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Processo n.º 348/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S.A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º e do n.º 1 do artigo 77.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do despacho que indeferiu o requerimento o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 24 de abril de 2012 (fls. 915).
2. O reclamante foi condenado, em decisão exarada na 14.º Vara Cível da Comarca de Lisboa, a pagar a Autora, B., Lda – agora recorrida – a quantia de € 30.838.65, acrescida de juros de mora vencidos desde 8 de outubro de 2008, à taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu. Inconformado, apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por unanimidade, confirmou a sentença recorrida.
Abolido, pela revisão de 2007, o recurso de agravo interposto na 2.ª instância, e sem prejuízo do disposto no n.º 3, do artigo 721.º, do Código de Processo Civil (CPC), interpôs o reclamante recurso de revista excecional, valendo-se, para o efeito, do disposto no artigo 721.º-A, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, preceito que – e passa a citar-se – admite recurso de revista do Acórdão da Relação quando este “esteja em contradição com outro já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido Acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.” As conclusões do recurso de revista interposto assumem o seguinte teor:
«(...)
A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão de fls... que julgou improcedente a Apelação, mantendo a decisão de 1.ª instância que julgou procedente o pedido da Autora de condenar a ora ré no pagamento da quantia a título de IVA e respetivos juros de mora sobre tal imposto.
B. Com feito e porque estamos perante duas decisões conformes mercê do disposto no n.º 3 do artigo 721.º do Código de Processo Civil, o presente recurso deverá ser admitido como Revista Excecional nos termos do art. 721.º-A do Código de Processo Civil, uma vez que se encontram reunidos os requisitos exigidos pela al. c) do n.º 1 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil.
C. Com efeito, analisada a nossa jurisprudência, verifica-se que o presente acórdão da Relação de Lisboa de que ora se recorre, se encontra em contradição com outros, já transitados em julgado, proferidos pelas Relações de Lisboa e de Guimarães, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
(...)»
Juntou, para o efeito, ao requerimento de interposição de recurso, dois documentos, a saber, uma cópia do Acórdão de 21 de maio de 2009, proferido pela Relação de Guimarães, no âmbito do Processo n.º 5343/06.7TBGMR.G1, e uma cópia do Acórdão de 20 de maio de 2010, proferido pela Relação de Lisboa no âmbito do Processo n.º 87/1999.L1-6, ambos disponíveis no sítio www.dgsi.pt.
Ora, em Acórdão com data de 29 de março de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça conclui não ter a reclamante cumprido o ónus que o n.º 2, alínea c) do artigo 721.º-A do CPC lhe assaca, decidindo nos seguintes termos:
«(...)
a) Fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 721.º-A do Código de Processo Civil, cumpre o recorrente juntar certidão ou cópia mecânica integral, sempre com nota de trânsito em julgado, de um único Acórdão fundamento, motivando os aspetos da identidade que justificam a contradição de julgados e que o STJ ainda não uniformizou jurisprudência sobre o tema a decidir.
b) A instrução deste requisito não se basta com uma mera reprodução mecânica de um texto extraído de uma base de dados.
(...)»
Inconformada, a reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual assume o seguinte teor:
«(...)
A., S.A., Recorrente nos autos à margem identificados, em que é Recorrida B., Lda., notificada da douta Decisão de fls.1 a 5, da formação de Juízes que constituem o Coletivo a que se refere o n.º 3 do art. 721º-A do Código de Processo Civil que não admite o recurso de Revista Excecional concluindo que:
“a) Fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 721.º A do Código de Processo Civil, cumpre ao recorrente juntar certidão ou cópia mecânica integral, sempre com nota de trânsito em julgado, de um único Acórdão fundamento, motivando os aspetos de identidade que justificam a contradição de julgados e que o STJ ainda não uniformizou jurisprudência sobre o tema a decidir;
b) A instrução deste requisito não se basta com uma mera reprodução mecânica de um texto extraído de uma base de dados.”
vem junto de V. Exa., nos termos do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, interpor
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
em cumprimento do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 75º A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, o presente recurso é interposto mercê da al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.
A decisão da formação de Juízes que constituem o Coletivo a que se refere o n.º 3 do art. 721º-A do Código de Processo Civil efetuou uma interpretação da al. c) do n.º 1 e al. c) do nº 3 do art. 721º-A do Código de Processo Civil desconforme com a lei processual civil e desconforme à Constituição da República Portuguesa, na medida em que exige (quando a lei não o faz) a junção imediata de certidão judicial com nota de trânsito em julgado do acórdão-fundamento, sob pena de vedar a possibilidade a qualquer parte interessada de interpor recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando o Acórdão da Relação esteja em oposição com outro de qualquer Relação ou STJ já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Com efeito, dispõem as normas do processo civil citadas que:
“Art.º 721.º-A (Revista excecional)
1- Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:
(...)
c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
(...)
2 - O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:
(...)
c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.
3 - A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.
4 - A decisão referida no número anterior é definitiva” – sublinhado nosso.
Em face do que, não tem acolhimento na lei o entendimento ou interpretação sufragada na decisão ora recorrida.
Veja-se a este propósito a opinião de António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de agosto – 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, págs. 372 a 374:
“(...) Assim, depois de proferido o despacho liminar pelo relator e depois de efetuadas as diligências que se revelem oportunas, deve o processo ser apresentado à referida formação para ser objeto de análise preliminar e sumária quanto aos aspetos que pela mesma devam ser considerados.
Não está afastada a possibilidade ou mesmo a necessidade de se efetuarem diligências complementares para aferição de elementos cuja comprovação não seja exigida ao recorrente, mas cuja existência seja necessária. Assim acontece com a verificação da autenticidade do acórdão-fundamento ou com a confirmação do seu trânsito em julgado. Já não parece possível emitir despacho de aperfeiçoamento, considerando os requisitos que nele se referem. Na verdade, ao invés do que ocorre relativamente a outros pressupostos de admissibilidade de recurso, nos termos do art. 685.º-C, a falta de indicações cujo ónus recai sobre o recorrente, nos termos do n.º 2, implica a rejeição do recurso, sem que seja possível ultrapassar a questão com a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Na apreciação de cada um dos requisitos constantes do n.º 1 do art. 721.º-A existem poderes oficiosos que nem sequer dependem da atuação do recorrente, como sucede com a apreciação da identidade ou da dissemelhança substancial da legislação. Todavia, no que respeita às indicações referidas no n.º 2, a sua falta implica, como efeito imediato, a rejeição do recurso, sendo de notar essencialmente a necessidade de ser apresentada de imediato a comprovação do acórdão em que se funda a alegada contradição.
Para este efeito, não se mostra necessária verdadeira cópia extraída do original do próprio acórdão que, aliás, pode estar inacessível ou sem possibilidades de localização. Muito menos se exige a junção de certidão do mesmo. Basta, para o efeito, que seja ilustrada a sua existência, juntando cópia obtida a partir de alguma das vias por que tenha sido publicitado, sem exclusão sequer das publicações ou dos sites não oficiais.
Efetivamente, não está garantida a publicação ou publicitação oficial de todos os acórdãos das Relações ou mesmo do Supremo. A publicitação feita através de www.dgsi.pt é circunscrita a determinados acórdãos. Outras publicações ou formas de divulgação associativas ou particulares obedecem a propósitos que não implicam necessariamente com o interesse que está subjacente à excecional admissão da revista. Acresce que a apresentação do acórdão-fundamento por parte do recorrente serve apenas de ilustração à sua pretensão, não sendo vinculativa para o Supremo que jamais pode descurar a necessidade de confirmar, através de meios de pesquisa interna, a existência e o conteúdo integral do referido acórdão.
Já cremos que não basta a junção de cópia do sumário de um acórdão pela singela razão de que um “sumário” não é um “acórdão-fundamento” cuja junção a lei exige.
Nos termos da al c), exige-se que o acórdão-fundamento tenha transitado em julgado. Mas pelo que anteriormente se expôs, não constitui ónus do recorrente a prova desse facto. Aliás, a al. c) do n.º 2 não contém tal exigência, devendo aplicar-se ao caso, por analogia, o preceituado no art. 763.º, nº 2, acerca do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, que faz presumir o trânsito em julgado, sem embargo da sua verificação por parte do próprio Supremo.
O recurso é rejeitado ou admitido consoante a apreciação que a maioria faça dos elementos disponíveis em face dos critérios legais. 515 Parece evidente que não se trata de um poder discricionário (neste sentido cfr. também o Ac. Do STA, de 29-9-05 - www.dgsi,pt), devendo a deliberação ser fundamentada, ainda que de forma sumária. Esse dever, a montante, sobrepõe-se, aliás, ao facto de, a jusante, se verificar que a decisão é definitiva e, por isso, irrecorrível.
(...) A decisão é definitiva, tanto na vertente positiva como negativa, como decorre do n.º 4. Ou seja, em caso de rejeição do recurso, uma vez distribuído e atribuído ao respetivo relator, é vedado a este ou à respetiva conferência rejeitá-lo supervenientemente, sob o pretexto de que não se verificam os condicionalismos legais específicos da revista ampliada.” - sublinhado nosso.
Sendo esta decisão definitiva, não podendo portanto ser impugnada, fica a Recorrente impedida de escrutinar uma decisão que é objetivamente nula, sem fundamentação cabal e frontalmente violadora da lei processual.
Sendo que a interpretação do Art. 721.º-A, nº 1, al. c) e n.º 2, al. c) do C.P.C., no sentido que obrigue a parte a juntar certidão do acórdão-fundamento no recurso a interpor, viola a Constituição e a lei.
Viola a lei adjetiva, porque esta (Art. 721º-A, nº 1, al. c) e n.º 2, al. c) do C.P.C) não prevê tal “exigência” nem literalmente nem por via de interpretação alguma (pelo menos, de entre as defensáveis).
Aliás, a douta decisão não revela porque razão faz tal exigência, sendo que, como se disse, ela não resulta da lei, mas sim de um entendimento da formação de Juízes que constituem o Coletivo, que não foi, na decisão, e com o devido respeito, minimamente fundamentado com suporte na lei.
Pelo que, a decisão proferida viola, desde logo, o dever de fundamentação previsto no Art.º 205, nº 1 da Constituição da República Portuguesa do qual resulta que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”
E viola a Constituição, no que respeita ao princípio do direito à tutela jurisdicional e a um processo justo e ao princípio da segurança jurídica e à proteção das legítimas expectativas dos particulares.
Viola o princípio da segurança jurídica e o direito a um processo justo – cfr. Art. 20, nº 4 da C.R.P., porque exige (a decisão... não a lei) o que não decorre expressa e claramente da lei processual civil: uma ou várias certidões como é o caso, de obtenção prática impossível em tempo útil (os processos há muito estarão em arquivo) e à qual a lei não faz a mais leve referência.
Além de que, nunca o recurso seria de rejeitar, mesmo que a lei exigisse junção de uma certidão judicial de um acórdão proferido em sentido contrário ao da decisão recorrida, dado que os princípios da tutela jurisdicional efetiva, da cooperação e antiformalista apontam exatamente no sentido contrário.
Assim, no limite, impor-se-ia a notificação da parte para “aperfeiçoar” o requerimento de interposição de recurso, juntando tal ou tais certidões, o que nem isso aconteceu.
O que conduz à inconstitucionalidade da Decisão por violação do disposto nos arts. 20º, nºs 1, 4 e 5 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que apenas neste momento se suscita, atenta a sua verificação na própria Decisão, de natureza definitiva (n.º 4 do art. 721º-A do Código de Processo Civil), e não em momento anterior.
Termos em que se requer a apreciação pelo Tribunal Constitucional da interpretação dada às als. c) dos n.ºs 1 e 3 do art. 721º-A do Código de Processo Civil, devendo, para tanto, ser admitido o presente recurso.
(...)»
Visto que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 76.º, da LTC, “compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso”, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, em 8 de maio de 2012, um despacho de indeferimento do requerimento de recurso de constitucionalidade interposto pela reclamante, aduzindo as seguintes razões:
«(...)
Ora, este Conclave limita-se a apreciar/decidir a admissibilidade da revista excecional, por aplicação do n.º 3 do art. 721.º (pressuposto) e art. 721.º-A, n.º 1 e 2, alínea c) (requisitos e respetiva motivação) do CPCivil.
Não foi suscitada no processo a inconstitucionalidade desses preceitos, maxime da alínea c) dos n.ºs 1 e 2 do último citado (pedindo-se agora, sem mais, que o TC aprecie a inconstitucionalidade da interpretação dada a essas normas, na medida em que se exige a junção de cópia do aresto fundamento, certificada e com nota de trânsito) nem recusada a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
Aliás, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da interpretação das normas em apreço sendo que teve oportunidade de o fazer aquando da interpretação do recurso pois sabia ser esta a posição do Coletivo – “una voce sine discrepanti” – tal como consta dos acórdãos citados no recorrido e publicados na base de dados.
Tudo o mais que alega reporta-se ao mérito do julgado o que irreleve nesta sede em que se questiona a conformidade com a CRP, atendendo, sobretudo, ao já citado n.º 4 do citado artigo 721.º-A CPC.
Daí que não admita o recurso para o Tribunal Constitucional.
(...)»
A reclamante apresentou, então, em 8 de maio de 2005, a reclamação que agora se aprecia, alegando o seguinte:
«(...)
8. Dispõe o n.º 2 do art. 76.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional o seguinte: “(...) O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem manifestamente infundados (...)”
9. In casu, o indeferimento do recurso foi motivado no facto de nenhuma inconstitucionalidade ter sido arguida quanto à norma da al. c) dos n.ºs 1 e 2 do Art. 721.º-A do CPC.
10. Fundamento esse que, salvo o devido respeito por entendimento divergente não se enquadra nos pressupostos de indeferimento enumerados no n.º 2 do art. 76.º da citada Lei.
11. Concretamente, a Reclamante, em cumprimento dos requisitos estabelecidos no art. 75.º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional solicitou a apreciação das als. c) dos n.ºs 1 e 2 do art. 721.º-A do Código de Processo Civil, porquanto entendeu ser também esta norma interpretada de forma desconforme à Constituição.
12. Destarte, deu cumprimento aos requisitos estatuídos no preceito legal citado.
13. Com efeito, a interpretação do Art. 721.º-A, n.º 1, al. c) e n.º 2, al. c) do C.P.C, no sentido que obrigue a parte a juntar certidão do acórdão-fundamento no recurso a interpor, viola a Constituição e a lei.
14. Viola a lei adjetiva, porque esta (Art. 721.º-A, n.º 1, al. c) e n.º 2, al. c) do C.P.C) não prevê tal “exigência” nem literalmente nem por via de interpretação alguma.
15. Aliás, a douta decisão não desvela por que razão faz tal exigência, sendo que, como se disse, ela não resulta da lei, mas sim de um entendimento da formação de Juízes que constituem o Coletivo, que não foi, na decisão, e com o devido respeito, minimamente fundamento com suporte na lei.
16. Pelo que, a decisão proferida viola, desde logo, o dever de fundamentação previsto no Art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa do qual resulta que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
17. E viola a Constituição, no que respeita ao princípio do direito à tutela jurisdicional e a um processo justo e ao princípio da segurança jurídica e à proteção das legítimas expectativas particulares.
18. Viola o princípio da segurança jurídica e o direito a um processo justo – cfr. Art. 20.º, n.º 4 da C.R.P, porque exige (a decisão...não a lei) o que não decorre expressa e claramente da lei processual civil: uma ou várias certidões como é o caso, de obtenção prática impossível em tempo útil (os processos há muito estarão em arquivo), e à qual a lei não faz a mais leve referência.
19. Além de que, nunca o recurso seria de rejeitar, mesmo que a lei exigisse junção de uma certidão judicial de um acórdão proferido em sentido contrário ao da decisão recorrida, dado que os princípios da tutela jurisdicional efetiva, da cooperação e antiformalista apontam exatamente no sentido contrário.
20. Assim, no limite, impor-se-ia a notificação da parte para “aperfeiçoar” o requerimento de interposição de recurso, juntando tal ou tais certidões, o que nem isso aconteceu.
21. O que conduz à inconstitucionalidade da Decisão, por violação do disposto nos arts. 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que apenas nesse momento se suscitou, atenta a sua verificação na própria Decisão, de natureza definitiva (n.º 4 do art. 721.º-A do Código de Processo Civil), e não em momento anterior.
(...)»
Notificado da reclamação apresentada, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional pugnou pelo respetivo indeferimento, em parecer com o seguinte conteúdo:
«(...)
1. “A., S.A.”, pediu revista excecional do acórdão da Relação que, por unanimidade, confirmara a sentença proferida em 1.ª instância, que por sua vez, julgara procedente a ação, com processo ordinário, intentada contra ela por “B., Limitada”.
2. Por acórdão de 29 de março de 2012 a revista não foi admitida, porque “fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 721.º-A do Código de Processo Civil, cumpre ao recorrente juntar certidão ou cópia mecânica integral, sempre com nota de trânsito em julgado, de um único acórdão fundamento, motivando os aspetos de identidade que justificam a contradição de julgados e que o STJ ainda não uniformizou jurisprudência sobre o tema a decidir”.
Mais se considerou, no acórdão, que a instrução deste requisito não se bastava com uma mera reprodução mecânica de um texto extraído de uma base de dados.
3. Inconformada, A. interpôs recurso, desse acórdão, para o Tribunal Constitucional e, não tendo sido admitido, dessa decisão reclamou para este mesmo Tribunal.
4. Como se viu o acórdão recorrido perfilhou o entendimento de que, fundando-se o recurso na alínea c) do n.º 1 do artigo 721.º-A, é ao recorrente que cabe juntar os elementos necessários e demonstrar a verificação dos requisitos exigidos por aquele preceito, não devendo o Tribunal substituir-se-lhe no cumprimento desse ónus, nem havendo lugar a convite para suprir as deficiências.
5. Como se demonstra na reclamação, esta não é a única interpretação, havendo outras que sustentam que o Tribunal pode e deve efetuar diligências complementares para aferir da contradição, designadamente, a verificação da autenticidade do acórdão-fundamento, ou a confirmação do seu trânsito em julgado.
6. É este entendimento que é sustentado pela recorrente, afirmando que o outro é inconstitucional.
7. De salientar que, quer a interpretação acolhida no Supremo, quer a do Autor que vem referido no requerimento de interposição do recurso, afastam a possibilidade do convite ao aperfeiçoamento.
8. Um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, consiste em a questão de inconstitucionalidade ser suscitada durante o processo, ou seja, de forma a que o tribunal recorrido dela possa conhecer.
9. O recorrente só está dispensado desse ónus nos casos de a interpretação acolhida pela decisão recorrida ser inesperada, imprevisível ou insólita.
10. Nestes casos, porém, cabe ao recorrente a demonstração da natureza inesperada, insólita ou imprevisível dessa interpretação (v.g. Acórdão nº 213/2004).
11. Nos presentes autos a recorrente não faz essa demonstração.
12. Aliás, como já anteriormente se disse, não sendo a interpretação acolhida no acórdão recorrido a única, ela é a seguida em diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - disponíveis e de consulta pública -, não sendo, pois, qualificável como inesperada, imprevisível ou insólita.
13. Assim, não tendo a recorrente cumprido o ónus da suscitação prévia, nem dela estando isenta, deve indeferir-se a reclamação.
14. Poderíamos ainda acrescentar que a dimensão normativa enunciada pela recorrente não foi a integralmente aplicada na decisão recorrida.
15. Efetivamente, na única afirmação em que vislumbra a enunciação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a recorrente diz: “sendo que a interpretação do artigo 721.º-A, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea c) do CPC, no sentido que obriga a parte a juntar certidão do acórdão-fundamento no recurso a interpor, viola a Constituição e a Lei”.
16. Ora, como se vê da parte decisória do acórdão que anteriormente transcrevemos (n.º 2), o que se exige é, sim, certidão, ou cópia mecânica integral, sempre com nota do trânsito em julgado).
17. Além disso, também se entendeu que o Tribunal deve auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades em cumprir aquele ónus, sempre que essa dificuldade for alegada, justificadamente.
18. Como nos parece claro, a dimensão normativa efetivamente aplicada como ratio decidendi não corresponde integralmente àquela que a recorrente enuncia no requerimento de interposição do recurso e que, naturalmente, constituiria o seu objeto.
19. No requerimento de interposição do recurso a reclamante também se refere à notificação para aperfeiçoamento.
20. No entanto, nesta parte, nunca enuncia uma questão de inconstitucionalidade reportada a normas ou interpretações destas.
21. Efetivamente, naquela peça processual, diz-se:
“Assim, no limite, impor-se-ia a notificação da parte para “aperfeiçoar” o requerimento e interposição de recurso, juntando tal ou tais certidões, o que nem isso aconteceu. O que conduz à inconstitucionalidade da Decisão por violação do disposto nos art.ºs 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (…)”.
(...)»
A resposta da reclamante ao Parecer do Ministério Público abona-se no seguinte discurso:
«(...)
A., S.A., Reclamante nos autos à margem identificados em que é Reclamada B., Lda., notificada do douto despacho de fls. vem junto de V. Exa. responder à resposta apresentada pelo Ministério Público, dizendo o seguinte:
1. O Ministério Público centra a sua reflexão nas seguintes duas questões:
A) Que não foi cumprido o ónus da suscitação prévia de inconstitucionalidade uma vez que a interpretação acolhida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não era inesperada, imprevisível ou insólita.
B) Que não foi suscitada uma questão de inconstitucionalidade quanto à (não) notificação para aperfeiçoamento.
2. Quanto à primeira questão, a ora Reclamante, com o devido respeito, não pode concordar e não concorda, de todo, com a opinião expressa pelo Ministério Público.
3. Em primeiro lugar existindo acórdãos em sentidos diferentes, a Reclamante não poderia adivinhar qual deles seria perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, não poderia prever que iria ser exigido uma certidão com nota de trânsito em julgado.
4. Acresce que, processualmente, a ora Reclamante entende que apenas deverá suscitar inconstitucionalidade face a um despacho/sentença judicial que contenha uma decisão que contrarie a constituição, caso contrário poder-se-ia cair no absurdo de, desde a petição inicial, e por tudo e por nada, invocar inconstitucionalidades prevenindo a hipótese teórica de vir a ser confrontada com uma qualquer inconstitucionalidade.
5. Por outro lado, sendo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça disponíveis (quando publicados) e de consulta pública, para além de não ser exigível que se conheçam todos (sublinhando-se uma vez mais que não se sabe quando se recorre qual irá ser o entendimento perfilhado), o nosso sistema judicial, ao contrário do anglo-saxónico, não é de caráter jurisprudencial mas antes subordinado ao primado da lei.
6. Por estes motivos se entende que, tendo o Supremo Tribunal de Justiça seguido o entendimento de recusar o recurso com falta na junção de uma certidão com nota de trânsito em julgado apenas na decisão final, a qual não admite novo recurso, apenas no recurso para o Tribunal Constitucional a Reclamante poderia suscitar a citada inconstitucionalidade.
7. Quando à segunda questão, existem vários preceitos no C.P.C. que estabelecem o dever de convite ao aperfeiçoamento:
- Ao abrigo do princípio da cooperação o Art. 266 que estabelece nos seus nºs 1 e 2 que “1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” e “2. O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.”
- O Art. 508, nº 2 prevê que “2. O Juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.”.
e
O Art. 700, nº 1, al. d), aplicável ex vi do Art. 726, refere “1. O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: d) Ordenar as diligências que considere necessárias;”.
8. Assim, uma interpretação das normas supra citadas que entenda que compete ao Juiz decidir, com o seu livre poder discricionário, se deve ou não convidar a parte a juntar certidão com nota de trânsito em julgado de determinado acórdão devidamente identificado pelo Recorrente, afigura-se inconstitucional por violação do disposto nos Arts. 20º, nºs 1, 4 e 5 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
(...)»
II. Fundamentação
3.Da leitura do requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional resulta que a reclamante ataca, fundamentalmente, três aspetos da decisão recorrida - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 24 de abril de 2012.
Em primeiro lugar, sustenta a reclamante que o Coletivo de Juízes do Supremo Tribunal de Justiça efetuou uma interpretação da alínea c), do n.º 1 e da alínea c), do n.º 3, do artigo 721.º-A, do CPC, desconforme com o parâmetro constitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e do princípio da segurança jurídica (cf. artigo 20.º, n.º 4, da CRP), “na medida em que exige (quando a lei não o faz) a junção imediata de certidão judicial com nota de trânsito em julgado do acórdão-fundamento.”
Em segundo lugar, a reclamante avança que a decisão proferida pelo Coletivo de Juízes do Supremo Tribunal de Justiça não foi “minimamente fundamentada”, violando, desse jeito, o artigo 205.º, n.º 1, da CRP, do qual resulta que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”
Por último, advoga a reclamante que o Coletivo de Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, ao rejeitar – sem mais – o requerimento de recurso de revista apresentado, isto é, ao não ter notificado a agora reclamante para aperfeiçoar aquele requerimento, violou os “princípios da tutela jurisdicional efetiva, da cooperação e antiformalista.”
4. Sendo o recurso de constitucionalidade que originou a presente reclamação interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, cumpre apurar se se encontram verificados os pressupostos processuais de que está dependente o conhecimento, pelo Tribunal Constitucional, do objeto de tal recurso. De facto, deve o recorrente requerer a reapreciação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, tempestiva e adequadamente suscitada perante o tribunal a quo, referente a normas jurídicas ou interpretações normativas de que este haja feito efetiva aplicação, entenda-se, que hajam constituído efetivo fundamento jurídico da resolução da questão principal.
Ora, uma questão de constitucionalidade normativa exprime uma relação de desconformidade entre, por um lado, um ato normativo – o objeto do controlo – e as normas e princípios constitucionais – o parâmetro de controlo. Com efeito, constituindo o controlo efetuado pelo Tribunal Constitucional um controlo normativo, é aquela relação de desconformidade – e não o ato decisório em si mesmo – que é mister apurar e controlar. Daí decorre, inclusivamente, a inadmissibilidade, no nosso modelo de justiça constitucional, da figura da “queixa constitucional” ou do “recurso de amparo”, figuras em que se admite que o recurso de constitucionalidade incida sobre uma eventual desconformidade entre própria decisão judicial e a Constituição. Assim sendo, para ter legitimidade para a interposição do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, não pode o recorrente “ter-se limitado a invocar que certa decisão jurisdicional, tomada no decorrer do processo base (ou determinada solução jurídica do pleito), envolveram (ou envolveriam) violação de preceitos ou princípios da Constituição ou lesão de direitos e garantias fundamentais do recorrente” (Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 106).
Esta é, sublinhe-se, a posição consolidada na jurisprudência constitucional, como asseveram variadíssimos acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional (v. por ex., os Acórdãos n.ºs 82/2001 e 551/01, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Depois, existe um modo processualmente adequado para arguir a questão de constitucionalidade, devendo o recorrente enunciá-la de forma direta, clara e percetível. Como se retira da jurisprudência constitucional consolidada nesta matéria, “suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido” (v. o Acórdão n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Finalmente, está ainda a legitimidade para a interposição do presente recurso de constitucionalidade dependente da circunstância de o recorrente (agora reclamante) ter levantado aquela questão de constitucionalidade normativa “durante o processo”. Vem o Tribunal Constitucional entendendo este requisito não num sentido meramente formal – nos termos do qual a questão de constitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância – mas num sentido funcional, de acordo com o qual é mister que tal arguição ocorra quando ainda se não houver esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a que ela respeitar (cf. o Acórdão n.º 352/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). É, por isso, regra geral, extemporânea a suscitação da questão de constitucionalidade em incidentes pós-decisórios e, por maioria de razão, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 948).
O fundamento de um tal entendimento, note-se, radica na própria dinâmica que o processo de fiscalização concreta assume no quadro do nosso modelo de justiça constitucional, em que o Tribunal Constitucional deve atuar como instância de recurso, controlando a decisão previamente tomada pelo tribunal recorrido quanto à questão de constitucionalidade em causa.
É, aliás, este fundamento que está na base das próprias limitações à regra da suscitação prévia da questão de constitucionalidade. Admite-se, assim, a arguição extemporânea da questão de constitucionalidade quando (i) o poder jurisdicional não se esgotou com a prolação da decisão recorrida, (ii) o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade, e (iii) não era exigível ao recorrente que antevisse a possibilidade de o juiz vir a aplicar certa norma ou vir a interpretar certa num certo sentido, configurando-se tal decisão, por isso, como uma “decisão-surpresa”. A jurisprudência constitucional consolidada é particularmente exigente na apreciação desta última exceção ou limitação à regra da suscitação prévia: de facto, ela só é de admitir quando o recorrente é efetivamente confrontado com uma aplicação ou interpretação de todo “imprevisível e insólita” (Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 81), não podendo deixar de recair sobre as partes “o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adotarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais” (cf. o Acórdão n.º 479/89, disponível em www.tribunalconstitucional .pt).
5. Ora, pelo exposto, é mister concluir que o presente recurso de constitucionalidade - cujo indeferimento, pelo tribunal recorrido, é agora objeto de reclamação – não cumpre os requisitos processuais supra identificados e explicitados. Senão vejamos.
Quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 721.º-A, n.º 1, alínea c) e n.º 3, alínea c), do CPC, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos, é patente que o agora reclamante não cumpriu o ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade quando podia e devia tê-lo feito. Na resposta ao parecer do Ministério Público sobre a admissibilidade do recurso, veio a reclamante alegar o seguinte:
«(...)
3. Em primeiro lugar, existindo acórdãos em sentidos diferentes, a Reclamante não poderia adivinhar qual deles seria perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, não poderia prever que iria ser exigido uma certidão com nota de trânsito em julgado.
4. Acresce que, processualmente, a ora Reclamante entende que apenas deverá suscitar inconstitucionalidade face a um despacho/sentença judicial que contenha uma decisão que contrarie a constituição, caso contrário poder-se-ia cair no absurdo de, desde a petição inicial, e por tudo e por nada, invocar inconstitucionalidades prevenindo a hipótese teórica de vir a ser confrontada com uma qualquer inconstitucionalidade.
(...)»
Não tem razão a reclamante, pois não tendo cumprido o ónus de suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade, tampouco se retiram dos autos elementos que permitam configurar a situação em análise como uma daquelas em que é admissível uma exceção ao cabal cumprimento daquele ónus. Com efeito, a posição adotada pelo Coletivo de Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, apesar de não uniforme, apresenta-se como uma das correntes jurisprudenciais passíveis de convocação para a resolução da questão vertente, pelo que deveria a reclamante, num juízo de prognose, ter antecipado aquela interpretação e, em conformidade, levantado a questão de constitucionalidade no requerimento de recurso de revista excecional interposto junto daquele tribunal. Talqualmente sustentado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 499/06, disponível em www.tribunal constitucional.pt, “em regra não é apenas após a efetiva aplicação de uma norma por uma decisão judicial (no caso, a decisão recorrida) que surge a oportunidade processual de suscitar a questão da sua inconstitucionalidade. Sendo previsível a aplicação de uma norma – ou a sua aplicação com um determinado sentido normativo – tem efetivamente a recorrente o ónus de, antecipando essa possível aplicação, confrontar desde logo o Tribunal que há de proferir a decisão recorrida com a questão da sua inconstitucionalidade.”
Não o havendo feito, a reclamante não deu cabal cumprimento a um dos requisitos processuais de que está dependente o conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Depois, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, a reclamante sustenta ter a decisão recorrida violado o dever de fundamentação emergente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP. No entanto, é bom de ver que tal desconformidade não se configura, pelas razões já apontadas, como uma questão de (in)constitucionalidade normativa de que este Tribunal deva conhecer. Com efeito, é patente que a reclamante imputa diretamente à decisão recorrida a alegada afronta aos princípios e regras constitucionais, quando, porém, para que se esteja perante uma questão de constitucionalidade, é necessário autonomizar, a partir de um dado preceito, um critério normativo que, dotado de suficiente generalidade e abstração, se encontre numa situação de desconformidade com o parâmetro normativo-constitucional.
Finalmente, avança a reclamante que a rejeição – sem mais - do requerimento de recurso de revista, sem a subsequente notificação para aperfeiçoamento, comporta uma violação dos “princípios da tutela jurisdicional efetiva, da cooperação e antiformalista.” Ora, sucede que esta formulação não preenche os requisitos mínimos de clareza que devem estar presentes na arguição de uma questão de inconstitucionalidade. É certo que a reclamante invoca os princípios e normas constitucionais que predica violados, mas, em contrapartida, não indica que preceitos ou interpretações normativas deles extraídos afrontam, afinal, aqueles princípios. E, como é bom de ver, os esclarecimentos prestados na resposta ao parecer do Ministério Público sobre a reclamação apresentada não logram reverter aquele não preenchimento, visto que o ónus da suscitação tempestiva e adequada de uma questão de constitucionalidade normativa não pode ter lugar, pelas razões já antes avançadas e que aqui nos limitamos a convocar, nem no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, nem na reclamação do despacho que indefira o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, nem tampouco na resposta ao Parecer do Ministério Público quanto à reclamação apresentada.
Portanto, não se encontram, também quanto a esta parte do arrazoado veiculado pela reclamante, verificados os requisitos determinantes do conhecimento do recurso.
III. Decisão
6. Deste jeito, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs.
Lisboa, 23 de outubro de 2012. – J. Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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