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Processo n.º 358/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclamou para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 3, do artigo 78.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade elencadas no requerimento de interposição de recurso, reclamação essa que veio a ser decidida pelo Acórdão n.º 435/2012, proferido em 26 de setembro de 2012, no qual aquela foi indeferida nos seguintes termos:
«…
8. Compulsados os argumentos aduzidos pelo reclamante e o teor da decisão reclamada, afigura-se que a presente reclamação é improcedente.
Vejamos.
No caso ‘sub juditio’ (ponto 4.2), independentemente do juízo que mereça esta contestação do reclamante, sempre a reclamação deverá ser rejeitada, porquanto a ‘norma’ contida no artigo 358.º, n.º 1 do CPP com o sentido invocado pelo recorrente, ou seja, tal como o mesmo a configurou, não foi aplicada pela decisão recorrida, não constituindo, por isso, a sua ratio decidendi; efetivamente, o que da decisão recorrida se depreende é que, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, apenas é possível a inquirição aos factos comunicados no âmbito do incidente (alteração dos factos constantes descritos na acusação ou pronúncia), isto é, comunicados pelo tribunal e pelas partes no exercício do seu direito de defesa, enquanto, pelo contrário, o recorrente pretende que o Tribunal se pronuncie sobre a constitucionalidade da ‘norma’ inserta no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, enquanto interpretada no sentido de que apenas permite a audição da prova aos factos comunicados pelo tribunal e nada mais, que não corresponde, portanto, àquela outra norma resultante da interpretação que do artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal se fez na decisão recorrida e se deixou já referida; aliás, ilustrativo disso é o facto de o recorrente pretender que lhe foi vedada a produção de prova, no âmbito de tal incidente, a factos por si alegados, quando é certo que da defesa, aí por si deduzida, releva tão só um mero exercício de alegação quanto à admissibilidade e qualificação do incidente e, bem assim, de mera contraprova dos factos comunicados pelo tribunal, pretendendo essencialmente que os factos comunicados não resultavam da audiência, donde que apenas estes subsistissem para sobre eles recair qualquer meio de prova, que o recorrente arrolou e produziu.
Em segundo lugar, sob a epígrafe “Decisão surpresa e Defesa em Processo Penal”, o reclamante insurge-se contra a decisão reclamada alegando que “não se considera exigível – muito menos em processo penal, para a defesa – que a parte «antecipe» todos os «critérios jurídicos» que, com maior ou menor probabilidade, «possam ser convocados para se decidir a pretensão que formulam», como se pressupõe a fls. 24 da decisão reclamada.”
Quanto a este ponto, cumpre assinalar que o reclamante não controverte em concreto, com exceção do julgado nos pontos 4.1. e 4.3. da decisão reclamada, nenhum dos juízos pelos quais se julgou improceder a alegação reiterada no requerimento de interposição de recurso quanto à existência de diversas “decisões-surpresa”, não demonstrando, consequentemente, a incorreção do decidido quanto a essa matéria.
Ainda assim, sempre se dirá que nos pontos apreciados na decisão reclamada não subsiste, pelos motivos aí referidos e quanto às normas circunstancialmente em causa, qualquer situação suscetível de justificar o incumprimento do ónus de suscitação das questões de constitucionalidade com fundamento na existência de uma “decisão-surpresa”.
Em particular, assim sucede quanto à matéria invocada no título “D” da reclamação (“Designação de consultor técnico e respetiva relevância”) quanto ao ponto 4.1. da decisão reclamada.
Neste caso, mesmo a considerar-se a assimetria entre o decidido pelas instâncias, não existe qualquer “decisão surpresa”, na medida em que é o próprio reclamante que equaciona a aplicação do artigo 155.º, n.º 1, do CPP, no contexto explicitado na decisão reclamada e que não é posto em crise pelos argumentos agora adiantados.
Pelos mesmos motivos, improcede também o alegado quanto a esta questão no título “E” da reclamação a propósito do decidido no ponto 4.3. da decisão sumária reclamada.
Quanto a este ponto, entende o reclamante que do facto “de o recorrente referir haver interesse na junção do documento — afirmação quase tabeliónica e que não tem como consequência necessária o antecipar da questão de constitucionalidade”.
Esta argumentação denuncia um incorreto entendimento quanto ao cumprimento do ónus de suscitação das questões de constitucionalidade, porquanto se não subsistem dúvidas de que o reclamante pugnou pela admissibilidade do documento com fundamento na sua relevância, tal comprova que o mesmo não se encontrava impossibilitado de entrar em linha de conta com o facto da sua posição poder ser refutada pelo Tribunal da Relação, nem de, em consequência, suscitar a questão de constitucionalidade dos critérios aplicáveis nesse sentido.
Ainda quanto à questão da junção do documento e em sentido oposto ao alegado na reclamação, cumpre esclarecer que a decisão sumária não padece dos demais vícios que lhe foram assacados pelo reclamante.
Por um lado, não há qualquer contradição entre o decidido, mais especificamente, na parte em que se faz referência aos artigos 50.º, n.º 1, e 54.º, do Código Penal, encontrando-se esclarecidas as razões pelas quais se considerou desprovida de sentido a invocação de uma inconstitucionalidade radicada em exclusivo nessas normas, sendo claro que esses preceitos não foram aplicados isoladamente como ratio decidendi pelo Tribunal recorrido. Por outro lado, porque a conjugação desses critérios com o artigo 124.º, n.º 1, do CPP, surge contestada em sede aplicativa, estando em causa, nos termos em que o recorrente a perspetivou, uma questão desprovida de sentido normativo.
Finalmente, o reclamante discorda do juízo formulado no ponto 4.9. da decisão sumária por entender, também aqui, que está em causa uma questão de constitucionalidade normativa e que se estava perante uma decisão surpresa.
Quanto a este último aspeto, as considerações já tecidas sobre a questão e a consideração dos fundamentos da decisão reclamada confirmam a improcedência do invocado.
Quanto à existência de uma questão de constitucionalidade normativa – na parte em que se afirma que o “Tribunal da Relação aplicou o disposto no art. 379º, nº 1, c) (1ª parte), interpretando-o no sentido de não se dever pronunciar sobre a “mesma questão”. E interpretando como “a mesma questão”, podendo ser não exatamente a mesma mas “fundamentalmente a mesma”. Designadamente, a questão de saber se determinadas palavras são legíveis, no critério do tribunal, e a de saber se o tribunal tem o dever de indicar a leitura que faz das partes que, em seu critério, legíveis julga. Não tomando conhecimento desta última questão, por entender que o conhecimento da primeira questão é suficiente para dar por conhecida a outra”, considerando que a interpretação, assim definida, é “inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4, C.R.P, e do direito ao recurso, este consagrado no art. 32º, nº 1, segmento final, C.R.P.” –, não há também qualquer dúvida de que a matéria em causa se refere, em exclusivo, a uma questão estritamente decisória-aplicativa aportada num juízo sobre circunstâncias determinantes da decisão controvertida quanto à existência de “identidade entre as questões” versadas nos recursos em causa, como se desenvolveu e julgou na decisão reclamada.
…».
2. Vem, agora, o reclamante requerer a reforma de tal acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), e, bem assim, o esclarecimento de omissões ou obscuridades, tendo para o efeito apresentado requerimento com o seguinte teor:
«…
A – Ao abrigo do art. 669º, nº 2, al. b), C.P.C, requere-se a reforma da decisão, quanto ao julgado no ponto 8, já que, na decisão sumária recorrida, se escreve (na sua pág. 26):
“advertiu-se que as inquirições deviam cingir-se aos factos da (…) comunicação” (4.ª linha).
E, 2 parágrafos abaixo:
“cingir a produção da prova testemunhal tão só aos factos objeto de comunicação”.
E nada mais.
Isso mesmo se acentua no ponto 1 da resposta do Mº. Pº., entrada em 30/07/2012:
“A Relação (…) entendeu que (…) a produção de prova testemunhal devia cingir-se aos factos objeto de comunicação.”
Ora, o acórdão reformando, sem qualquer apoio textual ou normativo, “depreende” (sic) que
“apenas é possível a inquirição aos factos comunicados no âmbito do incidente (…), isto é, comunicados pelo tribunal e pelas partes no exercício do seu direito de defesa”.
Ou seja, a expressão “factos objeto de comunicação” é substituída pela expressão
“factos comunicados no âmbito de incidente”
(depois explicitada como abrangendo também os “factos comunicados pelas partes”).
Mas é patente a desconformidade entre o texto e o sentido do acórdão recorrido e o texto e o sentido perfilhado pelo acórdão reformando, nada permitindo interpretar o recorrido como o presente acórdão o faz. Ou seja, como tendo o acórdão recorrido feito uma interpretação do art. 358º, nº 1, CPP, diversa da referida pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso.
Pelo que nos encontramos no quadro da citada al. b) do n.º 2 do art. 669º C.P.C.
B – Por outro lado, o presente acórdão patenteia uma omissão ou obscuridade, que consiste em não se alcançar a razão por que, em concreto, a presente reclamação para a conferência é decidida por 5 juízes, e não por 3, como previsto no art. 78º-A, nº 3, da L.T.C.
É evidente que se supõe estarmos no quadro do nº 4 do mesmo artigo, isto é: não houve unanimidade na formação dos 3 juízes. Mas a divergência foi em que ponto, qual foi a opinião então minoritária e por quem foi sufragada?
Esperava-se ver tal ponto esclarecido no acórdão ora em questão, fosse por voto de vencido ou por declaração de voto. E, na ausência de qualquer destes, por referência a tal aspeto no texto do acórdão.
…».
3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer em que conclui pelo indeferimento da reclamação, com os seguintes fundamentos:
(…)
1.º
O Acórdão n.º 435/2012, é perfeitamente claro.
2.º
Nele, fez-se uma interpretação do Acórdão da Relação, o Acórdão recorrido, da qual o recorrente discorda, não tendo ocorrido, naturalmente, qualquer lapso.
3.º
Ora, parece-nos evidente que tal situação não se enquadra na previsão do artigo 669.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, devendo, por isso, ser indeferido o pedido de reforma.
4.º
Como muito bem diz o recorrente, as reclamações das decisões sumárias apenas são decididas pelo pleno da secção, quando não houver unanimidade na conferência (artigo 78.º-A, n.º 3 e 4 da LTC).
5.º
Se o Acórdão nº 435/2012, que indeferiu a reclamação para a conferência da Decisão Sumária nº 280/2012, foi proferido pelo pleno secção, tal deve-se, seguramente, ao facto de na conferência não ter havido unanimidade dos juízes intervenientes.
6.º
Tendo também o Acórdão n.º 435/2012 sido proferido por unanimidade, tal, na verdade, à primeira vista, poderia parecer estranho e justificar as dúvidas do recorrente.
7.º
No entanto, essas dúvidas são logo dissipadas pela leitura do Acórdão da Secção, proferido por unanimidade, em 25 de julho de 2012 (fls. 1 215), e em que se mandou notificar as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de rejeição de parte do recurso, com base num novo fundamento.
8.º
Como também se diz nesse Acórdão, essa possibilidade foi admitida “na discussão oral do projeto apresentado”.
(…).
II. Fundamentação
4. O reclamante requer a reforma do Acórdão n.º 435/2012 ao abrigo do preceituado no artigo 669.º, n.º 2, alínea b), do CPC, nos termos no qual “não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, (…) constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.”. Ora, não se vê de que forma a factualidade veiculada pelo reclamante no requerimento apresentado pode subsumir-se à previsão constante de tal preceito. Por um lado, não há nada no acórdão objeto do pedido de reforma que permita concluir pela ocorrência de um lapso manifesto do juiz; por outro, não se percebe por que via podem os argumentos avançados pelo reclamante reconduzir-se a documentos (ou outros meios de prova plena) que impliquem automaticamente, rectius, só por si, decisão diversa da proferida.
Como se lê no n.º 4, do artigo 78.º, da LTC, “a conferência decide definitivamente as reclamações”, o que significa que o acórdão em causa é uma decisão final insuscetível de recurso, não podendo o reclamante servir-se das faculdades abertas pelos artigos 668.º e 669.º, do CPC (ex vi artigo 69.º, da LTC) para contestar novamente o acerto da apreciação feita, pelo Tribunal, relativamente às questões suscitadas no requerimento de recurso de constitucionalidade primeiramente interposto.
O reclamante sustenta ainda a existência de obscuridades e omissões no acórdão que indeferiu a reclamação apresentada, concretamente no que concerne o facto de, tendo a mesma sido decidida por cinco juízes, não constarem do seu corpo as declarações de votos que obstaram à verificação de uma situação de unanimidade. Ora, também esta pretensão se afigura desprovida de fundamento, visto que não resulta do acórdão a manifestação de qualquer tipo de divergência quanto ao sentido ou fundamentação da decisão nele exarada. Não se verificam, pois, quaisquer obscuridades ou omissões que careçam de esclarecimento ou de desocultação.
Na realidade, a divergência inicial, resultante da discussão oral relativamente ao projeto apresentado à ‘Conferência, determinou que a reclamação passasse do âmbito da ‘Conferência’ para o ‘Pleno’ da Secção, que tendo proferido por unanimidade o Acórdão n.º 390/2012, veio também a decidir por unanimidade no Acórdão n.º 435/2012. ´
Assim, o presente pedido de reforma carece de qualquer fundamento, devendo, consequentemente, ser indeferido.
III. Decisão
5. Atento o exposto, decide-se indeferir o presente pedido de reforma do acórdão proferido.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) UCs.
Lisboa, 6 de dezembro de 2012.- J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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