconstitucional, certo é que em última análise pretende-se Deste Venerando Tribunal a pronúncia relativa à violação de normas constitucionais.
Independentemente da exigência formalista, que pauta o Tribunal, certo é que a questão da inconstitucionalidade, foi apresenta no tempo e modo oportuno.
Ora é precisamente não concordando, com os fundamentos então aduzidos, que a Recorrente apresenta o atinente recurso par o Tribunal Constitucional.
Com efeito, é precisamente da interpretação conferida aos preceitos, infraprocessualmente aplicados, que se pretende ver escrutinada a sua aplicação ao caso concreto, e que em ultima instância terá de ter afetação, na decisão judicial.
Contudo, não se poderá deste modo concluir que com o presente recurso se vise questionar a decisão judicial.
Na realidade única e simplesmente está em causa a constitucionalidade da interpretação das normas vertidas, no requerimento de interposição de recurso.
Razão pela qual pugna-se que deverá ser apreciada a constitucionalidade das normas constantes do recurso quando colhem as interpretações veiculadas no próprio Despacho.»
4. O Ministério Público tomou posição pelo indeferimento da reclamação, nestes termos:
«1º Pela douta Decisão Sumária n.º 293/2013, não se conheceu do objeto do recurso quanto às cinco questões (a última questão foi desdobrada em duas) de inconstitucionalidade que, com algum esforço indagativo, se poderiam vislumbrar na peça apresentada na sequência do convite formulado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC.
2º Em relação a todas as questões é manifesto que as mesmas não têm conteúdo normativo, não podendo, pois, constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
3º A esse fundamento de não admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, acresce que o afirmado pelo recorrente não corresponde ao que consta da decisão recorrida, quanto à primeira, segunda e quinta questões (pontos 12.1, 12.2 e 12.4.2 da douta Decisão Sumária).
4º Quanto às questões terceira e quarta (pontos 12.3 e 12.4.1 da douta Decisão Sumária), para além da ausência do requisito referido no artigo 1º, o recorrente também não cumpriu o ónus da suscitação prévia.
5º Concorda-se inteiramente com o que de forma clara e inequívoca se diz na douta Decisão Sumária, quanto à evidente inverificação daqueles requisitos de admissibilidade.
6º O afirmado na reclamação em nada abala os fundamentos da decisão reclamada.
7º Aliás, o recorrente, apesar da prolixidade evidenciada – repetindo em muito o afirmado em momentos anteriores -, quanto às concretas razões processuais que levaram a que fosse proferida a douta Decisão Sumária de não conhecimento do objeto do recurso, nada de relevante diz.
8.º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Vem a recorrente A., na sequência da decisão sumária n.º 293/13, que decidiu não conhecer do recurso, apresentar reclamação para a Conferência.
Porém, e como refere o Ministério Público, não se encontra na reclamação argumentação idónea a afastar os fundamentos em que assentou a decisão sumária reclamada. Aliás, em bom rigor, para além de manifestar discordância sobre o que designa de “exigência formalista”, a recorrente limita-se a repetir a peça processual que apresentou na sequência do convite que lhe foi dirigido e a afirmar, sem esforço argumentativo, que suscitou previamente e enunciou no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional questões normativas de constitucionalidade.
Ora, e como este Tribunal vem repetidamente salientado, a exigência de colocação de questão normativa em sede de fiscalização sucessiva concreta nada tem de formal: decorre da conformação substancial dos poderes do Tribunal Constitucional, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 280.º da Constituição.
E, na verdade, como se afirma na decisão sumaria reclamada, o recurso não comporta objeto normativo cuja desconformidade constitucional seja posta em crise. Questiona, sim, a correção do ato de julgamento, em si mesmo considerado, de ponderação e aplicação casuística do direito infraconstitucional, o que se encontra fora do quadro de competência do Tribunal Constitucional.
Acresce que, mesmo a dimensão aplicativa interpelada pela recorrente não encontra, quanto às questões ordenadas na decisão sumária em primeiro, segundo e quinto lugar, identidade com os fundamentos jurídicos efetivamente aplicados como determinantes da decisão recorrida, pelo que sempre cumpriria afastar o conhecimento do recurso, por ausência desse pressuposto objetivo.
E, por fim, contrariamente ao que refere a recorrente, sem concretização, não foi suscitado perante o Tribunal da Relação problema idêntico, ou mesmo aproximado, àqueles que a recorrente veio colocar à apreciação do Tribunal Constitucional nas questões terceira e quarta, o que importa ainda a sua ilegitimidade para recorrer, nessa parte (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
6. Face ao exposto, cumpre concluir pelo acerto da decisão sumária reclamada e pela sua confirmação.
III. Decisão
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária n.º 293/13.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Notifique.
Lisboa, 15 de Julho de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.
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