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Processo n.º 661/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Foi proferida “decisão sumária”, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), que rejeitou tomar conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto por A. (fls. 237 e seguintes) do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Julho de 2012, que julgou improcedente recurso contencioso de deliberação do Conselho Superior da Magistratura que aplicou à recorrente a pena de aposentação compulsiva.
Na parte que agora interessa, a decisão é do seguinte teor:
«2. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC). Para que possa ser admitido é necessário, além do mais, que a questão de constitucionalidade normativa cuja apreciação se submete ao Tribunal Constitucional, tenha sido suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
Sucede que – independentemente de saber se as referências que a recorrente faz nas diversas alíneas do seu requerimento contém a identificação de verdadeiras questões de constitucionalidade normativa e se todas elas correspondem a normas aplicadas pelo acórdão recorrido – em nenhum passo das peças apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, antes de este proferir a decisão recorrida, a recorrente colocou esse tribunal perante a questão de recusar aplicação, por desconformidade a regras ou princípios constitucionais, de qualquer das normas ou interpretações normativas a que em tal requerimento faz referência. Para que se considere suscitada uma questão de constitucionalidade em termos de, face à correspondente “decisão negativa” pelo tribunal da causa, poder aceder-se ao Tribunal Constitucional não basta a afirmação da violação de princípios constitucionais. É necessário que a conformidade à Constituição de uma norma, concreta e claramente identificada, seja questionada em termos tais que o tribunal da causa deva saber que tem uma questão dessa natureza para decidir sob pena de incorrer em nulidade, isto é, que se lhe coloca a pretensão de recusar aplicação a essa norma nos termos do artigo 204.º da Constituição.
E não se trata de um caso em que, num entendimento funcional do referido ónus, deva entender-se não ser exigível que a questão de constitucionalidade tivesse sido adequadamente (no tempo e no modo) suscitada. Designadamente, no que se refere à prescrição do procedimento disciplinar não pode considerar-se insólita ou inesperada a opção do acórdão recorrido. O acórdão limitou-se a enfrentar as questões colocadas pela recorrente, não sendo a aplicação das normas face às quais as perspectivou estranha ao teor do acto recorrido ou da argumentação da recorrente, em termos de não ser exigível a esse destinatário normalmente informado e previdente que contasse com tal solução como uma das respostas jurisdicionais plausíveis. A mera circunstância de, porventura, se ter optado por entendimento diverso de jurisprudência anterior não basta para dispensar o interessado de suscitar a inconstitucionalidade da interpretação ou opção normativa que o desfavorece.»
2. A recorrente deduziu reclamação nos termos que se seguem:
«(…)
II - A recorrente mantendo a posição expressa no requerimento de interposição de recurso, que aqui dá por integralmente reproduzido, não se conforma com o teor dessa decisão sumária porquanto como bem ali se refere, o art. 204º. Da CRP refere expressamente que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela constantes.
Refere também o art. 205º. Da CRP que as decisões dos tribunais (...) são fundamentadas na forma prevista na lei e art. 202º., nº. 2. Do mesmo diploma constitucional que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, sendo assegurado de acordo com o artigo 20.º da CRP a tutela jurisdicional efectiva.
Como refere o Acórdão 10549/01, do STA, de 25.11.2004:
a) A caducidade do direito de acção disciplinar e a prescrição do procedimento têm como base comum a repercussão do tempo na relação jurídica por reporte aos direitos subjectivos e à legitimidade para os invocar - cfr. Art. 4º., n°s. 1 e 2 do DL. 24/84, de 16.01.
b) Pela prescrição do procedimento, o respectivo beneficiário tem a faculdade de se opor ao exercício do direito prescrito - cfr. Arts. 298.º, nº 1, 300º a 327° do Código Civil.
c) Pela caducidade do direito de acção, o titular do direito vê-se impedido de o exercer a partir do momento em que expirou o prazo dentro o qual o deveria ter invocado - cfr. Arts. 298.°, nº. 2, 328.° a 333.° do Código Civil.
d) O prazo de caducidade estatuído no artigo 4.°, n.° 2 do DL n.º 24/84, de 16.01 tem como termo a quo o conhecimento da falta e como termo ad quem, o despacho de instauração do procedimento disciplinar.
e) O conceito de falta constante do art. 4.º n.º 2 do DL 24/84, de 16.01 reconduz-se ao conceito naturalístico de infracção e não ao conceito jurídico.
f) A descrição das circunstâncias de tempo, lugar e modo de ocorrência genérica reportada a um dado subordinado administrativo, na data em que chega ao conhecimento do superior hierárquico com competência para instaurar ou mandar instaurar processo disciplinar determina o evento que marca o início do decurso do prazo de 3 meses do art. 4.º, n.º 2 do citado diploma legal.
III – Ora, a recorrente para além de ter invocado atempadamente a violação de princípios constitucionais constantes do seu recurso para o STJ, atempadamente levantou como questão prévia a prescrição do procedimento disciplinar:
1. Efectivamente, nos termos do art. 131.º do EMJ regem sucessivamente e subsidiariamente na matéria as normas constantes do EDFAACRL e do EDTFP, devendo atender-se às normas de direito transitório constantes do art. 4.º da Lei n.º 58/2008 (vejam-se, ainda, arts. 7.º dessa Lei e 23.º da Lei 59/2008, de 11 de Setembro.
2. A ora recorrente invocou sempre como questão prévia a prescrição do procedimento disciplinar, não tendo suscitado qualquer questão de constitucionalidade quanto ao mesmo por não lhe ser exigível antecipar um sentido objectivamente inesperado e prever que o STJ – 4ª Secção, composta por um Colendo Juiz Conselheiros relator e sete (7) juízes conselheiros, que assinaram o douto acórdão recorrido, salvo o devido e elevado respeito que todos merecem, alegadamente violassem as normas e princípios constitucionais já mencionadas supra e no seu recurso para o TC, por não aplicarem no caso concreto a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar constante do artigo 4.º, n.º 2 do DL 24/84, de 16.01, único diploma aplicável, bastando, salvo o devido respeito, fazer as contas:
16.05.2008 – participação como infra; 17.06.2008 – deliberação a mandar instaurar processo de averiguações; 23.09.2008 – CSM conhecimento do relatório elaborado a final do processo de averiguações e em vez de instaurar processo disciplinar no prazo de 3 meses, ou seja, até 23 de Dezembro de 2008, ou arquivar, delibera mandar aguardar o resultado da inspecção extraordinária, sendo que a instauração ou a pendência de inspecção extraordinária (que era extraordinária apenas por ser da Bolsa de Juízes e ter tido suficiente na primeira avaliação) ao seu desempenho funcional não constituíam causas de suspensão do prazo prescricional (a adicionar às previstas no citado n.º 5 do art. 4.º do EDFAACRL). Ou seja:
A) Primeira Ocorrência:
a) quanto aos factos constantes da participação da senhora escrivã de 16.05.2008 (dos quais obviamente a recorrente discorda por não serem verdadeiros), em que aquela denunciava, como refere o douto Parecer do Procurador-Geral Adjunto junto ao STJ “a prática de factos imputados à recorrente, que se integram naqueles pelos quais foi disciplinarmente sancionada na deliberação impugnada do acórdão do Plenário do CSM e nessa participação vêm narradas diversas actuações funcionais e a final, no que respeitava ao controlo de processos salientando que “existem no gabinete da Sra. Juiz, cerca de 1300 processos conclusos, inclusivamente os de carácter urgente (providências cautelares para decisão desde Dezembro de 2007, insolvências, menores, etc.)…”;
b) O CSM teve conhecimento do teor da participação em causa, na sessão de 17 de Junho de 2008, tendo sido instaurado processo de averiguações sumárias;
c) O CSM teve conhecimento do relatório elaborado a final do processo de averiguações, na sessão de 23 de Setembro de 2008, tendo sido deliberado mandar aguardar o resultado da inspecção extraordinária à prestação da ora arguida, juíza (...), entretanto iniciada.
d) a instauração do processo de averiguações suspendeu o prazo prescricional – art. 4, n.º. 4 do EDFAACRL.
e) verificar-se-á a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar prevista no n.º 2 do art.º 4.° do ED, se entre a conclusão do processo de averiguações e a deliberação que mandar instaurar processo disciplinar (ou processo de inquérito nos termos do art. 85.º do EMJ, se, verificada a existência de infracção, não estiver ainda identificado o seu autor) decorrer prazo superior a três meses.
B) A segunda Ocorrência que nada tem a ver com a primeira:
a) O CSM por deliberação de 20.04.2010, proferida a final do referido processo de inspecção extraordinária determinada nos termos do art. 7.º, n.º 2 do RIJ que atribuiu a classificação de medíocre.
b) O Vice-presidente do CSM, por despacho de 20 de Maio de 2010 determinou a instauração de inquérito, nos termos do n.º 2, segunda parte do art. 34.º do EMJ (instauração de inquérito por inaptidão para o exercício de funções de magistrado).
c) O CSM, por deliberação de 6 de Julho de 2010 converteu o inquérito em processo disciplinar nos termos previstos no n.º 1 do art. 135.º do EMJ – processo disciplinar em que a final viria a ser proferida pelo plenário a deliberação de 12 de Julho de 2011, aqui impugnada.
C) A recorrente não deveria ter sido sancionada, como o foi, pelos factos constantes da participação de 16.05.2008, mas foi cumulativamente por esses, por se mostrar prescrito o procedimento disciplinar.
D) Nem poderia se tratar de infracção continuada, como refere o Douto Parecer do MP junto ao STJ.
IV. Ou seja, não poderia a ora recorrente adivinhar que o douto acórdão recorrido não cumprisse a lei, ou seja, aplicar a prescrição do procedimento disciplinar quantos aos factos constantes da participação de 16.05.2008, porque nem seria a Lei n°. 58/2008 a ser aplicada atenta a data em que a mesma entrou em vigor, ou seja, 01 de Janeiro de 2009 quando os factos já tinham prescrito em 23 de Dezembro de 2008, devendo ter sido aplicada o Decreto-Lei n°. 24/84, de 16.01!!!
V. Não se trata de uma opção de jurisprudência e da lei mais favorável à recorrente, trata-se, salvo o devido respeito, de uma clamorosa e injusta denegação de justiça por quem não pode faltar, em que os Magistrados devem obediência à Lei e à Constituição – art. 6.º do EMJ - porquanto a ora recorrente não tem qualquer outro meio processual de defesa, a não ser o recurso de constitucionalidade para o TC e eventualmente para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, perante toda a situação que passou, em que não teve, ao contrário de um qualquer cidadão, arguido, hipótese de um julgamento imparcial, justo e equitativo, não adiantando a defesa efectuada perante o CSM, comprovada dos inúmeros documentos que juntou e foi pura perda de tempo e arrolando várias testemunhas, desde oficiais de justiça, advogados, procuradores do MP e juízes, nada adiantou.
VI. Reitera que se trata de uma interpretação absolutamente insólita e inesperada, surpreendente e contrária a vários acórdãos recentes do próprio STJ e STA, em que não há qualquer dúvida sobre que diploma a aplicar, prazos de prescrição, conhecimento da falta, etc. e a reforçar esse entendimento é o próprio Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do STJ que considera que se verifica prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do n.º 2 do art.º 4.º do EDFAACRL, relativamente a alguns dos factos pelas quais a arguida foi sancionada, nem sequer se pondo a questão de aplicação de outro diploma que não o DL. n.º 24/84, de 16.01, havendo notória confusão entre as duas ocorrências supra mencionadas, tendo sido sancionada cumulativamente por esses alegados factos, pelo que não podia ter suscitado previamente à decisão do acórdão do STJ as questões de inconstitucionalidade.»
2. O recorrido Conselho Superior da Magistratura não se pronunciou sobre a reclamação apresentada.»
3. A razão de não conhecimento do objecto do recurso consistiu – tendo-se deixado expressamente de remissa a questão da natureza normativa de algumas das questões identificadas e da efectiva aplicação das correspondentes normas pelo acórdão recorrido -, no facto de não ter existido qualquer suscitação de inconstitucionalidade durante o processo, nos termos exigidos pelos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).
Vem agora a recorrente invocar que, tendo suscitado como questão prévia o problema da prescrição do procedimento disciplinar, a interpretação que aquele Tribunal veio a adoptar é «(…) absolutamente insólita e inesperada, surpreendente e contrária a vários acórdãos recentes do STJ e do STA (…) e a reforçar esse entendimento é o próprio Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do STJ que considera que se verifica prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do n.º 2 do art. 4.º do EDFAACRL, relativamente a alguns dos factos pelos quais a arguida foi sancionada, nem sequer se pondo a questão de aplicação de outro diploma que não o DL. n.º 24/84, de 16.01 (…), pelo que não podia ter suscitado previamente à decisão do acórdão do STJ as questões de inconstitucionalidade» (fls. 282 e 283).
3.1. Desde logo, a tese da recorrente relativamente ao carácter “surpresa” do acórdão recorrido é substanciada apenas quanto aos problemas de constitucionalidade que foram suscitados a propósito da prescrição, subsistindo, portanto, o que se determinou na decisão sob reclamação acerca do não conhecimento da inconstitucionalidade dos preceitos do Estatuto dos Magistrados Judiciais referentes à impugnação das decisões do Conselho Superior da Magistratura. Quanto a esta questão, a reclamante não fornece, em momento algum, qualquer fundamento que pudesse conduzir à procedência da presente reclamação.
Sempre se acrescentará, contudo, que o acórdão recorrido não fez aplicação dessas normas no sentido pretendido pela recorrente, porque nada decidiu quanto à possibilidade de recurso (jurisdicional) das decisões proferidas pela Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.
3.2. Relativamente às dimensões relacionadas com a prescrição, a argumentação deduzida não procede. A suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo é um pressuposto do recurso de constitucionalidade que encontra o seu fundamento no modo como o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade se encontra desenvolvido na Constituição e na lei. Concedendo-se a todos os juízes o acesso directo à Lei Fundamental (artigo 204.º), o Tribunal Constitucional intervém, em fiscalização concreta, como aliás se depreende da designação que toma o meio processual que abre o caminho a esta instância, em sede de recurso [de constitucionalidade], o que pressupõe, em tese, uma pronúncia prévia do tribunal comum sobre o objecto do mesmo. Por isso mesmo, os casos em que se aceita uma dispensa do ónus relativo à suscitação atempada do problema de constitucionalidade são apertados, e justificam-se apenas pela consideração de que, em concreto, essa suscitação não era exigível ao recorrente.
Para que se possa comprovar esta não exigibilidade é necessário, todavia, concluir-se que, perante as concretas circunstâncias do caso, se afira que mesmo um sujeito processual normalmente informado e previdente se teria visto confrontado com uma situação insólita ou absolutamente imprevisível em termos tais que impossibilitariam a colocação atempada da questão de constitucionalidade perante o tribunal da causa. Não basta que o concreto sujeito processual tenha sido surpreendido pelo teor da decisão, designadamente pelo facto de a mesma se afastar de alegada jurisprudência maioritária ou dominante quanto a certa questão. Como o Tribunal tem sustentado, «cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão» (cfr. Acórdão n.º 489/94, publicado no Diário da República, II Série de 16 de dezembro de 1994).
Ora, no caso dos autos, como se salientou na decisão ora reclamada, a opção do acórdão recorrido não apresenta conteúdo insólito ou inesperado, em tais termos que, num entendimento funcional do referido ónus, não fosse exigível a suscitação da questão perante Supremo Tribunal de Justiça.
Efectivamente, a interpretação acolhida corresponde àquela que havia sido perfilhada no acto contenciosamente impugnado (cfr. especialmente fls. 66 a 69 onde então se disse, designadamente, que o quadro normativo aplicável a esta questão seria o constante do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, não tendo sido desrespeitado qualquer dos prazos previstos no respectivo artigo 6.º). Depois, o mesmo foi sustentado na resposta do Conselho Superior da Magistratura (fls. 113).
Assim, pelo menos no momento das alegações do recurso contencioso, dispunha a recorrente de todos os elementos e estavam debatidas as opções interpretativas possíveis, em termos de a recorrente poder suscitar as inconstitucionalidades que nesta matéria entendesse ocorrerem. Ora o que a recorrente disse nas alegações de recurso contencioso resume-se nas seguintes conclusões dessa peça processual:
«1. Dão-se aqui por reproduzidas as alegações/motivações juntas com o requerimento de interposição de recurso e o alegado supra.
2. A recorrente reitera tudo quanto então deixou dito.
3. Mostra-se violado o artigo 4.º, n.º 2, do E.D. aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16-01, uma vez que aquando da instauração do processo disciplinar o respectivo procedimento se encontrava prescrito, pelo que entre a data em que o Conselho Permanente do CSM teve conhecimento dessa exposição ou tinha obrigação de conhecer - entre 17.06.2008 - sessão -, em que mandou proceder a averiguação sumária e elaboração do relatório pelo então Inspector, e 23.09.2008 - sessão -, da falta decorreram mais de três meses, prazo que o artigo 4º, n.º 2, do ED, aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16-01, estabelece para a instauração do procedimento disciplina.
4. Para além do mais, caso assim se não entenda, tendo o Plenário do CSM apreciado o relatório inspectivo e deliberado aplicar a classificação de Mediocre, permitindo-lhe um juízo alegadamente fundado de suspeita de infracções disciplinares contra a requerente em 20.04.2010, deveria ser logo mandado instaurar o respectivo inquérito - art. 34.°, n.° 2 do EMJ – e consequentemente instaurar o processo disciplinar, o que só ocorreu este último em 06.07.2010, pelo que se mostra violado o disposto no art. 6.º, n.º 2, 4 e 5, todos da Lei n°. 58/2008, de 09.09, invocando-se a prescrição de todo o presente processo disciplinar, não servindo a fundamentação tecida quer pelo acórdão do Permanente, quer do Plenário, sobre a inexistência de prescrição do procedimento disciplinar, cuja interpretação que fazem não é transparente, nem indicando datas definidas do início, suspensão se houver e eventual término dessa prescrição, antes afirmando que pelo critério mais apertado não foi desrespeitado qualquer dos prazos previstos no art. 6.º do E. Disciplinar, porquanto entende que a suspensão do prazo de prescrição constante do art. 6.º, n.º 4 do mencionado E.D. exige a verificação cumulativa das als. a),b) e c) do seu n.º 5 e que tendo o direito de instaurar procedimento disciplinar no prazo de 30 dias, a contar de 20.04.2011, quando conhecida a infracção, o CSM apenas o fez em 06.07.2010, não se entendendo o início do inquérito em 12.05.2010, como o direito de instauração desse procedimento disciplinar.
5. Pelo que se requer que se declare extinto o presente procedimento disciplinar, por prescrição e/ou o direito de o instaurar atento o decurso dos respectivos prazos e não que tenham estado suspensos pelo disposto no art. 6.º, n.º 4 porque este tem de ser cumulativamente aplicado com as três alíneas do art. 5.º do diploma supra mencionado.
(…)»
A recorrente representou a alternativa de aplicação dos regimes disciplinares em sucessão, mas não colocou a propósito qualquer problema de constitucionalidade.
A esta argumentação respondeu o acórdão recorrido nos seguintes termos:
«O Decreto-Lei 24/84, de 16.01, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, que entrou em vigor em 1984.02.01.
Tal diploma foi revogado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei 58/2008, de 09.09, que entrou em vigor em 2009.01.01
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4º deste último diploma e no âmbito de norma sobre a aplicação no tempo, dispôs-se que' (. .. ) o Estatuto é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa'
E nos termos do n.º3 do mesmo artigo “os prazos de prescrição do procedimento disciplinar (. . .) contam-se a partir da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador”.
A questão que se nos coloca consiste em saber se o procedimento disciplinar contra a arguida prescreveu por o Conselho Superior da Magistratura, após ter conhecimento da infração, não o ter instaurado dentro de determinado período.
Período este que, no âmbito do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local era de três meses e no âmbito do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas é de trinta dias.
Sendo assim e face às disposições anteriormente referidas, temos que o regime mais favorável à arguida é o de este último Estatuto, ou seja, o Conselho Superior da Magistratura tinha que instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 30 dias após ter conhecimento da ou das infrações atribuídas á arguida.
O que, com o devido respeito por entendimento contrário, veio a fazer.
Na verdade, a instauração do processo disciplinar teve como causa os factos decorrentes de uma inspeção extraordinária que foi feita ao seu serviço e acima mencionada, de que resultou a classificação de “medíocre” que lhe foi atribuída.
Antes dessa inspeção, tinha o referido Conselho tido conhecimento de uma exposição de uma funcionária do T J de Torres Vedras sobre a atividade da arguida naquele Tribunal e do relatório de uma averiguação que mandou efetuar sobre o assunto.
A questão que agora se põe é a de se saber se com essa exposição e este relatório o Conselho ficou a ter “conhecimento” das “infracções” atribuídas no processo disciplinar à arguida.
Cremos bem que não.
Conforme ficou referido, o que está em causa não é apenas a atividade da arguida no T J de Torres Vedras – sobre a qual incidiu a exposição da funcionária do mesmo Tribunal e subsequentes averiguações – mas todo o serviço prestado pela mesma em diversos tribunais enquanto Juíza na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de Lisboa no período compreendido entre 2005.09.15 e 2008.09.01, no qual se inclui o serviço prestado naquele Tribunal
Isto significa que não se pode autonomizar cada um dos factos ocorridos durante esse período para o efeito de eventuais infrações subjacentes a eles serem consideradas prescritas.
De outro modo, tinha o Conselho Superior da Magistratura de instaurar sucessivos processos disciplinares consequentes dessa autonomização.
Acresce que só com o resultado da inspeção extraordinária é que se podia considerar que o Conselho tinha tomado conhecimento da global idade da ou das infrações.
Na verdade, antes apenas podia ter tomado conhecimento de parcelas da atuação da arguida que, só por si, não tinham necessariamente que fornecer motivos para a instauração do processo disciplinar.
Nesta perspetiva, entendemos perfeitamente razoável, que estando a decorrer uma inspeção ao serviço da arguida em diversos Tribunais, o Conselho só pudesse formular um juízo sobre a necessidade de instaurar o procedimento disciplinar aquando do conhecimento do resultado dessa inspeção.
Aliás, essa necessidade podia ser legalmente obrigatória, face ao disposto no já citado nº 2 do artigo 34° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, se do inquérito se apurasse a “existência de infracção” - cfr. artigo 135º deste Estatuto.
O que na realidade veio a acontecer, pois o Conselho, posto perante a classificação de “medíocre” atribuída à arguida por deliberação de 2010.04.20, mandou instaurar um processo de inquérito por inaptidão para o exercício das funções.
E depois, terminada a instrução e perante o relatório do processo de inquérito, decidiu, por deliberação de 2010.07.06, convertê-lo em processo disciplinar, de acordo com o disposto nos artigos 134º e 135º do mesmo Estatuto.
Partindo do princípio que o Conselho tomou conhecimento de factos que podiam dar origem à instauração de um processo disciplinar aquando da atribuição na classificação de “medíocre – portanto, em 2010.04.20 – o certo é que em 2010.05.12 – decorridos, pois, 22 dias – determinou a realização de um inquérito disciplinar.
Ora, com esta instauração, suspendeu-se o prazo prescricional de trinta dias por seis meses, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 6º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.
E suspendeu-se porque se verificaram cumulativamente as condições referidas no nº 5 deste mesmo artigo: o processo de inquérito foi instaurado nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; o procedimento disciplinar subsequente foi instaurado em 2010.10.07, logo que findou o inquérito; e aquando da instauração do inquérito não se encontrava prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.
A suspensão do prazo terminava, pois, em 2010.11.12.
O Conselho decidiu instaurar procedimento disciplinar contra a arguida em 2010.07.06.
Logo, nessa altura, encontrando-se suspenso o prazo de 30 dias referido no nº 2 do artigo 6º Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas para a prescrição do procedimento disciplinar, é evidente que tal prescrição se não verificava.»
Diversamente do que parece supor-se na reclamação, não cabe no presente recurso aferir o bem fundado desta interpretação ou a acerto da sua aplicação aos factos da causa, mas apenas apreciar a (in)constitucionalidade da dimensão normativa que lhe corresponda, se estiverem reunidos os pressupostos constitucional e legalmente previstos.
Ora, pelo simples confronto das referidas intervenções processuais com o conteúdo da decisão recorrida, tem de concluir-se que a reclamante teve oportunidade de, em tempo útil, suscitar adequadamente os problemas de constitucionalidade relativamente às normas respeitantes à prescrição do procedimento disciplinar que veio a formular aquando da interposição do recurso para este Tribunal Constitucional. O facto de se tratar de decisão do Supremo Tribunal de Justiça não dispensa o interessado de colocar a questão de constitucionalidade e de colocá-la de modo processualmente adequado.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UCs, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.
Lisboa, 9 de janeiro de 2013 – Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral
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