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Processo n.º 867/2011
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., juíza de direito a exercer funções no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, intentou ação administrativa especial impugnando a deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), de 7 de maio de 2008, que aprovou a lista de antiguidade dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais de primeira instância, reportada a 31 de dezembro de 2003. O Supremo Tribunal Administrativo (em subsecção) julgou a ação improcedente. A autora interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo. Por acórdão de 13 de outubro de 2011 (fls. 763 e seguintes), o Pleno da Secção negou provimento ao recurso tendo decidido, no que ora releva, o seguinte:
“(…) 2.2.5. Da violação do princípio da justiça e da não inversão das posições relativas (das conclusões sob VI e X).
A recorrente retoma a proposta de solução que defendeu nas conclusões sob III, em particular III.7.
Mas a verdade é que a tese defendida pela recorrente radica numa conceção de osmose entre a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum, donde provém.
A posição relativa que seria ofendida era a decorrente do seu passado na jurisdição comum, não do seu passado ou presente na jurisdição de que trata a lista de antiguidade que questionou.
O seu passado, salvo disposições específicas, vale, para o que se trata, como o passado de todos os outros, o mais diverso e o mais importante que possa ter sido.
Por isso, esteve bem o acórdão recorrido, sendo que ainda sobre esta matéria, em particular atenta a conclusão X, importa o que se dirá no próximo ponto.
2.2.6. Do erro por não contagem do tempo como juiz nos tribunais comuns (das conclusões sob VII).
Mais uma vez, a recorrente pretende, para efeitos de antiguidade na categoria, a acumulação do seu tempo de serviço na jurisdição comum com o tempo de serviço na jurisdição administrativa.
Mas não há base legal para o fazer, como resulta do que tem vindo a ser dito. Os artigos 72.º, n.º 1, e 76.º, n.º 2, do EMJ, que servem de referente à contagem da antiguidade valem exatamente enquanto a antiguidade na categoria de juiz da jurisdição administrativa e fiscal se conta segundo a mesma regra, isto é, desde a publicação do provimento em Diário da República.
O que esses artigos não servem é para considerar que a categoria de juiz na jurisdição administrativa e fiscal se iniciou com o provimento na categoria de juiz da jurisdição comum.
Como sublinhou o acórdão recorrido, «estamos perante jurisdições distintas e autónomas ainda que paralelas». E os juízes da jurisdição administrativa e fiscal formavam e formam um corpo único – artigo 77.º do ETAF de 1984, artigo 57.º do ETAF de 2002.
2.2.7. Da violação de caso julgado (das conclusões sob XI).
Sustenta a recorrente que o acórdão haveria de ter reconhecido que a deliberação do CSTAF violara o caso julgado formado pela decisão do acórdão de 17.5.2007, processo n.º 1089/04, quanto à data de contagem de antiguidade.
Este problema só tem plena compreensão com o que se discutirá no ponto seguinte.
Desde já, porém, note-se que não há qualquer pronúncia no acórdão recorrido em sentido contrário do decidido no processo n.º 1089/04, de que a publicação da nomeação como juízes em regime de estágio marca o termo inicial da contagem de antiguidade desses juízes na categoria de juízes nos tribunais administrativos e fiscais.
Isso foi sempre, aliás, o que o acórdão recorrido foi sustentando e aqui se tem vindo a sublinhar.
Problema diferente é o da eventual atribuição de efeitos retroativos, constantes da própria publicação, que era onde radicava a alegada violação de caso julgado.
Esse problema não foi equacionado naquele processo e, portanto, sobre ele não houve qualquer decisão. Assim, não se pode ter formado caso julgado sobre matéria não abordada, já que a «sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga» (artigo 673.° do CPC).
Também, aqui, portanto, não se revela erro do acórdão.
2.2.8. Do termo inicial da antiguidade na categoria e do problema dos efeitos retroativos (das conclusões sob XII).
Trata-se, em primeira linha, do que respeita à deliberação do CSTAF de 22 de setembro de 2003, publicada em DR, II Série, de 3 de outubro de 2003, pela qual os contrainteressados foram nomeados juízes de direito em regime de estágio, com efeitos desde 1 de julho de 2003 (cfr. 13 da matéria de facto).
E essa deliberação interessa para a deliberação diretamente impugnada na ação, pois que ela a teve em conta na consideração da antiguidade.
Ora, ponderou o acórdão recorrido, e bem, que o artigo 72.º, n.º 1, do EMJ estabelece uma regra «mas não exclui a possibilidade de retroação dos efeitos da nomeação, quando esta for legalmente admitida, desde que previstos no próprio despacho de nomeação, como sucede in casu».
Depois, o acórdão produziu considerações sobre como entender o conceito de data de publicação quando a retroação de efeitos vem determinada no despacho de provimento. Mas esse é outro problema. É o problema estrito da contagem da antiguidade na categoria, que se verá a seguir.
Aqui, e no que diretamente concerne à deliberação de 22 de setembro de 2003, há de notar-se que a recorrente esgrimiu, nomeadamente, com o artigo 128.º, n.º 2, a), do CPA, por ser inaceitável a retroatividade determinada.
Todavia, a recorrente só se constitui como lesada no quadro do presente processo, que é o que interessa, na medida em que por aquela retroação seja prejudicada na lista de antiguidade. É o que se discutirá no próximo ponto.
2.2.9. Ainda, do termo inicial da antiguidade na categoria e do problema dos efeitos retroativos (das conclusões sob XII).
Ponderou o acórdão:
«Deste modo, ao reportar os efeitos do ato de nomeação dos contrainteressados a 1 de julho de 2003, a deliberação em causa não incorre, por essa razão, em ofensa do disposto nos arts. 72º nº 1 e 75º do EMJ, pois que, com a dita retroação de efeitos determinada no despacho de provimento, é a própria publicação do provimento que se considera reportada à data designada como relevante no despacho publicado.
E a solução seria a mesma para uma situação inversa, ou seja, caso o despacho de nomeação atribuísse a esta efeitos reportados a uma data futura. Em tal situação, ou seja, se a eficácia da nomeação fosse reportada, no próprio despacho, a uma data posterior à da publicação em DR, naturalmente que era também a essa, e pelos mesmos motivos, que a antiguidade deveria ser referenciada».
É útil, agora, recordar alguns dispositivos legais que, embora várias vezes já mencionados, importa reter mais de perto. É o caso dos artigos 72.º, 75.º e 76.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
«Artigo 72.°
Antiguidade na categoria
1- A antiguidade dos magistrados na categoria conta-se desde a data da publicação do provimento no Diário da República.
2- A publicação dos provimentos deve respeitar, na sua ordem, a graduação feita pelo Conselho Superior da Magistratura.»
«Artigo 75.°
Contagem de antiguidade
Quando vários magistrados forem nomeados ou promovidos por despacho publicado na mesma data, observa-se o seguinte:
a) Nas nomeações precedidas de curso ou estágios de formação findos os quais tenha sido elaborada lista de graduação, a antiguidade é determinada pela ordem aí estabelecida;
b) Nas promoções e nomeações por concurso, a antiguidade é determinada pela ordem de acesso;
c) Em qualquer outro caso, a antiguidade, a antiguidade é determinada pela antiguidade relativa ao lugar anterior.»
«Artigo 76.°
Lista de antiguidade
1 - A lista de antiguidade dos magistrados judiciais é publicada anualmente pelo Ministério da Justiça, no respetivo Boletim ou em separata deste.
2 - Os magistrados são graduados em cada categoria de acordo com o tempo de serviço, mencionando-se, a respeito de cada um, a data de nascimento, o cargo ou função que desempenha, a data da colocação e a comarca da naturalidade.
3 - A data da distribuição do Boletim ou da separata referidos no n.° 1 é anunciada no Diário da República.»
Sustenta a recorrente que a antiguidade na categoria tem, necessariamente, como termo inicial a data da publicação do provimento.
Por sua vez, para o acórdão, a data da publicação tem que ser entendida noutros termos, «é a própria publicação do provimento que se considera reportada à data designada como relevante no despacho publicado».
Vejamos.
Nos termos gerais, a publicação, quando exigida, é, apenas, um requisito de eficácia – artigo 130.º, n.º 2, do CPA.
Assim, determinados no despacho os termos da produção de efeitos, a publicação, que se limita a dar eficácia ao despacho, não interfere no seu conteúdo, conteúdo em que se inclui essa própria fixação dos efeitos.
A validade do despacho, nomeadamente enquanto fixa efeitos para o futuro ou para o passado é matéria que não releva da publicação.
Ocorre que nos deparamos com o artigo 72.º, n.º 1, do EMJ, aparentemente estabelecendo, sem margem de fuga, o termo inicial da contagem da antiguidade na categoria.
Porém, o preceito tem que ser interpretado atendendo à unidade do sistema jurídico.
Na verdade, a regra geral que tem vigorado na Administração Pública é a de que «A aceitação determina o início de funções para todos os efeitos legais, designadamente o abono de remunerações e contagem de tempo de serviço” – art. 12.º, DL n.º 427/89, de 7 de dezembro»; «A aceitação determina o início de funções para todos os efeitos legais, designadamente os de perceção de remunerações e contagem de tempo de serviço” – art. 18.º, n.º 1, Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
Essa regra geral na Administração Pública é, pois, a do determinante relevo da aceitação, e não da publicação da nomeação.
Ainda assim, também essa regra geral sofre desvios, pois há situações em que, afinal, vale, também, a mera publicação (p. ex. artigo 12.°, n.º 3, cit. DL 427/89; art. 18.º, n.º 3, cit. Lei 12-A/2008).
Ora, onde na Administração Pública a publicação, como termo inicial, é uma exceção, na magistratura é a regra.
O termo inicial da antiguidade na categoria está nos termos do EMJ desligado da posse.
Por isso, que se conta desde a data da publicação do provimento e independentemente da data da posse.
Na verdade, na falta de fixação de prazo especial, o prazo para tomar posse é de 30 dias. Mas pode ser fixado prazo especial. Pode determinar-se prazo inferior ou prazo superior àquele (artigo 59.º n.º 2 e n.º 3, do EMJ). Em qualquer caso, o termo inicial de contagem de antiguidade na categoria não sofre alteração, é desde a publicação (claro que se injustificadamente o nomeado não chegar a tomar posse considera-se anulada a nomeação, se se tratar de primeira nomeação, ou abandono de lugar nos demais casos - artigo 60.º, n.º 1 e n.º 2, EMJ).
Em conformidade com irrelevância da posse, também os magistrados judiciais que sejam promovidos ou nomeados enquanto em comissão ordinária de serviço ingressam na nova categoria, independentemente de posse, a partir da publicação da respetiva nomeação (artigo 63.º, EMJ).
É este o alcance do dispositivo estatutário. Desvincular a entrada na categoria do início do exercício de funções.
Assim, o artigo 72.º do EMJ fixa, simplesmente, um regime diverso do regime geral aplicável na Administração Pública.
Mas aquela desvinculação, esse regime regra, não podem ser interpretados ao extremo de impedir que a deliberação ou despacho de provimento determinem, eles mesmos, quando se inicia a produção de efeitos. É que, nesse caso deixa de haver razão para a aplicação do regime regra, pois que são a própria deliberação ou despacho que fixam o termo inicial.
Naturalmente que será ilegal um despacho que fixe um termo inicial desde a data de posse, contra o estabelecido no artigo 72.º do EMJ. Mas não será ilegal o despacho que fixe o começo de efeitos para antes ou para depois da publicação, preenchidos que estejam todos os demais requisitos de validade.
Nesses casos, o que deverá valer é, como disse o acórdão, o termo inicial determinado nesses despachos.
(…)
O acórdão não descortinou, depois, impossibilidade de remontar a nomeação a data posterior a 30 de julho de 2003: «Antes do mais, importa dizer que a alegada nulidade da deliberação daí resultante apenas é concebível enquanto reportada à data concreta a que o CSTAF fez retroagir a nomeação, ou seja, a 01.07.2003. Já não haverá qualquer nulidade se a nomeação for reportada a qualquer data posterior a 30.07.2003, concretamente se reportada a 15.09.2003, conforme sustentado pela Autora».
A recorrente discorda dessa posição, pois que o estágio só se iniciou em 15 de setembro de 2003.
Importa reter o artigo 7.º da Lei n.º 13/2002, de 11 de abril, primeiro na redação originária, depois na redação dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro:
«Artigo 7.°
Disposição transitória relativa ao recrutamento e formação de juízes
1 - No prazo máximo de 180 dias a contar da data da publicação desta lei, é aberto concurso de recrutamento de juízes para os tribunais administrativos e para os tribunais tributários ao qual podem concorrer magistrados judiciais e do Ministério Público com pelo menos cinco nos de serviço e classificação não inferior a Bom e juristas com pelo menos cinco anos de comprovada experiência profissional na área do direito público, nomeadamente através do exercício de funções públicas, da advocacia, da docência no ensino superior ou na investigação, ou ao serviço da Administração Pública.
2 - A admissão a concurso depende de graduação baseada na ponderação global dos atores enunciados no artigo 61.º do Estatuto aprovado pela presente lei e os candidatos admitidos frequentam um curso de formação teórica de três meses, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, e, caso não sejam magistrados, realizam um estágio de seis meses.
3 - Os candidatos admitidos ao concurso têm, durante a frequência do curso de formação teórica referido no número anterior, o mesmo estatuto remuneratório e os mesmos direitos, deveres e incompatibilidades dos restantes auditores de justiça do Centro de Estudos Judiciários e, no caso de serem funcionários ou agentes do Estado, de institutos públicos ou de empresas públicas, podem frequentar o curso em regime de requisição e optar por auferir remuneração base relativa à categoria de origem, retomando os respetivos cargos ou unções sem perda de antiguidade em caso de exclusão ou de desistência justificada.
4 - A frequência do curso de formação teórica por magistrados judiciais e do Ministério Público o seu eventual provimento em comissão de serviço na jurisdição administrativa e fiscal dependem de autorização, nos termos estatutários.
5 - A graduação dos nomeados para a jurisdição administrativa e fiscal, uma vez terminado o curso de formação a que se refere o n.º 2, depende da classificação obtida, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 61.º do Estatuto aprovado pela presente lei.
6 - As reclamações das decisões proferidas no âmbito do concurso têm efeito meramente devolutivo.
7 - Os juízes recrutados no âmbito do concurso previsto nos números anteriores têm as honras, precedências, categorias, direitos, vencimentos e abonos que competem aos juízes de direito, dependendo a respetiva progressão na carreira dos critérios a que se referem os n.ºs 4 e 5 do artigo 58.º do Estatuto aprovado pela presente lei.
8 - O Governo adotará os procedimentos necessários ao desenvolvimento regulamentar do regime estabelecido no presente artigo».
A Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, veio introduzir alterações ao n.ºs 2, 5, 6 e 7, «[...] sendo as novas disposições introduzidas no artigo 7.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, imediatamente aplicáveis ao concurso aberto pelo aviso n.º 4902/2002, 2ª série, de 11 de abril» (do artigo 7.º)
Assim, o artigo 7.º passou a ostentar a seguinte redação:
«Artigo 7.°
Disposição transitória relativa ao recrutamento e formação de juízes
(…)
2 - A admissão a concurso depende de graduação baseada na ponderação global dos fatores enunciados no artigo 61.º do Estatuto aprovado pela presente lei e os candidatos admitidos frequentam um curso de formação teórica de três meses, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários.
3 - Os candidatos admitidos ao concurso têm, durante a frequência do curso de formação teórica referido no número anterior, o mesmo estatuto remuneratório e os mesmos direitos, deveres e incompatibilidades dos restantes auditores de justiça do Centro de Estudos Judiciários e, no caso de serem funcionários ou agentes do Estado, de institutos públicos ou de empresas públicas, podem frequentar o curso em regime de requisição e optar por auferir a remuneração base relativa à categoria de origem, retomando os respetivos cargos ou funções sem perda de antiguidade em caso de exclusão ou de desistência justificada.
4 - A frequência do curso de formação teórica por magistrados judiciais e do Ministério Público e o seu eventual provimento em comissão de serviço na jurisdição administrativa e fiscal dependem de autorização, nos termos estatutários.
5 - No termo do curso previsto no n.º 2, os candidatos são avaliados em função do seu mérito absoluto e qualificados como aptos ou não aptos, para o efeito de serem admitidos à fase seguinte, que é constituída por um estágio de seis meses, precedido de um curso especial de formação teórico-prática de âmbito geral, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, com a duração máxima de três meses e incidência predominante sobre matérias de deontologia e direito processual civil.
(…)
Para o que aqui particularmente interessa é decisiva a nova redação dos nºs 2 e 5 do artigo 7.º.
Os candidatos, depois do curso de formação teórica previsto no n.º 2, passavam a ter uma fase «constituída por um estágio de seis meses, precedido de um curso especial de formação teórico-prática de âmbito geral, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, com a duração máxima de três meses».
Portanto, o que se passa a determinar no novo número 5 é que a fase seguinte tem duas etapas – curso especial, com duração máxima de três meses, e estágio de seis meses.
Não há hiatos entre essas duas etapas.
Por isso, o estágio segue-se imediatamente ao curso especial de formação teórico-prática, ou, na expressão literal do preceito, o estágio é precedido de um curso de formação especial.
Ora, está assente que esse curso especial decorreu de 15 de maio a 30 de julho – (10 da matéria de facto).
Nessas condições, poderia dizer-se que o estágio se devia iniciar em 31 de julho.
E na verdade, essa conclusão veio reforçada com a Lei n.º 7-A/2003, de 9 de maio, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 8.º, n.º 1 ).
Por esta Lei:
«Artigo 5.°
Recrutamento para os tribunais administrativos e fiscais
Os candidatos aprovados no curso de formação teórica organizado no âmbito do concurso de recrutamento para juízes dos tribunais administrativos e fiscais, aberto pelo aviso n.º 4902/2002, de 11 de abril, e nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, são integrados no primeiro curso especial de formação específica para juízes de direito organizado de acordo com a presente lei, em conformidade com a alteração daquele artigo 7.º, com a redação dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro.»
«Artigo 6.°
Nomeação
1 - Finda a fase de formação teórico-prática, os candidatos são nomeados magistrados judiciais em regime de estágio pelo Conselho Superior da Magistratura ou pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, consoante se trate dos candidatos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º ou dos candidatos referidos no artigo anterior, respetivamente.
2 - Os magistrados recrutados nos termos do artigo anterior podem realizar parte do seu estágio nos tribunais judiciais».
Assim, o pressuposto para a nomeação como magistrados judiciais em regime de estágio, era, simplesmente, a finalização da formação teórico prática e não a verificação de condições de ordem prática ou logísticas.
E por isso falece a tese da recorrente baseada em que o estágio só se iniciou em 15 de setembro.
É verdade que está assente que os «contrainteressados iniciaram o estágio em 15 de setembro de 2003» (11 da matéria de facto).
Mas há aqui que ter presente a diferença entre facto e direito.
O estágio, em termos de prática de estágio, de atividade de estágio, naturalmente que se iniciou em 15 de setembro.
À época, decorriam férias judiciais entre 16 de julho e 14 de setembro – artigo 12.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro.
Por isso, a atividade de estágio naturalmente que não se iniciou em férias judiciais.
Mas essa inatividade não importa a inexistência do estatuto jurídico de estagiário, assim como as férias não importam qualquer suspensão do estatuto jurídico de magistrado.
Ocorre, portanto, que a deliberação de nomeação dos contrainteressados, considerando-se a sua retroação a 31 de julho de 2003 não era impossível, ao contrário do que sustenta a recorrente.
Como dissemos, com o término do curso especial, em 30 de julho, estavam reunidas todas as condições para a nomeação dos candidatos como juízes em regime de estágio.
Não colhe, portanto, a crítica dirigida ao acórdão nesta parte.
2.2.11. Em face do ponto anterior, fica prejudicada a apreciação de toda crítica que vem dirigida ao acórdão, ainda sob conclusões XIII, mas também nas conclusões seguintes, quanto ao critério de desempate, que o acórdão ponderou, pois não chega a ser aplicável a hipótese em que radicava, que era a da retroação dos efeitos a 1 5 de setembro de 2003.
2.2.12. Da violação dos princípios da igualdade, proteção da confiança e da justiça por se atender ao sobredito período de estágio (das conclusões sob XIV, XV e XVI).
A recorrente sustenta-se, essencialmente, na diferença entre a situação material de aguardar o início do estágio, e a situação material de efetivo estágio.
Ora, sob uma determinada situação jurídica ocorrem, com certeza, momentos muito diversos, nomeadamente de diversa atividade prática.
Como deixámos assinalado, também as férias são momentos, pelo menos, de menor atividade exigida, mas não deixam de integrar a situação estatutária de cada magistrado, ou trabalhador.
O facto de a situação de estágio ter sido iniciada coincidindo com as férias judiciais não poderia trazer qualquer prejuízo aos interessados.
A recorrente teria razão, sim, se descobrisse uma outra figura jurídica sob a qual devessem ter estado esses interessados, mas não há.
Ora, não poderão existir dois tipos de contagem de tempo, no interior da mesma situação jurídica, juiz de direito em regime de estágio.
O mais acabaria por ser novamente a renovação da discussão sobre a contagem do tempo enquanto juiz estagiário, por comparação com o tempo enquanto juiz de direito a título definitivo, discussão efetuada desde logo no ponto 2.2.2.
(…).»
2. A autora interpôs recurso deste acórdão, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), identificando três questões de constitucionalidade.
Na sequência de despacho proferido neste Tribunal, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75.º da LTC, a recorrente reformulou essas questões de constitucionalidade, com os seguintes enunciados:
“(…)
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta:
- Dos arts. 72º nº 1 e 76º n.º 2, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), ex vi art. 57º, do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de fevereiro (para o qual se remeterá, salvo menção em contrário, conjugados com o art. 8º n.º 1, do Regulamento do Concurso de Recrutamento para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Portaria 386/2002, de 11/4, os arts. 68º n.ºs 1 e 2 e 71º nº 1, ambos da Lei 2/2008, de 14/1, os arts. 2º e 42º, do EMJ, na interpretação segundo a qual um juiz de direito em regime de estígio da jurisdição administrativa e fiscal pertence à mesma categoria de um juiz de direito da jurisdição administrativa e fiscal provindo da jurisdição comum, para efeitos de contagem da antiguidade e consequente exercício de funções de inspetor e formador, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no art. 13º, da Constituição, da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art. 2º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art. 18º n.º 2, da Constituição, e da justiça, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art. 2º, da Constituição;
- Dos arts. 72º n.º 1 e 76º n.º 2, ambos do EMJ, conjugados com o art. 77º, do ETAF de 1984, e o art. 57º, do ETAF de 2002, na interpretação segundo a qual a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum são jurisdições absolutamente distintas e autónomas para efeitos de contagem da antiguidade na categoria de um juiz de direito que transita, por concurso, de uma para outra, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no art. 13º, da Constituição, da proteção ou da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art. 2º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporiona1idade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades c garantias, no art. 18º nº 2, da Constituição, e da justiça, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art. 2º, da Constituição;
- Dos arts. 72º nº 1, 75º e 76º n.º 2, todos do EMJ, ex vi art. 57º, do ETAF, conjugados com o art. 7º n.ºs 2 e 5, da Lei 13/2002, de 11/4, na redação da Lei 4-A/2003, de 19/2, e os arts. 5º e 6º, da Lei 7-A/2003, de 9/5, na interpretação segundo a qual é permitida retroagir, por mero despacho, o termo inicial da antiguidade na categoria de juiz de direito a um momento anterior à publicação dessa nomeação e ao início efetivo do estágio, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no art. 13º, da Constituição, da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art. 2º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art. 18º n.º 2, da Constituição, e da justiça ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art. 2º, da Constituição.”
Notificada para alegar, concluiu nos seguintes termos:
“(…)
Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso, e, em consequência:
a) Julgada inconstitucional a norma que resulta dos arts. 72.º n.º 1 e 76.º n.º 2, ambos do EMJ, ex vi art.º 57.º, do ETAF, conjugados com o art.º 18.º n.º 1, do Regulamento do Concurso de Recrutamento para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Portaria 386/2000, de 11/4, os arts. 68.º n.ºs 1 e 2 e 71.º n. 1, ambos da Lei n.º 2/2008, de 14/1, e os artºs. 2.º e 42.º, ambos do EMJ, na interpretação segundo a qual um juiz de direito em regime de estágio da jurisdição administrativa e fiscal pertence à mesma categoria de um juiz de direito da jurisdição administrativa e fiscal recrutado na jurisdição comum, para efeitos de contagem da antiguidade e consequente exercício de funções de inspetor e formador, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no art. 13.º, da Constituição, da proteção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art.º 18.,º n.º 2, da Constituição, e da justiça, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição;
b) Julgada inconstitucional a norma que resulta dos art.ºs 72.º n.º 1 e 76.º n.º 2, ambos do EMJ, conjugados com o art,º 77.º, do ETAF de 1984, e o art.º 57.º, do ETAF de 2002, na interpretação segundo a qual a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum são jurisdições absolutamente distintas e autónomas para efeitos de contagem da antiguidade na categoria de um juiz de direito que transita, por concurso, de uma para a outra, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no art,º 13.º, da Constituição, da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art. 18.º n.º 2 da Constituição, e da justiça, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição;
c) Julgada inconstitucional a norma que resulta dos arts. 72.º, n.º 1, 75.º e 76.º n.º 2, todos do EMJ, ex vi art.º 57.º, do ETAF, conjugados com o art,º 7.º n.ºs 2 e 5, da Lei n.º 13/2002, de 11/4, na redação da Lei n.º 4-A/2003, de 19/2, e os arts. 5º e 6º, da Lei n.º 7-A/2003, de 9/5, na interpretação segundo a qual é permitido retroagir, por mero despacho, o termo inicial da antiguidade na categoria de juiz de direito a um momento anterior à publicação dessa nomeação e ao início efetivo do estágio, por violação dos princípios da igualdade, consagrado no art.º 13.º, da Constituição, da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art.º 18º n.º 2, da Constituição, e da justiça, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição, e em resultado da procedência dos pedidos descritos em a), b) e c).
d) Julgado procedente este recurso, determinando-se a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade contido nessas alíneas.”
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais contra-alegou, concluindo no sentido de não se verificar qualquer inconstitucionalidade.
Os contrainteressados não alegaram.
3. Conclusos os autos, as partes foram ouvidas sobre as seguintes questões obstativas ao conhecimento do objeto do recurso:
“1. A recorrente A. coloca ao Tribunal três questões, ao pretender ver apreciada a inconstitucionalidade das seguintes normas:
— A que resulta «dos arts. 72° n.° 1 e 76° n.° 2, ambos do EMJ, ex vi art. 57°, do ETAF, conjugados com o art. 18º n.º 1, do Regulamento do Concurso de Recrutamento para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Portaria 386/2002, de 11/4, os arts. 68º n.ºs 1 e 2 e 71º n.º 1, ambos da Lei 2/2008, de 14/1, e os arts. 2º e 42º, ambos do EMJ, na interpretação segundo a qual um juiz de direito em regime de estágio da jurisdição administrativa e fiscal pertence à mesma categoria de um juiz de direito da jurisdição administrativa e fiscal recrutado na jurisdição comum, para efeitos de contagem da antiguidade e consequente exercício de funções de inspetor e formador»;
– A que resulta «dos arts. 72º n.º 1 e 76º n.º 2, ambos do EMJ, conjugados com o art. 77º, do ETAF de 1984, e o art. 57º, do ETAF de 2002, na interpretação segundo a qual a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum são jurisdições absolutamente distintas e autónomas para efeitos de contagem da antiguidade na categoria de um juiz de direito que transita, por concurso, de uma para a outra»;
– E a que resulta «dos arts. 72º n.º 1, 75º e 76° n.º 2, todos do EMJ, ex vi art. 57º, do ETAF, conjugados com o art. 7º n.ºs 2 e 5, da Lei 13/2002, de 11/4, na redação da Lei 4-A/2003, de 19/2, e os arts. 5º e 6º, da Lei 7-A/2003, de 9/5, na interpretação segundo a qual é permitido retroagir, por mero despacho, o termo inicial da antiguidade na categoria de juiz de direito a um momento anterior à publicação dessa nomeação e ao início efetivo do estágio».
2. Quanto à primeira questão, é de fazer notar que o acórdão procedeu ao cotejo das regras que determinam a antiguidade de cada magistrado e tirou a conclusão que se lhe afigurou adequada ao caso concreto, solução que, por representar a própria decisão recorrida, é, em si, irrecorrível no âmbito do presente recurso. O tribunal afirma o seguinte:
‘Mais uma vez, a recorrente pretende, para efeitos de antiguidade na categoria, a acumulação do seu tempo de serviço na jurisdição comum com o tempo de serviço na jurisdição administrativa.
Mas não há base legal para o fazer, como resulta do que tem vindo a ser dito.
Os artigos 72.º, n.º 1, e 76.º, n.º 2, do EMJ, que servem de referente à contagem da antiguidade valem exatamente enquanto a antiguidade na categoria de juiz da jurisdição administrativa e fiscal se conta segundo a mesma regra, isto é, desde a publicação do provimento em Diário da República.
O que esses artigos não servem é para considerar que a categoria de juiz na jurisdição administrativa e fiscal se iniciou com o provimento na categoria de juiz da jurisdição comum.
Como sublinhou o acórdão recorrido, «estamos perante jurisdições distintas e autónomas ainda que paralelas). E os juízes da jurisdição administrativa e fiscal formavam e formam um corpo único - artigo 77.º do ETAF de 1984, artigo 57.º do ETAF de 2002.’
Estas ponderações apontam no sentido de que o tribunal recorrido não adotou verdadeiramente a regra de que «um juiz de direito em regime de estágio da jurisdição administrativa e fiscal pertence à mesma categoria de um juiz de direito da jurisdição administrativa e fiscal recrutado na jurisdição comum, para efeitos de contagem da antiguidade e consequente exercício de funções de inspetor e formador», visto que entendeu que, tratando-se de jurisdições distintas, a antiguidade própria na categoria de juiz da jurisdição administrativa e fiscal se conta, todavia, segundo a regra da antiguidade na jurisdição comum, isto é, desde a data indicada na publicação do provimento em Diário da República, sem contar o tempo de serviço prestado na outra jurisdição.
São realidades com significados diferentes; uma coisa é a regra adotada pelo tribunal, outra será a consequência da aplicação dessa regra ao caso concreto.
O citado trecho parece revelar, ainda, que o tribunal não afirmou que «a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum são jurisdições absolutamente distintas e autónomas para efeitos de contagem da antiguidade na categoria de um juiz de direito que transita, por concurso, de uma para a outra», por ter mobilizado um outro critério normativo que o levou a ter por irrelevante (isto é, não foi incluída na ratio decidendi) a circunstância de o juiz ter transitado, por concurso, de uma jurisdição para a outra. Além de que não afirmou que as jurisdições seriam absolutamente distintas e autónomas, como sustenta a recorrente.
Finalmente, o tribunal diz o seguinte:
“Ora, ponderou o acórdão recorrido, e bem, que o artigo 72.º, n.º 1, do EMJ estabelece uma regra «mas não exclui a possibilidade de retroação dos efeitos da nomeação, quando esta for legalmente admitida, desde que previstos no próprio despacho de nomeação, como sucede in casu».
Depois, o acórdão produziu considerações sobre como entender o conceito de data de publicação quando a retroação de efeitos vem determinada no despacho de provimento. Mas esse é outro problema. E o problema estrito da contagem da antiguidade na categoria, que se verá a seguir.
Aqui, e no que diretamente concerne à deliberação de 22 de setembro de 2003, há de notar-se que a recorrente esgrimiu, nomeadamente, com o artigo 128.º, n.º 2, a), do CPA, por ser inaceitável a retroatividade determinada.
Todavia, a recorrente só se constitui como lesada no quadro do presente processo, que é o que interessa, na medida em que por aquela retroação seja prejudicada na lista de antiguidade. E o que se discutirá no próximo ponto.
2. 2. 9. Ainda, do termo inicial da antiguidade na categoria e do problema dos efeitos retroativos (das conclusões sob XII).
[…]
E, porém, admissível que o CSTAF entendesse que a data de 15 de setembro teria marcado o início formal das atividades do estágio, após o período de férias judiciais, mas que, concluído o referido curso de formação no CEJ os contrainteressados já não seriam auditores de justiça pelo que poderia fazer retroagir os efeitos da sua nomeação como juízes de direito em regime de estágio a data anterior a 15 de setembro.
Nunca, porém, e pelas razões supra indicadas, o poderia fazer com referência a 1 de julho. No limite, só a partir de 30 de julho.
Contudo, é manifesto que a nomeação dos contrainteressados reportada retroactivamente a qualquer data anterior a 15. 09.2003 não aproveitaria à A., que, como vimos, e ela própria admite, só a 15.09.2003 iniciou funções na jurisdição administrativa.
Mas ainda que se entenda que a nomeação, com efeitos retroativos, dos contra-interessados como juízes de direito em regime de estágio só podia reportar-se à data de 15. 09.2003, data em que os mesmos iniciaram o estágio, ficando então em situação de empate ou paridade com a A., mesmo assim a solução não seria a que ela propugna em seu favor, por alegada vantagem sua num desempate segundo as regras fixadas no art. 75º, al. c) do EMJ
[...]
Nessa perspetiva, o ato em causa é, fora desse segmento temporal, inteiramente válido, e, se reportado à data de 15.09.2003, como pretende a A., assim globalmente imune à dita causa de invalidade, a decisão nele contida seria precisamente a mesma, como se verá, pelo que a Á. nenhum efeito útil retiraria da referida invalidade.
Este trecho parece autorizar a conclusão de que o tribunal recorrido não entendeu que «é permitido retroagir, por mero despacho, o termo inicial da antiguidade na categoria de juiz de direito a um momento anterior à publicação dessa nomeação e ao início efetivo do estágio». As ponderações do tribunal não podem, com efeito, sintetizar-se nesta formulação tão restrita (que, aliás, não tem natureza normativa), pois a regra adotada é mais complexa, envolvendo claramente a consideração de fatores que o enunciado esconde, como a natureza da deliberação (o «mero despacho»), a qualidade do órgão que a profere, e as circunstâncias – de facto e de direito – em que uma tal deliberação pode subsistir.
Além disso, o tribunal terá desconsiderado esta regra na solução do caso – por nenhum efeito útil aproveitar à recorrente –, razão pela qual a norma impugnada não representaria a ratio decidendi da decisão recorrida.
3. Adotando algum destes entendimentos, o Tribunal poderá vir a concluir não só que os preceitos legais invocados como sua fonte não materializam os enunciados propostos como objeto do recurso, mas também que o tribunal recorrido, no acórdão agora em análise, não aplicou tais regras.
Pode afigurar-se ao Tribunal, finalmente, que a recorrente extraiu artificialmente da decisão recorrida as formulações que apresenta como sendo as «normas» impugnadas, no intuito de evidenciar pretensos erros de julgamento que, na sua essência, não podem ser sindicados no Tribunal Constitucional.
Estas considerações levariam o Tribunal a não conhecer do recurso, por inidoneidade do seu objeto.
4. Notifique-se à recorrente para que possa pronunciar-se no prazo de 10 de dias.”
Em resposta, a recorrente pronunciou-se no sentido da improcedência da eventual inidoneidade do objeto do recurso, em requerimento que se transcreve:
“1) A ora recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta dos art. 72º n.º 1 e 76º n.º 2, ambos do EMJ, ex vi art. 57º, do ETAF, conjugados com o art. 18º n.º 1, do Regulamento do Concurso de Recrutamento para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Portaria 386/2002, de 11/4, dos art. 68º nºs 1 e 2 e 71.º n.º 1, ambos da Lei 2/2008, de 14/1, e os arts. 2º e 42º ambos do EMJ, na interpretação segundo a qual a antiguidade na categoria de juiz de direito conta-se a partir da nomeação como Juiz de direito em regime de estágio, mesmo que tal conduza a que um Juiz de direito nomeado antes de outro tenha menos antiguidade que este.
2) Como se refere no artigo 3º, da alegação apresentada nesse Tribunal, em fevereiro do corrente ano, o acórdão recorrido – de 13.10.2011 – mobilizou esta norma designadamente no seu ponto 2.2.2..
3) Com efeito, nesse ponto 2.2.2. refere-se nomeadamente o seguinte:
«Como sublinhou o acórdão recorrido, estando em causa definir por que critério se deve determinar a antiguidade na categoria de juiz de direito, este Pleno, no seu Acórdão de 27.012008, processo 1089/04, confirmando decisão da Subsecção de 17.05.2007, entendeu, para o referido efeito, que a antiguidade dos magistrados recrutados ao abrigo do Regulamento do Concurso para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Portaria 386/2002, de 11 de abril, conta-se a partir da nomeação como Juízes de direito em regime de estágio, nos termos do art. 18, nº 1, do citado Regulamento.
Na verdade, disse-se nesse acórdão de 27.02.2008
«[…]
Tal ingresso na jurisdição administrativa e fiscal só ocorreu, pois, com a nomeação como juízes de direito em regime de estágio., nos termos de art. 18.º, n.º 1 do citado Regulamento do concurso Sendo que, em conformidade com o disposto na Lei Orgânica do CEJ, aqui aplicável, ex vi art. 23.º daquele mesmo Regulamento, aos magistrados em regime de estágio, embora com a assistência de formadores, exercem, «sob responsabilidade própria, as funções inerentes à respetiva magistratura, com os respetivos direitos, deveres e incompatibilidades».
Ora, os referidos contrainteressados só em 22.9.2003, por deliberação do CSTAF, publicada em 31.10.2003, foram nomeados juízes de direito em regime de estágio, com efeitos a partir de 1 de julho de 2003 - vd. alínea 1), da matéria de facto.
Pelo que, como se viu, só nesta data ocorreu o ingresso desses contrainteressados na jurisdição administrativa e fiscal e consequente provimento na categoria de Juízes dos tribunais administrativos e fiscais de 1.ª Instância. Sendo que, nos termos do citado art. 72º nº 1 do EMJ, 6 desde a data da publicação desse provimento que deve contar-se a respetiva antiguidade: em tal categoria.
[…]
Dai que a Lei do CEJ também seja clara ao indicar que o provimento na categoria de juiz é feito pelo CSM após graduação dos auditores de justiça e, portanto, só a partir da publicação no Diário da República da respetiva nomeação como juízes de direito em regime de estágio começa a contar a antiguidade na categoria.
Esta regra de contagem da antiguidade dos magistrados na categoria de juiz de direito aplica-se atualmente, sem exceção, a todos os juízes, oriundos de um curso normal de formação ou de um curso especial.
[…]
Não há qualquer contradição entre o facto de o acórdão sob recurso ter considerado que o tempo prestado como Juiz auxiliar não releva na contagem da antiguidade como juiz da jurisdição administrativa e fiscal e, ter julgado contável, para o efeito em causa, o tempo prestado como juízes de direito em regime de estágio, após a graduação efetuada no termo do curso especial a que se reporta o art. 7.º, n.º 4 da Lei 13/2002, na redação da Lei 4/2003, de 19.2,
Trata-se de situações distintas, come, de resto, ressalta com clareza da análise efetuada no acórdão recorrido a propósito das duas situações (cfr. pontos 31 e 32 do acórdão em apreço) dando aliás razão, à entidade demandada, aqui recorre, no que respeita à não contagem do tempo de serviço como juiz auxiliar»,
Não há, assim, razão para acolher a alegação da recorrente. O acórdão recorrido seguiu na linha do citado acórdão deste Pleno, a qual pelas razões por ele mesmo assinaladas, deve continuar a afirmar-se.
E não se deve deixar de sublinhar que também o acórdão recorrido, em consonância com o defendido pelo recorrido, observou a inexistência de uma categoria autónoma de «juiz de direito em regime de estágio». E o que há, na verdade, é um regime específico, não uma categoria própria.».
4) O trecho que se encontra transcrito no ponto 2, do despacho de 26.4.2012, concretamente a fls. 853, dos autos (pág. 2, desse despacho), respeita ao ponto 2.2.6, do acórdão recorrido, ou seja, não respeita ao trecho que procedeu à aplicação do critério normativo descrito em 1) (antes respeita Li aplicação da norma infra indicada no artigo 5º, deste requerimento).
5) A ora recorrente também pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta dos ara. 72º n.º 1 e 76º n.º 2, ambos do EMJ, conjugados com o art. 77º. do ETAF de l984 e o art. 57º, do ETAF de 2002, na interpretação segundo a qual, tratando-se de jurisdições distintas, antiguidade própria na categoria de juiz da jurisdição administrativa e fiscal se contas todavia, segundo a regra da antiguidade na jurisdição comum, isto é, desde a data Indicada na publicação do provimento no Diário da República, sem contar o tempo de serviço prestado na outra jurisdição, mesmo que tal conduza a que um juiz de direito nomeado antes de outro tenha menos antiguidade que este.
6) A recorrente pretende ainda ver apreciada a inconstitucionalidade da norma que resulta dos art. 72º n.º 1, 75º e 76º n.º 2, todos do EMJ, ex vi art. 57º, do ETAF, conjugados com o art. 7º n.º s 2 e 5, da Lei 13/2002, de 11/4, na redação da Lei 4-A/2003, de 19/2, e os arts. 5º e 6º, da Lei 7-A/2003, de 9/5, na Interpretação segundo a qual é permitido retroagir, no próprio despacho de nomeação do CSTAF, o termo inicial dos efeitos da nomeação como juiz de direito em regime de estágio a um momento em que simplesmente existe finalização da formação teórico prática, ainda não existindo nem publicação dessa nomeação, nem inicio de facto do estágio.
7) Por último, não se considera correta a afirmação de que o tribunal recorrido terá desconsiderado esta última regra na solução do caso, razão pela qual a mestria não representaria a sua ratio decidendi pois tal afirmação decorre de um equívoco.
8) Com efeito, a transcrição constante do ponto 2, do despacho de 26.4.2012, concretamente a fls., 8544 dos autos (pág. 3 desse despacho), respeita quase na sua totalidade a afirmações contidas no acórdão proferido em 28.10.2010 (cfr. fls. 620 e ss dos autos), sendo certo que o acórdão recorrido (de 13 112011), só adere, parcialmente, às afirmações contidas no acórdão de 28.102010, conforme decorre do seu ponto 22.11. [“Em face do ponto anterior fica prejudicada a apreciação de toda crítica que vem dirigida ao acórdão. ainda sob conclusões XLIII mas também nas conclusões seguintes, quanto ao critério de desempate, que o acórdão ponderou, pois não chega a ser aplicável a hipótese em que radicava, que era a da retroação dos efeitos de 15 de setembro de 2013.”]
9) Aliás, na alegação apresentada para o Pleno do STA, relativamente ao recurso interposto do acórdão preferido em 28.2010, foi alegada a inconstitucionalidade de outra norma (cfr. conclusões XIV 2, XV 3 e XVI 3), alegação que for abandonada aquando da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, precisamente porque o acórdão recorrido afirmou a inexistência de uma situação de empate entre a ora recorrente e os contrainteressados e expressamente recusou ponderar qualquer hipotético cenário de empate, sendo certo que só se poderia afirmar que o critério normativo indicado em 6) não representou a ratio decidendi da decisão recorrida se nesta fosse afirmada ou, pelo menos, ponderada a existência da referida situação de empate, o que não ocorreu.
Nestes termos; requer a V Ex.ª que se digne julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo despacho de 26.4.2012.”
Cumpre decidir, começando pelas questões prévias oficiosamente suscitadas.
II. Fundamentos
5. A questão essencial decidida pelo acórdão recorrido diz respeito ao modo como foi determinada a antiguidade de diversos magistrados da jurisdição administrativa e fiscal, tendo por base o disposto nos artigos 72.º, n.º 1 e 76.º, n.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 57.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. A recorrente pretendia que, para efeitos de antiguidade na categoria, se somasse o seu tempo de serviço na jurisdição comum com o tempo de serviço na jurisdição administrativa. E, por outro lado, que a antiguidade dos contrainteressados nesta categoria não fosse reportada ao momento em que foram providos como juízes em regime de estágio. Esta pretensão não foi atendida pelo Supremo Tribunal Administrativo, tendo a decisão concluído que “[os artigos 72.º, n.º 1, e 76.º, n.º 2, do EMJ] não servem para considerar que a categoria de juiz na jurisdição administrativa e fiscal se iniciou com o provimento na categoria de juiz da jurisdição comum” (fls. 791).
Não resulta, porém, do segmento decisório em análise que se tenha aplicado um qualquer critério normativo, retirado dos artigos 72.º, n.º 1 e 76.º, n.º 2 do EMJ, segundo o qual um juiz de direito da jurisdição administrativa e fiscal em regime de estágio pertence à mesma categoria de um juiz de direito da jurisdição administrativa e fiscal recrutado na jurisdição comum, para efeitos de contagem da antiguidade e consequente exercício de funções de inspetor e formador. O que o tribunal a quo tinha para decidir e efetivamente decidiu – em termos que, no plano da determinação dos factos pertinentes e da aplicação do direito ordinário não são aqui passíveis de censura, relembra-se – era a questão do posicionamento relativo na lista de antiguidades da categoria de juiz dos tribunais administrativos e fiscais à data a que a referida lista se reporta. De modo algum pode imputar-se ao acórdão recorrido a aplicação das normas em causa no sentido de que um juiz em regime de estágio e um juiz recrutado na jurisdição comum, enquanto tais, integram a mesma categoria. O que o Supremo considerou para decidir como decidiu foi somente que o período de estágio conta como prestado na categoria de juiz. Nada decidiu quanto ao exercício de funções como inspetor ou formador, para cuja escolha a antiguidade poderá ser um dos fatores, mas que não era objeto do ato impugnado. Assim, o enunciado que a recorrente apresenta corresponde no presente processo, a uma questão especulativa, relativamente à qual não se verifica o pressuposto da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (“.... que apliquem norma ....”).
6. A terceira questão colocada consiste na inconstitucionalidade da norma que resulta “dos arts. 72º n.º 1, 75º e 76º n.º 2, todos do EMJ, ex vi art.º 57º, do ETAF, conjugados com o art.º 7º n.ºs 2 e 5, da Lei 13/2002, de 11/4, na redação da Lei 4-A/2003, de 19/2, e os arts. 5º e 6º, da Lei 7-A/2003, de 9/5, na interpretação segundo a qual é permitido retroagir, no próprio despacho de nomeação do CSTAF, o termo inicial dos efeitos da nomeação como juiz de direito em regime de estágio a um momento em que simplesmente existe a finalização da formação teórico-prática, ainda não existindo nem publicação dessa nomeação, nem início de facto do estágio.”
Como se salientou no despacho de fls. 852 e seguintes, a interpretação normativa assim especificada não foi aplicada, neste enunciado restrito, pela decisão recorrida. Com efeito, o Tribunal a quo integrou no fundamento da decisão outros elementos decisivos – normativos e de facto – que o enunciado especificado pela recorrente omite. Esses dados relacionam-se, designadamente, com a consideração de que o estágio, não tendo início factual, no que às suas atividades concretas diz respeito, em período de férias judiciais, se iniciou, para os efeitos relevantes (i.e. de contagem da antiguidade na categoria dos contrainteressados), nesse período. Tendo a fase de formação teórico-prática destes terminado em 30 de julho de 2003, o período de estágio teve início no dia imediatamente a seguir uma vez que “o pressuposto para a nomeação como magistrados judiciais em regime de estágio era, simplesmente, a finalização da formação teórico-prática e não a verificação de condições de ordem prática ou logísticas” (fls. 803), nada obstando a que o ato de nomeação posterior o reconheça. A circunstância de tal coincidir com período de férias judiciais não buliria com o início da produção de efeitos da nomeação uma vez que, adiantou o Tribunal, “essa inatividade não importa a inexistência do estatuto jurídico de estagiário, assim como as férias não importam qualquer suspensão do estatuto jurídico de magistrado. Ocorre, portanto, que a deliberação de nomeação dos contrainteressados, considerando-se a sua retroação a 31 de julho de 2003, não era impossível, ao contrário do que sustenta a recorrente.”
A questão de constitucionalidade, no modo como foi especificada, omite a totalidade do circunstancialismo que foi valorado e ponderado pela decisão recorrida – o qual assenta num conjunto complexo de dados não só normativos mas também de facto que não têm tradução suficiente no enunciado normativo apresentado ao controlo de constitucionalidade.
Aliás, o Tribunal a quo afastou expressamente essa interpretação agora proposta ao exame do Tribunal, pois, distinguindo entre o início de facto das atividades de estágio, e o início de direito do mesmo, considerou que o período de férias judiciais não poderia constituir obstáculo a tal início do período de estágio, sob pena de prejuízo dos interessados. Como salientou o acórdão, “as férias são momentos, pelo menos, de menor atividade exigida, mas não deixam de integrar a situação estatutária de cada magistrado, ou trabalhador” (fls. 805). Deste modo, a qualificação feita pela recorrente quanto ao “início de facto do estágio” não encontra ressonância na ponderação concretamente efetuada pela decisão recorrida.
7. Nestes termos, não cabe conhecer das questões acabadas de referir: as 1ª e 3ª questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento complementar do requerimento de interposição do recurso.
Resta a 2ª questão identificada nesse requerimento e que respeita aos “arts. 72º n.º 1 e 76º nº 2, ambos do EMJ, conjugados com o art. 77º, do ETAF de 1984, e o art.º 57º, do ETAF de 2002, na interpretação segundo a qual a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum são jurisdições absolutamente distintas e autónomas para efeitos de contagem da antiguidade na categoria de um juiz de direito que transita, por concurso, de uma para a outra.” Com efeito, relativamente a esta questão, ponderados os argumentos da recorrente, o Tribunal considera que o enunciado por esta apresentado corresponde, na substância das coisas, a uma dimensão normativa que pode considerar-se ter integrado a ratio decidendi desse acórdão.
8. A recorrente, com a categoria de juiz de direito dos tribunais judiciais, ingressou na jurisdição administrativa e fiscal em 15 de setembro de 2003, selecionada em concurso curricular aberto ao abrigo do regime de recrutamento anterior ao atual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo provida em comissão permanente de serviço nesta jurisdição. Foi-lhe contado o tempo de serviço para efeitos de posicionamento na lista de antiguidade a partir da data de publicação da deliberação de nomeação ( 15 de setembro de 2003), não sendo considerado, para efeitos de antiguidade na categoria de juiz dos tribunais administrativos e fiscais, o tempo de serviço que a recorrente contava na jurisdição comum. O acórdão recorrido, entendendo que se trata de jurisdições distintas embora paralelas, não acolheu a pretensão da recorrente no sentido de ser contado, para efeitos de antiguidade naquela outra categoria, o tempo de serviço prestado na jurisdição de origem.
O sistema judicial não é unitário, prevendo a Constituição diversas categorias ou ordens autónomas de tribunais, com estruturas separadas (artigo 209.º da CRP). Designadamente, para o que agora interessa, com a revisão constitucional de 1989, os tribunais administrativos e fiscais deixaram de ser de existência formalmente facultativa, para passarem a integrar uma categoria ou ordem jurisdicional com estatuto constitucionalmente autónomo (artigos 209.º e 212.º).
A esta dualidade de ordens jurisdicionais corresponde a autonomia do respetivo “corpo de juízes”, cada um com um órgão próprio de governo com competência para proceder à nomeação, colocação, transferência, promoção e exercício da ação disciplinar relativamente aos juízes que o integram (artigo 217.º da CRP). Na pluralidade de ordens jurisdicionais está pressuposta a autonomia e separação das respetivas magistraturas, embora não seja constitucionalmente proibida a intercomunicação entre elas quanto ao provimento dos respetivos quadros. Da unicidade de corpo e de estatuto que a Constituição estabelece para a magistratura dos tribunais judiciais (artigo 215.º, n.º 1, da CRP) podem retirar-se consequências quanto ao posicionamento dos seus juízes no seio da respetiva magistratura, mas não quanto à conservação da antiguidade que aí detenham para efeitos de posicionamento relativo em magistratura diversa a que legalmente tenham acesso. Os juízes dos tribunais judiciais formam um “corpo único” entre si, não com os demais magistrados ou juízes dos restantes tribunais. A carreira que a Constituição garante aos juízes dos tribunais judiciais é a que se desenvolve em dois escalões de acordo com a hierarquia dos tribunais judiciais (cfr. n.º 3 do artigo 215.º da CRP). Nada se retira do capítulo da Constituição relativo ao estatuto dos juízes que obste a que os magistrados que, a qualquer título de provimento, optem por transitar para outra magistratura fiquem sujeitos às regras de posicionamento relativo que rejam a categoria em que ingressam.
A recorrente não contesta propriamente esta autonomia organizativa e estatutária da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais. O que censura é a violação de princípios gerais, designadamente dos “princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º, da Constituição, da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrado de forma explícita a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no art. 18.º n.º 2 da Constituição, e da justiça, ínsito na ideia de Estado de direito democrático consignada no art.º 2.º, da Constituição', pelo facto de a antiguidade dos juízes recrutados ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, verem a antiguidade como juízes dos tribunais administrativos e fiscais reportada à data da sua nomeação como juízes estagiários, enquanto o tempo de serviço anterior dos juízes dos tribunais comuns que acediam diretamente por via de concurso, o que dispensava desse estágio específico, não é considerado para o mesmo efeito.
Ora, o que se disse quanto à consagração constitucional da autonomia das jurisdições e da separação das magistraturas é suficiente para que se conclua pela manifesta falta de fundamento da alegada infração aos princípios da proteção da confiança e da proporcionalidade. Nenhuma expectativa fundada em dados normativos do sistema vigente de organização dos tribunais e do estatuto dos juízes poderia ter a recorrente em ver-se posicionada nas listas de antiguidade dos tribunais administrativos e fiscais segundo o seu tempo de serviço anterior na magistratura de origem. Um tempo mínimo de serviço era condição de acesso por essa via de recrutamento por concurso curricular (em vez do curso de formação teórico-prática no CEJ, seguida de estágio na jurisdição) e a antiguidade na magistratura de origem poderia influir no resultado do concurso. Mas nesse efeito de requisito de ingresso e fator de graduação se esgotava, não se vislumbrando com que fonte normativa poderia um juiz na situação da recorrente reivindicar um investimento na confiança, no momento em que concorreu e aceitou a nomeação, de que viria a ser posicionado na lista de antiguidade em função desse tempo de serviço anterior.
E também não há violação do princípio da igualdade.
Conforme tem sido frequentemente afirmado, não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na avaliação da razoabilidade das medidas legislativas, formulando sobre elas um juízo positivo, e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna. O controlo de atos normativos que o Tribunal pode efetuar ao abrigo do princípio consagrado no n.º 1 do art.º 13.º da Constituição é antes de caráter negativo, cumprindo-lhe tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento intelígível. Por outro lado, como também tem sido salientado, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa perspetiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
Para melhor perceção da dimensão normativa que está em causa, recorde-se que, segundo o acórdão recorrido, em resultado da aplicação do critério normativo questionado juízes que, após um curso especial teórico-prático no Centro de Estudos Judiciários (cfr. Regulamento aprovado pela Portaria n.º 386/2002, de 11 de abril), iniciaram um estágio de ingresso legalmente reportado a um momento (31 de julho de 2003) anterior àquele em que a recorrente transitou para a magistratura administrativa e fiscal (15 de setembro de 2003) mas concluído posteriormente a esta mesma data, vieram a ficar posicionados na categoria de juiz desta jurisdição com maior antiguidade do que a recorrente.
Sucede, porém, que esta consequência não pode considerar-se emergir de um critério normativo arbitrário. O recrutamento pela via da frequência com aproveitamento de um curso de formação no Centro de Estudos Judiciários, seguido de uma fase de estágio a que se segue a nomeação definitiva, e o recrutamento direto por via de concurso curricular entre juízes dos tribunais comuns são vias diversas de acesso à magistratura dos tribunais administrativos e fiscais. Embora ainda em regime de estágio, os contrainteressados já tinham de jure ingressado como juízes na jurisdição administrativa e fiscal quando a recorrente para ela transitou. De acordo com o n.º 1 do artigo 71.º, da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, “os magistrados em regime de estágio exercem, com a assistência de formadores, mas sob responsabilidade própria, as funções inerentes à respetiva magistratura, com os respetivos direitos, deveres e incompatibilidades”. Assim, não pode considerar-se solução manifestamente desrazoável que, obtida aprovação no estágio, a lei mande reportar a antiguidade na categoria de juiz ao momento de início do estágio e determine a antiguidade em função disso.
E também não pode afirmar-se que a lei trata desigualmente situações essencialmente iguais pelo facto de não considerar o tempo de serviço na jurisdição comum do mesmo modo que atende ao tempo de estágio na jurisdição administrativa e fiscal. Há entre as duas vias de recrutamento uma diferença, a que não é manifestamente destituído de fundamento atender, que consiste em esse tempo de serviço num caso corresponder e noutro não a serviço nos tribunais administrativos e fiscais. O tempo de serviço na magistratura judicial, por um lado, e o curso de formação no CEJ seguido de estágio, por outro, não são situações legalmente equiparadas para efeito de ingresso na magistratura administrativa e fiscal. Eram pressupostos ou requisitos de vias diferentes de recrutamento para a jurisdição. E não cabe ao Tribunal censurar a opção legislativa que lhes atribui diferente relevância na antiguidade nesta jurisdição, solução que encontra na autonomia de jurisdições constitucionalmente consagrada inequívoca cobertura.
Tanto basta para negar provimento ao recurso na parte em que dele se conhece, sendo que não cabe ao Tribunal sindicar o acerto da interpretação e aplicação do direito ordinário adotadas pela decisão recorrida no que se refere ao momento a que concretamente se reportou o início da fase de estágio dos contrainteressados e a contagem do tempo de estágio na categoria de juiz da jurisdição administrativa e fiscal.
III. Decisão
9. Face ao exposto, decide-se:
a) Não conhecer do objeto do recurso quanto à 1ª e à 3ª questões de inconstitucionalidade identificadas pela recorrente (n.ºs 5 e 6 do presente acórdão);
b) Negar provimento ao recurso na parte em que dele se conhece (questão identificada no n.º 7 do presente acórdão);
c) Condenar a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 25 Ucs.
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.
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