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Processo n.º 768/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 638/2011:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em 21 de setembro de 2011 (fls. 214 a 224), para que seja apreciada a constitucionalidade nos seguintes termos:
“A. É inconstitucional a aplicação da norma do art°.58 RGCO, por violação dos direitos de defesa do arguido, interpretada no sentido de que a decisão administrativa que aplica a coima, e/ou as sanções acessórias não contenha obrigatoriamente a descrição dos factos imputados com indicação das provas obtidas.
B. É inconstitucional, por violação o disposto no artigo 32°, números 1 a 8 da CRP, e o disposto no artigo 6° da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a acusação que omita elementos essenciais, nomeadamente de lugar que possam ser devida e corretamente identificadores das decisões tomadas.
C. É inconstitucional por violação dos princípios do acusatório e do ne bis in idem, respetivamente art°.32 n°5 e 25 n°5 CRP, a norma do Art. 8° do Dec.-Lei 433/82, de 27 de outubro, interpretada no sentido de que se em todo o processo não há alusão à negligencia ou dolo, venha o arguido a ser punido por dolo.
D. A interpretação do art.° 374. ° n.º 2 do CPP segundo a qual a exposição ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamenta a decisão seja efetuada sem a indicação e exame crítico das provas e argumentos apresentados pelo arguido na contestação sem as quais a convicção do Tribunal se não pode formar validamente, por violação do art. 32.° n.º 1 da C.R.P.
E. É inconstitucional, por violação dos direitos e garantias fundamentais do Recorrente, em concreto, com os direitos de defesa, a norma constante do art°.374 CPP interpretada de modo a permitir uma deficiente matéria de facto, incorreta fundamentação e omissão do exame crítico das provas produzidas que serviram para fundamentar a convicção do decisor.
F. É inconstitucional por compressão intolerável do direito de defesa a interpretação da norma que prevê que o auto de notícia faça fé em juízo quanto aos factos posse, não constando que a autoridade pública ou funcionário tenha presenciado essa posse. Sendo inconstitucional atribuir a esse auto uma força de prova plena, atribuindo-lhe fé em juízo (pois não é certamente num dia, numa hora que se comprova uma posse de um terreno).
G. É inconstitucional por violação do direito de defesa do arguido a interpretação do art° 311°, nº 2, al. a) e nº 3, al. b) do Código de Processo Penal de aceitar a acusação com a narração de factos vagos e genéricos, nomeadamente não identificando o local onde foi praticada a contraordenação.
H. O tribunal fez uma interpretação restritiva da presunção de inocência do arguido presente no artigo 32º CRP, quando deveria ter interpretado esta norma em termos absolutos. Nesta conformidade e de acordo com o princípio “in dubio pro reo” enquanto uma das dimensões do princípio da presunção da inocência, não permitindo ao arguido o efetivo exercício do direito de defesa consagrado constitucionalmente, art. 41 DL n. 433/82, e art. 122, n. 1, e 283, n. 3, al. b), do CPP.
I. A sentença recorrida violou o artigo 99.°, n.º 4 e 169.°do Código de Processo Penal é inconstitucional, por violação do artigo 32. °, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa Aliás, as custas fixadas são injustas por infundamentadas e injustificadas...”
Cumpre apreciar.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 250) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Deve começar por se afirmar que, ao longo do seu (extenso) requerimento de interposição de recurso, o recorrente nunca identifica qual a peça processual através da qual teria suscitado a questão de constitucionalidade, conforme lhe era imposto pelo artigo 75º-A, n.º 2, da LTC. É certo que tal omissão poderia ter sido suprimida mediante formulação de convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo do n.º 6 do referido preceito legal. Contudo, da análise exaustiva das alegações e conclusões de recurso, anteriormente interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, resulta evidente que o recorrente nunca suscitou, de modo processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, o que levaria a que, ainda que fosse formulado convite de aperfeiçoamento, sempre subsistiria um fundamento que obstaria ao conhecimento do objeto do recurso.
Com efeito, nenhuma das nove questões mencionadas no requerimento de interposição do recurso foi sequer esboçada nas conclusões do referido recurso (cfr. fls. 171 e 172), limitando-se o recorrente a afirmar, de modo vago e genérico, que “13 – Relativamente aos princípios, foram afrontados os princípios constitucionais do processo equitativo e do direito de defesa do arguido (arts. 20.º-4, 32.º-10 Const.)”. Aliás, seguindo esta orientação, ao longo das extensas alegações, o recorrente cinge-se à menção de vários princípios constitucionais – especificando, princípio da presunção de inocência (artigos 49º, a fls. 148, e 120º, a fls. 161) e tutela jurisdicional de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos (artigo 16º, a fls. 141) –, sem que, contudo, impute diretamente qualquer contradição entre uma norma infraconstitucional e os referidos princípios.
Assim, e em suma, conclui-se que o recorrente não suscitou nenhuma das questões de inconstitucionalidade que fixou como objeto do presente recurso, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 72º, da LTC, mais não resta do que recusar conhecer do objeto do presente recurso.
Refira-se ainda, a finalizar, que as segunda (cfr. § B das conclusões, a fls. 247), oitava (cfr. § H das conclusões, a fls. 248) e nona questões, tal como definidas pelo recorrente, nem sequer se afiguram como normativas, na medida em que apenas são colocadas em causa, sucessivamente, a constitucionalidade do despacho de acusação e da própria decisão jurisdicional recorrida. Ora, o Tribunal Constitucional não pode conhecer de tais questões, na medida em que apenas fiscaliza a constitucionalidade de normas jurídicas e não de quaisquer outros atos jurídico-públicos.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.”
2. O recorrente veio aos autos “exercer o seu direito de protesto, o que faz ao abrigo do art.º 75º da Lei n.º 15/2007” (sic, fls. 262), nos termos que ora se resumem:
“4
E nessa perspetiva, não se justifica que a Sra. Relatora se tenha recusado a conhecer o objeto do presente recurso invocando fundamentos meramente formais e processuais; nomeadamente o de que o recorrente não tenha indicado a peça processual em que suscitara a questão de inconstitucionalidade, o que de todo não é verdade.
5
Ora, se esse era o fundamento, de harmonia com a legislação aplicável, devia o recorrente ter sido convidado a prestar essa indicação ou a aperfeiçoar o seu recurso.
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Mas a Sra. Conselheira continua, referindo que “o recorrente nunca suscitou…qualquer questão de inconstitucionalidade normativa” e “… sem que… impute diretamente qualquer contradição entre a norma infraconstitucional e os referidos princípios.”
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Acontece que o Recorrente fez a indicação das normas e/ou princípios constitucionais violados, e imputou contradição de interpretação entre as normas infraconstitucionais e os princípios e normas constitucionais. BEM COMO referiu jurisprudência constitucional nesse sentido que, crê-se, ou não foi interiorizada; ou foi mal interpretada.
SENÃO VEJAMOS:
8
O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve oportunidade de salientar que os factos descritos na acusação, definem e fixam o objeto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal.
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Ora, o Recorrente nos seus artºs. 11º. a 23º. é claro ao aludir que a decisão condenatória proferida no âmbito das contraordenações deve conter o lugar concreto onde foi cometida a contraordenação.
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Concluindo pela violação da norma constante do artº.58 RGCO, por violação do direito de defesa ínsito no artº.32 nº1 a 8 da CRP quando interpretada no sentido de ser admissível acusação (decisão administrativa condenatória) onde não constem factos concretos e sustentados de modo a que o Arguido se pudesse ou possa defender. Devendo ter sido julgada inconstitucional nesta interpretação.
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Igualmente, quando a decisão administrativa condenatória, (que serviu de acusação) não contiver o necessário conteúdo fáctico relativamente à posse, não pode a decisão administrativa condenatória prosseguir como acusação por falta de elementos/factos concretos subsumíveis a esta (à posse).
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Deste modo, o Recorrente aludiu à violação das normas artº.1251 C.C., 1263 al. a) C.C., 1258 C.C., por inconstitucionalidade, quando interpretadas de modo a considerar-se preenchidas as referidas normas através de um mero ato fugaz, ocasional, sem qualquer caráter de continuidade.
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Dito de outro modo, a acusação, (decisão administrativa condenatória), que tem por base a “posse” mas encontra-se formulada em termos vagos e genéricos não permite ao arguido o efetivo exercício do direito de defesa consagrado constitucionalmente.
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Devia, por isso, ter-se julgado inconstitucional a norma constante no artº.1251 C.C., 1263 al. a) C.C., 1258 C.C., por violação do princípio 'in dubio pro reo', enquanto uma das dimensões do princípio da presunção da inocência, que é uma garantia constitucional do direito de defesa [32.º, n.º 2 C. Rep.], quando interpretada no sentido de ser admissível acusação (decisão administrativa condenatória) onde não constem factos concretos e sustentados relativos à posse de modo a que o Arguido se possa defender.
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E também quando a acusação não encerra em si mesmo a factualidade que, ainda que minimamente, possa tipificar e caracterizar a posse, não poderá servir de sustentáculo legal e de fundamento para a decisão final judicial (sem julgamento) de aplicação de coima, por violação do direito de defesa do Arguido e por se encontrar vedado ao Juiz de Julgamento colmatar lacunas da acusação.
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O Recorrente nos artºs. 25º. a 66º. é claro ao aludir à violação dos artº 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. b) do Código de Processo Penal, porque ao ser aceite uma acusação que não contem a narração dos factos, compromete, inibe e condiciona a defesa do arguido.
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PORÉM, no caso de ser aceite, o julgador encontra-se vinculado tematicamente ao objeto da acusação, tendo referido claramente o Recorrente no seu artº.67º. que “O princípio da acusação representa, pois, uma concretização constitucional do princípio da imparcialidade do tribunal”.
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Ou seja, a partir do momento em que o Tribunal aceita a acusação e não é efetuada qualquer produção de prova adicional, o Tribunal, em sede de Sentença, encontra-se delimitado nos seus poderes de cognição quanto aos factos descritos na acusação.
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Deste modo, quando a acusação imputa ao arguido uma contraordenação negligente e não tendo existido julgamento, não poderá a decisão final judicial de aplicação de coima, condenar o arguido por dolo, por violação do direito de defesa do Arguido e por se encontrar vedado ao Juiz de Julgamento colmatar lacunas da acusação.
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Assim, devia ter-se julgado inconstitucional a norma constante art. 15º do Código Penal, Art. 8º do Dec.-Lei 433/82, de 27 de outubro, por violação os princípios do ne bis in idem e do acusatório, ambos com assento na nossa Constituição, respetivamente, no n.º 5 do artigo 25. ° e n.º 5 do artigo 32. °, quando interpretada no sentido de condenar o arguido por contraordenação por dolo quando não houve julgamento e a acusação se encontra formulada por negligência.
MAS CONTINUANDO:
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O Recorrente nos artºs 67º. a 90º. é claro ao aludir à presente violação.
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O Recorrente nos artigos 91º. aos artºs.123º., concretamente nos seus artºs. 98º., 103º., 116º., 120º. é claro ao aludir ao impedimento de decisão judicial sem motivação, nomeadamente, não indicando concretamente as provas obtidas, nem fazer o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do decisor.
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Com efeito, a mera formulação de um juízo, desacompanhado de qualquer análise, de qualquer processo descritivo que indique a forma como se elaborou ou construiu tal juízo, devendo assegurar a expressão dos motivos como de todo o processo íntimo de convicção do julgador, de modo a ser compreensível o meio como a decisão foi determinada.
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Deste modo devia ter sido julgado inconstitucional a norma constante arts. 58.º-1, al. b), 374.º-2, 379.º CPP, quando interpretado de modo a permitir a não enumeração dos factos provados e não provados, sem exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, em violação do princípio da plenitude das garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição); do princípio da fundamentação expressa (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição) e do princípio da inocência do arguido.
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Como claramente o Recorrente refere no seu art. 98º. que “A interpretação do art.º374.º n.º 2 do CPP segundo a qual a exposição, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamenta a decisão seja efetuada sem a indicação e exame crítico das provas e argumentos apresentados pelo arguido na contestação sem as quais a convicção do Tribunal se não pode formar validamente, por violação do art.º32.º n.º 1 da C.R.P.”.
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Bem como no seu art. 120º quando refere que “o princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental num Estado de Direito democrático, cuja função é, sobretudo (mas não só), a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova. (Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, “o princípio da presunção de inocência … Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factosdecisivos para a solução da causa”.
(…)
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Finalmente, atento o que prescreve o nº2 do artº.6 do D.L. 303/98 de que “ … a taxa de justiça é fixada entre 2 UC e 10 UC” a aplicação de uma taxa de Justiça muito perto do máximo, num caso simples como este, é de uma violência atroz, incompreensível e intolerável num alegado Estado Democrático e de Direito, onde, com isso, o que ali se pretende, é o que está nos antípodas de Justiça. Objetivamente, está-se perante uma dupla e injustificada e iníqua punição. (…)” (fls. 262 a 264)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
“(…)
1º
No requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente enuncia nove questões de inconstitucionalidade, sendo que duas delas não têm natureza normativa.
2º
O recurso foi interposto do Acórdão da Relação de Coimbra, de 21 de setembro de 2011, que negou provimento ao recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, que, por sua vez, mantivera a decisão da Câmara Municipal de Góis que aplicara ao arguido a coima de € 280,00.
3.º
Assim sendo, o momento processual adequado para suscitar as questões de inconstitucionalidade era a motivação do recurso para a Relação.
4.º
Ora, como muito bem se diz na douta Decisão Sumária reclamada, o arguido naquela peça processual, nem no texto, nem nas conclusões, enuncia qualquer das questões de inconstitucionalidade normativa, que agora pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional.
5º
Faltando, pois, aquele requisito de admissibilidade do recurso, deve indeferir-se a reclamação.
6º
Acrescentaremos, todavia, que, contrariamente ao que o recorrente afirma na reclamação, o não conhecimento do objeto do recurso ficou a dever-se à não verificação dos requisitos de admissibilidade e não ao facto de não ter sido indicada a peça processual em que se suscitara a questão, não se justificando, por esse motivo, que o recorrente fosse notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6 da LTC.
7º
Por último, também se dirá que na reclamação o recorrente nada diz de concreto e relevante sobre as razões porque entende que no momento processual próprio, suscitou adequadamente as questões de constitucionalidade.”
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A título prévio, importa notar que o requerente utilizou um meio processual que não se encontra legalmente previsto na lei processual constitucional, enquanto meio adequado à impugnação de decisões sumárias – no seu entendimento, o “direito de protesto”(sic, fls. 262), alegadamente extraído do artigo 75º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, e sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 226/2007, de 20 de novembro, e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de junho.
Ora, como é evidente, os recorrentes apenas podem impugnar decisões sumárias proferidas por um Relator, através da reclamação para a conferência, conforme expressamente determinado pelo n.º 3 do artigo 78º-A da LTC.
Assim, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos atos processuais, procede-se à convolação daquele requerimento em reclamação para a conferência, com vista à apreciação das razões da discordância do requerente face à decisão sumária proferida nos presentes autos.
5. Posto isto, importa começar por esclarecer que a decisão reclamada foi inequívoca, ao justificar a não formulação de convite ao aperfeiçoamento por força da falta de suscitação processualmente adequada das questões de inconstitucionalidade que constam do requerimento de interposição de recurso. Assim sendo, não se conheceu do objeto do recurso por falta de adequada suscitação da inconstitucionalidade e não – como parece indiciar o ora reclamante – por falta de indicação da peça processual onde aquelas teriam sido suscitadas.
Sucede, porém, que o reclamante manifesta a sua discordância face à qualificação da sua intervenção processual, na fase de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, como processualmente inadequada para suscitação das questões de inconstitucionalidade que constituem objeto do presente recurso. Aproveita o requerimento ora em apreço, para elencar vários artigos da sua motivação de recurso através dos quais aquele teria suscitado as referidas inconstitucionalidades.
No entanto, a sua exposição vem apenas confirmar aquilo que já fôra dito pela decisão sumária proferida, ou seja, “o recorrente cinge-se à menção de vários princípios constitucionais – especificando, princípio da presunção de inocência (artigos 49º, a fls. 148, e 120º, a fls. 161) e tutela jurisdicional de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos (artigo 16º, a fls. 141) –, sem que, contudo, impute diretamente qualquer contradição entre uma norma infraconstitucional e os referidos princípios”.
Tomemos como exemplo o artigo 10º do requerimento ora em apreço (supra transcrito). Nele, o reclamante limita-se a afirmar que a decisão recorrida teria violado a norma infraconstitucional prevista no artigo 58º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aludindo, “ad latere” a uma violação do direito de defesa (artigo 132º, n.º 1 a 8, sic, da CRP). Ora, conforme resulta dos artigos 11º a 23º da sua motivação de recurso, o reclamante apenas afirmou que a lei ordinária impunha a fundamentação da decisão condenatória, de modo tal que fosse possível determinar o local concreto da infração. Porém, conforme já demonstrado pela decisão sumária proferida, o reclamante limitou-se a formular uma referência genérica ao direito de defesa (artigo 16º da motivação de recurso, a fls. 141), sem individualizar qual a norma infraconstitucional que padeceria de inconstitucionalidade.
E, em relação a todos os demais artigos da motivação de recurso – que são citados no requerimento ora em apreço –, verifica-se exatamente o mesmo vício argumentativo. Isto é, o reclamante limitou-se a afirmar que a decisão teria violado várias normas infraconstitucionais – em especial, artigos 1251º, 1258º e 1263º, alínea a), todos do Código Civil (CC), artigos 58º, n.º 1, alínea b), 311º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea b), 374º, n.º 2 e 379º, todos do Código de Processo Penal (CPP), artigo 15º do Código Penal (CP), artigo 8º do RGCO. Ou seja, no fundo, o reclamante não imputa qualquer inconstitucionalidade àquelas normas infraconstitucionais.
Em suma, mais não resta do que confirmar o juízo proferido pela decisão sumária, no sentido da falta de suscitação processualmente adequada das questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição de recurso.
6. Quanto ao montante das custas fixadas, aquele traduziu-se em pouco mais de metade da moldura legalmente prevista (entre 2 e 10 UC´s) e corresponde ao montante fixado para casos de idêntica relevância e complexidade. Para além disso, o montante traduz uma adequada ponderação dos critérios constantes do n.º 1 do artigo 9º do Regime de Custas no Tribunal Constitucional, pelo que se mantém igualmente a condenação em custas no montante fixado pela decisão sumária.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, bem como o pedido de reforma de condenação em custas.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 19 de janeiro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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