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Processo n.º 693/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º e do n.º 1 do artigo 77.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, proferido em 6 de setembro de 2012, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
2. A reclamação para a conferência assume o seguinte teor:
«(...)
A. (...)
Vêm por este meio, apresentar competente RECLAMAÇÃO DO DESPACHO DE RETENÇÃO / NÃO ADMISSÃO DO INTERPOSTO RECURSO JULGADO DESERTO, proferido a Fls. (12.736) pela 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça (...), nos termos e pelo(s) fundamentos seguinte(s):
A inconformidade do ora signatário perante o despacho ora Reclamado e, a sua total estupefação com o “desenrolar”, conteúdo e/ou fundamentação do mesmo, reconheça-se, tem como elemento essencial o facto de o Recurso ter sido julgado deserto nos termos do n.º 7 do Artº. 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, quando, “in casu”, nunca e em momento algum foi o Advogado ora signatário notificado do mencionado despacho de Fls. 12726, conforme, à data e em concreto, efetivamente ainda o deveria ter sido, evitando-se com tudo isso, toda a “querela” judicial ora subjacente;
É que,
E analisando com toda a necessária precisão a “questão chave” ora a apreciar, a revogação do mandato que tinha sido conferido pelo ora reclamante ao aqui signatário, à data de 7 de agosto de 2012 (aquando do despacho de Fls. 12726), em concreto, não podia ainda a produzir qualquer efeito e, nessa consonância, sempre deveria o causídico aqui signatário, no mínimo e à cautela também ter sido notificado pelos competentes serviços daquele Tribunal;
Ao que acresce,
O facto do Tribunal “a quo”, à data (07-08-2012) e, ainda hoje desconhecer, como aliás reconhece a Fls. 12767 dos autos, se o Advogado aqui signatário à data de 7 de agosto de 2012 também devia ter sido notificado do “malfadado” despacho de fls. 12726;
Veja-se então,
Que “in casu” e, analisando as datas em apreço, não restam dúvidas que à data de 7/8/2012 a “equívoca” (pois embora tal não seja para aqui determinante, na verdade não havia intenção de revogação com a junção da nova Procuração a outro causídico, tudo o que justifica também a surpresa daquele com o desenrolar processual) revogação do mandato judicial que estava conferida ao aqui signatário, ainda não estava efetivamente a produzir os seus legais efeitos;
Pois que,
E tomando-se em conta a data da expedição postal do despacho ordenado para cumprimento do estipulado no Art.º 39º. nº.(s) 1 e 2, ter até sido eventualmente realizada na precisa data da referida revogação (3/8/2012), certo é, que contabilizados os 3 dias úteis após essa data, facilmente se percebe que tudo só podia produzir os referidos efeitos a partir de 8 de agosto de 2012;
Ora,
Em tal confluência, parece-nos evidente que, “in casu”, o despacho do Exmº. Conselheiro de turno de Fls. 12726, sempre teria de ter sido notificado ao Advogado ora signatário;
Tudo aliás,
De acordo com o raciocínio seguido pelo Exmº. Srº. Juiz Conselheiro Relator no despacho de Fls. 12765, o qual, e apenas por ter visto o seu poder jurisdicional “in casu” esgotado, de todo pode tudo em concreto melhor apreciar.
(...)»
3. O ora reclamante foi condenado, pelo tribunal coletivo de Olhão da Restauração, em acórdão com data de 25 de março de 2010, como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de nove anos de prisão. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que, em Acórdão de 25 de outubro de 2011, negou provimento ao recurso mantendo a decisão proferida em 1.ª instância. Seguiu-se, da parte do reclamante, o recurso interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça, em requerimento com data de 5 de dezembro de 2011, recurso esse que foi também julgado improcedente. Assim, em requerimento com data de entrada de 26 de julho de 2012, o então recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento com o seguinte conteúdo:
«(...)
Está agora o Recorrente, face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos;
Se encontram já “de per si” irremediável e completamente esgotados, todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhe possibilite reagir contra a decisão da aplicação da norma constante do Artº. 187º. nº.(s) 1 e 2 Código de Processo Penal, na interpretação seguida pelos Tribunais “a quo”, quando, interpretado no sentido de que: “...o juiz nacional pode autorizar escutas nas telecomunicações dos utilizadores de meios de comunicações estrangeiros, nomeadamente telemóveis, quando mesmo durante as conversações mantidas com localização celular em território nacional ou fora dele, sem que a necessidade de formalizar o pedido de auxílio mútuo em cooperação internacional penal...”;
E,
Com a qual continua a não conseguir conformar-se, dado entender como inequívoca a violação do disposto nos Artº.(s) nº. 4 e 165º. nº. 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa, na razão da ausência de lei interna vigente, que permita a produção da prova nestas circunstâncias sem acionamento da devida cooperação internacional;
Em consonância,
Também não tem outro meio para lançar mão, (esgotados que estão todos os meios/recursos ordinários) que lhe possibilite reagir contra a decisão da aplicação da norma constante da Lei nº. 101/2001 de 25 de agosto, na simples e “singela” interpretação seguida pelo Tribunal “a quo”, interpretado no sentido de que mesma: “...estabelece o regime das ações encobertas para fins de prevenção e investigação criminal para fins de investigação criminal de certos crimes, neles se incluindo os relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas...” e, tão pouco ser necessária a existência de um inquérito para permitir a atuação de um “agente infiltrado”, bastando que este atue em vista de um inquérito a instaurar;
Quando “in casu” em sede de Recurso para o Tribunal “a quo” o que se pretendia ver dirimido, para além da malfada discussão/distinção entre as figuras do agente infiltrado e do agente provocador, era efetivamente saber, se o agente infiltrado pode atuar sem existência prévia de inquérito e respetiva autorização do Magistrado que o dirige;
Por outro lado,
Mas igualmente elencado no rol das inconformidades do aqui Recorrente, sublinhe-se que o mesmo entende que o douto Acórdão recorrido também fez uma interpretação materialmente inconstitucional do artigo 127.º, do CPP, quando, interpretado no sentido de que “...o tribunal de julgamento, para fundamentar a sua convicção, qualificando as declarações do coarguido como isenta de contradições e, genericamente, no essencial conforme outros meios de prova...”, sem, “in casu” tecer todo e/ou qualquer juízo crítico/confronto, suficientes, com outros elementos de prova constantes dos autos, violando com tudo isso o disposto pelo Artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República, dado, não estarem então asseguradas as constitucionalmente consagradas garantias de defesa do processo criminal, deslocados que também foram os princípios de presunção da inocência e “in dubio pró reo”.
Tudo resultando, numa clara e inequívoca desconformidade com a real intenção do legislador constitucional;
(...)»
Em despacho com data de 3 de agosto de 2012, o Juiz Conselheiro então de turno ordenou a notificação desse arguido para indicar a peça processual onde suscitou as alegadas inconstitucionalidades, em obediência ao disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC. Surge, então, em 6 de setembro de 2012, um segundo despacho do STJ, onde se julgou deserto o recurso de constitucionalidade, com fundamento no n.º 7, do artigo 75.º-A, da LTC, isto é, pelo facto de, notificado para o efeito, o mandatário do arguido não ter aperfeiçoado o requerimento de recurso com os elementos solicitados no despacho de aperfeiçoamento. Sucede que, em requerimento de 13 de setembro de 2012, o Dr. B., advogado, entretanto, constituído, veio dizer que a notificação do despacho de aperfeiçoamento expedido em 6 de setembro de 2012, que lhe foi feita, deveria ter sido dirigida ao Dr. C., advogado a quem havia sido revogada a procuração, “por o mesmo ter sido mandatado pelo arguido A., para a elaboração e defesa do recurso para o Tribunal Constitucional.” O Dr. C., por seu turno, apresentou requerimento em 17 de setembro de 2012, sustentando que se deveriam considerar sem efeito as notificações feitas nos autos, por “em momento algum ter deixado de exercer o mandato judicial que lhe foi conferido” pelo recorrente.
Em despacho de 20 de setembro de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça dispôs o seguinte:
«(...)
De acordo com o art.º 36.º, n.º 1, do CPC, o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.
Assim, pela mesma razão, a revogação do mandato por parte do mandante, ainda que apresentada num apenso (ou num traslado), produz efeitos em todos os atos e termos do processo principal e não só nesse apenso ou traslado.
Isto é, o arguido A. pode ter vários mandatários, com uma só procuração ou com várias procurações, e qualquer deles pode assegurar a sua defesa como bem entenda. O que não pode é, no âmbito do mesmo processo e seus apensos, revogar o mandato a um dos advogados para certo efeito processual, mas, ao mesmo tempo, considerar que manteve o mesmo mandato para outro efeito.
O que significa que, neste momento, o Dr. C. não é advogado do referido arguido neste processo, pois houve uma revogação do seu mandato em 3-08-2012 e terá sido ordenada, e efetuada, a notificação nos termos do art.º 39.º, n.º 1, do CPC.
Situação diferente é a de saber se em 7-08-2012, data em que foi notificado o despacho do Juiz Conselheiro de turno ao Dr. Jorge Antunes, a revogação do mandato conferido ao Dr. C. já tinha produzido efeito, dado o disposto no art.º 39.º, n.º 2, do CPC, o que vale por dizer que se desconhece ainda agora (tal como se desconhecia na altura da notificação) – por estarem os respetivos termos no traslado – se o mesmo Dr. C. também devia ter sido notificado então desse despacho.
O despacho que julgou deserto o recurso não é revogável pelo juiz relator, pois esgotou-se o seu poder jurisdicional ao proferi-lo (art.º 666.º, n.º 1 e 3, do CPC).
Contudo, esse despacho ainda não transitou em julgado, sendo possível reagir nos termos legais.
Por isso, aguarde-se tal trânsito, com comunicação imediata, via fax, aos Drs. B. e C..
(...)»
Seguiu-se, finalmente, a reclamação para a conferência que agora se analisa, e cujo teor já foi aqui reproduzido.
4. Notificado para o efeito, o Ministério Público respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
II. Fundamentação
5. Ora, a reclamação vertente é apresentada ao abrigo do disposto do n.º 4, do artigo 76.º, da LTC, o qual dispõe que “do despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.” Tal requerimento – recorde-se - é em, primeira linha, apreciado pelo tribunal que tiver proferido a decisão recorrida, e deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5 (cfr. os n.ºs 1 e 2, do artigo 76.º, da LTC).
Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 75.º-A, da LTC que “sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade.” Para suprir irregularidades ou deficiências reparáveis constantes do requerimento de recurso, pode o tribunal a quo, nos termos do n.º 5 daquele preceito, convidar o requerente, mediante um despacho de aperfeiçoamento, a dar cabal cumprimento às exigências inscritas no n.º 2.
Portanto, a reclamação é o meio processual “adequado para facultar ao Tribunal Constitucional o controlo de todas as decisões dos outros tribunais – mesmo dos tribunais superiores, de última instância – que sejam suscetíveis de obstar à chegada, perante si, do recurso” (Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 222). Nela não deve o Tribunal Constitucional limitar-se à apreciação do fundamento de rejeição do recurso de constitucionalidade considerado pelo tribunal recorrido, cabendo-lhe pronunciar-se igualmente sobre a verificação dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 276/88, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
No caso vertente, o fundamento mobilizado pelo STJ para não admitir o recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante foi a não comutação, por este, das debilidades ou insuficiências de que padecia, ao abrigo do n.º 2, do artigo 75.º-A, o requerimento de recurso apresentado. Concluiu, nessa medida, o Juiz Conselheiro do STJ que aquele requerimento de recurso não preenchia, pois, a totalidade dos pressupostos de que estaria dependente a sua admissibilidade. Ora, o problema que o ora reclamante levanta na reclamação apresentada – maxime, o de saber quem eram os seus mandatários à data da prolação do despacho de aperfeiçoamento e se os mesmos foram devidamente notificados de tal despacho – não entra, bem entendido, nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional, que não se pode sobre ele debruçar nem pronunciar.
Cabe, na verdade, a este Tribunal apreciar – tão-só - as razões invocadas pelo juiz a quo para indeferir o requerimento de interposição do recurso, e, por força do que já disse supra, apurar se os demais requisitos que condicionam a apreciação do recurso de constitucionalidade se encontram satisfeitos – a saber, a legitimidade do recorrente, e a circunstância de em causa estar uma questão de inconstitucionalidade, tempestiva e adequadamente suscitada perante o tribunal a quo, referente a normas jurídicas ou interpretações normativas de que este haja feito efetiva aplicação, entenda-se, que hajam constituído efetivo fundamento jurídico da resolução da questão principal.
Concluindo, cumpre avançar que, não tendo o reclamante, convidado para o efeito, suprido as deficiências que previamente, em despacho com data de 3 de agosto de 2012, o Juiz Conselheiro então de turno apontara ao requerimento de recurso por ele apresentado, sempre deveria tal requerimento ter sido rejeitado. Com efeito, revendo tal requerimento de recurso, confirma-se que em momento algum procedeu o ora reclamante à indicação da “peça processual em que (...) suscitou a questão de inconstitucionalidade”, formalidade necessária nos termos do n.º 2, do artigo 75.º-A, da LTC (cfr. fls. 115 a 137).
Sendo, assim, a reclamação é inadmissível porquanto o recurso deve ser julgado deserto ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 75.º-A da LTC.
III. Decisão
6. Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional, julga deserto o recurso, não admitindo a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- J. Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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