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Processo n.º 793/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. e B., Lda. reclamaram, em 01 de outubro de 2012 (fls. 1583 a 1586), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 07 de setembro de 2012 (fls. 1579 e 1580), que rejeitou o recurso de constitucionalidade por si interposto, em 26 de junho de 2012 (fls. 1561 a 1563), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
2. Os termos da reclamação deduzida, que ora se resumem, são os seguintes:
«I - O Douto Despacho aqui em causa não admitiu o Requerimento de Recurso apresentado pela ora Reclamante e aqui junto como Doc. 1, com fundamento de que”… não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade de qualquer norma, pelo que o Acórdão posto em crise, não fez qualquer interpretação das normas invocadas que possam ter-se por inconstitucionais em face dos artigos 32.º, n.º 1, 204.º e 212.º, n.º 3 da CRP”
II – Porém, e salvo o muito respeito, não é correta tal interpretação in casu.
SENÃO VEJAMOS
I II – Desde logo, nas páginas 21 e 22, do Acórdão posto em crise (junto como Doc. 2), está profusamente sustentado, na decisão proferida, a alusão ao art.º 212.º, n.º 3 da CRP.
IV – Com efeito, pode aí ler-se “… sustenta o recorrente que o prosseguimento dos autos, sem aguardar o trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação equivaleria a uma indevida usurpação de funções do tribunal criminal relativamente às competências materiais dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do art.º 212.º, n.º 3, da CRP, que comete a estes a exclusiva competência para dirimir os litígios das relações jurídicas fiscais”. (Cfr. parágrafo 4º e 5º da página 21 do Acórdão).
V – Aliás, em seu amparo, nas alegações do recurso, é invocado o Acórdão 321/2006, da 1ª Seção do Tribunal Constitucional, proferido no processo 1043/05 (Cfr. página 7ª das alegações, junto como Doc. 3).
VI – Por outro lado, nas conclusões apresentadas está também alegado a violação do principio constitucional “in dúbio pro reu” (Cfr. conclusões IX, X, XI, XII e XIII do recurso – Doc. 3).
VII – Na verdade, outrossim, encontram-se preenchidos os requisitos impostos pelo art.º 75.º - A, daquela Lei 28/82 de 15 de novembro (LTC) para admissão do recurso interposto.
VIII – Ora, como impõe o n.º 2 do supra citado art.º 75.º-A da LTC, o Requerimento de Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º daquela Lei (LTC) deve constar a norma ou princípio constitucional ou legal que se considere violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
IX – O que a ora Reclamante efetivamente fez naquele Requerimento de Recurso que, pelo Douto Despacho aqui em causa não foi, contudo, admitido.
X – Ademais, indicou sobejamente as normas constitucionais que haviam sido violadas.
XI – Normas constitucionais que, de forma processualmente adequada, havia a ora Reclamante suscitado, durante todo o processo, referente à questão sub judiciam no ato jurisdicional de suporte do Requerimento de Recurso da constitucionalidade.
XII – Tendo, a ora Reclamante, aliás, de forma clara e expressa suscitado, na Resposta que apresentou (em 21 de novembro de 2012) no recurso interposto pelo Arguido António Manuel Monteiro Almeida, sobre o qual recaiu o referido ato jurisdicional de suporte do Requerimento de Recurso a questão da constitucionalidade da interpretação com que foi aplicada a norma do art.º 47.º, n.º 1 do Regime Geral das Tributárias (Cfr. Doc. 4, conclusões IX, X, XI e XII).
XIII – Ali tendo, naquela Resposta, mesmo transcrito a Douta Decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre idêntica questão (acórdão uniformizador de Jurisprudência 3/2007, publicado no D.R. em 21/02/2007).
XIV – A não realização da justiça, em violação dos conceitos normativos, cuja inconstitucionalidade se invoca para ser apreciada no requerimento de Recurso não admitido é tanto mais grave quando está em causa a imparcialidade e a consequente confiança da comunidade na administração da Justiça.
XV – Porquanto foi previamente suscitada a questão prévia de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
XVI – A apreciação das inconstitucionalidades impõe-se ainda porque o tribunal recorrido apercebeu-se da questão da inconstitucionalidade que lhe foi colocada, tendo resolvida tal questão à luz de princípios diversos dos que foram indicados pelos recorrentes.»
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
«(…)
6. O momento processualmente adequado para suscitar as questões de constitucionalidade era a motivação do recurso para a Relação.
7. Ora, como muito bem se diz na douta decisão reclamada (fls. 1579 e 1580), nas conclusões da motivação não vem suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade, aí não se fazendo referência, sequer, à Constituição.
8. A essa mesma conclusão se chega, pela leitura do texto dessa motivação.
9. Efetivamente, quando o recorrente ali refere o artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, é para sustentar a sua violação com o prosseguimento do processo-crime, sem aguardar o trânsito da decisão do processo de impugnação, na parte fiscal.
10. Ou seja, é à decisão que se imputa a violação da Constituição, tendo sido dessa forma – e bem - que a Relação apreciou essa questão.
11. Também nos parece evidente que invocar a violação do princípio do “in dúbio pró reo”, não traduz a enunciação de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
12. Não tendo, pois, os recorrentes cumprido o ónus da suscitação prévia e adequada das questões de constitucionalidade, falta um requisito de admissibilidade ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
13. Em conformidade, deve a reclamação ser indeferida.
14. Poderíamos ainda acrescentar que, quanto a nós, as três questões que os recorrentes identificam, não têm conteúdo normativo, o que é ostensivamente evidente quanto à terceira.» (fls. 93).
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Da análise da atuação processual dos ora reclamantes nos autos recorridos resulta por demais evidente que os mesmos nunca suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, especificamente dirigida a uma concreta norma jurídica, conforme lhes era exigido pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC. Com efeito, a sede processual adequada para a referida suscitação era a motivação de recurso interposto perante o Tribunal da Relação do Porto. Ora, da sua análise resulta que os reclamantes nunca individualizaram uma específica norma jurídica cuja inconstitucionalidade pudesse ser apreciada pelo tribunal recorrido. A única passagem das suas conclusões em que se procede a uma referência genérica a uma questão de inconstitucionalidade é a seguinte:
«XII. Ora, a sentença, na sua interpretação, violou o princípio constitucional “in dubio pro réu” (fls. 1281).
Esta mera invocação de um princípio constitucional não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Para que tanto ocorresse, forçoso seria que os reclamantes tivessem identificado qual a específica norma jurídica ordinária que estaria em contradição com o princípio da presunção da inocência, mais detalhando o conteúdo e a extensão da interpretação normativa alegadamente inconstitucional. Sucede que os reclamantes se limitaram a afirmar, de modo vago e não concretizado, que a própria sentença padeceria de inconstitucionalidade. Ora, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de “normas jurídicas” ou de “interpretações normativas” (artigo 277º, n.º 1, da CRP), não se encontrando instituído um sistema de fiscalização das próprias decisões jurisdicionais.
Por outro lado, não se alcança como é que os reclamantes consideram que as conclusões IX a XII da sua resposta ao recurso interposto por António Manuel Monteiro Almeida (cfr. fls. 1450 e 1451) configuram um ato de suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Nenhuma passagem daquelas conclusões permite concluí-lo.
Por tudo isto, mais não resta do que confirmar integralmente a fundamentação e teor da decisão reclamada.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 18 de dezembro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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