|
Processo n.º 182/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por despacho de 16 de março de 2010, proferido na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que, por efeito da oposição deduzida, se converteu o procedimento de injunção deduzido por A., Lda., ora recorrida, contra B., Lda., ora recorrente, decidiu o 3.º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, nos termos conjugados dos artigos 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e 150.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), ordenar o desentranhamento da oposição apresentada por não pagamento, pela ré, da taxa de justiça devida, conferindo à petição inicial, por força da sua não contestação, força executiva.
A ré veio, então, arguir a nulidade da decisão, e dos termos processuais posteriores, nos termos dos artigos 201.º, nºs. 1 e 2, 204.º e 205.º do CPC, por omissão da notificação a que se refere o artigo 486.º-A, n.º 5, do mesmo código, logo arguindo a inconstitucionalidade material dos referidos artigos 150.º-A, n.º 2, do CPC, e 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, «quando interpretados por forma a conduzir à aplicação da sua estatuição sem que, previamente, haja lugar à aplicação do preceituado no n.º 5 do artigo 486.º-A daquele Código», por violação do artigo 20.º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O Tribunal Judicial do Montijo, por decisão de 1 de setembro de 2010, indeferiu a arguição de nulidade, considerando não ser legalmente exigível a prática do ato cuja omissão fundamentou tal incidente, tendo o réu dela interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 20.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, interpretado no sentido de que «em caso de insuficiência da taxa de justiça ou em caso de falta (…) da junção aos autos de documento comprovativo [do seu pagamento] (…), haveria sempre como consequência, sem necessidade de prévia notificação, pela secretaria, para o réu efetuar o pagamento omitido, com observância do disposto no artigo 486.º-A, n.º 3, do Código de Processo Civil, o desentranhamento da oposição, a sua restituição à parte que a apresentou e a aposição de fórmula executória», segundo esclarecimento prestado, por convite (artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC), em requerimento aperfeiçoado.
O Tribunal recorrido admitiu o recurso, tendo a ré, notificada para o efeito, apresentado alegações onde conclui do seguinte modo:
(…) 1. No entendimento da Senhora Juíza a quo, o artigo 20.° [do Regime constante do Anexo ao] Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação que lhe foi dada pelo artigo l0.° do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), a omissão do referido pagamento [da taxa de justiça devida pela apresentação da oposição no procedimento de injunção] tem como único e necessário pressuposto o desentranhamento da peça apresentada pela parte - com a consequente restituição da mesma à parte e atribuição de força executiva à petição, “com valor de decisão condenatória” (cfr. artigo 2.° do mesmo Regime — não tendo aplicação a(s) estatuição(ões) contida(s) nos n.°s (4), 5 e 6 do artigo 486.°-A do Código de Processo Civil, por motivo de se encontrar prevista em disposição legal especial e expressa qual a consequência decorrente daquela omissão.
2. O artigo 20.° do Regime identificado no número anterior, na interpretação que é feita pela Senhora Juíza a quo, implica a violação do direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
3. Na verdade, o direito de acesso aos tribunais impõe a supressão das cominações associadas, de forma imediata, à falta de preparos (ou de taxa de justiça), à exceção da relativa à falta de preparos para despesas, razão pela qual o legislador introduziu e manteve normas como as que constam dos n.°s 3, 4, 5 e 6 do artigo 486.°-A do Código de Processo Civil, que impõem a prévia notificação à parte faltosa para cumprimento das leis das custas sobre preparos (ou taxas de justiça) sob pena, então sim, de efeitos desfavoráveis para ela, com reflexos sobre o direito sub judice.
4. Por outro lado, o artigo 20.° do Regime constante do Anexo ao Decreto- Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), na interpretação feita pela julgadora de primeira instância — que exclui a aplicação das normas dos n.°s 3, 4, 5 e 6 do artigo 486.°-A do Código de Processo Civil ao procedimento de injunção, em caso de oposição —, viola os princípios constitucionais da adequação e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13.° e 18.°, n.°s 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que as consequências prescritas para a falta (ou insuficiência) da taxa de justiça devida pelo requerido no procedimento em causa — desentranhamento, restituição, atribuição de força executiva à petição, com o mesmo valor de decisão condenatória (artigo 2.° do Regime) — constituiriam obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva.
5. Por outro lado, as normas legais aqui em causa — designadamente o artigo 20.° do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, e o artigo 150.°A, n.º 2, do Código de Processo Civil — são, ainda, materialmente inconstitucionais por violação do artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa e do princípio constitucional da segurança jurídica, porquanto, na interpretação da Senhora Juíza a quo, que é a anteriormente referida, determinam que a defesa dos direitos processuais do Requerido-Opoente, em processos de injunção, sejam desprezados — através do desentranhamento da oposição oportunamente apresentada -, mesmo nos casos em que foi o próprio legislador ordinário quem, através de erro dele — do existente na tabela II do Regulamento das Custas Judiciais, na redação anterior é que lhe foi dada pelo artigo 163.° da Lei n.º 3-B/2010, de 29 de abril (Lei do Orçamento de Estado para 2010), em que o mesmo legislador corrigiu o seu anterior lapso —, induziu a Recorrente a efetuar o pagamento de taxa de justiça de montante inferior ao devido.
6. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se materialmente inconstitucional o artigo 20.° do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado e aplicado em termos de se admitir que em caso de falta (ou insuficiência) de taxa de justiça devida com a apresentação de oposição à injunção não há lugar à aplicação do disposto nos n.ºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 486.°-A do Código de Processo Civil, previamente à estatuição constante do artigo 2.° daquele Regime, mesmo e quando a insuficiência da taxa de justiça foi induzida por lapso (entretanto corrigido) do legislador, no Anexo II ao Regulamento das Custas Processuais.
A autora, ora recorrida, notificada para o efeito, não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
2. A questão de inconstitucionalidade que constitui objeto dos presentes autos foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 434/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que, aferindo-a à luz do mesmo parâmetro de inconstitucionalidade enunciado pela ora recorrente, decidiu «julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro – articulado com o disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais – segundo a qual, caso o réu não comprove o pagamento da taxa de justiça, nos 10 dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, é logo desentranhada a peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal ação, por violar o princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP». Esta jurisprudência foi reiterada pela 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 587/11, que igualmente decidiu, pelos fundamentos do mencionado Acórdão n.º 434/11, «julgar inconstitucional a norma do artigo 20.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretada no sentido de que o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil».
Ora, afigura-se ser de acolher, também no caso vertente, um tal entendimento, pelo que, pelas razões enunciadas no Acórdão n.º 434/11 e reiteradas no Acórdão n.º 587/11, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, se formula idêntico juízo de inconstitucionalidade.
4. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 4, da Constituição, a norma do artigo 20º do Regime Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretada no sentido de que o não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil.
b) Julgar, em consequência, procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão da constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
|