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Processo n.º 364/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas g) e b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 28 de fevereiro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 350/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem, para o que agora releva, a seguinte fundamentação:
«2. Para apreciação da mesma norma, o recorrente recorre também ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto nesta alínea b) a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
O acórdão recorrido apreciou e decidiu a questão de saber se se verificava a nulidade processual arguida pela recorrente, pelo que aplicou, como razão de decidir, normas do regime das nulidades processuais. Não aplicou a norma do artigo 3º n.º 3 do CPC, juntamente com as normas dos artigos 712.º n.º 1, alínea a), do mesmo código, 98.º da LGT e 120.º do CPPT, no sentido de o aditamento “oficioso” de factos pelo Tribunal Central Administrativo não estar sujeito à prévia satisfação do princípio do contraditório junto das partes, sem que a estas seja necessário dar a possibilidade de sobre isso se pronunciarem.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, também nesta parte, ao abrigo da alínea convocada, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, nº 1, da LTC).
3. A recorrente pretende também a apreciação da constitucionalidade da norma «dos artigos 712º n.º 1 a) do CPC, 123.º n.º 2 do CPPT e 653.º n.º 2 e 659.º n.º 2, ambos do CPC, (…) quando interpretadas, tal como o fez o TCAS, no sentido de permitirem que o Tribunal Central Administrativo (tribunal equivalente da jurisdição administrativa e fiscal à relação) possa alterar oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do citado artigo 712.º n.º 1 a) do CPC sem ter que identificar quais os factos que adita oficiosamente dos factos que acrescenta à matéria de facto em resultado do provimento do recurso apresentado por uma das partes, in casu a ora recorrente».
Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que, quanto à presente norma, não se pode dar por verificado nos presentes autos.
O acórdão recorrido apreciou e decidiu a questão de saber se, tal como a recorrente havia arguido, era nulo o acórdão de 22 de novembro de 2011, pelo que aplicou, como razão de decidir, normas do regime das nulidades da sentença, convocando expressamente o artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade interposto obsta, também nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
4. A recorrente requer, ainda, a apreciação da constitucionalidade das normas «dos artigos 712.º n.º 1 a) do CPC e do artigo 653.º n.º 2 do mesmo código (…), quando interpretadas, tal como o fez o TCAS, no sentido de permitirem ao Tribunal Central Administrativo (tribunal equivalente da jurisdição administrativa e fiscal à relação) alterar oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do citado artigo 712.º n.º 1 a) do CPC sem ter de proceder ao exame crítico das provas e à especificação dos concretos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não bastando para o efeito o recurso a expressões vagas e genéricas como os “depoimentos das duas primeiras testemunhas” – no caso das alíneas Q) e S) do acórdão – ou “depoimento da primeira testemunha” – como na alínea U) – ou, ainda, “particularmente os depoimentos das duas últimas testemunhas” – no caso da alínea Ab) – e “depoimentos testemunhais” – como na alínea V) – ou frases tabelares como a “matéria de facto, ora aditada, tem por suporte os elementos probatórios, de natureza testemunhal e documental, referenciados em cada uma das alíneas Ø a Ac) [e que são justamente as expressões amplas acima referidas] (...) a razão de ciência revelada pelas testemunhas, todas elas com conhecimento direto das circunstâncias factuais sobre que depuseram, importou levar, ainda, em linha de consideração a circunstancia da matéria aqui controvertida não ser, objetivamente, inócua/indiferente para as referidas testemunhas na medida em que beneficiárias de pagamentos com importâncias controvertidas nos autos.”».
Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, àquele enunciado falta, de forma manifesta, conteúdo normativo. É antes revelador da discordância da recorrente relativamente a decisão judicial anteriormente proferida. E tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se, também quanto a esta parte, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«I – Recurso da parte da decisão do TCAS referente “à nulidade processual”:
- Do Recurso com fundamento da alínea b) do 1 do artigo 70. º da LTC:
1.º
Com respeito à parte da douta decisão do Tribunal Central Administrativo Sul referente à “nulidade processual” oportunamente arguida, veio a Recorrente - subsidiariamente ao recurso ao abrigo da al. g) do n.º 1 do artigo 70. º da LTC – interpor recurso para este Tribunal com arrimo na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2.º
Pretendeu a Recorrente, com tal recurso, que este Tribunal apreciasse a constitucionalidade da “norma do artigo 3.º n.º 3 do CPC, juntamente com as normas dos artigos 712. º 1, alínea a), do mesmo código, 98.º da LGT e 120. º do CPPT, no sentido de o aditamento “oficioso” de factos pelo Tribunal Central Administrativo não estar sujeito à prévia satisfação do princípio do contraditório junto das partes, sem que a estas seja necessário dar a possibilidade de sobre isso se pronunciarem.” – norma cuja inconstitucionalidade a Recorrente suscitou durante o processo e que, em seu entender, o acórdão recorrido aplicou no julgamento do caso.
Sucede porém que,
3.º
Sobre o aludido recurso entendeu a douta Decisão Sumária não poder conhecer do seu objeto por não se encontrar alegadamente verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea convocada [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC], isto é, “a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente”.
4.º
Acrescentando a mesma, que o acórdão recorrido terá aplicado, “como razão de decidir, normas do regime das nulidades processuais.” e não a norma cuja constitucionalidade é questionada pela Recorrente.
Ora,
5.º
Com tal decisão não se conforma a Recorrente.
6.º
De facto, como bem refere a própria Decisão Sumária aqui reclamada, a admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do preceito em análise, está condicionado à efetiva aplicação à dirimição do caso, pelo tribunal “a quo”, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade tenha sido previamente suscitada pelo Recorrente.
7.º
Devendo tal norma ou interpretação normativa constituir a “ratio decidendi” da decisão proferida, isto é, o fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pelo tribunal “a quo”, de modo a ser possível extrair qualquer efeito jurídico útil da eventual confirmação ou alteração do juízo de inconstitucionalidade proferido pelo juiz “a quo”.
8.º
A norma ou interpretação normativa não poderá, assim, constituir um simples “obter dictum” ou argumento “ad ostentationem”, sem influência efetiva e determinante na decisão concretamente tomada pelo julgador.
9.º
Sendo ainda indispensável, quando o recurso seja reportado à inconstitucionalidade de certa interpretação normativa - como é o caso nos presentes autos - que haja efetiva e estrita coincidência ou identidade normativa entre a interpretação da norma especificada pelo Recorrente como padecendo de inconstitucionalidade e a interpretação que o tribunal, ao julgar o caso, fez de tal norma, aplicando-a como efetivo fundamento de direito de decisão.
10.º
Nestes temos, só não haverá efetiva aplicação da norma ou interpretação normativa quando a decisão proferida tenha assentado num outro e autónomo fundamento de direito, diverso do invocado pela Recorrente como base das pretensões deduzidas, dirimindo o tribunal “a quo” o litígio em função de um diferente e inovatório enquadramento jurídico.
Pois bem,
11.º
No caso vertente, o tribunal a quo não se fundou em critério normativo substancialmente diverso do questionado pela Recorrente, bem pelo contrário.
Aliás,
12.º
Inicia o acórdão recorrido por centrar a questão dizendo: “o cerne da questão está em saber se a circunstancia, incontroversa, do referido acórdão, ter aditado o probatório elaborado em 1.ª instância, com nova factualidade entendida por demonstrada sem que, dela e previamente, tivesse dado conhecimento à arguente, consubstancia uma qualquer violação da lei processual, designadamente, dos princípios estipulados no referido normativo a que importa lançar mão por força, desde logo, do estatuído no art. 2.º e, do CPPT”.
13.º
Acrescenta depois que (...) o aditamento ao probatório, por iniciativa deste tribunal, foi (...) feito a coberto do artigo 712.º, n.º 1, al. a) do CPC (...);
- que “(...) tal circunstancialismo é, a nosso ver, nuclear na conclusão de que, no caso, não ocorreu qualquer violação do art.º 3/ 3, do CPC, nos sobredito termos, nem a decisão proferida em 2011N0V22 pode ter qualquer caráter de surpresa para quem quer que seja e, designadamente, para a arguente. (...) ;
- e que “Sendo sabido que é com as alegações que alude o referido art. 120.º, do CPPT, que se encerra a discussão da causa, e portanto e também a da matéria de fato (...), ou seja, é aí que se cumpre o contraditório no que concerne aos meios de prova produzidos, razão porque, depois de conferida a possibilidade de produção das mencionadas alegações, nenhuma obrigação – seja por decorrência de princípios gerais de direito a observar, seja por determinação expressa e concreta da lei – se impõe ao tribunal de, num qualquer procedimento processual anómalo e absurdo, notifique as partes de um qualquer “projeto” de decisão, para que se possam pronunciar sobre o julgamento, ao que aqui releva, da matéria de facto, que considera dever ser de fazer.
14.º
Concluindo por fim que “Consequentemente, tendo sido dado absoluto e integral acatamento aos princípio do contraditório e de igualdade de armas, cai por terra, necessariamente, a alegada violação do art. 20.º, n.º 4, da CRP, por inexistente violação do direito a um processo equitativo.
15.º
Posto isto, e numa clara “visão substancial das coisas”(…), dúvidas não restam que a solução de direito ínsita na decisão do pleito passou, de um ponto de vista lógico-jurídico, forçosamente pela consideração do sentido normativo indicado pela Recorrente como padecendo da alegada inconstitucionalidade.
16.º
Na verdade, a aplicação da norma ou interpretação normativa tanto poderá ser expressa como implícita, não sendo indispensável que o julgador haja explicitamente fundamentado de direito a decisão que tornou através da invocação da interpretação dos preceitos legais especificados pelo Recorrente como estando feridos de inconstitucionalidade – a título de exemplo veja-se os Acórdãos deste Tribunal n.º 235/93, n.º 545/07, n.º 481/94, n.º 637/94, n.º 235/93 e n.º 60/95, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
17.º
Assim, e pelo acima exposto, sempre com o devido respeito com entendimento diverso, não assiste razão à Exma. Conselheira Relatora quando afirma que o tribunal recorrido não aplicou a interpretação normativa censurada pela Recorrente.
18.º
Como acima evidenciado, o acórdão recorrido baseou-se numa argumentação que pressupõe um juízo de constitucionalidade da norma em questão [norma do artigo 3.º n.º 3 do CPC, juntamente com as normas dos artigos 712.º n.º 1, alínea a), do mesmo código, 98.º da LGT e 120.º n.º 1 do CPPT, no sentido de o aditamento oficioso de factos pelo Tribunal Central Administrativo não estar sujeito à prévia satisfação do princípio do contraditório junto das partes, sem que a estas seja necessário dar a possibilidade de sobre isso se pronunciarem], na medida em que acaba por sustentar ter sido dado absoluto e integral acatamento aos princípios do contraditório e de igualdade de armas, caindo por terra, no seu ponto de vista, a “alegada violação do artigo 20.º, n.º 4, da CRP, por inexistente violação do direito a um processo equitativo”.
19.º
No fundo, o acórdão recorrido mais não fez que a “implícita” aplicação do regime jurídico estatuído naqueles preceitos legais com o sentido que a Recorrente tem por incompatível com a Constituição, pelo que neste ponto, deverá proceder a presente reclamação.
II – Recurso da parte da decisão do TCAS referente à nulidade do acórdão:
20.º
Subsidiariamente ao recurso interposto quer com base na alínea g), quer com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC quanto à interpretação normativa fixada na decisão do TCAS sobre a “nulidade processual”, a Recorrente pretendeu, igualmente, e com exclusivo fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a apreciação da constitucionalidade das normas a seguir indicadas:
As normas dos artigos 712.º n.º 1 a) do CPC, 123.º. n.º 2 do CPPT e 653.º n.º 2, ambos do CPC quando interpretadas, tal como o fez o TCAS, no sentido de permitirem que o Tribunal Central Administrativo (tribunal equivalente da jurisdição administrativa e fiscal à relação) possa alterar oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do citado artigo 712.º n.º 1 a) do CPC sem ter que identificar quais os factos que adita oficiosamente dos factos que acrescenta à matéria de facto em resultado do provimento do recurso apresentado por uma das pates, in casu, a ora Recorrente;
e
b) As normas dos artigos 712.º n.º 1 a) do CPC e do artigo 653.º n.º 2 do mesmo código, são materialmente inconstitucionais quando interpretadas, tal como o fez o TCAS, no sentido de permitirem ao Tribunal Central Administrativo (tribunal equivalente da jurisdição administrativa e fiscal à relação) alterar oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do citado artigo 712.º n.º 1 a) do CPC sem ter de proceder ao exame crítico das provas e à especificação dos concretos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não bastando para o efeito o recurso a expressões vagas e genéricas como os “depoimentos das duas primeiras testemunhas” – no caso das alíneas Q) e S) do acórdão – ou “depoimento da primeira testemunha” – com na alínea U) – ou, ainda, “particularmente os depoimentos das duas últimas testemunhas” – no caso da alínea Ab) – e “depoimentos testemunhais” – como na alínea V) – ou frases tabelares como a “matéria de facto, ora aditada, tem por suporte os elementos probatórios, de natureza testemunhal e documental referenciados em cada uma das alíneas Q) a Ac) [e que são justamente as expressões amplas acima referidas] (...) a razão de ciência revelada pelas testemunhas, todas elas com conhecimento direto das circunstancias factuais sobre que depuseram, importou levar, ainda, em linha de consideração a circunstancia da matéria aqui controvertida não ser, objetivamente, inócua/indiferente para as referidas testemunhas na medida em que beneficiárias de pagamentos com importâncias controvertidas nos autos.”
A) Do conjunto de normas identificadas na alínea a) do artigo 20.º:
21.º
Quanto ao Recurso de apreciação da constitucionalidade do primeiro conjunto de normas identificadas na alínea a) do artigo anterior, a douta Decisão Sumária entendeu mais uma vez não poder conhecer do seu objeto por não se encontrar, alegadamente, verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea convocada [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC], isto é, “a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente”.
22.º
A Decisão Sumária ancora a sua posição no facto do acórdão recorrido ter aplicado, “como razão de decidir, normas do regime das nulidades processuais, convocando expressamente o artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário” e não as normas cuja constitucionalidade é questionada pela Recorrente.
Ora,
23.º
Mais uma vez, com tal decisão não se poderá conformar a Recorrente
24.º
Chamando à colação o que supra foi referido acerca do requisito da “efetiva aplicação” expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e novamente numa clara “visão substancial das coisas”, a solução de direito ínsita na decisão do pleito, quanto a este ponto, passou obrigatoriamente, de um ponto de vista lógico-jurídico, pela consideração do sentido normativo indicado pela Recorrente como padecendo da alegada inconstitucionalidade. Senão vejamos,
25.º
O acórdão recorrido embora faça de facto referência ao artigo 125.º do CPPT, necessitou de fundamentar a sua decisão no seguinte:
“(...) não se vislumbra nada na lei que imponha uma precisa e efetiva delimitação da matéria que se mostre de aditar ao probatório quando tal decorra, concomitantemente, de alegação de erro de julgamento da matéria de facto, por parte do recorrente, e da iniciativa do tribunal de recurso, a coberto do preceituado no art.º 712. º, do CPC, sendo que, no caso, o acórdão não deixa de analisar, separada e primeiramente, o alegado erro de julgamento da meteria de facto, por parte da ora arguente (...)
- E não se afigure que o tivesse que fazer na medida em que o que releva é a matéria de facto que a final o tribunal entenda, coo suporte legal, de deve constar do probatório face ao quadro legal aplicável, sempre que a estribe nos concretos elementos de suporte em que se ancore”
Pelo que,
26.º
Mais uma vez fez a aplicação “implícita” do regime jurídico estatuído naqueles preceitos legais com o sentido que a Recorrente entende como incompatível com a Constituição.
27.º
Na verdade, aquela argumentação teve, de facto, influência efetiva e determinante na decisão concretamente tomada pelo julgador, pelo que neste ponto também deverá proceder a presente reclamação.
B) Do conjunto de normas identificadas na alínea b) do artigo 20.º:
28.º
Quanto ao Recurso de apreciação da constitucionalidade do segundo conjunto de normas acima identificado na al. b) do artigo _, a douta Decisão Sumária entendeu, por sua vez, não poder conhecer do seu objeto por alegadamente ao enunciado faltar, “(...) de forma manifesta, conteúdo normativo”, entendendo ao invés, que o mesmo é “(...) revelador da discordância da Recorrente relativamente à decisão judicial anteriormente proferida”.
29.º
Salvo o devido respeito por opinião contrária, a Recorrente não poderá concordar com tal entendimento.
30.º
Como bem sabemos, a questão da inconstitucionalidade «tanto pode respeitar a norma ou a uma sua dimensão parcelar, considerada em si, como, também, e mais restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida acs. 151/94, 238/94, 243/95. 18/96»(…).
Assim sendo,
31.º
No caso em apreço, resulta claramente do aludido enunciado que o Recorrente pretendeu questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, e não da decisão judicial anteriormente proferida, identificando, para tanto, expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido. – a título de exemplo veja-se os Acórdãos deste Tribunal n.º 367/94, n.º 178/95, n.º 593/95, n.º 645/97, n.º 107/99, n.º 549/01, n.º 232/02, n.º 302/02, n.º 21/06, n.º 361/06, n.º 415/06 e 37/09 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
32.º
A Recorrente mais não fez de que acatar «o ónus de suscitação, clara e precisa, da questão de constitucionalidade»(…) que lhe compete, o qual «implica que não basta afirmar-se que uma “diferente interpretação” normativa será violador da Constituição (Acórdãos n.ºs 210/06, 376/06 e 141/08), devendo necessariamente a parte “enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo” que se considera inconstitucional (Acórdãos n.ºs 21/06, 126/07, 16/09, 476/08 e 50/08), cabendo-lhe especificar, “positiva e expressamente”, o preciso sentido normativo que, na perspetiva do recorrente, padecerá de inconstitucionalidade»(…).
33.º
Pelo que, também aqui, não assiste razão à douta Decisão Sumaria quanto à sua decisão de não conhecimento do objeto do recurso».
4. Notificada da reclamação, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A recorrente requereu, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a apreciação da constitucionalidade da “norma do artigo 3.º n.º 3 do CPC, juntamente com as normas dos artigos 712.º n.º 1, alínea a), do mesmo código, 98.º da LGT e 120.º do CPPT, no sentido de o aditamento “oficioso” de factos pelo Tribunal Central Administrativo não estar sujeito à prévia satisfação do princípio do contraditório junto das partes, sem que a estas seja necessário dar a possibilidade de sobre isso se pronunciarem”. Na decisão reclamada entendeu-se que não podia tomar-se conhecimento desta parte do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, com ratio decidendi, da norma cuja apreciação era requerida. O Tribunal Central Administrativo Sul, para apreciar e decidir a questão de saber se se verificava a nulidade processual arguida pela recorrente, aplicou, como razão de decidir, normas do regime das nulidades processuais.
Para contrariar tal fundamento, a reclamante argumenta, no essencial, que o acórdão recorrido «mais não fez que a “implícita” aplicação do regime jurídico estatuído naqueles preceitos legais». Sem razão. A única questão a decidir no acórdão recorrido consistia em saber se tinha ocorrido a nulidade processual arguida pela recorrente, tendo o tribunal respondido negativamente. Há que ter presente que avaliar se houve ou não violação da lei processual não corresponde a qualquer aplicação, ainda que implícita, das normas respetivas, mas tão só verificar se tal violação consubstancia uma nulidade processual, à luz das normas sobre nulidades dos atos.
2. A reclamante pretendia também a apreciação da constitucionalidade da norma «dos artigos 712.º n.º 1 a) do CPC, 123.º n.º 2 do CPPT e 653.º n.º 2 e 659.º n.º 2, ambos do CPC, (…) quando interpretadas, tal como o fez o TCAS, no sentido de permitirem que o Tribunal Central Administrativo (tribunal equivalente da jurisdição administrativa e fiscal à relação) possa alterar oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do citado artigo 712.º n.º 1 a) do CPC sem ter que identificar quais os factos que adita oficiosamente dos factos que acrescenta à matéria de facto em resultado do provimento do recurso apresentado por uma das partes, in casu a ora recorrente». Na decisão reclamada entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, nesta parte, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, com ratio decidendi, da norma cuja apreciação era requerida. O acórdão recorrido, apreciando e decidindo a questão da nulidade do acórdão de 22 de novembro de 2011, aplicou, como razão de decidir, normas do regime das nulidades da sentença, convocando expressamente o artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Para contrariar tal fundamento, a reclamante argumenta, no essencial, que o acórdão recorrido «mais uma vez fez que a aplicação “implícita” do regime jurídico estatuído naqueles preceitos legais». Sem razão. A única questão a decidir no acórdão recorrido consistia em saber se aquele acórdão era nulo, tendo o tribunal respondido negativamente, por apelo ao artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, sem que a tal corresponda a aplicação, ainda que implícita, de determinada dimensão interpretativa ancorada naqueles preceitos legais.
3. A reclamante pretendia ainda a apreciação das normas «dos artigos 712.º n.º 1 a) do CPC e do artigo 653.º n.º 2 do mesmo código (…), quando interpretadas, tal como o fez o TCAS, no sentido de permitirem ao Tribunal Central Administrativo (tribunal equivalente da jurisdição administrativa e fiscal à relação) alterar oficiosamente a matéria de facto ao abrigo do citado artigo 712.º n.º 1 a) do CPC sem ter de proceder ao exame crítico das provas e à especificação dos concretos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não bastando para o efeito o recurso a expressões vagas e genéricas como os “depoimentos das duas primeiras testemunhas” – no caso das alíneas Q) e S) do acórdão – ou “depoimento da primeira testemunha” – como na alínea U) – ou, ainda, “particularmente os depoimentos das duas últimas testemunhas” – no caso da alínea Ab) – e “depoimentos testemunhais” – como na alínea V) – ou frases tabelares como a “matéria de facto, ora aditada, tem por suporte os elementos probatórios, de natureza testemunhal e documental, referenciados em cada uma das alíneas Ø a Ac) [e que são justamente as expressões amplas acima referidas] (...) a razão de ciência revelada pelas testemunhas, todas elas com conhecimento direto das circunstâncias factuais sobre que depuseram, importou levar, ainda, em linha de consideração a circunstancia da matéria aqui controvertida não ser, objetivamente, inócua/indiferente para as referidas testemunhas na medida em que beneficiárias de pagamentos com importâncias controvertidas nos autos.”». Na decisão reclamada entendeu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, também nesta parte, por este enunciado não ter conteúdo normativo, sendo antes revelador da discordância da reclamante relativamente a decisão judicial anteriormente proferida.
Para contrariar tal fundamentação, a reclamante argumenta que «pretendeu questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, e não da decisão judicial anteriormente proferida, identificando, para tanto, expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido».
É isto que, manifestamente, não ocorre naquele enunciado. E desde logo porque dele constam excertos da fundamentação do acórdão do tribunal recorrido, irremediavelmente incidíveis do caso que deu origem à decisão, que mais não são do que expressão de discordância quanto à fundamentação em matéria de facto.
Justifica-se, pois, confirmar a decisão sumária, na parte em que foi objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária, na parte em que foi objeto de reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 23 de outubro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.
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