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Processo n.º 768/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., Lda., recorrente nos presentes autos de recurso vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrida B., Lda., viu, por sentença de 7 de outubro de 2011, ser julgada improcedente em 1.ª instância pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, a oposição à execução que deduziu contra a executante e ora recorrida.
Inconformada com a decisão, a ora recorrente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando nas suas alegações, e no que aqui interessa, a questão da constitucionalidade dos artigos 814.º, n.º 2, e 816.º, do Código de Processo Civil, ao aplicar o disposto no artigo 814.º, n.º 1, do mesmo Código, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, equiparando à sentença proferida num processo declarativo a aposição da fórmula executória de injunção, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 202.º, da Constituição da República Portuguesa.
Por acórdão de 6 de março de 2012, o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida e considerando, no que à questão de constitucionalidade diz respeito:
«A invocação dos artigos 20º, nº 1 e 202º, ambos da Constituição da República, não se afigura com virtualidades para afastar a aplicação ao caso do citado nº 1 do 814º do CPC. Com efeito, o acesso aos tribunais não foi negado à ora recorrente, antes da formação do título executivo. Ao invés, foi expressamente concedida essa possibilidade. Se a não usou, apenas à sua vontade tal pode ser imputado. O acesso aos tribunais obedece a regras algo rígidas, fixadas pelo legislador. No caso, a ora recorrente podia ter deduzido oposição à injunção, invocando os factos que alegou na oposição. Se assim tivesse procedido - e foi para tanto alertada na notificação - teria desencadeado a intervenção de um juiz. Se o título executivo se formou sem a intervenção de um juiz, foi devido à sua passividade, já que podia ter agido de modo diferente.
Os mecanismos processuais acima sintetizados justificam a aplicação da limitação imposta pelo nº 1 do artigo 814º do CPC à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória. Os fundamentos diversos dos discriminados nas alíneas daquele número 1 devem ser invocados na oposição, o que vai provocar a intervenção de um juiz. A possibilidade de alegação de quaisquer fundamentos que possam ser invocados em processo de declaração (art. 816º do CPC) fica reservada para as situações em que ao executado não foi facultada a possibilidade de contraditar o exequente. Se não fosse concedida a possibilidade de defesa com esta amplitude, ficaria coartado o direito de defesa do executado. Não é esta a situação em que o título é o requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória.
A não dedução de oposição com a consequente não intervenção de um juiz na formação do título executivo, decorreu de um ato de vontade do requerido. Algo de similar ocorre quando o réu é citado, por exemplo, para uma ação com processo ordinário em que é pedida a sua condenação no pagamento de um avultado montante. Se não contesta dentro do prazo, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor (art. 484º, nº 1, do CPC). Se estes conduzirem à procedência da ação, o réu será condenado, sem que depois possa, na execução, invocar o que não alegou no prazo de que dispôs para contestar. É certo que em tal caso o título executivo se forma pela intervenção de um juiz; mas essa intervenção apenas incide sobre factos alegados pelo demandante.
A possibilidade concedida à ora apelante de impedir a formação do título executivo, submetendo a pretensão da requerente à apreciação jurisdicional afasta a invocada violação, pelo nº 2 do artigo 814º e pelo art. 816º, ambos do CPC, dos artigos 20º, nº 1 e 202º da CRP.»
Deste acórdão a recorrente interpôs recurso para a conferência, arguindo a sua nulidade, que, por acórdão de 05/06/2012, lhe negou provimento. Interpôs então a recorrente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que o não admitiu.
Dessa decisão, a recorrente reclamou para o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação e confirmou o despacho de inadmissibilidade do recurso de revista.
2. Vem agora a recorrente interpor o presente recurso de constitucionalidade daquele primeiro acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a sentença da 1.ª instância, pugnando pela inconstitucionalidade material das normas contidas no artigo 814.º e do artigo 816.º, ambos do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de limitar os fundamentos da oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória aos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença, por violação dos artigos 20.º e 202.º da Constituição.
Das suas alegações neste Tribunal extraem-se as seguintes conclusões:
«1 – A função jurisdicional cabe aos tribunais, que têm competência para administrar a justiça, do que deriva o princípio da 'reserva do juiz' (artigo 202º da CRP);
2 – Às sentenças apenas são equiparados os despachos ou decisões de autoridade judicial, e o secretário não é autoridade judicial, não podendo ser equiparado à sentença um ato praticado por funcionário da Administração (artigo 48º do [CPC], artigo 202° CRP);
3 – Embora sendo título executivo, o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória não contém uma decisão jurisdicional em que haja o reconhecimento de um direito ou a imposição ao requerido do cumprimento duma prestação (artigo 21º, nºs. 1 e 2, do D.L. nº269/98, de 01/09, artigo 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C.);
4 – O fundamento legal para a limitação dos fundamentos de oposição à execução previstos no artigo 814º, nº 1, do C.P.C. é a existência de sentença transitada em julgado, proferida por juiz independente e imparcial, num processo com todas as garantias de defesa, o que não se verifica no requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória em que não há intervenção jurisdicional e, portanto, não há caso julgado, não havendo fundamento para a defesa do executado poder obedecer aos requisitos como se de sentença se tratasse;
5 – O requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória não goza da exequibilidade da sentença proferida por juiz no processo declarativo, pelo que os fundamentos de oposição à execução fundada no requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória não podem ser, tão só, os fundamentos da oposição à execução fundada em sentença (artigos 48º do C.P.C., 202º da CRP);
6 – A circunstância do requerido no processo de injunção ter a possibilidade de deduzir oposição à execução não permite a equiparação da fórmula executória à sentença, sob pena de violação do artigo 202º da CRP;
7 – A possibilidade do requerido deduzir oposição à injunção, implicando a remessa do processo ao Tribunal para decisão por Juiz, já existia antes da alteração legislativa introduzida nos artigos 814º e 816º do C.P.C. pelo D.L. nº226/2008, de 20/11;
8 – A possibilidade do devedor deduzir oposição à injunção e não o fazer, não permite restringir os meios de oposição do executado em sede de oposição à execução baseada em injunção a que tenha sido aposta forma executória, como decidiu o Acórdão nº 283/2011do Tribunal Constitucional julgando a norma do artigo 814º do C.P.C., na redação dada pelo D.L. nº226/2008, de 20/11, ferida de inconstitucionalidade, por também violar o princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1 da CRP)
9 – A referida alteração legislativa, restringindo os meios de oposição do executado, não realiza um interesse proeminente constitucionalmente protegido, que deva prevalecer sobre o direito à tutela judicial, pois, como decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 658/2006, a que aderiu o Acórdão nº 283/2011 do mesmo Tribunal, a interpretação segundo a qual a não oposição e a consequente aposição da fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afeta [desproporcionalmente] a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20º da CRP, na sua aceção de proibição de “indefesa”;
10 –;
11 – Pelo que o Acórdão recorrido não podia aplicar tais normas e não podia ter decidido que a recorrente não pode invocar na Oposição à Execução outros fundamentos que não os previstos no artigo 814º, nº 1, do C.P.C. (artigo 204º da CRP);
12 – O Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que mande prosseguir a Oposição à Execução».
3. Convidada a pronunciar-se, querendo, a ora recorrida não apresentou contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. A recorrente integra no objeto do presente recurso as “normas contidas no artigo 814º do Código de Processo Civil e no artigo 816º do mesmo Código, quando interpretadas no sentido de limitar os fundamentos da oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória aos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença”, por violação dos artigos 20.º e 202.º da Constituição.
5. Esta questão foi objeto de análise pelo Plenário deste Tribunal Constitucional, o qual, no seu Acórdão n.º 388/2013, disponível em www.tribunalconstitucional.pt., declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 814.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.
Cumpre agora aplicar aos presentes autos a referida declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e, em consequência, conceder provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se, por aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2013, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com a mencionada declaração.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Julho de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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