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Processo n.º 700/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 484/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 11 de julho de 2012 (fls. 246 a 252), para que seja apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 97º e 127º do Código de Processo Penal (CPP), por violação do princípio da presunção da inocência e do princípio da fundamentação, previstos, respetivamente, nos artigos 32º, n.º 2, e 205º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 04 de outubro de 2012 (cfr. fls. 261), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A própria recorrente admite não ter suscitado previamente, perante o tribunal recorrido, a pretensa questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver agora apreciada, conforme lhe cabia, por força do artigo 72º, n.º 2, da LTC. Tal preterição do ónus processual de suscitação processualmente adequada conduz à impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso.
Com o intuito de afastar esse ónus, a recorrente invoca que a decisão proferida se afigura surpreendente. Sem qualquer razão, porém. A alegação da natureza surpreendente da decisão recorrida radica exclusivamente numa mera questão de discordância face à matéria já dada como provada desde a primeira instância. Ora, em momento algum, o tribunal recorrido alterou essa mesma matéria dada como provada. Pelo contrário, confirmou-a integralmente.
Torna-se, assim, completamente desprovido de fundamento – ou sequer de uma razoabilidade mínima –, argumentar surpresa quando o juízo proferido se afigura como meramente confirmativo de uma decisão sobre a matéria de facto que já há muito se encontrava assente. Por conseguinte, não pode considerar-se que a decisão recorrida se afigure, de modo algum, surpreendente. Cabia, assim, à recorrente ter suscitado a alegada inconstitucionalidade normativa, perante o tribunal recorrido, o que, manifestamente, não fez. Razão pela qual se torna legalmente vedado conhecer do objeto do presente recurso, por força do artigo 72º, n.º 2, da LTC.
Acresce que a recorrente nem sequer coloca este Tribunal perante uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, antes se limitando a expressar uma discordância face a juízos quanto a matéria de facto dada como provada pelos dois tribunais recorridos. Ora, não cabe a este Tribunal conhecer de tais questões, na medida em que só lhe foi atribuída jurisdição em matéria de fiscalização da constitucionalidade de “normas jurídicas” (artigo 277º, n.º 1, da CRP).
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformada com a decisão proferida, a recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«(…) a decisão sumária, fundamentalmente, salvo o devido respeito e melhor opinião, estriba-se no facto de não ter sido suscitada oportunamente a questão de inconstitucionalidade vertente, bem assim, na alegação da natureza surpreendente da decisão recorrida radicar exclusivamente numa mera questão de discordância face à matéria fáctica dada como provada.
-não concedemos, com a mesma ressalva; na verdade,
-a Recorrente, ora Reclamante, não alega a natureza surpreendente da decisão recorrida com base exclusivamente numa mera questão de discordância face à matéria fáctica dada como provada — fá-lo suscitando a postergação de um princípio ou regra fundamental em matéria de prova, indicando as legais consequências.
Assim, observados que estão os formalismos legais da interposição de recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra para o Tribunal Constitucional, deve proceder esta reclamação, devendo o recurso interposto para este Tribunal ser admitido, notificando-se a Reclamante para apresentar as suas alegações, fazendo-se Justiça» (fls. 273)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio apresentar a seguinte resposta:
«1º
A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação de Coimbra que, por sua vez, negara provimento ao recurso que havia interposto da sentença condenatória proferida em 1.ª instância.
2º
No requerimento de interposição do recurso, a recorrente, assume expressamente que a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada não foi suscitada anteriormente, invocando ter sido surpreendida pela decisão da Relação, a decisão recorrida.
3º
Na douta Decisão Sumária n.º 484/2012, que, por falta de requisitos de admissibilidade, não conheceu do objeto do recurso, demonstra-se de forma clara e inequívoca que não estamos perante uma daquelas situações excecionais em que os recorrentes estão dispensados do ónus de suscitação prévia.
4º
Por outro lado, como também se refere na douta Decisão Sumária, no requerimento de interposição de recurso, apesar de se mencionarem os artigos 97.º e 127.º do CPP, nunca se enuncia qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
5º
Desconhece-se, pois, em absoluto, qual a interpretação daquelas normas, cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada por este Tribunal Constitucional.
6º
Na reclamação apresentada, a recorrente limita-se a discordar da Decisão Sumária, nada mais dizendo.
7º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamante não logra apresentar qualquer fundamento sólido que abale a justeza da decisão reclamada.
Em primeiro lugar, não consegue demonstrar por que razão um juízo interpretativo que se sustenta na prova dada como provada desde o tribunal de primeira instância se poderia afigurar como surpreendente.
Além disso, a reclamante confunde de novo a questão do juízo quanto à matéria dada como provada com o único objeto possível de um recurso de constitucionalidade: “normas jurídicas” (ou “interpretações normativas”). Não cabe a este Tribunal pronunciar-se acerca do concreto juízo que o tribunal recorrido entendeu extrair da prova dada como provada, mas apenas apreciar a eventual inconstitucionalidade de uma específica interpretação extraída de uma determinada norma jurídica.
Ora, a reclamante nem sequer esboça qualquer argumentação que pudesse afastar o segundo fundamento de não conhecimento; isto é, a falta de dimensão normativa do objeto do recurso.
Por conseguinte, mais não resta do que confirmar integralmente o teor da reclamação deduzida.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pela reclamante em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 18 de dezembro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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