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Processo n.º 303/2011
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Instituto de Investigação Científica e Tropical, R. no processo n.º 1838/06.0TJLSB.L1 e em que são AA. A. e B., interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com fundamento em que nele se aplicou «... o artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de permitir a alegação, em articulado superveniente, de novos factos (nos autos, a pretensa não utilização do locado) sem qualquer relação com o direito que o Autor pretendeu fazer valer na ação (nos autos a caducidade do direito ao arrendamento por extinção do inquilino, quanto ao pedido principal e a afetação a uso diferente e cedência não autorizada do locado, quanto ao pedido subsidiário), sentido este em que a referida norma é inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º da Constituição (por afetar os direitos do réu: ...».
2. Tal recurso, por despacho proferido no tribunal recorrido, não foi admitido (cfr. Fls. 552), tendo o recorrente apresentado reclamação desse despacho para este Tribunal que foi julgada procedente e nos seguintes termos (cfr. Fls. 646):
(…)
a) Deferir a reclamação apresentada, revogando-se o despacho reclamado;
b) Conhecer do recurso interposto quanto à norma constante do artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido segundo o qual, uma vez verificados os demais pressupostos aí fixados, nada obsta à dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir.
(…).
3. No seguimento da respetiva notificação, o recorrente veio apresentar as suas alegações de recurso em que formula as seguintes 'conclusões':
(…)
1ª
O presente recurso vem interposto do aliás douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou e interpretou a norma do artigo 506º do Código de Processo Civil no sentido de “…nada obstar à dedução de articulado superveniente integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir”. Ora,
2ª
Assim interpretada, a norma viola o disposto no artigo 20º da Constituição. Com efeito,
3ª
O prazo para responder à matéria do articulado superveniente (10 dias – cf. Artigo 506º do CPC) é inferior ao prazo para contestar (30, 20 e 15 dias – cf. Artigos 486º, nº 1, 783º e 794º do CPC);
4ª
Quando, como nos autos, o articulado é apresentado após designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, esta não é adiada, “…ainda que o despacho respetivo tenha de ser proferido, ou a notificação da parte contrária haja de ser feita, ou a resposta desta tenha de ser formulada, no decurso da audiência e, se não houver tempo para notificar as testemunhas oferecidas, ficam as partes obrigadas a apresenta-las” (cit. Artigo 507º, nº 1).
5ª
Há, assim, diminuição significativa dos direitos de defesa do demandado, que fica confrontado com um prazo inferior para se defender e vê restringidas as provas que pode requerer. Mas, além disso,
6ª
Nesta interpretação, é o autor que decide qual o prazo que o R. tem para contestar, pois pode propor a ação peticionando resolução do contrato sem invocar os fundamentos do seu direito, que apenas virá a alegar em articulado superveniente, beneficiando assim da diminuição das possibilidades da defesa. Ora,
7ª
O direito a um processo justo implica “…um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras …” (cit. Do Acórdão nº 413/2010, Proc. nº 982/2009, disponível em “Jurisprudência” www.tribunalconstitucional.pt). Em consequência,
8ª
Interpretada a norma do artigo 506º com este sentido e alcance, a mesma padece de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 20º da Constituição.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a referida norma ser julgada inconstitucional, quando interpretada e aplicada no sentido acolhido no, aliás, douto Acórdão sob recurso, determinando-se a reforma do aí decidido de acordo com este entendimento, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA
(…).
4. Por sua vez, os aqui recorridos apresentaram as suas contra-alegações em que concluíram da seguinte forma:
(…)
A) Os factos alegados no articulado superveniente não enforma uma nova causa de pedir ou a alteração da causa de pedir inicialmente invocada, antes integram, conjuntamente com a matéria de facto constante da petição inicial, uma única causa de pedir, a saber, o incumprimento do contrato de arrendamento!
B) Com efeito, a alegação do uso do locado para fim diverso daquele a que o mesmo foi destinado e do subarrendamento não autorizado, invocados na petição inicial, e a do não uso do locado por período superior a um ano, constante do articulado superveniente, preenchem o mesmo preceito jurídico (o art. 1083º nº 2, do Cód. Civil) configurando situações de incumprimento em sentido amplo, com uma mesma consequência, isto é, a resolução do contrato e o consequente despejo (neste sentido, veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.99, supra transcrito).
C) Não se verifica, assim, no articulado superveniente em causa, qualquer alteração da causa de pedir ou dedução de causa de pedir nova, mas antes e apenas o complementar da causa de pedir inicial com factos novos, factos esses que (i) por serem constitutivos do direito dos ora Recorrentes à resolução do contrato e despejo do locado, (ii) terem ocorrido após iniciada a ação e decorridos os prazos legais dos articulados e (iii) por interessarem à boa decisão da causa (ou dito de outra forma, não serem impertinentes) legitimam a apresentação do articulado superveniente.
D) Sem prejuízo do supra exposto, o art. 506º do Cód. De Proc. Civil, interpretado no sentido de prever ou admitir a dedução de articulado superveniente onde são alegados factos que enforma ou constituem uma nova causa de pedir, não padece de qualquer inconstitucionalidade.
E) Com efeito, tal interpretação do mencionado preceito adjetivo tem sido aquela realizada pela melhor Doutrina, nomeadamente Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo processo civil, pp. 299 e 300, e As Partes, pág. 189 e segs.) e José Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado – Volume 2º, comentário ao art. 506º, pág. 342).
F) E, bem assim, pela Jurisprudência (vd. Acórdãos supra transcritos).
G) Ao aceitar-se o entendimento do Recorrente esvaziar-se-ia quase totalmente de conteúdo prático a figura do articulado superveniente, forçando-se as partes, in casu, os Recorrentes, a instaurar nova ação, com os mesmos intervenientes e idêntico pedido, em claro prejuízo da economia processual.
H) Nestes termos, forçoso se torna concluir que a alteração da causa de pedir inicialmente deduzida ou a dedução de nova causa de pedir é admitida em sede de articulado superveniente, não estando ferida de inconstitucionalidade a interpretação do art. 506º do Cód. De Proc. Civil com ela conforme.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional mui doutamente suprirão, a pretendida declaração da norma constante do art. 506º do Cód. De Proc. Civil, quando interpretada e aplicada no sentido a que se alude supra deverá ser julgada improcedente, admitindo-se a dedução de articulado superveniente onde se alguém factos enformadores de nova causa de pedir, o que é de inteira JUSTIÇA.
(…).
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5. O objeto do recurso, como se alcança do teor do respetivo requerimento de interposição conjugado com a decisão da reclamação que recaiu sobre o despacho que inicialmente o havia rejeitado, é a 'norma' « … constante do artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido segundo o qual, uma vez verificados os demais pressupostos aí fixados, nada obsta à dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir».
No referido artigo do Código de Processo Civil, dispõe-se que:
“…
Artigo 506.º
(Termos em que são admitidos)
1. Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que foram supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitam, até ao encerramento da discussão.
2. Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3. O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes será oferecido:
a) Na audiência preliminar, se houver lugar a esta, quando os factos que dele são objeto hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento, quando sejam posteriores ao termo da audiência preliminar ou esta se não tenha realizado;
c) Na audiência de discussão e julgamento, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior à referida na alínea anterior.
4. O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5. As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6. …
…”.
Diz o recorrente que a solução interpretativa, alcançada pela decisão recorrida, padece de inconstitucionalidade por conduzir a uma diminuição significativa dos direitos de defesa, obstando a um processo justo e equitativo, em violação do artigo 20.º da Constituição.
6. Mau grado, como já se afirmou no Acórdão n.º 413/2010 deste Tribunal, a Constituição «… não contenha, para a conformação, por parte do legislador ordinário, das regras do processo civil, indicações tão precisas e densas quanto aquelas que se dirigem à conformação do processo penal (artigos 27.º, 28.º, 30.º, 31.º e 32.º), a verdade é que as normas de processo (qualquer que ele seja) representam sempre a concretização de elementos essenciais do princípio do Estado de direito, pelo que não são nunca – nem em processo civil declarativo nem em processo executivo – constitucionalmente irrelevantes ou indiferentes. Isto mesmo tem dito o Tribunal em jurisprudência consolidada, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 271/95, 335/95 ou 508/2002, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. …».
Daí que, como se deixou escrito nesse mesmo Acórdão, não possa olvidar-se que:
(…)
O princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legislador ordinário que conforma as normas de processo civil é o da garantia do processo justo ou equitativo. Embora o princípio tenha apoio textual expresso apenas no nº 4 do artigo 20.º da CRP, a verdade é que através dele se cumprem também outros valores constitucionalmente relevantes, como os consagrados no artigo 2º e no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à necessária “igualdade de armas”).
Ora, quanto ao que seja esta garantia do processo justo ou equitativo – em cujo conteúdo se cruzam, portanto, aqueles outros princípios constitucionais que a recorrente diz terem sido, no caso, violados – afirmou o Tribunal que ela implica “o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras.” (Acórdão n.º 444/91, em DR II, de 2 de abril de 1992, p. 3112-(37).
…
Precisamente porque a garantia do processo justo implica o direito a uma solução jurídica de conflitos a que se deve chegar em prazo razoável, à disciplina do processo não pode ser alheia a necessidade de fixar os períodos de tempo durante dos quais se podem praticar os atos processuais. Por isso mesmo, o legislador que fixa prazos [para a prática dos atos processuais] não restringe, prima facie, nenhum direito constitucionalmente tutelado nem lesa nenhum princípio com assento constitucional. Pelo contrário: cumpre um dever, decorrente do próprio conteúdo do due processo of law. Ponto é que esses prazos sejam côngruos, e não afetem negativamente, pela sua exiguidade ou pela disciplina do seus termos iniciais ou finais, os elementos seguintes de que se compõe a garantia do processo justo, nomeadamente “o correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões, de facto e de direito”.
(…).
7. Pretende o recorrente que a decisão recorrida, ao interpretar e aplicar a norma contida no artigo 506.º do Código de Processo Civil com o sentido e alcance nela plasmados, ou seja, de que «… verificados os demais pressupostos ali contidos, nada obstar à dedução de articulado superveniente integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir. …», é inconstitucional na medida em que posterga de forma significativa os seus direitos de defesa, obstando, assim, a um processo justo e equitativo em manifesta violação do artigo 20.º da Constituição.
Para fundamentar a sua pretensão, o recorrente invoca que da solução interpretativa alcançada pela decisão recorrida resulta, desde logo, um encurtamento injustificado e desproporcionado do seu prazo de resposta, tendo em vista o exercício do contraditório, por «… inferior ao prazo para contestar (30, 20 e 15 dias – cf. Artigos 486.º, n.º 1, 783.º e 794.º do CPC); …», para além de que «… é o autor que decide qual o prazo que o R. tem para contestar, pois pode propor ação peticionando resolução do contrato sem invocar os fundamentos do seu direito, que apenas virá alegar em articulado superveniente, beneficiando assim da diminuição das possibilidades da defesa. …».
A este Tribunal, como é consabido, não compete averiguar do acerto da solução interpretativa adotada pela decisão recorrida, ao nível do direito ordinário, mas tão só se a 'norma' dela resultante padece de inconstitucionalidade, por violação de algum princípio consagrado na Constituição; refira-se, todavia, que, no plano meramente do direito ordinário, a interpretação alcançada não é repudiada pelo preceito legal em causa - artigo.º 506.º do Código de Processo Civil -, sendo, aliás, uma das suas possíveis interpretações, como a doutrina e a jurisprudência existente, sobre tal matéria, nos dá nota (cfr., por todos, J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2.ª ed., página 371, nota 3).
Posto isto, no caso presente, importa saber se a 'norma' resultante da interpretação adotada pela decisão recorrida coloca efetivamente em crise o disposto no artigo 20.º, n.º4 da Constituição, como se deixou referido quando da delimitação do objeto do recurso, sendo certo que, segundo este preceito constitucional, não só «[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável …», como ela deve ser obtida «… mediante processo equitativo», ou seja, as regras processuais estabelecidas pelo legislador devem conduzir, para além do mais, a que subsista uma ‘igualdade de armas’ entre as partes litigantes.
Vejamos.
8. Os articulados supervenientes, no que concerne às suas condições de admissibilidade e ao seu regime, foram sendo conformados pelo legislador ordinário ao longo do tempo visando, essencialmente, uma maior economia processual e, bem assim, que a decisão a proferir estivesse de acordo, ou com a maior correspondência possível, com a situação material concreta subjacente à relação jurídica controvertida e, consequentemente, aquela pudesse ser uma solução atual e definitiva dos conflitos de interesse inerentes a esta, designadamente, à data do encerramento da discussão e julgamento – cfr. artigos 506.º e 663.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Daí que se imponha deixar uma pequena resenha dessa evolução, por relevante ao nível da intervenção do legislador ordinário nesta matéria e tendo em conta os objetivos perseguidos com este incidente processual, numa primeira fase, anteriormente à reforma do Código de Processo Civil, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de dezembro, para, de seguida, abordarmos as alterações introduzidas por este último diploma legal, à luz dos princípios constitucionais, já que a ‘norma’ em causa resulta da interpretação e aplicação dos preceitos legais dele resultantes.
Como, a tal propósito, afirmavam o Prof. A. Varela e Outros (cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Revista e atualizada de acordo com o Dec. Lei n.º 242/85, págs. 365 e 366), no que concerne ao período anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de dezembro:
«…
Entre a data do oferecimento do último articulado facultado a cada uma das partes e o momento capital que precede imediatamente o julgamento da matéria de facto (ou seja, o encerramento da discussão desta matéria) podem ocorrer factos com interesse decisivo, quer para a pretensão deduzida pelo autor, quer para a defesa invocada pelo réu ou para a contrapretensão por ela deduzida.
Atenta a ideia da ‘economia processual’, a lei manda justificadamente que a sentença tome a consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida (art. 663.º, 1 e 2).
Coerente com esta diretriz, a lei permite que qualquer das partes possa alegar, em articulado posterior ou em novo articulado (superveniente), os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, que sejam supervenientes (art. 506.º, 1).
Assim, se generalizou a ambas as partes, e em termos adequados, a solução que o artigo 493.º, § único, do Código de 1939 admitia apenas, unilateralmente, em relação ao réu.
Ao ampliar a solução, o Código de 1961 introduziu algumas regras no regime dos chamados articulados supervenientes, que interessa conhecer.
Por um lado, abrangeu no núcleo dos factos supervenientes, capazes de legitimarem o oferecimento de novo articulado, tanto os factos ocorridos posteriormente (superveniência objetiva), como os verificados antes, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte a quem aproveitam (superveniência subjetiva): artigo 506.º, 2.
Por outro lado, fixa-se um prazo perentório de dez dias, a contar da verificação do facto ou do seu conhecimento pela parte interessada, para a apresentação do novo articulado. Estabelece-se como prazo limite para a presentação do novo articulado o momento de encerramento da discussão (art. 506.º, 1 e 3).
…».
9. A reforma do processo civil, introduzida pelo Decreto Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, no que concerne aos ‘articulados supervenientes’, alterou, essencialmente, o seu regime jurídico, salvaguardando as suas condições de admissão, alterações essas que o legislador justifica da seguinte forma no respetivo preâmbulo do diploma legal em causa:
«…
Reformulou-se, clarificando-a e conferindo-lhe maiores virtualidades, a matéria dos articulados supervenientes, referenciando a extemporaneidade da superveniência subjetiva restritivamente à atitude culposa da parte que dos novos factos pretenda socorrer-se e adequando-se a introdução dos novos factos aos diversos momentos do devir processual e à nova filosofia de prazos. Neste sentido, estabeleceu-se como balizas relevantes para trazer ao processo factos supervenientes o termo da audiência preliminar e um momento temporal anterior à data designada para o julgamento que se supõe suficiente para possibilitar o pleno exercício do contraditório, sem risco de tal poder determinar o adiamento de audiência.
…». (sublinhado nosso)
Portanto, as alterações introduzidas por tal diploma legal, como o afirma claramente o legislador, sem descurar o pleno exercício do contraditório, visaram, naturalmente, adaptar o regime dos articulados supervenientes às novas fases processuais resultantes da reforma, e, bem assim, evitar a proliferação de ‘articulados processuais supervenientes’, concentrando-os em três momentos possíveis – ‘audiência preliminar’, ’nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento’ e ‘Na audiência de discussão e julgamento’ – (cfr. artigo 506.º, n.º 3, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil), obtendo-se economia processual e minorando o prolongamento processual (obtendo-se uma decisão final no processo em tempo mais razoável) que poderia resultar do anterior regime, já que anteriormente se exigia, sob pena de extemporaneidade, que os novos factos fossem, através do respetivo articulado, deduzidos nos 10 (dez) dias imediatos à sua ocorrência ou ao seu conhecimento por banda da parte a quem aproveitavam, o que poderia ocorrer por diversas vezes até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento e depois de findos os articulados regulares, ou seja, mais que três vezes do que, agora, é legalmente consentido.
10. Ora, a norma equacionada nos presentes autos, é a « … constante do artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido segundo o qual, uma vez verificados os demais pressupostos aí fixados, nada obsta à dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir», a qual o recorrente considera violadora do ‘pleno exercício do contraditório’ e a ‘igualdade de armas’ que deve prevalecer entre as partes, tendo em conta o ‘processo justo e equitativo’ consagrado constitucionalmente no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
Antes de mais, convirá notar que o regime estabelecido no artigo 506.º do Código de Processo Civil, enquanto requerente ou requerido, é igual para ambas as partes, sendo certo que qualquer das partes, autor ou réu, pode fazer uso do mesmo, pois, como se alcança do disposto do n.º1 daquele preceito legal, «[o]s factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão» (sublinhado nosso), podendo, portanto, qualquer das partes tomar a iniciativa de suscitar o respetivo incidente, seguindo-se os demais trâmites legais previstos para prosseguimento do incidente e aplicáveis conforme se seja o requerente ou requerido, acautelada se encontrando a igualdade entre as partes e, designadamente, a ‘igualdade de armas’.
Ora, entende o recorrente que, integrando o ‘facto constitutivo’, ocorrido ou conhecido posteriormente ao termo dos articulados regulares ou à sua apresentação na ação, uma nova causa de pedir, haverá sempre que ser proposta uma nova ação, sob pena de violação do princípio do pleno exercício do contraditório ou de ‘igualdade de armas’, porquanto ficaria na mão do requerente a determinação do prazo a observar, podendo, quando bem entendesse, encurtá-lo através da dedução de ‘articulado superveniente’.
Afigura-se, todavia, que assim não é.
Na realidade, a dedução de ‘articulado superveniente’ não está, como pretende o recorrente, na inteira disponibilidade do requerente, porquanto a lei admite tal incidente, como se deixou já afirmado, em nome do princípio da economia processual e da razoabilidade de prazo para obtenção de uma decisão, mas sem descurar o princípio do processo justo e equitativo, da igualdade entre as partes, incluindo, igualdade de armas, e, bem assim, o pleno exercício do contraditório, permitindo um tempo razoável para a defesa.
O requerente do incidente, sob pena de rejeição, haverá que observar determinadas ‘condições de admissibilidade’, bastando atentar no que se dispõe nos n.ºs 2 e 3 do artigo 506.º do Código de Processo Civil. Desde logo, não pode alegar todos e quaisquer factos constitutivos, mas tão só os supervenientes, isto é, «… os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha tido conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência» (sublinhado nosso). Acresce que só pode deduzir tal incidente dentro dos prazos previstos nas alíneas a), b e c) do n.º 3 do artigo 506.º do Código Processo Civil, que dentro da normalidade (pois, haver-se-á de ter em conta os prazos e a marcha processual tida em conta no sistema que não outra que lhe seja alheia) rondarão o prazo equivalente e legalmente estabelecido para a defesa, independentemente de o novo facto constitutivo poder ser considerado causa de pedir, podendo até que, relativamente ao momento referido na alínea c), o prazo para a dedução do incidente seja menor que os 10 (dez) dias previstos para a defesa, prazo este que, como resulta do respetivo preceito legal (cfr. artigo 507.º, n.º 2 ‘in fine’ do Código de Processo Civil), estará sempre acautelado.
No seguimento da razoabilidade do prazo legalmente estabelecido para o exercício pleno do contraditório (direito de defesa), mesmo a entender-se que o facto constitutivo possa identificar uma nova causa de pedir, não podemos olvidar que nos encontramos no domínio da mesma relação jurídica controvertida, já amplamente conhecida das partes, pois por elas foram já produzidos todos os articulados regulares, sendo sempre certo que estará tão só em causa o direito já invocado (na ação) – cfr. artigo 506.º do Código Processo Civil.
Assim, não se verifica a desrazoabilidade e desproporcionalidade invocada pelo recorrente, no que concerne ao prazo para deduzir defesa perante articulado superveniente, ainda que o facto constitutivo invocado possa ser considerado causa de pedir, mostrando-se acautelado o princípio do processo justo e equitativo e, bem assim, o princípio do pleno exercício do contraditório (defesa), sem que ocorra qualquer violação dos princípios consagrados no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição.
III. Decisão
11. Nos termos supra expostos, decide-se não julgar inconstitucional a norma « … constante do artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido segundo o qual, uma vez verificados os demais pressupostos aí fixados, nada obsta à dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir», negando-se, assim, provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 (vinte e cinco) UCs.
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- J. Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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