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Processo n.º 556/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante A., S.A., e expropriada B., S.A., realizada a arbitragem, foi proferida decisão arbitral que classificou a parcela expropriada como “solo apto para construção”, e determinou que a sua avaliação se faria com aplicação do disposto no n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações. O valor da indemnização a pagar ao expropriado foi fixado, nos termos dos n.º 6 e ss. do artigo 26.º do Código das Expropriações, em €200.200,00. A expropriada recorreu da decisão arbitral, pedindo que a indemnização fosse fixada no montante de €2.520.000,00. Por seu turno, a expropriante recorreu também da mesma decisão, pedindo que a indemnização fosse fixada em €22.440,25.
Por sentença do Tribunal Judicial da Guarda de 14 de abril de 2009, fixou-se o valor da indemnização devida pela expropriação da parcela no montante de €582.312,71, a atualizar a partir da data de declaração de utilidade pública e até à data do trânsito em julgado da decisão. Aí se disse:
“O normativo ajustado ao caso concreto, como ponto de partida da determinação do valor do solo, é o art. 26.º/12, do CE
(…)
Aplicando, assim, o critério plasmado no art. 26/12, do CE, importa, antes de mais, definir o seu alcance.
Este preceito alude ao “valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas na área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”. Tal conceito parece, à primeira análise, diverso do custo de construção previsto no art. 26.º/4, do CE. Contudo, esta diferença é meramente aparente, pois o “custo de construção” referido não se reporta ao custo da construção “na ótica do empresário”, mas ao custo de construção na “perspetiva do adquirente final”, pois, caso contrário, conduziria à atribuição de valores inferiores ao valor real e corrente dos bens expropriados (veja-se para mais desenvolvimentos João Pedro de Melo Ferreira, in Código das Expropriações Anotado, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2005, págs. 140 e 141). No entanto, este custo da construção “na perspetiva do adquirente final” não é o mesmo que o valor de mercado da construção, pois reporta-se ao custo de compra do solo e não das construções que aí se podem construir.
O conceito de “valor médio das construções”, previsto no art. 26.º/2, do CE, não pode corresponder ao valor de mercado da construção, pois, neste caso, iria conduzir a valores substancialmente mais elevados que os valores resultantes da aplicação do critério previsto no art. 26.º/4, do CE, sem qualquer justificação para a diferença. Por conseguinte, afigura-se que o sentido do art. 26.º/12, do CE não é afastar o conceito de “custo de construção”, com o alcance acima referido, mas determinar esse valor não por referência aos critérios previstos nos n.ºs 1 a 5, do CE, mas atendendo às construções existentes num perímetro de 300 m.
Efetuado este esclarecimento prévio e analisados os factos provados, constata-se, contrariamente, ao que é sustentado pela expropriada que os valores atribuídos pela maioria dos Peritos pautaram-se pelos critérios referidos, tendo apurado os valores de construção “na ótica do adquirente final” em função do valor médio das construções existentes num perímetro de 300 m2.
Assim, os valores a considerar são: € 500,00 para habitação; € 200,00 para garagem; e € 100,00 para arrumos.
Considerando a densidade de construção máxima prevista no art. 8.º/2, al b) do Regulamento do PDM da Guarda, as áreas médias de construção apuradas, a área da parcela a ter em conta, em conjugação com os valores referidos, obtém-se um total de custo de construção de (…) 5.621.541,25.
A este montante é necessário aplicar os fatores de correção previstos no art. 26.º/6 a 11, do CE.
Começando pelo art. 26.º/6, do CE, revela-se ajustada a percentagem máxima de 10%, proposta pela maioria dos Peritos, tendo em conta que a parcela expropriada tem uma qualidade ambiental regular.
No que respeita às infraestruturas, uma vez que a parcela expropriada não dispõe das infraestruturas previstas nas alíneas d), f) e h), do n.º 7 do art. 26.º, do CE, há que somar apenas as percentagens plasmadas nas demais alíneas, no total de 7%.
Ao resultado da aplicação dos fatores referidos, importa deduzir ao custo de construção uma percentagem de 15%, o montante do acréscimo inerente ao custo de construção, relativo às fundações indiretas – € 200.000,00 – e desvios – € 30.000,00, por força do art. 26.º/8, do CE.
Assim, operando todos os cálculos necessários, atinge-se o valor total de: € 582.312,71 (= 5.621.541,25 x 0,17% x 0,85% -200.000,00- 30.000,00”.
Dessa sentença apelaram, quer a expropriada, quer a expropriante, para a Relação de Coimbra. Por acórdão proferido em 26 de janeiro de 2010, a Relação concedeu parcialmente procedência aos recursos, revogou a sentença recorrida e fixou a indemnização a pagar pela expropriação da parcela em causa em €167.885,00. Diz-se na decisão, com relevo para as questões a apreciar por este Tribunal:
“ Conforme dito, a avaliação da parcela far-se-á por recurso ao disposto no art. 26º/12, ou seja, em função do valor médio das construções existentes. Mas como nos solos a que se refere esse nº 12 não é possível edificar, remeteu-se para os valores médios das construções situadas a 300 m do limite da parcela expropriada. Portanto, estes solos devem também ser avaliados de acordo com o disposto nos nºs 4 a 10 do art. 26º. E assim, o m2 do solo dessas zonas onde a construção é proibida é valorizado em função do valor médio do m2 dos terrenos situados num raio de 300 m.
Os peritos maioritários consideraram os valores de 500,00 €, 200,00 € e 100,00 €, respetivamente para habitação, garagem e arrumos, tomando como referência o custo da construção. Esses valores foram aceites na sentença. A recorrente defende a alteração desses montantes para, respetivamente, 850,00 €, 300,00€ e 100,00 €, por serem esses os valores médios de venda na zona envolvente dos 300 m.
Na resposta à reclamação da expropriada (fls. 277-282), esclareceram os peritos terem sido considerados os valores médios de construção, porque, dizem, ser esse o valor sobre o qual incide percentagem para o terreno, e nunca sobre o valor do mercado de venda. Mais à frente voltam a esclarecer que “o valor do terreno é sempre calculado em função do valor médio do custo da construção que nele é possível edificar, e não sobre o valor da venda. E foram estes os valores considerados no quadro 3”.
Não se divisa fundamento para nos afastarmos do parecer dos peritos. Conforme resulta dos n.ºs 4 e 5 do art. 26º, o valor do terreno deve ser calculado em função do custo da construção, e na determinação deste há que atender, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de venda condicionada.
Ora, segundo informação dos serviços de finanças da Guarda, nos anos de 1999 a 2002 o valor médio da construção de apartamento foi de 500,00 €/m2 (item II.1-34).
Improcedem, portanto, as conclusões a 3.ª.1 a 3.ª.3.
Todavia, discordamos do procedimento adotado na sentença que conduziu a um total de custo de construção de 5.621.541,25 €, quando, partindo daqueles custos médios de construção (500,00€, 200,00€ e 100,00 €), os peritos calcularam o montante total de 2.340.500,00 €.
Sendo o laudo maioritário um relevantíssimo meio de prova, o tribunal pode dele afastar-se desde que disponha de meios suficientes e dos elementos constantes dos autos que serviram de base à peritagem. Ora, não se encontra justificação, nem a sentença dela dá conta, para se atribuir à habitação, garagem e arrumos as áreas que aí se indicam, inteiramente dispares das da peritagem.
Assim sendo, não havendo fundamento factual relevante em contrário, importa, neste aspeto, manter o laudo pericial maioritariamente considerado.
(…)
2.2.4- Coloca-se a questão da dedução ao custo de construção, feita na sentença à sombra do estatuído no art. 26º/8.
Discorreu-se assim: “Ao resultado da aplicação dos fatores referidos (art. 26º/6 e 7), importa deduzir ao custo de construção uma percentagem de 15%, o montante do acréscimo inerente ao custo de construção relativo às fundações indiretas – 200.000,00 – e desvios – 30.000,00 E – por força do art. 26º/8 do CE”.
A recorrente insurge-se contra a forma como foi feita essa redução, e com razão o fez.
Desde logo, há que reconhecer que o facto inserto no item II.1-24 encerra em parte matéria de direito, quando se diz que “A construção na parcela expropriada implica custos inerentes às dificuldades de construção na percentagem de 15% sobre o custos de construção”. Trata-se como é bom de ver, de matéria com significado jurídico, correspondendo ao que dispõe o nº 10 do art. 26º: “O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.º 4 a 9 será objeto da aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco; e de esforço inerente à atividade construtiva, no montante máximo de 15% sobre o valor da construção”.
Tem-se assim por não escrita, a matéria factual acima transcrita, subsistindo a restante do mesmo ponto 24.
Mas tal não implica que não se aplique o disposto no transcrito art. 26.º/10. Com efeito, a penalização com a aplicação de um fator corretivo máximo de 15% incidirá sobre o valor do terreno com a percentagem que lhe foi atribuída.
Na situação em análise, como antes dito, a percentagem total será de 20%, em lugar dos 17% fixados na sentença (art. 26.º/6 e 7). Incidindo sobre o custo de construção (2.340.500,00 €), dá o resultado de 468.100,00€. Recaindo sobre este montante o dito fator corretivo de 15%, obtém-se o valor de 70.215,00 €. Somando este valor aos montantes de 200.000,00 € e 30.000,00 € relacionados com despesas com a realização de fundações indiretas e desvio da linha de alta tensão, da conduta de reforço pluviais e esgotos (referido ponto 24 e n.ºs 8 e 9 do art.26.º), resulta uma dedução no terreno no valor de 300.215,00 €”.
2. Desta sentença recorreu a expropriada para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação dada pela Lei 85/89 de 7 de setembro e pela Lei 13-A/98 de 26 de fevereiro, nos seguintes termos:
“6. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do art. 70.º-1 da cit. Lei n.º 28/82 – com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do art. 75.º-A-1 da mesma Lei.
5. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Venerando Tribunal Constitucional aprecie são:
a) Inconstitucionalidade das normas dos arts. 23.º-5 e 26.º-4 e 5 do Código das Expropriações de 1999, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 13.º e 62.º da CRP, quando interpretadas e aplicadas com a dimensão e sentido normativo que lhes foram atribuídos no recorrido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2010, na parte em que fixou a justa indemnização devida in casu com base no custo da construção, equiparando ao referido custo o “valor da construção” relevante para se determinar o “valor do solo apto para construção”;
b) Inconstitucionalidade das normas dos arts. 23.º, 25.º e 26º-10 do Código das Expropriações de 1999, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 13.º e 62.º da CRP, quando interpretadas e aplicadas com a dimensão e sentido normativos que lhes foram atribuídos no mesmo recorrido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.01.2010, na parte em que se deduziu dupla e cumulativamente ao valor da indemnização os montantes necessários à realização ou construção de infraestruturas urbanísticas na parcela expropriada, subtraindo-lhe, em primeiro lugar, a quantia de € 230.000,00 «relacionada com despesas com a realização de fundações diretas e desvio da linha de alta tensão, de conduta e de reforço públicos e esgotos» (vide fls. 16 do acórdão) e, em segundo deduzindo-lhe ainda por inteiro o fator corretivo de 15%, previsto no art. 26º-10 do CExp. 99.
6. Os princípios constitucionais e as normas considerados violados foram os seguintes:
– princípio da igualdade (art. 13.º CRP);
– princípios do direito à propriedade privada e à justa indemnização em indemnização por utilidade pública (art. 62.º CRP).
7. A peça processual em que a recorrente oportunamente suscitou as ditas questões da inconstitucionalidade foram as alegações de recurso de apelação apresentadas em Juízo em 07.09.2009, para serem analisadas no douto arresto recorrido.
8. A recorrente tem legitimidade para suscitar as inconstitucionalidades e para o presente recurso.
Termos em que, admitido o recurso nos termos do art. 76.º-1 da Lei n.º 28/82, deverão seguir-se os trâmites subsequentes”.
3. Recebido o recurso, a recorrente apresentou a sua alegação, concluindo:
1.ª- A CRP apenas permite a expropriação mediante o pagamento de justa indemnização (v. arts, 13º e 62º da CRP) – cfr. texto nºs. 7 e 10.6;
2.ª- A justa indemnização deverá corresponder ao valor corrente ou de mercado do bem expropriado, ou seja, àquele valor que um comprador prudente, em condições normais, pagaria pela coisa para a aplicar ao fim a que se destina, a fim de garantir ao expropriado uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor (v. art. 62º da CRP; cfr. art. 22º do CE 91 e art. 23º do CE 99) – cfr. texto nºs. 11. e 12;
3.ª- O douto aresto recorrido interpretou e aplicou os arts. 23º/5 e 26º/4 e 5 do CE 99 no sentido de o valor do solo apto para a construção ser considerado e calculado com base no custo da construção e não no respetivo valor – cfr. texto nºs. 11. a 22.
4.ª- O sentido normativo atribuído pelo aresto recorrido aos referidos normativos é claramente inconstitucional, pois a consideração do custo da construção não permite alcançar o valor real e corrente de mercado dos bens expropriados, violando assim os princípios da igualdade e da justa indemnização constitucionalmente consagrados (v. arts. 13º e 62º da CRP) – cfr. texto nºs. 22. a 31.
5.ª- No douto acórdão recorrido decidiu-se conclusivamente que, embora resulte provado no presente processo que “a construção na parcela expropriada implica custos inerentes às dificuldades de construção na percentagem de 15% sobre os custos de construção”, deve ser efetuada uma dedução total de “300.215,00 €“, correspondente a:
a) 230,000,00 €, “relacionados com despesas com a realização de fundações indiretas e desvio da linha de alta tensão, da conduta e de reforço pluviais e esgotos (referido ponto 24 e n.ºs 8 e 9 do art. 26º)”;
b) 70.215,00 € de “fator corretivo de 15%” (v. fls. 15 e 16 do acórdão) – cfr. texto nºs. 32. a 35.
6.ª- O douto acórdão recorrido aplicou a “dedução de forma sistemática, abstrata (e) “cega”, atribuindo ao art. 26º/10 do CE 99 um sentido normativo – aplicação da dedução independentemente da prova dos factos que a permitiriam que viola claramente os princípios da justa indemnização e da igualdade (v. arts. 13º e 62º da CRP; cfr. Ac. RP de 2008.06.03, Proc. 0821914) – cfr. texto nºs. 36. a 38.
7.ª- O art. 26º/10 do CE 99 só permite a aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e esforço inerente à atividade construtiva, beneficiando o valor da indemnização numa percentagem que poderá ascender a 15%, sendo claramente inconstitucional, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 13º e 62º da CRP, quando interpretado no sentido de que a inexistência do risco e esforço inerente à atividade construtiva na parcela expropriada determina uma dedução ao valor da indemnização resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.º s 4 a 9 do art. 26º CE 99 – cfr. texto nºs. 36. a 38.
8.ª– O sentido normativo atribuído pelo aresto recorrido aos arts, 23º, 25º e 26º/10 do CE 99, determinando uma dupla dedução automática, infundamentada e independente de qualquer prova ao valor da indemnização referente aos montantes necessários à realização, reforço ou construção de infraestruturas urbanísticas na parcela expropriada é assim claramente inconstitucional, pelo que as referidas normas sempre seriam claramente inconstitucionais, por violação dos princípios da justa indemnização e da igualdade, consagrados nos arts. 13º e 62º da CRP – cfr. texto nºs. 36. a 38..
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade dos arts. 23º15, 25º, 26º/4 e 5 e 26º/10 do CE 99, no sentido normativo que lhes foi atribuído pelo douto aresto recorrido, com as legais consequências.
4. Os recorridos não alegaram.
5. À questão oficiosamente suscitada no despacho interlocutório do relator respondeu a recorrente, demonstrando ter suscitado de forma processualmente adequada a inconstitucionalidade das normas objeto do presente recurso, nos pontos 28. a 36. e conclusão 6ª das alegações de 21.10.2008, conclusão 18ª das alegações complementares de 17.03.2009 e ponto 14. das contra-alegações de 20.09.2009.
Nada obsta, por isso, à apreciação do objeto do presente recurso.
II. Fundamentação
6. São duas as questões de inconstitucionalidade suscitadas.
Em primeiro lugar, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º, n.º5 e 26.º, n.º 4 e 5 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretadas e aplicadas no sentido de que a justa indemnização se fixa com base no custo da construção e não no valor da construção; em segundo lugar, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º, 25.º e 26.º, n.º 10 do Código das Expropriações, quando interpretadas e aplicadas no sentido de que se deduzem dupla e cumulativamente ao valor da indemnização os montantes necessários à realização ou construção de infraestruturas urbanísticas na parcela expropriada, subtraindo-lhe em primeiro lugar a quantia “relacionada com despesas com a realização de fundações diretas e desvio da linha de alta tensão, de conduta e de reforço público de esgotos”, e em segundo lugar, deduzindo-lhe por inteiro e automaticamente o fator corretivo de 15%.
7. No que toca à primeira questão constata-se que, efetivamente, o acórdão recorrido considerou que a indemnização devida pela parcela expropriada em causa nos autos se devia fixar com base no custo da construção. Em análise do sentido do n.º 12 do artigo 26.º, o aresto considerou que o valor dos solos devia ser calculado em função do valor médio das construções existentes, seguindo o entendimento dos peritos no sentido de que “o valor do terreno é sempre calculado em função do valor médio do custo da construção que nele é possível edificar, e não sobre o valor da venda”. O acórdão sublinhou aliás que “não se divisa fundamento para nos afastarmos do parecer dos peritos. Conforme resulta dos n.ºs 4 e 5 do art. 26º, o valor do terreno deve ser calculado em função do custo da construção”. Assim, o sentido imputado de inconstitucional à norma em causa pelo recorrente foi o adotado pelo acórdão recorrido, correspondendo à ratio decidendi do mesmo. O laudo dos peritos, que é inteiramente seguido pelo aresto, distingue aliás claramente o valor do custo de construção (cujo valor médio corrente na zona seria, para a habitação, de 500 Euros/m2), e o valor unitário de venda da habitação (que rondaria os 850 Euros/m2) (resposta aos quesitos da expropriada, fls. 226).
Alega o recorrente que semelhante entendimento viola os princípios da igualdade e da justa indemnização constitucionalmente consagrados (artigos 13º e 62º da Constituição), pois a consideração do custo da construção não permite alcançar o valor real e corrente de mercado dos bens expropriados.
8. A redação das normas em causa é a seguinte:
Artigo 23.º
Justa indemnização
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
Artigo 26.º
Cálculo do valor do solo apto para a construção
(…)
4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.
5 - Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
(…)
A recorrente questiona a constitucionalidade da interpretação das normas transcritas no sentido de que a justa indemnização se deve fixar com base no custo da construção que no solo seria possível efetuar, e não no valor da construção. É, pois, a determinação da própria base de cálculo da indemnização que está em causa.
9. O regime do cálculo do valor dos terrenos expropriados foi sujeito a mais do que uma alteração, desde o Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro). Segundo o artigo 33.º, n.º 1, desse Código de 1976, o “valor dos terrenos situados em aglomerado urbano” não poderia “exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível”, determinado nos termos seguintes:
“a) Calcula-se primeiramente o volume e o tipo de construção ou construções que será possível erigir no terreno, num aproveitamento economicamente normal, no estado atual, em face do desenvolvimento local e dos regulamentos em vigor, não devendo ter?se em conta, para o efeito, quaisquer projetos, planos ou estudos que por alguma forma alterem essa possibilidade;
b) Apura-se em seguida o custo provável da construção, sem o terreno, pelo custo médio correspondente ao tipo de construção e à região;
c) Se o custo da construção dever ser sensivelmente agravado pelas especiais condições do local, a importância do acréscimo daí resultante será abatida ao valor máximo a atribuir ao terreno.”
Esta norma foi julgada inconstitucional em vários acórdãos do Tribunal Constitucional (v. os Acórdãos n.ºs 210/93, 264/93, publicados no Diário da República, II Série, de, respetivamente, 28 de maio de 1993 e 5 de agosto de 1993, 167/94, 615/95, inéditos, 801/93, 455/94, 641/94, 150/95, 154/95, 755/95, 1096/96, 166/97, 219/97 e 637/97, estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
O Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro) veio alterar a matéria, dispondo (artigo 25.º, n.º 1) que o “valor do solo apto para a construção” se calcula “em função do valor da construção nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele seja possível efetuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental”. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 25.º, determinava que, num aproveitamento economicamente normal, “o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a 10% do valor da construção”. Por fim, no Código das Expropriações de 1999 o artigo 26.º, n.º 4 determina que o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado. Nos termos do n.º6 do artigo 26.º, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona.
10. No presente recurso está em causa a relevância direta do critério do custo da construção como forma de apuramento do valor da construção. Alega em primeiro lugar a recorrente que, ao fazer equivaler o valor do custo de execução da construção ao valor do custo da construção, o entendimento que o aresto recorrido faz dos 23.º, n.º5 e 26.º, n.º 4 e 5 do Código das Expropriações não permite alcançar uma indemnização justa.
Há que determinar em primeiro lugar o sentido da exigência constitucional de uma indemnização justa em processo de expropriação.
Constituindo a propriedade privada um direito fundamental consagrado no artigo 62.º da Constituição, o instituto da expropriação é admitido constitucionalmente apenas na estrita medida em que for acompanhado do pagamento de uma justa indemnização. Tanto assim é que o artigo 62º, nº 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada com base na lei e mediante o pagamento de «justa indemnização», consagra claramente o princípio da indemnização como um pressuposto de legitimidade do ato expropriativo (cfr. F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, p. 120-122 e 156-162) ou, mais ainda, como «um elemento integrante do próprio ato de expropriação» (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 337. Cfr. também F. Alves Correia, Formas de Pagamento da Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública – Algumas Questões, Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia», 1984, Coimbra, 1991, p. 15, 16, nota 4). O próprio Tribunal Constitucional afirmou já que a indemnização não é um mero efeito ou consequência do poder de expropriação, mas antes um pressuposto de legitimidade do seu exercício e um elemento integrante do próprio conceito da mesma, no sentido de que, faltando indemnização, não se estará perante uma expropriação (Ac. do TC n.º 108/92, publicado no Diário da República, IIª Série, de 15-07-1992). Daí que a jurisprudência do Tribunal Constitucional qualifique o direito à justa indemnização como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 442/87, publicado no Diário da República, IIª Série, de 17-02-1988).
11. O Tribunal Constitucional tem entendido que o artigo 62.º, n.º2 da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respetivo montante, cuja aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo de expropriação (assim, entre outros, os Acórdãos n.º 210/93, publicado no Diário da República, de 28-05-1993 e n.º 140/03, publicado no Diário da República, IIª Série, de 26-05-2003). Escreveu-se no primeiro dos arestos citados:
“Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação direta e objetiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, p. 532,546)”.
Por outro lado, o Tribunal sempre se absteve de afirmar que o valor da justa indemnização tenha de corresponder a todo e qualquer valor de mercado do bem a expropriar. Assim, o Acórdão n.º 390/91 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 02-04-1992):
“Em matéria de expropriação por utilidade pública, o Tribunal Constitucional tem-se abstido de afirmar que constitucionalmente a justa indemnização tenha de responder ao valor de mercado, embora aceite que tem de haver respeito pelo princípio de equivalência de valores. A indemnização não pode estar sujeita ou condicionada por fatores especulativos, artificialmente criados, antes devendo representar e traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado”.
Com a mesma orientação, afirmou-se no Acórdão n.º 140/03 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 26-05-2003):
“(…)o artigo 62º, n.º 2, da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização, visa certamente banir a arbitrariedade e a desproporção no cálculo do valor da indemnização, mas não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respetivo montante, cuja aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo de expropriação.
Significa isto que de tal preceito constitucional não decorre a imposição, ao legislador, do critério de todo e qualquer valor de mercado do bem expropriado (ou o do valor de mercado da construção existente no bem expropriado), como pretendem os recorrentes.
Não obstante na perspetiva dos recorrentes esse valor de mercado ser o critério “mais justo”, a verdade é que ao Tribunal Constitucional não compete emitir um juízo de censura sobre um critério que, podendo não ser o “mais justo”, ainda assim se revela equitativo e, como tal, obedece aos parâmetros do artigo 62º, n.º 2, da Constituição. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional não pode ser chamado a pronunciar-se sobre o melhor método de cálculo do valor da indemnização por expropriação por utilidade pública, pois que tal função compete ao legislador ou aos peritos”.
Por seu turno, afirmou-se no Acórdão n.º 404/04, publicado no Diário da República, IIª Série, de 22-07-2004:
“Estando em causa, no caso dos autos, a fixação da indemnização devida pela expropriação do solo apto para construção, não se vê que seja arbitrário não considerar o critério do preço de aquisição, quando o que se pretende é alcançar um critério de avaliação de solos aptos para construção com a plasticidade bastante para permitir que a indemnização garanta ao expropriado uma compensação integral da perda patrimonial por aquele sofrida, e em termos de o sacrifício suportado pelo expropriado ser igualmente suportado por todos os cidadãos, que é o que o n.º 2 do artigo 62.º da Constituição impõe, como o Tribunal, aliás, afirmou já em casos semelhantes ao dos autos.
(…)
No plano normativo, não se encontra razão para considerar constitucionalmente imposta a consideração do valor da aquisição do prédio expropriado entre os critérios de cálculo do valor da indemnização”.
Da jurisprudência citada podem retirar-se vários princípios relevantes para averiguar se um determinado critério de cálculo do valor de um bem expropriado permite alcançar uma indemnização justa. Desde logo, o valor da indemnização deve ressarcir integralmente o expropriado da lesão patrimonial sofrida com a perda do bem. Neste ponto vigora o princípio da equivalência de valores, pelo que a indemnização deverá colocar o expropriado em condições de poder adquirir um bem de igual valor. Para se atingir um valor indemnizatório que o permita, o valor da indemnização não terá necessariamente de corresponder ao preço de aquisição do bem expropriado, muito embora não se possa prescindir de referenciais de mercado na fixação do quantum indemnizatório. É, enfim, ao conceito de valor de mercado normativamente entendido que se há de ter em conta.
12. Resta saber se o cálculo do valor de um solo apto para construção com base no custo da execução da construção que aí seria possível erigir permite chegar ao valor de mercado “normativamente entendido” do bem e, assim, alcançar um valor de uma indemnização justa.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre uma questão semelhante, surgida a propósito da norma do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991. Escreveu-se no Acórdão n.º 677/2006 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 26-01-2007):
“(…) a Constituição não impõe, no artigo 62.º, n.º 2, a consideração do valor de aquisição ou de venda no mercado da construção existente no solo expropriado, como método de cálculo do valor da construção. Isto, na medida em que nesse valor se incluam “elementos conjunturais de especulação” ou custos de procura e intermediação do negócio. É admissível, para apurar o valor da construção relevante, a “eliminação dos elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem em gastos ou em despesas feitas pela coletividade” (do facto de, portanto, serem aceitáveis alterações no puro valor de mercado), sem que tal viole o critério da justa indemnização (cf., alertando, em face do artigo 26.º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1999, para a necessidade de não identificar o custo de construção com o custo direto de produção, mas antes o considerar na perspetiva do adquirente final, isto é, incluindo, por exemplo, o lucro do promotor, Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações anotado, 2.ª ed. Coimbra, Almedina, 2000, anot. 5 ao art. 26.º, pp. 101 e s.).
Mas daqui – isto é, do facto de a Constituição não impor a consideração do preço de mercado – não se segue, porém, que a redução do valor da construção ao custo da construção, mesmo na falta de outros elementos, seja bastante para assegurar uma justa indemnização ao expropriado, isto é, uma indemnização que não seja desproporcionada ao valor do solo expropriado. Isto é, não resulta que o valor da construção possa ser determinado diretamente pelo custo da construção. E é justamente este ponto o que está em questão.
O valor de justa indemnização não tem de coincidir inteiramente com o valor de mercado realmente atribuído a um prédio – sendo, antes, um “valor de mercado normativamente entendido”, isto é, entendido, justamente, de acordo com os parâmetros de uma justa indemnização. Assim, os custos de mediação imobiliária e outros custos de transação do prédio, bem como outros elementos puramente especulativos, não têm de ser relevantes para efeitos dessa indemnização (muito embora possa ser difícil distinguir claramente em concreto estes últimos, “puramente especulativos”). Seja, porém, como for quanto ao exato âmbito destes elementos (puramente especulativos) integrados no preço que se forma no mercado imobiliário, é certo que não pode reduzir-se o valor de mercado da construção, mesmo “normativamente entendido”, apenas ao “custo da construção”, e mesmo que este seja um custo concreto, e não apenas médio.
Por outras palavras: entende-se que não é constitucionalmente admissível, pois afastaria o critério de determinação do valor da indemnização do critério de uma “justa indemnização”, que o “valor da construção”, relevante nos termos do n.º 2 do artigo 25.º para efeitos do cálculo do “valor do solo apto para construção”, seja reduzido apenas ao “custo da construção”, como fez o acórdão recorrido (fls. 452), embora também se não imponha (nos termos referidos) a sua equiparação exata ao preço de venda de uma construção no mercado.
É, na verdade, evidente que uma construção pode ter um custo reduzido, mas (mesmo independentemente de custos de mediação ou de elementos especulativos que contribuem também para a determinação do preço no mercado imobiliário) possuir logo um valor de mercado muito superior – e mesmo desproporcionadamente superior – a esse custo: basta pensar, por exemplo, no valor de uma construção a realizar num local onde esta não apresente custos especiais, mas que se situe numa zona urbana (ou de expansão urbana) muito valorizada. Nesta medida, a determinação do valor da construção, relevante para apurar o valor do solo apto para construção, apenas a partir do custo (concreto ou médio) da construção afasta o valor da indemnização a atribuir do padrão de uma justa indemnização constitucionalmente imposto.
Isto, aliás, é assim mesmo considerando devidamente os elementos de flexibilidade previstos no n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, diversamente do que acontecia no Código de 1976, e que, como vimos, levaram o Tribunal Constitucional a, neste aspeto, diferenciar (nos acórdão citados) os juízos de constitucionalidade que mereciam as normas de ambos os diplomas, ou considerando o n.º 8 do artigo 25.º do Código de 1991, nos termos do qual, se “o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante será reduzido ou adicionado ao valor da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno”.
Quanto a este último, a redução do custo de construção, e, sobretudo, a sua disparidade em relação ao valor da construção, não têm de decorrer de quaisquer “especiais condições do local”, antes podem mesmo ser a regra. E, quanto àqueles elementos de flexibilização, recorde-se novamente que o que está em causa na desconformidade com o padrão de justa indemnização referida não é a rigidez ou falta de flexibilidade da indemnização perante as possíveis variações da situação concreta dos prédios expropriados. Está, antes, em questão a relevância direta do critério do custo da construção como forma de apuramento do valor da construção (relevância, essa, que não é afetada pelos elementos de adequação à situação concreta previstos no n.º 3 do artigo 25.º).
E, como se disse, tal redução do valor da construção ao custo desta, mesmo que apenas para determinação do valor do solo com aptidão construtiva, afasta o critério da indemnização da exigência de uma justa indemnização.
Tem, pois, de ser concedido provimento ao recurso, julgando inconstitucional, por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, a norma do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, na interpretação que equipara ao custo da construção o “valor da construção” relevante para se determinar o “valor do solo apto para construção”.
13. Ora, apesar de as normas em causa no presente recurso serem diferentes das analisadas no aresto citado, o juízo aí emitido é transponível para o caso em questão, já que, por um lado, ambas as normas – a do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, e a do n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 – delimitam o critério base para o cálculo do valor do solo apto para a construção por referência à construção que aí seria possível erigir. Por outro lado, em ambos os casos, os arestos recorridos interpretavam essa referência como se reportando ao custo de execução da construção. Por fim, ambos os diplomas previam a possibilidade de se acrescerem valorizações à percentagem inicial que incidiria sobre o custo da construção, em função da existência de várias infraestruturas nas imediações do bem expropriado. Essas valorizações encontravam-se previstas no artigo 25.º, n.º 3 do Código das Expropriações de 1991 e no n.º 7 do artigo 26.º do atual Código.
Assim, pode concluir-se que a fórmula de cálculo resultante de uma e de outra norma era, para o ponto que importa aqui analisar, substancialmente equivalente. De facto, se é verdade que a percentagem sobre a base de cálculo era diversa – sendo fixa à luz do Código de 1991, e variável à luz do Código de 1999, nos termos do n.º 6 do artigo 26.º – , a verdade é que a questão que aqui se discute diz respeito não à percentagem sobre essa base, ou aos fatores de valorização dessa mesma percentagem, mas sim ao conteúdo da própria base de cálculo – o conceito de “custo de construção”.
14. O sentido imputado pelo Tribunal a quo à norma constante do n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações – nos termos da qual o cálculo do valor de um solo apto para construção tem como valor-base o custo da execução da construção que aí seria possível erigir – não permite estabelecer um critério de avaliação de solos aptos para construção que garanta uma indemnização justa. A referida forma de cálculo, ao ter na sua base o valor do custo de execução da construção, não garante sempre ao expropriado a possibilidade de adquirir outro bem de igual natureza e valor, não se traduzindo assim numa compensação certa e integral da perda patrimonial sofrida.
De facto, a execução da construção pode ter um custo reduzido, mas a construção aí erigida possuir um desproporcionado a esse custo: basta pensar, como recorda o Acórdão n.º 677/2006, no valor de uma construção que se situe numa zona urbana muito valorizada, ou diversamente, quando especiais condições do terreno impõem um custo elevado de construção.
Sublinhe-se, de resto, como fez o Acórdão n.º 677/2006, que nem mesmo o jogo dos critérios de valorização previstos no n.º 7 do artigo 26.º poderá transformar uma indemnização cuja base é assim calculada numa indemnização justa. Desde logo, porque o jogo dos referidos critérios também não interfere na base de cálculo do valor da indemnização, traduzindo-se apenas em valorizações a acrescer à percentagem calculada sobre essa base de cálculo. Seguidamente, porque se tais critérios são taxativamente enumerados, não contemplando por isso todos os fatores passíveis de valorizar um terreno, como por exemplo o prestígio da localização.
Por outro lado, a base de cálculo do montante da indemnização a partir do critério mencionado parte de um elemento perfeitamente alheio ao valor do próprio bem a expropriar, centrando-se no custo de uma atividade que se pode desenvolver no referido bem. Ora, os custos dessa atividade podem ser perfeitamente independentes do valor intrínseco do solo a expropriar. Nas palavras de Melo Ferreira, “o terreno da parcela expropriada, depois de se ter determinado o que nele se pode construir, terá sempre o mesmo valor médio independentemente do custo da obra na ótica do empresário, que nele hipoteticamente se erguerá, ter sido maior ou menor”. (Código das Expropriações Anotado, 2ª Edição, Almedina, 2000, p. 101). Por outro lado, refere Luís Perestelo de Oliveira, “Quando se identifique o custo de construção com os custos diretos de produção (materiais, equipamentos dos edifícios e mão de obra) ter-se-á de concluir que o valor do solo é determinado a partir de um dado não comparável” (Código das Expropriações Anotado, Coimbra Editora, 4ª Edição, 2007, p. 101).
Assim, o sentido imputado pelo Tribunal a quo à norma constante do n.º 5 do artigo 23.º e no n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações – nos termos da qual o cálculo do valor de um solo apto para construção tem como valor-base o custo da execução da construção que aí seria possível erigir –, pode não permitir ao expropriado adquirir outro bem de igual natureza e valor, não se traduzindo, assim, numa compensação integral da perda patrimonial sofrida. Haverá, por isso, que concluir que a forma de cálculo do valor de indemnização aqui em causa “afasta o valor da indemnização a atribuir do padrão de uma justa indemnização constitucionalmente imposto”.
15. Aqui chegados, torna-se inútil prosseguir a análise da norma em questão, face ao princípio da igualdade. Na verdade, a 'justa indemnização' devida por uma expropriação por utilidade pública é também aquela que respeita o princípio da igualdade quer numa vertente da relação externa, no âmbito da qual se comparam os expropriados com os não expropriados e no âmbito da relação interna, quer no sentido de que todos os expropriados devem ser tratados da mesma forma. Não é, por isso, de encarar de forma independente o princípio da justa indemnização do princípio da igualdade (cfr. o já citado Acórdão n.º 210/93).
16. Em segundo lugar, alega o recorrente a inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º, 25.º e 26.º, n.º 10 do Código das Expropriações, quando interpretadas e aplicadas no sentido de que se deduzem dupla e cumulativamente ao valor da indemnização os montantes necessários à realização ou construção de infraestruturas urbanísticas na parcela expropriada, subtraindo-lhe em primeiro lugar a quantia “relacionada com despesas com a realização de fundações diretas e desvio da linha de alta tensão, de conduta e de reforço público de esgotos”, e em segundo lugar, deduzindo-lhe por inteiro e automaticamente o fator corretivo de 15%.
Importa delimitar o objeto do recurso, nesta parte. Desde logo, o recurso apenas incidirá no que toca à apreciação da inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º e 26.º, n.º 10 do Código das Expropriações, quando interpretadas e aplicadas no sentido atribuído pelo acórdão recorrido. De facto, o artigo 25.º do Código das Expropriações não foi usado como ratio decidendi – nem expressa nem implicitamente – pelo Tribunal a quo no que toca ao ponto agora em análise, pelo que a inconstitucionalidade dessa norma não pode ser aqui apreciada.
Por outro lado, há que sublinhar que não incumbe ao Tribunal Constitucional sindicar a escolha e o sentido das normas aplicadas pelo aresto recorrido ao caso concreto. Assim, não incumbe ao Tribunal Constitucional averiguar da legitimidade da dedução da quantia de 230.000 Euros à indemnização devida pela expropriação, dedução essa, “relacionada com despesas com a realização de fundações diretas e desvio da linha de alta tensão, de conduta e de reforço público de esgotos”. Essa dedução encontra-se, aliás, prevista no n.º 8 do artigo 26.º do Código das Expropriações, norma que não constitui objeto do presente recurso.
Assim, o recurso neste ponto apenas versa sobre a alegada inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º e 26.º, n.º 10 do Código das Expropriações, quando interpretadas e aplicadas no sentido atribuído pelo acórdão recorrido, de que se deduz o fator corretivo de 15% ao montante da indemnização, após se ter aplicado uma dedução respeitante às especiais condições do local. Com efeito, não é verdadeiramente, a 'soma' dos montantes deduzidos que constitui o motivo da invocada inconstitucionalidade, mas a circunstância de ao valor do terreno – deduzido do montante de despesas necessárias à construção (realização de fundações diretas e desvio da linha de alta tensão, de conduta e de reforço público de esgotos) – ser aplicada a dedução prevista no n.º 10 do artigo 26º do Código das Expropriações. Ora, pelas razões já expostas a propósito da atividade necessária ao apuramento da justa indemnização, designadamente a que se refere à ponderação dos elementos concretos do terreno em causa, não é possível censurar, por via de parâmetros retirados da Constituição, a dedução ao valor do terreno relacionada com despesas com a realização de fundações diretas e desvio da linha de alta tensão, de conduta e de reforço público de esgotos; são circunstâncias reais que inevitavelmente oneram a pretendida construção.
A questão incide, portanto, no disposto no n.º 10 do artigo 26.º do Código das Expropriações. Todavia, a conformidade constitucional dessa norma foi já afirmada pelo Tribunal no Acórdão n.º 505/04 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 03-11-2004), seguido pelo Acórdão n.º 499/05 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 23-11-2005). Haverá, por isso, que aplicar aqui tal doutrina, não julgando tal norma inconstitucional.
III – Decisão
17. Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucionais as normas dos artigos 23.º, n.º 5 e 26.º, n.ºs 4 e 5 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretadas no sentido de que a indemnização se deve fixar com base no custo da construção. A decisão recorrida deverá, em consequência, ser reformada de acordo com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 12 de janeiro de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão (vencido quanto à decisão pelas razões constantes da declaração anexa) – Maria João Antunes (vencida quanto à decisão pelas razões constantes da declaração que se junta) – Rui Manuel Moura Ramos. (exercendo o voto de qualidade).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanhei a decisão de julgar inconstitucionais as normas dos artigos 23º, n.º 5, e 26º, n.ºs 4 e 5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretadas no sentido de que a indemnização se deve fixar com base no custo de construção, no essencial por entender que, não fixando a Constituição, como se afirma no acórdão, qualquer critério rígido de cálculo do montante da justa indemnização e sempre se tendo o Tribunal abstido de afirmar que o valor da justa indemnização tem de corresponder a todo e qualquer valor de mercado do bem a expropriar, não é possível retirar da Constituição uma proibição de calcular a justa indemnização com base no custo de construção. Acresce que, sendo certo que, aproximando-se o valor da justa indemnização do valor do bem em situação normal de mercado, nada na Constituição obriga inexoravelmente a que a compensação de quem constrói e corre o risco do empreendimento seja contabilizada, total ou parcialmente, a favor de quem – o proprietário expropriado - nenhum risco desse tipo correu. A que acrescem, finalmente, as razões aduzidas na declaração de voto da Senhora Conselheira Maria João Antunes. Por tudo, votei vencido.- Gil Galvão.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida por não acompanhar o julgamento de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da Constituição, das normas dos artigos 23.º, n.º 5, e 26.º, n.ºs 4 e 5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que a indemnização se deve fixar com base no custo da construção. Entendi que o cálculo do valor do solo apto para construção com base no custo da construção – critério que a decisão recorrida extraiu do n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 – permite chegar ao valor de mercado (normativamente entendido) do bem expropriado.
O critério estabelecido no n.º 4 do artigo 26.º é já um segundo critério referencial do cálculo do valor do solo apto para a construção, constituindo o previsto no n.º 2 deste artigo o primeiro critério do legislador, o que afasta a argumentação no sentido de a norma interferir também com o princípio da igualdade no âmbito da relação interna.
Por outro lado, muito embora se parta do custo da construção, determinado objectivamente nos termos do n.º 5, a percentagem máxima de 15% prevista no n.º 6 será adequada para reflectir variações alheias ao custo de construção, como, por exemplo, a localização do solo. Podendo tal percentagem ser acrescida nos termos do n.º 7, sem prejuízo da relevância do custo da construção substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, tal como decorre do n.º 8.
Por outro lado, ainda, fica sempre ressalvado o disposto no n.º 5 do artigo 23.º, nos termos do qual o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do artigo 26.º deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor. Encontra-se aqui, segundo Alves Correia, «uma ‘válvula de escape’ ou uma ‘cláusula de salvaguarda’». (A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência, 2000, p. 128. Cf., ainda, pp. 139 e ss. e 182 e ss.), que, a par dos critérios de cálculo do valor do solo apto para a construção estabelecidos no artigo 26.º, garantem o pagamento de uma justa indemnização.- Maria João Antunes.
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