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Processo n.º 591/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do preceituado no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, na qual se decidiu não estarem verificados os pressupostos processuais de que está dependente o conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento, assim argumentou o reclamante:
«(...)
3.º
Assim, conforme se pode extrair das conclusões e motivações do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tal questão foi suscitada tanto em sede de julgamento como em sede de recurso.
4.º
Ou seja, sobre a invocada inconstitucionalidade material dos artigos 61.º n.º 1 alínea d) e 343.º n.º 1 do CPP (por violação dos arts. 32.º n.º 1 e 20.º n.º 4 da Lei Fundamental e artigo 6.º da C.E.D.H.) na interpretação normativa feita pela instância.
5.º
Assim, resulta das alegadas conclusões de recurso o seguinte:
(...)
12. O princípio “in dubio pro reo” é um princípio de prova que impõe que perante factos incertos a dúvida favorece o arguido, ora conforme resulta do supra alegado, da audiência de julgamento não resultaram certezas quanto à participação do arguido em quaisquer dos crimes.”
13. O tribunal “a quo” não aplicou o referido princípio, violando assim um preceito consagrado constitucionalmente, o qual é caracterizador do nosso estado de direito.
(...)
19. Apesar de todas as condições favoráveis do arguido, nomeadamente o facto de o mesmo ter 17 anos à data da prática dos factos, não ter antecedentes criminais e ter uma evolução positiva, entendeu o douto tribunal “a quo” não aplicar o regime especial para jovens em desfavor do arguido, sendo um dos fundamentos para tal decisão o facto de o arguido não ter prestado declarações, o que se revela violador de normas penais, processuais e constitucionais, designadamente o exposto nos artigos 40.º, n.º 2 do Código Penal, 343.º, n.º 1 e 61.º n.º 1 alínea d), ambos do CPP e o 32.º da CRP não tendo assim beneficiado da atenuação da pena que no caso se impunha.
(...)
25. Não se afigura viável, com todos os pontos favoráveis ao arguido, não suspender a pena com fundamento no facto de o mesmo não ter admitido os factos, uma vez que o mesmo não prestou declaração, pois tal juízo afigura-se não só ilegal como inconstitucional, pois não pode o mesmo, ser prejudicado por não ter admitido tais factos, pois apenas atuou no uso de um direito que lhe assiste, não podendo ser penalizado por tal, nos termos do consagrado nos artigos, 343.º n.º 1 e 61.º n.º 1 alínea d), ambos do CPP e 32.º da CRP.
6.º
Entendendo-se das mesmas que não foi aplicado o princípio do in dubio pro reo que, sendo emanação do princípio da presunção de inocência, surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
7.º
Por outro lado, entende-se inconstitucional o facto de o silêncio do arguido ser justificativo para não aplicar o regime especial para jovens delinquentes, bem como para não suspender a pena aplicada, recorde-se o acórdão do tribunal de 1.ª instância,
(...)
8.º
Pretende-se assim ver apreciada a inconstitucionalidade do conjunto normativo dos artigos 61.º n.º 1 alínea d) e 343.º n.º 1 ambos do Código de Processo Penal.
9.º
Porque tal conjunto normativo, na interpretação que lhe foi dada, viola o princípio constitucional da imediação, diretamente resultante do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), e, outrossim, o princípio “nemo tenetur se ipsum acusare” (proibição da autoincriminação), do qual decorre o direito constitucional ao silêncio, que constitui o cerne das garantias de defesa consagradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
10.º
Considera-se também que a interpretação de tais preceitos, conforme se verificou pôs em causa as exigências especificamente processuais da garantia do processo equitativo (igualdade ou equilíbrio, causa apreciada publicamente e em prazo razoável) têm, por seu lado, que ser apreciadas, não numa perspetiva estratificada do processo, mas essencialmente na consideração do conjunto, ou da totalidade do processo, o que não se verificou, pois o fundamento para não aplicação do regime especial para jovens, bem como para não suspender a pena aplicada foi o facto de o arguido não ter prestado declarações, colocando assim também em causa outra garantia constitucionalmente consagrada a de um processo equitativo, previsto no artigo 20.º n.º 4 da CRP.
(...)»
3. Notificado da reclamação, o Ministério Público pugnou pelo respetivo indeferimento.
II: Fundamentação
4. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão condenatória proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Tal decisão, no entender do recorrente, não considerou “a inconstitucionalidade invocada pelo recorrente nos itens 13, 19 e 25 das conclusões” do recurso interposto para aquele Tribunal, onde terá sido invocada a “inconstitucionalidade material dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) e 343.º, n.º 1, do CPP (por violação dos arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 4 da Lei Fundamental e artigo 6.º da C.E.D.H) na interpretação normativa feita pela instância.”
2. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. No entanto, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
3. Ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Daqui decorre que o conhecimento do objeto do recurso pelo Tribunal Constitucional está dependente de um conjunto de pressupostos processuais. De facto, deve o recorrente requerer a reapreciação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, tempestiva e adequadamente suscitada perante o tribunal a quo, referente a normas jurídicas ou interpretações normativas de que este haja feito efetiva aplicação, entenda-se, que hajam constituído efetivo fundamento jurídico da resolução da questão principal.
Assim sendo, o recurso de constitucionalidade, seja ele qual for, tem sempre por objeto uma questão de inconstitucionalidade. Esta pode definir-se como o juízo de desconformidade de um ato normativo (objeto do controlo) – ou de uma dada proposição normativa dele retirada – com o conjunto das normas e princípios constitucionais (parâmetro de controlo). Daqui resulta que o Tribunal Constitucional tem a seu cargo um controlo normativo, na medida em que lhe compete julgar o acerto de uma dada norma (ou do critério jurídico geral e abstrato autonomizado pelo julgador a partir dela) com o parâmetro normativo-constitucional, e não o ato decisório recorrido em si mesmo, isto é, a atividade interpretativa dos preceitos normativos e “a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub juditio” (Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 34). Neste sentido se manifesta, também e esmagadoramente, a jurisprudência deste Tribunal, como asseveram, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 82/2001, 551/2001 e 196/2003 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Depois, para além de tempestivo, o levantamento, pelo recorrente, da questão de inconstitucionalidade deve ser feito em termos processualmente adequados. Ora, esta adequação processual reclama, no fundo, que aquela arguição “se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição”, e reclama, ainda, “que que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos” (v. Acórdão n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Percebe-se a razão de ser deste requisito: atuando o Tribunal Constitucional, em sede de processo de fiscalização concreta, como instância de recurso, exige-se que o agora recorrente haja, durante o processo, suscitado uma questão de inconstitucionalidade em termos de o tribunal a quo ficar obrigado ao respetivo conhecimento. Para o efeito, este Tribunal vem assumindo, em jurisprudência constante, que na hipótese de o juízo de inconstitucionalidade veiculado pelo recorrente se reportar a apenas um segmento ou dimensão normativa do preceito em crise, o ónus de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade só tem cabal cumprimento se ele (o recorrente) indicar o segmento ou enunciar a interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver infirmada (v., entre outros, os Acórdãos n.ºs 178/95, 116/02 e 367/04, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Na verdade, a jurisprudência constitucional só admite derrogações a este entendimento quando a falta de clareza e/ou incompletude da arguição levada a cabo pelo recorrente não tenham impedido o efetivo conhecimento da questão de inconstitucionalidade pelo tribunal recorrido (v. o Acórdão n.º 498/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Finalmente, o conhecimento do recurso interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da LTC, está ainda dependente da circunstância de a norma (ou segmento normativo da mesma) cuja inconstitucionalidade foi suscitada ter sido efetivamente aplicada no processo-base. Jurisprudência reiterada deste Tribunal vem sustentando que aquela aplicação efetiva só tem lugar quando a norma em crise haja constituído verdadeira ratio decidendi e não um mero obiter dictum da decisão recorrida (v., entre outros, o Acórdão n.º 355/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Por maioria de razão, reportando-se a arguição a uma determinada dimensão ou interpretação normativa, as conclusões que haja de retirar quanto à efetiva aplicação da norma estão dependentes, bem entendido, da existência de identidade substancial entre a interpretação normativa cuja constitucionalidade o recorrente contestou e suscitou, por um lado, e a interpretação normativa adotada pelo tribunal recorrido e condicionante da decisão por este exarada no processo-base (v., Carlos Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 110).
4. Excogitadas estas considerações, é mister decidir. Recorde-se que o recorrente alega, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, ter suscitado a inconstitucionalidade dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 343.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e que assumem o seguinte teor:
“(...)
Artigos 61.º
Direitos e deveres processuais
1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei dos direitos de:
(...)
d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar;
(...)
Artigo 343.º
Declarações do arguido
1. O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objeto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.
(...)”
O recorrente afirma, ainda, que tal suscitação teve lugar nas conclusões n.ºs 13, 19 e 25 do recurso interposto para o tribunal recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra. Essas conclusões são as seguintes:
“(...)
12. O princípio “in dubio pro reo” é um princípio de prova que impõe que perante factos incertos a dúvida favorece o arguido, ora conforme resulta do supra alegado, da audiência de julgamento não resultaram certezas quanto à participação do arguido em quaisquer dos crimes.”
13. O tribunal “a quo” não aplicou o referido princípio, violando assim um preceito consagrado constitucionalmente, o qual é caracterizador do nosso estado de direito.
(...)
19. Apesar de todas as condições favoráveis do arguido, nomeadamente o facto de o mesmo ter 17 anos à data da prática dos factos, não ter antecedentes criminais e ter uma evolução positiva, entendeu o douto tribunal “a quo” não aplicar o regime especial para jovens em desfavor do arguido, sendo um dos fundamentos para tal decisão o facto de o arguido não ter prestado declarações, o que se revela violador de normas penais, processuais e constitucionais, designadamente o exposto nos artigos 40.º, n.º 2 do Código Penal, 343.º, n.º 1 e 61.º n.º 1 alínea d), ambos do CPP e o 32.º da CRP não tendo assim beneficiado da atenuação da pena que no caso se impunha.
(...)
25. Não se afigura viável, com todos os pontos favoráveis ao arguido, não suspender a pena com fundamento no facto de o mesmo não ter admitido os factos, uma vez que o mesmo não prestou declaração, pois tal juízo afigura-se não só ilegal como inconstitucional, pois não pode o mesmo, ser prejudicado por não ter admitido tais factos, pois apenas atuou no uso de um direito que lhe assiste, não podendo ser penalizado por tal, nos termos do consagrado nos artigos, 343.º n.º 1 e 61.º n.º 1 alínea d), ambos do CPP e 32.º da CRP.
(...)”
Ora, no que concerne o item n.º 13 das conclusões expedidas, fica patente que o recorrente não levantou nenhuma questão de inconstitucionalidade, talqualmente depurada nos termos supra mencionados, visto que em momento algum logrou autonomizar, em face dos preceitos do Código de Processo Penal cujo acerto constitucional contesta – a saber, os artigos 343.º, n.º 1, e 61.º, n.º 1, al. d) -, um critério ou interpretação normativa que, dotados de suficiente generalidade e abstração, se reputem desconformes com o artigo 32.º, n.º 1, da CRP. Na verdade, aquilo que o recorrente considera contrário ao princípio constitucional do “in dubio pro reu” é a própria valoração das circunstâncias do caso veiculada pelo julgador, concretamente, a apreciação por este feita da prova produzida em juízo – que o recorrente tem por “insuficiente para incriminar o arguido A.”, persistindo “uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado”, a qual deveria ter sido em seu favor, sob pena de violação daquele princípio. A ausência de uma verdadeira questão de inconstitucionalidade é, aliás, confirmada pelo Acórdão tirado pelo tribunal a quo, que responde do seguinte jeito à pretensão do recorrente:
“(...)
Em suma, reapreciando a prova não encontramos na leitura e valoração que dela foi feita qualquer ofensa da lógica ou das regras da experiência comum, e bem assim qualquer erro, mostrando-se igualmente razoável, por assentar em juízo/convicção conforme com aquelas regras, o acolhimento, nos precisos termos em que o foi, dos factos tal como emergem da decisão recorrida, não estando tal decisão inquinada por erro de julgamento algum, sendo adequada e suficiente para o efeito a prova em que se alicerçou tal factualidade, assim, ao contrário do pretendido pelo recorrente, correta e suficientemente sustentada em prova positiva que não deixa a respeito dúvida que houvesse de resolver de acordo com o princípio do in dubio pro reo.
(...)”
Já no que toca aos itens n.ºs 19 e 25 das conclusões do recurso, é manifesto que as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente alega aí ter suscitado não tiveram aplicação efetiva na decisão proferida pelo tribunal a quo, não tendo sido, nem explícita nem tampouco implicitamente, ratio decidendi da decisão recorrida. Senão vejamos. Naqueles itens, entendeu o recorrente controverter a decisão, do tribunal de primeira instância, de não aplicar o regime especial para jovens, por um lado, e de não suspender a pena de prisão aplicada, por outro, ambas confirmadas pelo tribunal a quo.
Ora, resulta inequivocamente do Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação de Lisboa que a decisão recorrida se fundou, respetivamente, na interpretação e aplicação de dois blocos de preceitos: as normas constantes do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, que preveem um regime especial para jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime, e o artigo 50.º, do Código Penal, que fixa os critérios a que o julgador deve atender na decisão de suspensão de pena de prisão inferior a cinco anos. Atente-se, para o efeito, nos seguintes excertos da decisão recorrida:
“(...)
Efetivamente, dispondo o artigo 9.º do Código Penal que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicadas as normas fixadas em legislação especial, o Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de setembro definiu um regime especial para jovens que, como se estabelece no n.º 1 do artigo 1.º, “tenham cometido um facto qualificado como crime”, precisando, no n.º 2, desta mesma disposição que “é considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
(...)
Porém, conforme jurisprudência pacífica, a aplicação de tal regime penal especial, designadamente do previsto no art 4.º do citado Decreto-Lei 401/82 (que prevê a possibilidade de atenuação especial da pena), não é automática, dependendo da existência de razões sérias (razões essas que terão se fundar na matéria de facto provada), para crer que de tal atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente.
(...)
O recorrente em momento algum, admitiu o comportamento ilícito que prosseguiu, não assumindo, apesar das evidências (designadamente face à quase imediata captura, com um dos seus pares, na posse dos bens roubados, e dos reconhecimentos pelos ofendidos) o que ilustra bem a ausência de interiorização do desvalor da conduta – e consequentemente de arrependimento.
(...)
Aqui chegados restará ponderar o que concerne à suspensão da execução de tal pena, pretendida por ambos.
Preconiza o artigo 50.º do CP que o “tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(...)
Ora no caso sub judice, logo porque se está, manifestamente, perante cometimento de crimes já com considerável grau de danosidade social que, no quadro sequencial em que surgem não podem ser considerados ocasionais, revelando não interiorização mínima, por qualquer dos recorrentes, do desvalor de condutas ilícitas de tal gravidade, fica irremediavelmente prejudicada a formulação, dentro dum risco prudencial, do referido juízo de prognose favorável, não se vislumbrando qualquer sinal que permita, com um mínimo de consistência, admitir que futuramente tais práticas não se repetirão.
(...)”
Face ao exposto, não se percebe de que forma podem os artigos 61.º, n.º 1, al. d), e 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou mesmo dimensões normativas destes, reputar-se como fundamento jurídico determinante (ratio decidendi) da decisão recorrida. Na verdade, é patente que tal decisão se alicerçou naqueles outros fundamentos normativos já aqui mencionados e que foram eles que determinaram o sentido da solução dada ao litígio pelo tribunal a quo.
Mesmo que assim não se considerasse, tampouco o recorrente logra, não só naqueles dois itens como em todo o arrazoado que os precede, dar cabal cumprimento ao ónus de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade, depurado nos termos excogitados supra. Concretamente, resulta evidente que o recorrente não autonomiza de forma clara e percetível o segmento ou interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, al. d), e 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, cujo desacerto com o parâmetro constitucional veicula, e que, mesmo inexistindo fórmulas sacramentais nesta matéria, aquele deficit de clareza e objetividade obstaram, afinal, à constituição, sobre o tribunal a quo, do dever de conhecer daquela questão.
Assim sendo, somos levados a concluir que o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente não reúne os pressupostos processuais inferidos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), preceito ao abrigo do qual o recurso é interposto.
(...)».
5. Nada na presente reclamação logra refutar eficazmente aquilo que foi decidido na decisão sumária, confirmando - ao invés - o respetivo acerto.
Com efeito, o ora reclamante limita-se a reiterar o arrazoado que já havia exposto quer nas conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, quer no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, o qual se estriba – fundamentalmente – em dois argumentos.
Em primeiro lugar, sustenta o reclamante que a interpretação veiculada pelo tribunal recorrido dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 343.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP) se afigura desconforme com o parâmetro normativo-constitucional, maxime, com o princípio constitucional do in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
Em segundo lugar, avança que o tribunal recorrido, ao ter valorado negativamente o silêncio do arguido – não lhe aplicando, em razão disso, o regime especial para jovens e recusando a suspensão da pena aplicada – interpretou os artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 343.º, n.º 1, do CPP, num sentido desconforme com os artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 4, da CRP, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Considerou a decisão sumária agora objeto de reclamação não estarem verificados os pressupostos processuais de que está dependente o conhecimento, pelo Tribunal Constitucional, do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º. O acerto do juízo aí exarado deve ser aqui confirmado.
De facto, no que à primeira questão levantada pelo reclamante respeita, considerou a decisão sumária proferida não ter aquela conteúdo normativo, leia-se, não ser ela uma questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, não entrando nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional apurar do acerto do juízo subsuntivo operado pelo julgador nem tampouco a valoração por este empreendida das circunstâncias do caso, o conhecimento de qualquer recurso de constitucionalidade está, afinal, dependente do seu objeto normativo, onde seja contestada a conformidade de um ato normativo - ou de uma interpretação normativa dele extraída - com o bloco de constitucionalidade.
Ora, uma vez mais se afirma que o problema levantado pelo recorrente não se configura como uma questão de constitucionalidade normativa. O objeto da discórdia não é a (in)constitucionalidade de qualquer interpretação normativa extraída dos preceitos em crise, mas a apreciação dos factos provados levada a cabo pelo tribunal a quo. Segundo o reclamante, persiste, à luz dos factos dados como provados, “dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado”, devendo esse non liquet ser resolvido em seu favor, sob pena de violação do princípio do in dubio pro reo. Sucede, porém, que não são só esse non liquet se afigura puramente subjetivo, visto que o tribunal recorrido nega a insuficiência da prova produzida para sustentar a condenação, como tampouco a sua existência ou inexistência exprimem uma questão de constitucionalidade nos termos supra depurados.
Quanto à segunda questão avançada, insiste o reclamante na argumentação expendida nos autos, segundo a qual a interpretação dos preceitos em crise – leia-se, dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 343.º, n.º 1, do CPP - veiculada pelo julgador viola as garantias do processo criminal consagradas na CRP e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma vez mais, não lhe assiste razão.
Com efeito, constitui requisito específico do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b), do n.º 1, artigo 70.º, “a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente” (cf. Acórdão n.º 389/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Isto implica, por um lado, “que a referência à norma em causa não surja como um mero obiter dictum”, e por outro, “que não haja na decisão recorrida um fundamento alternativo para a solução encontrada” (Victor Calvete, “Interesse e relevância da questão de constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2004, p. 405).
Não é isto que sucede no caso vertente. Não é das normas em crise, nem tampouco de interpretações normativas delas extraídas, que resulta a decisão recorrida, entenda-se, aquelas não constituíram fundamento jurídico determinante de tal decisão. Em causa estão, na verdade, os artigos 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, e 50.º, do CPP, normas estas cuja inconstitucionalidade em momento algum da sua intervenção processual o ora reclamante logrou suscitar, o que atesta o acerto da decisão de não conhecimento agora objeto de reclamação.
II. Decisão
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário que se mostre concedido nos autos.
Lisboa, 23 de outubro de 2012.- J. Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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