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Processo n.º 742/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 3 de outubro de 2012, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. O reclamante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Em 12 de julho de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça acordou em negar provimento ao recurso interposto e desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento com o seguinte teor:
«A., Recorrente nos presentes autos, beneficiando de Apoio Judiciário, notificado do Mui Douto Acórdão proferido nos autos, sendo parte vencida, e não se conformando, vem, nos termos e para os efeitos do Artigo 280.º, da Constituição da República Portuguesa, bem como dos Artigo 69º, Artigo 70º, n.º 1, alíneas a), b), c), e f), Artigo 71º, n.º 1, Artigo 72º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, Artigo 73º, Artigo 74º, Artigo 75º, n.º 1, Artigo 75º-A, e Artigo 78º, todos da Lei 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de fevereiro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, a subir nos presentes autos, para o que tinha legitimidade e está em tempo.
A) Artigo 75º-A, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro
A) 1. Norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado - ilegalidade que se pretende que o Tribunal aprecie.
? Artigo 30º, n.º 1, e nº 2, do Código Penal
? Artigo 40º, n.º 1, e n.º 2, do Código Penal
? Artigo 50º do Código Penal
? Artigo 51º do Código Penal
? Artigo 52º do Código Penal
? Artigo 53º do Código Penal
? Artigo 54º do Código Penal
? Artigo 71º do Código Penal
? Artigo 71º, n.º 2, alínea f) à contrário do Código Penal
? Artigo 77º do Código Penal
? Artigo 79º do Código Penal
A) 2. Peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade
? Recurso interposto no Colendo Supremo Tribunal de Justiça».
3. Na sequência deste requerimento, foi proferido despacho para «no prazo de dez dias – artigo 75.º-A da LOFTC – o recorrente indicar qual o segmento da peça processual a que alude no requerimento de interposição de recurso em que foi suscitada a inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada».
O então recorrente respondeu o seguinte:
«1. O segmento da Peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade é no todo correspondente ao vertido na Motivação in Recurso interposto no Colendo Supremo Tribunal de Justiça, quando em concreto o Recorrente diz que “Como bem refere o douto tribunal a quo, de acordo com o disposto no art. 30º, n.º 2 da CP, são pressupostos do crime continuado:
a) a homogeneidade da forma de execução do crime;
b) a lesão do mesmo bem jurídico;
c) a unidade do dolo; e
d) e persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente”.
(Cfr. Págs, 1, 2, e 3 do Douto Recurso interposto no STJ e assinado pela ilustre Defensora Dra. B.)
2. Ou seja, não questionando o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a verificação de quaisquer um dos primeiros três requisitos, os quais resultam da análise dos factos dados como provados pela 1ª Instância, o Tribunal a quo nega ao Recorrente a verificação do último requisito, ou seja, a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
3. E devemos dizer que, de uma forma geral, este tipo de crime tem ocorrido no seio de famílias, sendo comum, o abusador ser um membro da família a verdade dos factos, é que, para o Recorrente, a Casa Pia era a sua única família, pois ali viveu desde os quatro (4) anos de idade,
4. Ou seja, Recorrente passou a ser aluno da Casa Pia de Lisboa (C.P.L.) aos 4 anos de idade (cfr. facto 31 dos factos provados pela 1ª Instância), momento a partir do qual foi abusado sexualmente, nessa instituição, por alunos mais velhos e funcionários da C.P.L. (cfr. facto 166 dos provados pela 1ª Instância - fls,66626 dos autos), tendo-se desenvolvido no meio deste ambiente (cfr. facto 166.1 dos factos provados pela 1ª Instância - fls. 66626 dos autos).
(cfr. 3ª Conclusão do Douto Recurso assinado pela llustre Defensora Dra. B..)
5. Estamos, de facto, perante a existência de uma circunstância externa que conduziu à repetição da conduta delituosa por parte do recorrente e que diminui de forma acentuada a sua culpa.
6. E esta perspetiva tem precisamente assento nos seguintes acórdãos, referidos na douta decisão recorrida: Ac. do STJ de 05.12.2007, proferido no âmbito do Proc. 0783989 e Ac. do STJ de 25/11/2009, proferido no âmbito do Proc. 490/7.0 TAWD.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.
7. Ora, a instituição C.P.L. corresponde nem mais nem menos do que à referida situação exterior que veio facilitar a execução dos factos e a sua repetição - Esta circunstância diminui consideravelmente a culpa do Recorrente.
8. O que é corroborado pelo que consta do Relatório de Perícia Colegial de Psiquiatria e Psicologia Forense, realizado em julho de 2008 pelo Hospital …. e referente ao arguido / recorrente (cfr. ponto 17. - fls. 54374/54375 dos autos), onde é relevada a importância que a C.P.L assumiu na evolução do mesmo.
9. Por conseguinte, deveria o Recorrente ser condenado pela prática de um único crime, na forma continuada, em relação a cada vítima, nos termos do disposto nos artigos 30º, n.º 2 e 79º, n.º 1, ambos do Código Penal.
10. Ora, assim sendo, e porque cremos estar também verificado o requisito negado e sendo esse requisito negado, estamos, em nossa opinião, e salvo melhor opinião, a negar justiça, e é nesse sentido que foi suscitada a inconstitucionalidade normativa, que está patente, também, nas Conclusões (cfr. 33ª Conclusão) do Douto Recurso assinado pela Ilustre Defensora Dra. B.».
4. Recebida esta resposta, foi proferido o despacho de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com a seguinte fundamentação:
«Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que se inscrevem nos limites do artigo 70º nº 1 da Lei 28/82.
No caso vertente o recorrente não invoca especificamente norma que tenha sido considerada inconstitucional e aqui aplicada, limitando-se a uma enumeração das normas ou princípios constitucionais que entende terem sido violados.
Por igual forma se limitou a remeter para o requerimento de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça como peça processual onde se consubstancia a ofensa constitucional.
Notificado nos termos do artigo 75 A do diploma citado o recorrente vem indicar a motivação de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça e, nomeadamente, a questão de verificação dos elementos da figura do crime continuado como fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim sendo, não se verificando os pressupostos de admissibilidade a que alude o artigo 70 do diploma citado, porquanto não se indica qualquer norma cuja constitucionalidade especificamente tenha sido suscitada, não se admite o recurso interposto».
5. É esta decisão que é agora objeto da presente reclamação:
«1. Após ser notificado do Mui Douto Acórdão proferido nos autos, sendo parte vencida, e não se conformando, o recorrente ofereceu, nos termos e para os efeitos do Artigo 280.º, da Constituição da República Portuguesa, bem como dos Artigo 69º, Artigo 70º, n.º 1, alíneas a), b), c), e f), Artigo 71º, n.º 1, Artigo 72º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, Artigo 73º, Artigo 74º, Artigo 75º, n.º 1, Artigo 75º-A, e Artigo 78º, todos da Lei 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de fevereiro, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a subir nos presentes autos, para o que tinha legitimidade e estava em tempo.
2. O referido requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional versava:
(…)
3. Em 21 de setembro de 2012, foi o recorrente notificado do Douto Despacho a fls... para em dez dias indicar qual o segmento da peça processual a que aludia no requerimento de interposição de recurso em que foi suscitada a inconstitucionalidade normativa que pretendia ver apreciada,
4. Tendo o recorrente, em 01 de outubro de 2012, oferecido aos autos requerimento onde dizia que o segmento da Peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade era no todo o correspondente ao vertido na Motivação in Recurso interposto no Colendo Supremo Tribunal de Justiça, quando, em concreto, o Recorrente diz que “Como bem refere o douto Tribunal a quo, de acordo com o disposto no art. 30º, n.º 2 da CP, são pressupostos do crime continuado:
a) a homogeneidade da forma de execução do crime;
b) a lesão do mesmo bem jurídico;
c) a unidade do dolo; e
d) a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.”
(Cfr.Págs.1, 2, e 3 do Douto Recurso interposto no STJ e assinado pela lustre Defensora Dra. B.)
5. Ou seja, não tendo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa questionando a verificação de qualquer um dos primeiros três requisitos, os quais resultam da análise dos factos dados como provados pela Instância, o Tribunal a qua nega ao Recorrente a verificação do último requisito, ou seja, a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
6. E devemos dizer que, de uma forma geral, este tipo de crime tem ocorrido no seio de famílias, sendo comum, o abusador ser um membro da família - E a verdade dos factos, é que, para o Recorrente, a Casa Pia era a sua única família, pois ali viveu desde os quatro (4) anos de idade,
7. Ou seja, o Recorrente passou a ser aluno da Casa Pia de Lisboa (C.P.L.) aos 4 anos de idade (cfr. facto 31 dos factos provados pela 1ª Instância), momento a partir do qual foi abusado sexualmente, nessa instituição, por alunos mais velhos e funcionários da C.P.L. (cfr. facto 166 dos factos provados pela 1ª Instância – fls. 66626 dos autos), tendo-se desenvolvido no meio deste ambiente (cfr, facto 166.1 dos factos provados pela 1ª Instância – fls. 66626 dos autos).
(cfr. 3ª Conclusão do Douto Recurso assinado pela Ilustre Defensora Dra. B.)
8. Estamos, de facto, perante a existência de uma circunstância externa que conduziu á repetição da conduta delituosa por parte do recorrente e que diminui de forma acentuada a sua culpa.
9. E esta perspetiva tem precisamente assento nos seguintes acórdãos, referidos na douta decisão recorrida: Ac. do STJ de 05.12.2007, proferido no âmbito do Proc. 0783989 e Ac. do STJ de 25/11/2009, proferido no âmbito do Proc. 490/07.0 TAWD.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.
10. Ora, a instituição C.P.L. corresponde nem mais nem menos do que à referida situação exterior que veio facilitar a execução dos factos e a sua repetição - Esta circunstância diminui consideravelmente a culpa do Recorrente,
11. O que é corroborado pelo que consta do Relatório de Perícia Colegial de Psiquiatria e Psicologia Forense, realizado em julho de 2008 pelo Hospital ….. e referente ao arguido / recorrente (cfr. ponto 17 - fls. 54374154375 dos autos), onde é relevada a importância que a C.P.L. assumiu na evolução do mesmo.
12. Por conseguinte, deveria o Recorrente ser condenado pela prática de um único crime, na forma continuada, em relação a cada vítima, nos termos do disposto nos artigos 30º, n.º 2 e 79º, n.º 1, ambos do Código Penal.
13. Ora, assim sendo, e porque cremos estar também verificado o requisito negado, e sendo esse requisito negado, estamos, em nossa opinião, e salvo melhor opinião, a negar justiça, e é nesse sentido que foi suscitada a inconstitucionalidade normativa, que está patente, também, nas Conclusões (cfr. 33ª Conclusão) do Douto Recurso assinado pela Ilustre Defensora Dra. B..
14. Assim sendo, o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir o recurso interposto pelo recorrente, está, salvo melhor opinião, a denegar a JUSTIÇA que o caso em concreto reclama»
6. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
«1. Por Acórdão de 12 de julho de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto para aquele Supremo Tribunal, do acórdão proferido pela Relação de Lisboa, que, em cúmulo, havia condenado A. na pena de quinze anos de prisão pela prática, entre outros, de numerosos crimes de abuso sexual de pessoa internada e de abuso sexual de crianças.
2. Desse Acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e, como não foi admitido, reclamou para este Tribunal.
3. Como o requerimento do recurso não cumpria com o exigido pelo artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, foi, no Supremo Tribunal de Justiça, o arguido notificado nos termos e para os efeitos do n.º 5 daquele mesmo preceito.
4. Apresentou, então, a peça de fls. 187 e 188.
5. No primeiro dos requerimentos o arguido diz:
“A)1. Norma ou princípio constitucional ou legal que se considere violado – ilegalidade que se pretende que o Tribunal aprecie.”
Identificando esse princípio, o recorrente refere diversos artigos do Código Penal.
6. Quanto à peça em que teria sido suscitada a questão da inconstitucionalidade, o recorrente afirma que foi na motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tentando identificar as questões que suscitara (segundo requerimento apresentado).
7. Ora, vendo o primeiro dos requerimentos, parece-nos evidente que o recorrente não identifica qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que pretenda ver apreciada por este Tribunal Constitucional, ou seja, desconhece-se o objeto do recurso.
8. Por outro lado, com a junção do segundo requerimento, o que se constata é que o recorrente não só não identificou, com algum rigor, onde suscitou a questão, como, pelo que afirma, se desconhece que questões seriam essas, seguramente não sendo questões de inconstitucionalidade normativa.
9. Assim, não se mostrando minimamente cumpridos os requisitos exigidos pelos nºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC, mesmo após convite ao aperfeiçoamento, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Decorre do despacho reclamado que o recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido por o recorrente não ter invocado a norma cuja apreciação pretendia, não decorrendo tal sequer da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a peça processual indicada em cumprimento do disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC. O reclamante em nada contraria as razões do despacho de não admissão daquele recurso.
Um dos requisitos do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é a indicação da norma cuja apreciação se pretende (artigo 75.º-A, n.º 1, segunda parte, da LTC), devendo ser indeferido pelo tribunal que tiver proferido a decisão recorrida o requerimento que não satisfaça este requisito (artigo 76.º, n.º 2, da LTC).
Nos presentes autos, aquele requisito do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional não se pode dar por satisfeito. Do requerimento de interposição de recurso, do aperfeiçoamento do mesmo e da presente reclamação não resulta qual a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie. Na primeira peça processual o então recorrente satisfaz somente os requisitos do n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC; a segunda é totalmente omissa relativamente a tal indicação, limitando-se o recorrente a reiterar a alegação feita perante o Supremo Tribunal de Justiça de que, no caso, se verificava um dos requisitos do crime continuado; a terceira reproduz o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e a resposta dada ao convite para o aperfeiçoar.
Há que confirmar, pois, o despacho que é objeto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 28 de novembro de 2012.- Maria João Antunes – J. Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral.
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