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Processo n.º 869/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., B. e C. foram condenados pela prática, em coautoria, de um crime de apropriação ilegítima, previsto e punido pelos artigos 234.º, 205.º, n.º 4, alínea b), e 202.º, alínea b), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e sob a condição de cada um deles pagar, no prazo de 3 anos, o valor de € 61.700,00, ao Estado e à Cooperativa Portucalense, em igual proporção, por acórdão proferido pela 4.ª Vara Criminal do Porto em 21 de Dezembro de 2011.
Os arguidos, por requerimento apresentado em 13 de Janeiro de 2012, solicitaram que fossem corrigidos, esclarecidos ou aclarados determinados passos daquele acórdão.
Por decisão proferida em 18 de Janeiro de 2012 foram rectificados erros materiais e indeferidos os pedidos de aclaração.
Em 27 de fevereiro de 2012, os arguidos recorreram do Acórdão proferido em 21 de dezembro de 2011, para o Tribunal da Relação do Porto.
Admitido o recurso, por despacho proferido na 4.ª Vara Criminal do Porto, o Desembargador Relator, em 6 de Junho de 2012, proferiu decisão sumária de rejeição do recurso, por extemporâneo, tendo considerado que o prazo para a interposição de recurso se iniciou com a leitura do Acórdão recorrido, em 21 de dezembro de 2011.
Interposta reclamação para a conferência pelos arguidos, foi a mesma indeferida por Acórdão proferido em 11 de Julho de 2012.
Desta decisão foi interposto recurso pelos arguidos para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b), c) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, em que se requereu que fosse declarada:
“A.1) Inconstitucionalidade das normas dos artigos 380º e 411º, nº 1 do Código do Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no artº 411º do CPP, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artº 380º do CPP, tenha requerido a correção da sentença, por violar o disposto no artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que, em processo criminal, assegura todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso. (Art.ºs 70º, nº 1, als. b) e g) e 75º-A, nº 1, ambos da LTC).
A.2) Inconstitucionalidade da norma da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, - por força do artº 4º do CPP para integrar a lacuna do Código do Processo Penal – quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, o que viola expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. (Art.º 70º, nº 1, al. c), da LTC).
B.1- No que concerne à alínea A.1) das questões que se pretende ver apreciadas, os recorrentes consideram violado o nº 1, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa e inconstitucional a interpretação dos artºs 380º e 411º do CPP segundo a qual o prazo para a interposição do recurso continua a correr a partir do termo inicial fixado no artº 411º mesmo quando o arguido requerer a correção da sentença nos termos do disposto no artº 380º do CPP, tendo já suscitado a questão da inconstitucionalidade na Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária da Exmª Senhora Desembargadora Relatora que rejeitou o recurso, por extemporâneo. (Art.º 75º-A, nº 2 da LTC)
B.2- Quanto à alínea A.2) das questões que se pretende ver apreciadas, os recorrentes consideram violados os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e inconstitucional a interpretação da norma da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, - por força do artº 4º do CPP para integrar a lacuna do Código do Processo Penal – quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, não tendo esta questão de inconstitucionalidade sido suscitado na Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária da Exmª Senhora Desembargadora Relatora que rejeitou o recurso, por extemporâneo. (Art.º 75º-A, nº 2 da LTC)
C.1- A presente questão da inconstitucionalidade da interpretação dos artºs 380º e 411º do CPP (alínea A.1), segundo a qual o prazo para a interposição do recurso continua a correr a partir do termo inicial fixado no artº 411º mesmo quando o arguido requer a correção da sentença nos termos do disposto no artº 380º do CPP e a consequente violação do nº 1, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa, já foi apreciada e decidida por este Venerando Tribunal Constitucional, sobre ela tendo recaído os Acórdãos nºs 16/2010 e 293/2012, da 2ª Secção, que a julgaram inconstitucional. (Art.º 75º-A, nº 3, da LTC)
C.2- A presente questão da inconstitucionalidade da interpretação da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo (alínea A.2), na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, - por força do artº 4º do CPP para integrar a lacuna do Código do Processo Penal – quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, o que viola expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, ainda não foi apreciada e decidida por este Venerando Tribunal Constitucional. (Art.º 75º-A, nº 3, da LTC)
Os Recorrentes apresentaram alegações, com as seguintes conclusões:
1. A douta Decisão Sumária reclamada e o Acórdão da Conferência recorrido violaram o disposto nos artºs 380º e 411º do Código de Processo Penal e artº 32º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa.
2. A Decisão Sumária e o Acórdão da Conferência recorrido violaram o disposto na al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, no sentido em que deixa de aplicar-se, por força do artº 4º do CPP, para integrar a lacuna do Código do Processo Penal quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, violando expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa.
3. As normas dos arts. 380.º e 411 .º, nº 1, do CPP, não contêm regras de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma aclaração ou correção da sentença.
4. A atual inaplicabilidade do disposto no artº 686º do Código do Processo Civil revogado pela al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, foi o principal fundamento invocado, tando na Decisão Sumária reclamada como no Acórdão da Conferência recorrido, para a não existência de norma legal que permitisse intentar o recurso para além do prazo definido no artº 411º do CPP.
5. A interpretação dos artºs 380º e 411º do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão formulada pelo arguido não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão, já foi julgada inconstitucional por violação do artº 32º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa, pelo que também, e por decorrência, deveria ser declarada inconstitucional a norma da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, que revoga a aplicação do artº 686º do CPC no processo penal, por força do artº 4º do CPP, como até então sempre acontecia.
6. A al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto ao revogar o artº 686º do Código do Processo Civil, que permitia intentar o recurso para além do prazo definido no artº 411º do CPP nos casos de pedido de retificação de sentença previsto no artº 380º do CPP, veio permitir a interpretação, já julgada inconstitucional por violação do artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, dos artºs 380º e 411º do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão formulada pelo arguido não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.
7. Apreciada nos presentes autos e declarada a inconstitucionalidade da norma da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, por força do artº 4º do CPP, para integrar a lacuna do Código do Processo Penal, quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, o que viola expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. (Art.º 70º, nº 1, al. c), da LTC), devendo ser uniformizado o entendimento jurisprudencial e resolvida a questão quanto ao início do decurso do prazo, em processo penal, para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença.
8. Pelas razões expostas entendem os Arguidos/Recorrentes que, apesar da questão não ter sido expressamente suscitada perante o tribunal recorrido, mas tendo estado sempre latente e sendo fundamento para a aplicação de normas cuja inconstitucionalidade de interpretação se suscita no caso sub judice, o presente recurso deveria conhecer da inconstitucionalidade da norma da al. a), do artº 9º, do DL nº 30312007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, por força do artº 4º do CPP, para integrar a lacuna do Código do Processo Penal, quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411 º do CPP, enunciada em A.2) do requerimento de interposição de recurso.
9. O Acórdão da Conferência manteve integralmente as razões expostas na Decisão Sumária que tinha rejeitado o recurso por extemporâneo.
10. O Acórdão da Conferência limitou-se a acolher e copiar integralmente a fundamentação daquela Decisão Sumária com o que os Arguidos/Recorrentes não podem conformar-se.
11. Contra o entendimento sufragado pela Meritíssima Juíza Desembargadora Relatora na sua Decisão Sumária já existiam, pelo menos, as decisões dos doutos Acórdãos nºs 16/2010 e 293/2012, respetivamente proferidos no âmbito do Proc. nº 142/09 e do Proc. nº 566111, ambos da 2ª Secção deste Venerando Tribunal Constitucional.
12. O recurso foi interposto nos termos dos artigos 399º e seguintes do Código de Processo Penal, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 406º, n.º 1, 407º, n.º 1 alínea a), 408º, n.º 1 , alínea a) e artigo 412º, todos do C.P.P., e, quanto ao prazo, nos termos do disposto nos artºs 380º e 411º do Código de Processo Penal, contado da decisão proferida no pedido de correção da decisão formulada pelos arguidos nos termos do disposto no artº 380º do CPP, e de acordo com o entendimento que foi dado aos referidos preceitos legais pelos doutos Acórdãos nº 16/2010 e 293/2012, respetivamente proferidos no Proc. nº 142/09 e no Proc. nº 566/11, da 2ª Secção deste Tribunal Constitucional, que julgaram inconstitucional, por violação do artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação daqueles preceitos, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulada pelo arguido nos termos dos disposto no artº 380º do CPP, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.
13. O nº 2 do artº 380º do CPP refere que a correção da sentença é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer o recurso, se este já tiver subido. Fora desta é sempre competente para corrigir a sentença o tribunal que a proferiu e é a este tribunal que se refere o nº 1 do já referido artº 380º do CPP.
14. Tendo, antes da interposição e subida do recurso, requerido a aclaração e correção da sentença no tribunal que a proferiu, os Arguidos/Recorrentes cumpriram a lei e por tal não podem ser penalizados.
15. Entender-se doutra forma, como transparece da incompleta referência que ao referido artº 380º do CPP se faz na Decisão Sumária e no Acórdão da Conferência, é violar o previsto e disposto neste artigo.
16. Nenhum preceito processual-penal rejeita ou impede a atribuição de significado ao requerimento apresentado nos termos do art. 380.º do CPP, para efeitos de dilatar o prazo para interposição de recurso.
17. O artº 32º, nº 1 da CRP afirma categórica e taxativamente que: “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.”
18. A ausência de um preceito processual-penal que atribua significado ao requerimento apresentado nos termos do artº 380º do CPP para efeitos de dilatar o prazo para interposição de recurso e conduza à sua rejeição, não pode ter maior peso que um preceito constitucional que, considerando o direito ao recurso em processo criminal um direito fundamental, impõe a existência de um duplo grau de jurisdição.
19. O Código de Processo Penal, admitindo embora a possibilidade de correção da sentença, no art. 380º do Código de Processo Penal, não contém uma norma como a do nº 1 do art. 686º do Código de Processo Civil, que determina que o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento de correção da sentença.
20. Dessa omissão não se pode retirar a conclusão segura de que não existe qualquer lacuna legal (caso omisso) nesta matéria do Código de Processo Penal, nem de que o legislador quis afastar, em processo penal, o preceituado no art. 686º, nº 1 do Código de Processo Civil.
21. O prazo para recorrer de uma decisão relativamente à qual tenha sido pedida correção nos termos do art. 380º do Código de Processo Penal, conta-se a partir da notificação da decisão que tenha apreciado esse pedido de correção (vide ainda os arts. 686º, nº 1 do Código de Processo Civil ex vi art 4º do Código de Processo Penal e em igual sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 12/5/1993, Coletânea de Jurisprudência XVIII, tomo III, pp. 160 e da Relação do Porto de 20/4/2005 e de 3 1/1/2007, acessíveis em www.dgsi.pt e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Edições Universidade Católica, 2011, em anotação ao artigo 380º).
22. O pedido de correção da sentença surge porque o arguido a considera errónea, obscura ou ambígua. Até ser proferida decisão quanto a esse pedido, o arguido está colocado num estado de incerteza quanto aos termos finais da sentença em relação à qual tem que definir o seu interesse em recorrer e, na hipótese afirmativa, conformar o teor do seu recurso.
23. O resultado do pedido de correção da sentença é condicionante do adequado exercício do direito ao recurso, pois mesmo que o pedido de correção venha indeferido, só com o conhecimento desta decisão poderá o arguido estar certo do alcance da sentença de que recorre e, consequentemente, construir a sua defesa em sede de recurso (ou até, decidir se toma, ou não, essa iniciativa processual). Só nesse momento, o arguido fica certificadamente e em definitivo, na posse de todos os dados a ponderar na determinação da sua vontade quanto ao se e ao modo do exercício do direito ao recurso.
24. Só uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma aclaração ou correção da sentença, de aplicação certa em processo penal e dotada de um conteúdo que preserve a utilidade, para efeitos de interposição e da formulação do recurso, em todos os casos, do conhecimento do despacho que recair sobre aquele pedido, se apresenta capaz de cumprir satisfatoriamente as exigências de conformação do direito de recurso em termos compatíveis com a garantia constitucional.
25. A interpretação realizada em juízo das normas dos arts. 380.º e 411.º, nº 1, do CPP, tanto na Decisão Sumária reclamada como no Acórdão recorrido, é condicionante do adequado exercício do direito ao recurso e não cumpre satisfatoriamente as exigências de conformação deste direito em termos compatíveis com a garantia constitucional.
26. A efetividade do direito ao recurso do arguido exige que as normas processuais que o regulamentam assegurem que o arguido tenha a possibi1idade de analisar e avaliar criteriosamente os fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz desse seu direito, o que não sucede quando a dedução de um pedido de esclarecimento sobre o real conteúdo da decisão recorrida não interrompe o prazo para a dedução do recurso.
27. O Acórdão da Conferência não se pronunciou quanto à invocada inconstitucionalidade material dos artºs 380º e 411º, nº 1, ambos do Código do Processo Penal suscitada pelos Arguidos/Reclamantes, quando interpretados no sentido de que o pedido de correção de uma decisão formulada pelo arguido não suspende (interrompe) o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão, indeferindo a Reclamação e mantendo a Decisão Sumária.
28. O Acórdão da Conferência, mantendo a Decisão Sumária e nela se fundando, violou o disposto nos artºs 380º e 411º do Código de Processo Penal e artº 32º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa.
29. O recurso não foi interposto fora de prazo e, portanto, não deveria ter sido rejeitado por extemporâneo.
30. Antes da entrada em vigor do DL nº 303/07 de 24 de agosto, era maioritária a jurisprudência no sentido de que, também em processo penal, o prazo para interposição do recurso só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento para retificação, aclaração ou reforma da sentença.
31. Não ter aplicado este entendimento ao recurso interposto – por força da entrada em vigor do DL nº 303/07 de 24 de agosto, - tomou a Decisão Sumária e o Acórdão recorrido que nela se fundamentou, ilegal e inconstitucional.
32. O artº 11º nº 1, do DL 303/07, determina expressamente a sua inaplicabilidade aos processos em curso, como é o caso daquele em que foi proferida a sentença de que se recorreu.
33. Sendo o processo de 2004 e dizendo respeito a factos anteriormente ocorridos, a ele se deve aplicar a legislação aplicável à data da prática dos factos. O oposto só poderia acontecer se adviesse legislação que expressamente fosse aplicável aos processos em curso, o que não aconteceu.
34. Prescreve o artº 4º do Código do Processo Penal que nos casos omissos e quando as suas disposições não se possam aplicar por analogia, “observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.
35. Não existindo, como não existia, à data da prática dos factos, em processo penal, uma norma que regulasse a questão do início do prazo para interposição do recurso quando era apresentado, pelo arguido e nos termos do artº 380º do CPP, requerimento para correção da sentença, então, no caso em apreço e nos termos do artº 4º do CPP, teria aplicação e deveria ter-se aplicado o artº 686º do CPC.
36. Não o fazendo ocorreu uma violação expressa da lei decorrente da aplicação da revogação do artº 686º do CPC ao caso em apreço.
37. Pretender-se que o arguido, “independentemente do despacho que venha a recair sobre o respetivo pedido de retificação, formule o recurso em termos de condicionalidade, cobrindo as hipóteses de correção ou de não correção do erro ou lapso, bastando utilizar uma argumentação subsidiária...”, como refere o Acórdão da Conferência de que se recorre, constitui uma redução das garantias dos cidadãos, concretamente do direito, que lhes é negado, de conhecerem com rigor a real fundamentação de sentenças (neste caso condenatória) para delas poderem interpor recurso cabal e esclarecido, e viola expressamente o artº 18º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
38. A única forma de conferir certeza e segurança à elaboração do recurso consiste no completo conhecimento que o arguido tenha da fundamentação da decisão de que pretende recorrer e não na elaboração de um recurso condicional em que, por adivinhação, cubra as hipóteses de despacho de correção, não correção e respetivas graduações, ou de completa falta de despacho.
39. Assim o arguido deverá ser notificado previamente do despacho que recair sobre o seu pedido de correção da sentença (se existir), para, depois, ponderadamente e no prazo que lhe é conferido pelo artº 411º do CPP, elaborar e apresentar o seu recurso.
40. Tudo o que se pretenda em contrário, é ilegal e inconstitucional.
41. Pretender que a revogação do artº 686º do CPC, (aplicável por força do previsto no artº 4º do CPP, como acima já se referiu), opere retroactivamente em relação a um processo pendente e por via disso, diminua as garantias de defesa do arguido, é ilegal e inconstitucional.
42. A revogação do artº 686º do CPC, foi o principal fundamento invocado, tanto na Decisão Sumária reclamada como no Acórdão da Conferência recorrido, para a não existência de norma legal que permitisse intentar o recurso para além do prazo definido no artº 411º do CPP, mas dado que viola o princípio da não retroatividade das leis penais incriminadoras ou limitadoras de maiores garantias de defesa consagrado no artº 18º, nº 3 da CRP, então também esta questão de inconstitucionalidade deverá ser apreciada, como se pretende e requer, apesar de não ter sido expressamente suscitada perante o tribunal recorrido, mas estando indiscutivelmente ligada à génese daquela que se suscitou por ter sido, a montante, o fundamento para a não admissão do recurso.
43. Pretende-se assim que seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, - por força do artº 4º do CPP para integrar a lacuna do Código do Processo Penal - quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, o que viola expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
44. As interpretações sufragadas pela Meritíssima Juíza Desembargadora Relatora na Decisão Sumária de que se reclamou e no Acórdão da Conferência que a manteve, são inconstitucionais e já assim foram declaradas, com força obrigatória geral, pelos doutos Acórdãos nºs 16/2010 e 293/2012, respetivamente proferidos no Proc. nº 142/09 e no Proc. nº 566/11, ambos da 2ª Secção deste Tribunal Constituciona1, de cuja aplicabilidade ao caso sub judice os Recorrentes não prescindem.
45. No sentido defendido pelos Recorrentes, se pronunciou o douto Acórdão nº 16/2010, proferido no âmbito do Proc. nº 142/09, pela 2ª Secção do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 36 de 22 de fevereiro de 2010, págs. 7733/7738, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais e que julgou “inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1 , da Constituição, a interpretação do artigo 380º, em conjugação com o artigo 411 , nº 1 , ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulada pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.”.
46. Também o douto Acórdão nº 293/2012, proferido no Proc. nº 566/11, da 2ª Secção do Tribunal Constitucional, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais e que decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32º, nº 1 , da Constituição, a norma do interpretação do artigo 411, nº 1 , do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão;”.
47. Em sentido contrário, defenderam a Meritíssima Juíza Desembargadora Relatora na sua Decisão Sumária de rejeição do recurso por extemporâneo e a Conferência no Acórdão que indeferiu a Reclamação apresentada contra a Decisão Sumária e a manteve, quando refere que: “Nenhum preceito processual-penal atribui significado ao requerimento apresentado nos termos do art. 380.º do CPP para efeitos de dilatar o prazo para interposição de recurso...” .
48. Rejeitando, por extemporâneo, o recurso interposto nos termos e no prazo previsto no artº 411º, nº 1 do CPP após decisão proferida sobre requerimento apresentado nos termos e para os efeitos do artº 380º também do CPP, a Decisão Sumária de que se reclamou para a Conferência e o Acórdão por esta proferido que a indeferiu, violaram o direito ao recurso, incluído entre as garantias constitucionais do processo criminal, no artº 32º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa e, inerentemente, também este preceito constitucional.
49. Por tudo o que acima vai alegado os Recorrentes pretendem a apreciação da inconstitucionalidade das normas dos artigos 380º e 411º, nº 1 do Código do Processo Penal, interpretadas no sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no artº 411º do CPP, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artº 380º do CPP, tenha requerido a correção da sentença, por violar o disposto no artº 32º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa que, em processo criminal, assegura todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso.
50. A questão da violação do nº 1, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa e da inconstitucionalidade da interpretação dos artºs 380º e 411º do CPP segundo a qual o prazo para a interposição do recurso continua a correr a partir do termo inicial fixado no artº 411º mesmo quando o arguido requerer a correção da sentença nos termos do disposto no artº 380º do CPP, foi suscitada na Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária da Exmª Senhora Desembargadora Relatora que rejeitou o recurso, por extemporâneo.
51. A presente questão da inconstitucionalidade da interpretação dos artºs 380º e 411º do CPP, segundo a qual o prazo para a interposição do recurso continua a correr a partir do termo inicial fixado no art 411º mesmo quando o arguido requer a correção da sentença nos termos do disposto no artº 380º do CPP e a consequente violação do nº 1, do art 32º, da Constituição da República Portuguesa, também já foi apreciada e decidida por este Venerando Tribunal Constitucional, sobre ela tendo recaído, pelo menos, os Acórdãos nos 16/2010 e 293/2012, da 2ª Secção, que a julgaram inconstitucional.
52. A inconstitucionalidade da norma da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar-se, - por força do artº 4º do CPP para integrar a lacuna do Código do Processo Penal - quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, o que viola expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa, não foi suscitada na Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária da Exma Senhora Desembargadora Relatora que rejeitou o recurso, por extemporâneo.
53. Desconhece-se se a presente questão da inconstitucionalidade da interpretação da al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artº 686º do CPC deixa de aplicar- se, - por força do artº 4º do CPP para integrar a lacuna do Código do Processo Penal - quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, violando expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa, foi já apreciada e decidida por este Venerando Tribunal Constitucional.
54. A Decisão Sumária e o Acórdão da Conferência recorrido violaram o disposto nos artºs 380º e 411º do Código de Processo Penal e artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
55. A Decisão Sumária e o Acórdão da Conferência recorrido violaram o disposto na al. a), do artº 9º, do DL nº 303/2007 de 24 de agosto, na parte em que revoga o artº 686º do Código do Processo Civil que deixa de aplicar-se, por força do artº 4º do CPP, para integrar a lacuna do Código do Processo Penal quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artº 411º do CPP, mesmo sem despacho de correção ou não correção, violando expressamente os artºs 18º, nº 3 e 205º, nº 1 , da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, requer-se seja dado provimento ao presente recurso, determinando-se a reformulação do douto Acórdão da Conferência recorrido em conformidade com os juízos de inconstitucionalidade já explicitados nas conclusões 5, 7, 37, 43 e 49 supra, ordenando-se a admissão do recurso e o faça prosseguir os seus termos no Tribunal da Relação do Porto,
O Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1º - Porque durante o processo não foi suscitada a questão de inconstitucionalidade que os recorrentes identificam no ponto A2 do requerimento de interposição do recurso, não deverá, nesta parte, conhecer-se do recurso.
2º - A norma do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, nº 1, ambos do CPP, na interpretação segundo a qual o pedido - não inidóneo nem inepto - de aclaração de obscuridade ou ambiguidade de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão, viola o direito ao recurso consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, sendo, portanto, inconstitucional.
Fundamentação
1. Do conhecimento do recurso
Os Recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional proceda à fiscalização das seguintes normas:
- constante dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, tenha requerido a correção da sentença,
- constante da alínea a), do artigo 9.º, do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de agosto, na parte em que revoga o artigo 686.º do Código do Processo Civil, na interpretação segundo a qual, pela operada revogação, o artigo 686.º deixa de aplicar-se, - por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal para integrar a lacuna do Código do Processo Penal – quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de retificação ou aclaração da sentença, obrigando a que o recurso seja interposto no prazo e termos do disposto no artigo 411.º do Código de Processo Penal, mesmo sem despacho de correção ou não correção.
O presente recurso foi interposto ao abrigo da competência conferida ao Tribunal Constitucional nas alíneas b, c) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Na alínea c) permite-se o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado. Nenhuma das interpretações normativas indicadas foi recusada pela decisão recorrida, designadamente por violar lei com valor reforçado, pelo que aquela previsão não acolhe o recurso interposto.
Na alínea g) admite-se o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma já julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional. Esta abertura do recurso perante decisões negativas de inconstitucionalidade, sem exigência de prévia colocação da questão perante o próprio tribunal que proferiu a decisão recorrida e sem necessidade de exaustão das instâncias, é inspirada pelo objetivo de garantir a harmonia de julgados e a autoridade do Tribunal Constitucional, ou seja, de maximizar a probabilidade de que não subsistam decisões de outros tribunais que julguem questões de constitucionalidade em sentido contrário a julgamentos de inconstitucionalidade (decisões positivas de inconstitucionalidade) proferidos por este Tribunal.
Pressuposto essencial de interposição deste tipo de recurso é o da identidade do conteúdo das duas normas em questão. A norma que o tribunal a quo aplicou, e de cuja aplicação se recorre, deve ser a mesma norma que o Tribunal Constitucional já julgou inconstitucional.
Os Recorrentes invocam como Acórdãos fundamento, os n.º 16/2010 e 293/2012, ambos da 2.ª Secção deste Tribunal.
Estes arestos julgaram inconstitucional a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão, pelo que se verifica uma coincidência entre a primeira norma que o Recorrente indica como objeto do recurso e a norma já julgada inconstitucional por anteriores acórdãos deste Tribunal, devendo por isso o recurso ser conhecido quanto à primeira norma cuja fiscalização foi requerida, nos termos da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Deve, contudo, restringir-se o seu âmbito aos pedidos de correção formulados ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 380.º, do Código de Processo Penal, pois, apenas eles estão em causa na situação sub iudice.
Na alínea b) do artigo 70.º da LTC permite-se o recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
Ora, verifica-se que a inconstitucionalidade da segunda norma indicada pelo Recorrentes para integrar o objeto do recurso não foi minimamente invocada perante o tribunal recorrido, apenas tendo sido suscitada pela primeira vez no próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que não pode o recurso ser conhecido nessa parte.
Assim, deve o conhecimento do presente recurso limitar-se a apreciar da constitucionalidade da norma constante dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), daquele diploma, tenha requerido a correção da sentença.
2. Do mérito do recurso
Os preceitos do Código de Processo Penal sobre os quais recai a interpretação aqui sob fiscalização têm a seguinte redação:
«Artigo 380.º
Correção da sentença
1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes atos decisórios previstos no artigo 97.º»
«Artigo 411.º
Interposição e notificação do recurso
1 - O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em ata, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
2 - O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na ata.
3 - O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na ata, ser apresentada no prazo de 20 dias, contado da data da interposição.
4 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 são elevados para 30 dias.
5 - No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.
6 - O requerimento de interposição ou a motivação são notificados oficiosamente aos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso, devendo ser entregue o número de cópias necessário.
7 - O requerimento de interposição de recurso que afete o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados àquele quando esta lhe for notificada, nos termos do n.º 5 do artigo 333.º»
A redação destes preceitos, com exceção de uma pequena alteração do seu n.º 3, resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, sem relevância para a análise da presente problemática, é ainda a da versão primitiva do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
Até à revisão do sistema de recursos em processo civil operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, tal como sucedia, aliás, durante a vigência do Código de Processo Penal de 1929, perante a ausência de qualquer disposição que regulasse a interferência dos pedidos de correção na tramitação dos recursos da decisão corrigenda, os tribunais, em processo penal, habitualmente, aplicavam subsidiariamente o disposto no artigo 686.º, do Código de Processo Civil, o qual determinava que nessas situações o prazo para recorrer só se iniciava depois de notificada a decisão proferida sobre o pedido de correção.
O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, veio, porém, revogar este último preceito e passou a exigir no artigo 669.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que os pedidos de correção, reforma ou aclaração das sentenças, fossem efetuados no próprio recurso que delas fosse interposto, sendo certo que em caso de deferimento daqueles pedidos, o recorrente pode posteriormente alargar ou restringir o âmbito do recurso, em conformidade com a alteração operada (artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Procurou-se deste modo pôr termo à utilização abusiva dos incidentes pós-decisórios como forma de dilatar no tempo o desfecho dos processos em tribunal.
Com a revogação do disposto no artigo 686.º, do Código de Processo Civil, tal como sucedeu no presente caso, começou a exigir-se que os pedidos de coreção da sentença penal formulados nos termos do artigo 380.º, do Código de Processo Penal, fossem apresentados no âmbito do recurso que fosse interposto dessa decisão, mantendo-se o prazo para recorrer com início nos momentos estipulados no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Esta orientação já foi objeto de análise neste Tribunal, tendo-se esta mesma secção, embora com diferente composição, pronunciado nos Acórdãos n.º 16/2010 e 293/2012 (ambos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt) pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão, por violação do direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Conforme resulta da fundamentação destes Acórdãos os mesmos tiveram como pressuposto que a interpretação normativa fiscalizada recusava a aplicação de qualquer um dos regimes acima referidos do Código de Processo Civil, exigindo que, nos casos de dedução de pedido de correção nos termos do artigo 380.º, do Código de Processo Penal, o mesmo fosse formulado com o recurso interposto da decisão corrigenda, sem que se admitisse a possibilidade do recorrente, após deferimento daquele pedido, alargar ou restringir o âmbito do recurso, em conformidade com a alteração operada.
Ora, a decisão recorrida limitou-se a não aceitar um recurso interposto de uma sentença que havia sido objeto de um pedido de correção de lapsos e de aclaração, tendo os lapsos sido corrigidos e a aclaração indeferida, devido ao recurso não ter respeitado o prazo de apresentação previsto no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
A interpretação normativa que fundamentou a decisão reportou-se apenas à exigência de, nos casos em que se pretenda usar da faculdade prevista no artigo 380.º, do Código de Processo Penal, o respetivo requerimento ser apresentado com o recurso que se pretenda interpor da decisão corrigenda, não englobando qualquer tomada de posição sobre a possibilidade do recorrente, após deferimento daquele pedido, alargar ou restringir o âmbito do recurso, em conformidade com a alteração operada. Esta faculdade de redefinir os termos do recurso, face à alteração resultante do deferimento do pedido de correção, não esteve em questão neste processo, nem poderá já vir a estar, porque os Recorrentes, desde logo não cumularam o pedido de correção com a interposição de recurso, inviabilizando, assim, a aplicação daquela faculdade.
A exigência que o recurso seja interposto nos prazos previstos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, independentemente de ser deduzido pedido de correção, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, que consta atualmente do regime do Código de Processo Civil, no artigo 669.º, n.º 3, em primeiro lugar, não pode ser acusada de não conter uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma correção da sentença, uma vez que ela determina precisamente que, nesses casos, o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se o mesmo nos momentos referidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, colhendo essa regra apoio na configuração literal da lei, seja na redação do próprio Código de Processo Penal, ao não estabelecer qualquer alteração dos prazos de recurso quando há um pedido de correção, seja na atual redação do artigo 669.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, eventualmente aplicável, nos termos do artigo 4.º, do Código de Processo Penal, caso se entenda que se verifica uma lacuna na legislação processual penal.
Em segundo lugar, apesar de, nas hipóteses em que o pedido de correção tem por fundamento a ambiguidade ou a obscuridade da decisão corrigenda, o cumprimento de tal exigência poder deparar com algumas dificuldades, a satisfação de um efetivo direito ao recurso não é por ela afetada, em termos que não permitam a sua admissão.
Na verdade, a efetividade deste direito exige que as normas processuais que o regulamentam assegurem que o arguido recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz deste seu direito de defesa.
O artigo 380.º, do Código de Processo Penal, regula os vícios da sentença que constituem meras irregularidades suscetíveis de correção, não determinando a sua invalidade. Na alínea b), do n.º 1, preveem-se as hipóteses de correção de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, cuja eliminação não importe uma modificação substancial da sentença.
Na presente questão de constitucionalidade apenas está em causa a conjugação do pedido de correção deduzido pelo arguido e o direito ao recurso que a este assiste, designadamente se a exigência de que esse pedido seja efetuado aquando das apresentadas alegações de recurso põe em causa a garantia de um efetivo direito ao recurso.
Quando o arguido entende que está perante um mero erro ou lapso da decisão, cuja eliminação não importe a sua modificação substancial, a dedução do respetivo pedido de correção não suscita dificuldades de maior à eventual intenção daquele recorrer. Nestas situações, o arguido conhece perfeitamente o conteúdo da decisão emitida, mas entende que ela enferma de um erro ou lapso, pelo que ele dispõe de todos os elementos indispensáveis para cumular o pedido de correção com a elaboração das alegações de recurso. Estas poderão ser dirigidas à versão que o arguido entende necessitar de correção, não vedando a interpretação sob fiscalização a faculdade do arguido alterar as alegações entretanto apresentadas, caso a decisão recorrida venha a ser corrigida, tal como atualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. O arguido poderá ainda, se assim o entender, apresentar as alegações de recurso numa formulação condicional, cobrindo as hipóteses de correção ou de não correção do erro ou lapso, bastando para isso utilizar uma argumentação subsidiária.
Já quando o arguido entende que está perante uma obscuridade ou ambiguidade da decisão, ele defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do seu conteúdo que, na sua perspetiva, não lhe permite compreender, com certeza, todo o seu alcance, o que pode dificultar a definição pelo arguido do objeto da sua contra-argumentação nas alegações de recurso.
Nestes casos, o arguido terá que efetuar um esforço interpretativo no sentido de determinar o sentido da decisão, cuja clarificação pretende, sendo certo que, no caso da decisão recorrida ser aclarada, como já acima referimos, a interpretação sindicada não veda a faculdade daquele poder alterar posteriormente as alegações apresentadas, tal como atualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que não se pode afirmar que ela impede um exercício consciente e eficaz do direito ao recurso. Na hipótese do pedido de aclaração ser indeferido, não sendo reconhecida a existência da ambiguidade ou obscuridade apontada, a exigência do esforço interpretativo resultante da interpretação normativa sob fiscalização revela-se legítima, pelo que também nestas situações não se mostra violada a garantia de um efetivo direito ao recurso. Aliás, esse mesmo esforço interpretativo não deixa de ser exigido num regime em que o prazo de dedução do recurso só se inicia com o conhecimento da decisão que indefere o requerimento de correção, uma vez que a decisão cuja aclaração se pretendia permanece inalterada, mantendo as dificuldades de perceção que motivaram o pedido de esclarecimento.
Desta análise das condições de dedução do recurso, segundo a interpretação sob fiscalização, resulta que a manutenção dos prazos de recurso definidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mesmo quando tenha sido requerida pelo arguido a correção da decisão que se pretende impugnar, impõe um especial ónus de alegação cujo cumprimento não encerra uma dificuldade excessiva e que se revela proporcional face ao objetivo constitucional perseguido de assegurar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para uma boa administração da justiça.
Assim, infletindo a orientação seguida nos referidos Acórdãos n.º 16/2010 e 293/2012, em resultado de uma melhor leitura que reduz o alcance da interpretação normativa sob fiscalização, uma vez que ela não impede a possibilidade do recorrente, após deferimento do pedido de correção, alargar ou restringir o âmbito do recurso, não deve tal interpretação ser julgada inconstitucional.
Decisão
Nestes termos decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correção da sentença;
e, em consequência,
b) julgar improcedente o recurso.
Custas do recurso pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 15 de julho de 2013. - João Cura Mariano (revendo a leitura da norma efectuada nas declarações de voto apostas nos acórdãos n.º 16/2010 e 293/2012) - Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins –Pedro Machete –Joaquim de Sousa Ribeiro (atendendo a que apenas estava em causa, neste auto, a obrigatoriedade da dedução do pedido de correção com as alegações de recurso)
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