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Processo n.º 388/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto pela agora reclamante.
2. Envidando refutar esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, argumentou a reclamante do seguinte jeito:
«(...)
13. Sobre a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi proferida a decisão sumária n.º 404/2012, de que ora se reclama, na qual se decidiu “não tomar conhecimento do objeto do recurso” por não estarem, por um lado, reunidos “os pressupostos processuais inferidos do artigo 70.º, n.º 1, al. b)” e, por outro lado, porque não se verificam os requisitos objetivos de que está dependente a tomada de conhecimento de recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. g) da LTC.
II. Da decisão de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional
II. 1) Da interposição de recurso nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
14. Nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais (...) que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.”
15. Fundamenta-se na decisão sumária objeto da presente reclamação, quanto aos requisitos para interposição de recurso, que “(...) para que se revelem preenchidos os requisitos deste recurso de constitucionalidade é necessário que, defluindo do mesmo preceito vários sentidos normativos, o tribunal a quo haja aplicado aquele sentido ou interpretação anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.”
16. Concluindo-se na mesma decisão sumária que “a dimensão normativa objeto de aplicação pelo tribunal a quo, mas contestada pela recorrente, a saber, a fixação de um prazo único de dez dias para a interposição de recurso e apresentação de resposta em processo de contraordenação, não foi a dimensão ou sentido normativo anteriormente declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 27/2006, pelo que, na ausência de um dos requisitos objetivos de que está dependente, não há que tomar conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. g), da LTC.”
(...)
21. Da análise do quadro normativo supra conclui o Tribunal Constitucional, “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, conjugada com o artigo 411º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contraordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição” (Acórdão n.º 27/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
(...)
25. Ora a norma julgada inconstitucional (conjugação do artigo 74.º, n.º 1 do RGCO com o artigo 411.º do CPP na parte referente à obrigatoriedade de motivar o recurso juntamente com o requerimento de interposição) foi diretamente aplicada pela decisão de ora se recorre, pois que:
26. Tal como se pode ler na referida decisão, da mesma consta que “Estamos perante um recurso de decisão judicial proferida em processo de contraordenação [...] Ora, no que concerne aos recursos das decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância, o referido Dec-Lei [RGCO] tem normas próprias – artgs. 72.º-A a 75.º - que apenas permitem a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal nas situações em que aquele seja omisso (vide o n.º 4 do art. 74.º).”
27. Concluindo que “Assim há que ter presente que no que concerne no prazo estabelecido para a interposição do recurso, o n.º 1 desse mesmo art. 74.º refere que “O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.” Nesta situação em que a lei especial expressamente consagra prazo próprio para os recursos das decisões proferidas em 1.ª instância, será esse o prazo a respeitar, não havendo qualquer razão para que se recorra a prazo distinto previsto em lei subsidiária.”
28. A norma referida, declarada inconstitucional, estabelece um prazo, (de 10 dias), para interposição de recurso.
29. Relativamente à hipotética desigualdade de armas a que faz referência o tribunal recorrido quando na sua decisão se pode ler que “No caso não se regista que a recorrida tenha beneficiado de prazo distinto do concedido à recorrente, não podendo por isso falar-se em qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.”, tal como referido supra, cumpre destacar que a desigualdade de armas não assenta numa análise concreta do benefício ou não do prazo na medida em que o processo não chegou sequer a fase em que se pudesse concretizar essa dualidade de prazos.
30. Certo é que o tribunal recorrido aplica a norma em crise na medida em que reconhece o mesmo que o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença, ou do despacho, independentemente de estar consagrada a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal (n.º 4 do artigo 74.º do RGCO) no que concerne à tramitação dos recursos das decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância. (vide pontos 26 e 27).
31. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (artigo 282.º, n.º 1 da CRP).
32. Perante o juízo de inconstitucionalidade emitido (Ac. n.º 27/2006), devido ao prazo que está aqui em causa (prazo para interposição de recurso), resulta que este terá de ser apreciado em abstrato, ou seja, num momento anterior a qualquer possibilidade de ponderação de quais os prazos concretos que serão proporcionados a cada uma das partes para que se pronunciem em sede de recurso e de, portanto, qual o prazo que será aplicável à recorrida.
33. Se assim é pergunta-se então que outra atuação processual, a adotar por parte da ali recorrente, se coaduna com o sentido útil de tal juízo de inconstitucionalidade?
34. Propõe-se então que, à cautela (?!), o recorrente interponha e fundamente o recurso dentro de um prazo de 10 dias e se, eventualmente, ao recorrido for dado um prazo de 20 dias de resposta (como necessariamente resulta da Lei), resta-lhe suscitar, novamente, a inconstitucionalidade de tal norma?
35. Este é um entendimento que a ora Reclamante não pode aceitar na medida em que estão em causa princípios transversais a todo o ordenamento jurídico português, como sendo os princípios de igualdade de armas e da proteção da confiança (artigo 20.º, n.º 4 e 2.º CRP) estando subjacente, necessariamente, uma dimensão de segurança jurídica.
(...)
37. Do supra exposto decorre que tendo sido aplicada norma anteriormente declarada inconstitucional deve ser o recurso admitido ao abrigo da alínea g) do artigo 70.º da LTC.
II. 2) Da interposição de recurso nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
(...)
39. Fundamenta-se na decisão sumária objeto da presente reclamação, quanto aos requisitos para interposição de recurso, que deverá a recorrente suscitar “(...) durante o processo, de modo claro e inteligível, uma questão de inconstitucionalidade normativa de modo a que o juiz a quo dela devesse tomar conhecimento antes de esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria.”
(...)
42. É entendimento da ora Reclamante que a questão de constitucionalidade foi indubitável e propriamente suscitada. Para tal basta que atentemos nas seguintes passagens das alegações aquando da Reclamação apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto no artigo 405.º do CPP. Deste modo:
“Foi entendimento do douto Tribunal que “nos termos do art. 74.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de outubro (vulgo RGCO), o prazo de interposição de recurso é de 10 dias a partir da notificação ao arguido [...] significa isto que, o prazo para interposição do recurso da sentença proferida nestes autos terminava em 15.12.2011.” Como infra melhor se explicará este não é o entendimento correto visto a norma aplicada estar ferida de inconstitucionalidade.”
“O RGCO dispôs que o prazo para a interposição de recurso é de 10 dias, todavia o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do n.º 1, do art. 74.º do RGCO na medida em que, sendo aplicável o n.º 1, do art. 413.º do CPP – 20 dias de prazo para a resposta – estar-se-ia perante uma inconstitucionalidade material por violação do princípio do processo equitativo (n.º 4, do art. 20.º, da CRP).”
(...)
“Mais se dirá que, atendendo ao princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica (art. 2.º da CRP) o prazo aplicável à interposição do recurso deve ser sempre o mais favorável à Recorrente, ou seja, o de 20 dias.”
(...)
44. Concretizando, foi diretamente suscitada pela Recorrente a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 74.º do RGCO na interpretação de que da mesma não decorreria qualquer desigualdade de armas, por o prazo de resposta ser também – na interpretação adotada pelo STJ – de 10 dias.
45. Com efeito, na reclamação apresentada, a Recorrente referiu-se expressamente ao n.º 1 do artigo 74.º do RGCO, à norma remissiva constante do n.º 4 do mesmo artigo e ao artigo 413.º do CPP e ao sentido normativo que deles poderia ser extraído, no sentido de ser de 10 dias e não de 20 dias o prazo de resposta ao recurso.
46. Referindo também expressamente que tais normas, numa tal interpretação, eram violadoras dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica que, como é pacífico na jurisprudência constitucional, decorrem do artigo 2.º da CRP (v.g., Ac. 85/2010 do Tribunal Constitucional).
(...)
48. Mas, mesmo que a Recorrente, ora Reclamante, não o tivesse feito tão explicitamente como o fez, decidiu a já a jurisprudência do Tribunal Constitucional que «é de considerar adequadamente suscitada a questão de inconstitucionalidade quando da atuação processual do recorrente resulte, com suficiente clareza, a norma cuja conformidade à Constituição foi questionada [...]» (cfr. Acórdão n.º 53/97).
(...)
52. Não é a Reclamante da opinião que qualquer falta de inteligibilidade tivesse obstado ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade pelo tribunal a quo, pelo contrário, a suscitação é inteligível ao ponto de o tribunal concluir, na sua opinião, que a discussão sobre a violação do princípio da igualdade não tem, face à interpretação e avaliação do Ac. Uniformizador do STJ, aplicação, conhecendo, deste modo, da questão de (in)constitucionalidade colocada.
(...)
55. Não se deverá confundir falta de diligência e exaustividade com impossibilidade de conhecimento por falta de clareza por parte da ali Recorrente ao levantar o problema da conformidade constitucional da norma. O tribunal recorrido tomou conhecimento da questão tendo optado, a nosso ver erradamente, por não desenvolver esse entendimento e colocar, sem mais, um ponto final na questão.
(...)»
3. Notificada para o efeito, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
Fundamentação
4. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
A., S.A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que indeferiu a reclamação deduzida pela recorrente do despacho proferido pelo 1.º Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que não admitiu o recurso interposto da sentença aí exarada.
O recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), por requerimento com o seguinte teor:
“(...)
10. O art. 74º n.º 1 do RJCO, conjugado com o artigo 411.º do CPP (do qual decorre que o requerimento de interposição de recurso tem de ser motivado) foi julgado inconstitucional com força obrigatória geral por força do Acórdão n.º 27/2006 [Processo n.º 883/2005], publicado no DR 1ª Série-A, n.º 45, de 3 de março de 2006.
(...)
13. A decisão (Acórdão n.º 27/2006 do Tribunal Constitucional) que procedeu à declaração de inconstitucionalidade em termos abstratos – e que teve lugar na linha de decisões idênticas, no quadro da fiscalização concreta da constitucionalidade (Ac. n.º 462/2003 e decisões sumárias nºs 284/2004 e 318/2005) – considerou incompatível com a constituição a existência de prazos distintos para o recorrente motivar o recurso (de 10 dias, nos termos da norma julgada inconstitucional) e para a resposta, (agora de 20 dias, nos termos do n.º 4 do art. 74º do RGCO e do art. 413.º, do CPP) nas hipóteses de recurso de decisões judiciais em matéria contraordenacional.
14. O Ac. n.º 27/2006 partiu da consideração estritamente objetiva, por parte do Tribunal Constitucional, quanto ao regime aplicável ao recurso de decisões judiciais em matéria contraordenaciorial e ao que dele resulta acerca do prazo para motivar o recurso e do prazo de resposta em processo de contraordenação, e em nada dependeu da interpretação dada (nos processos concretos no quais teve origem a declaração de inconstitucionalidade) pelos Tribunais a quo quanto ao n.º 4 do art. 74º do RGCO, até porque, como se lê no próprio Ac. n.º 27/2006, nem sequer o processo chegou à fase de produção de resposta pelo recorrido. Nem sequer se verificou, em concreto, a aludida desigualdade de armas. Nem tão pouco se chegou a saber qual seria a interpretação dos tribunais acerca de qual seria o prazo para resposta ao recurso. O Tribunal Constitucional tomou como assente – porque a lei ordinária não deixa margem para dúvidas – que o prazo de resposta só podia ser o de 20 dias constante do artigo 413.º do CPP, aplicável pela da remissão operada pelo artigo 74.º, n.º 4, do RGCO.
16. Ora, a norma julgada inconstitucional (conjugação do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO com o artigo 411.º do CPP na parte referente à obrigatoriedade de motivar o recurso juntamente com o requerimento de interposição) foi diretamente aplicada pela decisão de que ora se recorre.
21. Já que declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativa a uma dada norma implica a nulidade ipso jure da mesma norma, operando ex tunc, ou seja, desde a sua entrada em vigor, importando fundamentalmente a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade duas coisas: (i) o termo de vigência da norma ou normas declaradas inconstitucionais a partir do momento da entrada em vigor dessas normas e não apenas a partir do momento da declaração de inconstitucionalidade; e (ii) a proibição da aplicação das normas inconstitucionais a situações ou relações desenvolvidas à sombra da sua eficácia e ainda pendentes (Ac. do TC 13/91, BMJ, 403- 117).
22. Ora, tendo sido aplicada norma anteriormente declarada inconstitucional, deve, sem necessidade de mais considerações, ser o presente recurso admitido, ao abrigo da alínea g) do artigo 70.º da LTC.
(...)
30. Na perspetiva da Recorrente, tendo sido já declarada a inconstitucionalidade do artigo 74º n.º 1 e a sua consequente nulidade ipso jure, não cabia sequer suscitar um novo juízo de inconstitucionalidade do citado artigo 74º n.º 1 do RJCO.
31. Mas acautelando diferente entendimento e outras interpretações da norma, a Recorrente não deixou de suscitar, na Reclamação que dirigiu ao Presidente do Tribunal da Relação, enviada aos autos por correio eletrónico de 23 de fevereiro de 2012, para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa (1.ºJuízo, 1.ª Secção).
43. Disse-se, assim, na Reclamação apresentada perante o Tribunal da Relação de Lisboa do Despacho de fls. 1157 do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que a norma resultante dos nºs 1 e 4 do artigo 74.º do RGCO e do artigo 413.º do CPP, na interpretação segundo a qual é de 10 dias o prazo de resposta ao recurso interposto em processo de impugnação de contraordenação, não respeita o princípio constitucional da proteção da confiança jurídica, imanente do princípio do Estado de Direito (art. 2.º, da CRP).
50. Em observância do disposto no artigo 75.º-A, n.º 2, da LTC, a Recorrente indica como princípios constitucionais violados os constantes dos artigos 2.º e 32.º, nºs 1 e 10 da CRP.
(...)”
O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. No entanto, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
A recorrente intentou, junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, ação de impugnação da decisão da CMVM pela qual lhe foi aplicada uma coima no valor de 25 000 euros. Em 5 de dezembro de 2011 foi a recorrente notificada da Sentença que manteve integralmente a decisão do Conselho Diretivo da CMVM. Em 12 de janeiro de 2012, a recorrente interpôs recurso ordinário, com efeito suspensivo do processo, nos termos do artigo 408.º do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), tendo sido, em 13 de janeiro de 2012, notificada do Despacho que não admitiu o recurso interposto, com fundamento na respetiva extemporaneidade. Inconformada, a recorrente apresentou reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa, a qual, contudo, foi indeferida.
Por fim, foi interposto, de todos estes arestos e nos termos supra referidos, o presente recurso de constitucionalidade.
4. Como se referiu, o recurso funda-se no disposto nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. No que tange com os requisitos dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) da referida norma, exige-se que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/94, 560/94 e 155/95, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Para que isso aconteça, deflui da jurisprudência constitucional a necessidade de que o levantamento da questão de inconstitucionalidade se faça “de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição (...)”, relevando o “porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos” (v. Acórdão n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Por seu turno, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º apenas se admitem os recursos de decisões que apliquem norma(s) previamente julgada(s) inconstitucional (ais) por este Tribunal. Ora, para que se revelem preenchidos os requisitos deste recurso de constitucionalidade é necessário que, defluindo do mesmo preceito vários sentidos normativos, o tribunal a quo haja aplicado aquele sentido ou interpretação anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, 2011). Aliás, esta é a única solução consonante com a própria ratio ou fundamento deste recurso de constitucionalidade, a saber, a de garantir a autoridade ou primazia do Tribunal Constitucional em matéria de constitucionalidade normativa, assegurando, desse jeito, a uniformização ao nível da respetiva jurisprudência.
Já teve o Tribunal Constitucional oportunidade de ratificar este entendimento quando, no Acórdão n.º 529/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), sustentou que a ratio ou fundamento supramencionados apenas são postos em causa quando à identidade formal entre os preceitos (a proposição ou enunciado formal) se alia uma identidade substancial, a qual não pode afirmar-se quando “a hipótese normativa, a previsão abstrata a que se subsume a concreta realidade, divergem de um para outro caso.”
Excogitados estes esclarecimentos, cumpre apurar se o caso vertente reúne os pressupostos processuais associados a cada um dos recursos de constitucionalidade veiculados.
No que concerne o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, é manifesto que o sentido interpretativo apurado a partir da conjugação do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, e do artigo 411.º do CPP, cuja inconstitucionalidade a recorrente contesta, não é substancialmente idêntico àquele que foi objeto da declaração de inconstitucionalidade, no Acórdão n.º 27/2006. Senão vejamos.
No Acórdão n.º 27/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional decidiu “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, conjugada com o artigo 411º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contraordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição.” Vale por dizer que a declaração de inconstitucionalidade deste jeito proferida não recaiu sobre os prazos que valiam, em concreto, para o recurso e para a resposta em processo de contraordenação, mas antes sobre a dessintonia entre os mesmos, que afrontaria o princípio da igualdade, na sua dimensão de igualdade de armas no mesmo processo. É claro, pois, que de passagem alguma desta decisão é possível retirar – nem implícita nem tampouco explicitamente – que a declaração de inconstitucionalidade proferida preclude a adoção do prazo único de dez dias, ou de outro prazo que não o prazo de vinte dias.
Já nas alegações constantes da reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa, a recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo 74.º, n.º 1 do RGCO, quando interpretado no sentido de que o prazo para interposição de recurso é de 10 dias, por considerar que a declaração de inconstitucionalidade daquele preceito, proferida no Acórdão n.º 27/2006, com fundamento em violação do princípio da igualdade de armas (v. artigo 20.º, n.º 4 da CRP), gerara uma lacuna quanto ao problema de saber qual o prazo de interposição do recurso. Assim sendo, o tribunal a quo, ao decidir preencher essa lacuna optando por reduzir o prazo do Ministério Público de vinte para dez dias – ao invés de alargar o prazo do recorrente de dez para vinte dias – veiculou, no entender da recorrente, uma interpretação do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, que é inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.
Daqui deflui, aliás, que a própria recorrente admite que a declaração de inconstitucionalidade veiculada pelo Acórdão n.º 27/2006 não teve por objeto o prazo para a interposição do recurso propriamente dito - maxime, a constitucionalidade de um prazo de dez dias - antes gerou na lei uma “lacuna que é necessário preencher”.
Isto dito, conclui-se que a dimensão normativa objeto de aplicação pelo tribunal a quo, mas contestada pela recorrente, a saber, a fixação de um prazo único de dez dias para a interposição de recurso e apresentação de resposta em processo de contraordenação, não foi a dimensão ou sentido normativo anteriormente declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 27/2006, pelo que, na ausência de um dos requisitos objetivos de que está dependente, não há que tomar conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. g), da LTC.
Mesmo que assim não se entendesse, tampouco é possível sustentar que estão verificados, no caso vertente, os demais pressupostos processuais a que está subordinada a admissão do recurso de constitucionalidade interposto nos termos da al. b), do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC. Na verdade, é inequívoco que a recorrente não suscitou, durante o processo, de modo claro e inteligível, uma questão de inconstitucionalidade normativa de modo a que o juiz a quo dela devesse tomar conhecimento antes de esgotado os seu poder jurisdicional sobre a matéria.
É certo que em jurisprudência deste Tribunal já se admitiu que a eventual falta de clareza e inteligibilidade da questão de inconstitucionalidade suscitada não preclude em absoluto que o Tribunal Constitucional dela toma conhecimento, desde que, claro está, essa ausência não tenha evitado que sobre ela se pronunciasse o tribunal recorrido (v. Acórdão n.º 498/1999, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). No entanto, no caso vertente, essa falta de inteligibilidade e de clareza obstaram efetivamente a que o Tribunal da Relação de Lisboa ficasse obrigado ao seu conhecimento, já que em momento algum este tribunal aprecia a conformidade constitucional da interpretação controvertida pela recorrente, limitando-se a afirmar que, tendo o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência consagrado o prazo de dez dias quer para o recurso quer para a resposta, “não pode falar-se em qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.”
Ora, de acordo com a recorrente, o Acórdão n.º 27/2006, ao declarar a inconstitucionalidade da interpretação que permita a discrepância ou a mera desigualdade entre os prazos do recurso e da resposta em processo de contraordenação, abriu uma lacuna, que cumpre preencher. No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional alega a recorrente ter suscitado, na reclamação apresentada perante o Tribunal da Relação de Lisboa, a inconstitucionalidade da norma resultante dos n.ºs 1 e 4 do artigo 74.º do RGCO e do artigo 413.º do CPP, na interpretação segundo a qual é de 10 dias o prazo de resposta ao recurso interposto em processo de impugnação de contraordenação, por violação do princípio constitucional da proteção da confiança, imanente ao princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP).
Porém, resulta do articulado da reclamação apresentada perante o Tribunal da Relação de Lisboa que a recorrente não controverteu a constitucionalidade do sentido normativo veiculado, mas antes a ilegalidade, por violação do artigo 8.º, n.º 2, do Código Civil, da interpretação corretiva a que procedeu o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa. Atente-se, para o efeito, nas alegações n.ºs 13, 17 e 18 apresentadas pela recorrente naquela reclamação:
“(...)
13. No entanto, entende, muito respeitosamente, a ora recorrente que não cabe aos tribunais a fixação do prazo para a interposição de recurso e, uma vez que o n.º 1 do artigo 413.º do CPP dispõe que é de 20 dias o prazo para a resposta ao recurso, a leitura de que, em processo contraordenacional, esse prazo é de 10 dias configura uma interpretação corretiva que não tem cabimento legal (n.º 2, do art. 8.º, do CC).
(...)
17. Para se defender que o prazo aplicável é o de 10 dias, teremos necessariamente que fazer uma interpretação corretiva do n.º 1, do artigo 413.º, do CPP que expressamente previu ser de 20 dias o prazo para a resposta ao recurso.
18. Tal interpretação parece à ora recorrente violadora do que expressamente dispõe o n.º 2, do art. 8.º, do CC.
(...)”
Assim sendo, há que concluir que o levantamento da questão de inconstitucionalidade a que alegadamente a recorrente procedeu não cumpriu os requisitos mínimos de clareza e inteligibilidade – especialmente no que concerne a explicitação e fundamentação da desconformidade do objeto com o parâmetro de controlo – e, desse jeito, inviabilizou o pleno e efetivo conhecimento daquela questão pelo tribunal recorrido. Destarte, somos levados a concluir que o recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente não reúne os pressupostos processuais inferidos do artigo 70.º, n.º 1, al. b), preceito ao abrigo do qual o recurso de constitucionalidade é interposto.
6. Atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(...)»
5. Ora, os argumentos esgrimidos pela reclamante não logram perturbar o acerto da decisão sumária proferida. Vejamos.
Em primeiro lugar, a reclamante sustenta que o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, deveria ter sido admitido pelo Tribunal Constitucional. Para tanto, argumenta que “o tribunal recorrido aplica a norma em crise na medida em que reconhece o mesmo que o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho.”
No entanto, a argumentação avançada pela reclamante nesta sede é inconsistente e insuficiente. Com efeito, sendo o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, vem a jurisprudência constitucional consolidada na matéria afirmando que aquele “tem por finalidade garantir a autoridade do Tribunal Constitucional enquanto órgão jurisdicional que detém a última palavra em matéria de constitucionalidade normativa e assegurar a harmonia de julgados e a unidade de orientação jurisprudencial neste domínio (CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional - Tomo II, pág. 741). O que só é diretamente posto em causa quando a mesma norma que o Tribunal Constitucional tiver julgado desconforme à Constituição venha a ser posteriormente aplicada pelos demais tribunais. Embora a situação para que se procura resposta seja idêntica e ainda que seja a mesma ou comum a estatuição, não pode dizer-se que a norma seja a mesma quando a hipótese normativa, a previsão abstrata a que se subsume a concreta realidade, divergem de um para outro caso. O que se intenta preservar é a uniformidade de decisão quanto à inconstitucionalidade de determinada norma, não a prevalência da doutrina ou a coerência valorativa” (cfr. o Acórdão n.º 529/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ou seja, partindo do pressuposto que do mesmo preceito são extraíveis várias normas ou interpretações normativas (cfr. o Acórdão n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), só quando haja identidade material entre o entendimento normativo que impulsiona o recurso de constitucionalidade em causa e a interpretação normativa que esteve subjacente ao juízo/declaração/pronúncia de inconstitucionalidade que é seu pressuposto, é que se abre a via de recurso da alínea g) do artigo 70.º.
Ora, não é isso que sucede nos autos: aquela identidade material surge imediatamente gorada na medida em que não há identidade entre a hipótese ou previsão das normas extraídas dos preceitos em causa.
No Acórdão n.º 27/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) - o acórdão fundamento avançado pela ora reclamante – o Tribunal Constitucional declarou, de facto, a inconstitucionalidade do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, interpretada no sentido de que, em processo contraordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo. O mesmo é dizer que a censura constitucional que é dirigida ao preceito vertente não tem por objeto o prazo para a interposição de recurso que em concreto dele consta, mas antes o entendimento que admite que tal prazo possa divergir do prazo de resposta, visto que uma tal dissonância briga com o princípio da igualdade de armas. Já o entendimento normativo sufragado pelo tribunal a quo – o Tribunal da Relação de Lisboa – consubstanciou-se na imposição aos participantes processuais de um prazo idêntico para a interposição de recurso e apresentação de resposta (10 dias), respeitando, destarte, os efeitos que, nos termos do artigo 282.º da CRP, defluem de uma declaração de inconstitucionalidade.
Portanto, reitera-se, quanto a esta parte, o que se afirmou na decisão sumária objeto de reclamação: constituindo a mencionada identidade material um pressuposto objetivo do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, a sua inexistência no caso vertente tem de obstar ao conhecimento, pelo Tribunal Constitucional, do objeto de tal recurso.
Em segundo lugar, avança a reclamante que, ao contrário do que predica a decisão sumária, “foi suscitada a questão de inconstitucionalidade de tal modo que se afigura como invocada a norma que no entender da Reclamante viola a Constituição e o porquê dessa incompatibilidade, indicando a norma e o princípio constitucional infringido.” Para além disso, a reclamante considera que não é verdade que a falta de clareza ou de inteligibilidade da arguição da questão de inconstitucionalidade haja obstado ao respetivo conhecimento pelo tribunal recorrido: na verdade, no entender da reclamante, “a suscitação é inteligível ao ponto de o tribunal concluir, na sua opinião, que a discussão sobre a violação do princípio da igualdade não tem, face à interpretação e avaliação do Ac. Uniformizador do STJ, aplicação, conhecendo, deste modo, da questão de (in)constitucionalidade colocada.”
Tampouco nesta parte do respetivo arrazoado assistente razão à reclamante. A decisão sumária proferida centrou-se, fundamentalmente, na falta de adequação processual da suscitação empreendida, maxime, na falta de clareza e inteligibilidade da mesma, a qual não permite apurar, com a precisão e rigor exigíveis, aquilo que a recorrente (ora reclamante) pretende efetivamente controverter. Noutros termos - não é possível discernir com precisão qual a questão de constitucionalidade que a reclamante pretende ver apreciada.
Desde logo, a reclamante ataca, nas alegações constantes da reclamação apresentada junto do Tribunal da Relação de Lisboa, o processo hermenêutico empreendido pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, mais tarde confirmado pela Relação, argumentando, com efeito, que para que tal tribunal pudesse ter optado por fixar um prazo de 10 dias, teria necessariamente empreendido uma interpretação corretiva do n.º 1, do artigo 413.º, do Código de Processo Penal. Tal interpretação seria, de acordo com a reclamante, ilegal, por violação do n.º 2, do artigo 8.º, do Código Civil, e inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança. Ora, visto que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar do modo como os demais tribunais aplicam o direito infraconstitucional, proposição por diversas vezes sufragada na jurisprudência constitucional (cfr. os Acórdãos n.ºs 674/99, 110/07 e 183/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), não se vislumbra, na questão levantada pela reclamante, um sentido útil, sobre o qual se possa debruçar a jurisdição constitucional.
Depois, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, a agora reclamante afirma ter sido “diretamente suscitada (...) a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 74.º do RGCO na interpretação de que da mesma não decorreria qualquer desigualdade de armas, por o prazo de resposta ser também – na interpretação adotada pelo STJ – de 10 dias.” Ora, não se percebe se a questão supra delineada é, na verdade, uma questão outra, diversa daquela que consta das alegações produzidas na reclamação, ou se é, na verdade, a mesma questão, apenas estruturada em termos diversos; nem tampouco qual o parâmetro constitucional violado, se novamente o princípio da igualdade de armas, se o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.
Argumenta ainda a reclamante que o tribunal recorrido conheceu da questão de constitucionalidade (deficitariamente) suscitada, mas concluiu que “a discussão sobre a violação do princípio da igualdade não tem, face à interpretação e avaliação do Ac. Uniformizador do STJ, aplicação.” Uma vez mais, não se pode concordar com a posição veiculada. O tribunal a quo conclui que, no caso vertente, não se registando que “a recorrida tenha beneficiado de prazo distinto do concedido à recorrente”, não pode por isso falar-se em “qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade”. Mas tal conclusão nada tem que ver com o (outro) problema levantado pela reclamante nos autos, cujas dificuldades de delimitação e desocultação são evidentes.
Recorde-se, por fim, que, no entender da jurisprudência constitucional consolidada (v., entre outros, os Acórdãos n.º 352/94 e 195/06, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a suscitação atempada e processualmente adequada da questão de constitucionalidade, “não integra um simples dever de cooperação do recorrente com o Tribunal ou uma mera questão de forma secundária – constituindo antes uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-lo em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão” (Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 103).
Assim, não tendo o levantamento da questão de constitucionalidade cumprido requisitos mínimos de clareza e inteligibilidade, ficou postergada a possibilidade de o tribunal recorrido examinar a questão em causa e, por conseguinte, de o Tribunal Constitucional atuar como instância de recurso na apreciação da mesma – algo que corrobora o acerto da decisão sumária objeto de reclamação.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 6 de novembro de 2012. – J. Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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