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Processo n.º 619/12
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 19 de junho de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 448/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. No caso, o Tribunal da Relação do Porto, sendo irrelevante que o tenha feito anteriormente perante outro tribunal.
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. A atentar nas conclusões das alegações produzidas, o recorrente questiona somente a constitucionalidade da sentença de 1.ª instância.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1.º
Salvo melhor opinião, o presente recurso satisfaz os requisitos ínsitos nos art.ºs 70.º, al. b), 72,º, nº 2 e 75.º e 75.º - A da L.T.C. (Lei do Tribunal Constitucional), com a Redação da Lei n.º 13-A/98, de 26/02.
2.º
Na verdade, contrariamente ao que resulta da, apesar de tudo, douta decisão sumária, o requisito da suscitação prévia perante o tribunal recorrido encontra-se plenamente preenchido e conclusão contrária apenas se poderá entender por manifesto lapso.
3.º
É que a inconstitucionalidade da referida norma foi suscitada amplamente ao longo do processo, tanto em sede de primeira instância, conforme se indicou oportunamente no requerimento de interposição de recurso, como em sede recursiva.
4.º
Com efeito, nas Alegações de Recurso, perante o Venerando Tribunal da Relação do Porto, concretamente nos seus art.º 77.º a 82.º, o ora recorrente porventura socorrendo-se de técnica menos feliz, invoca a inconstitucionalidade do nº 2 do art.º 519.ºdo CPC, remissiva para o art.º 344.º, 2.º do CC, na interpretação de que foi feita pelo Tribunal a quo, da qual resulta a inversão do ónus probatório no caso concreto.
5.º
Realçando a violação dos princípios da igualdade, do contraditório, do acesso ao direito, e do direito à reserva da vida privada e á integridade física e moral.
6.º
O ora recorrente, ao invés do que afirma na douta decisão sumária, durante todo o processado questionou a constitucionalidade dos referidos normativos,
7.º
Pelo que, ressalvada mais douta opinião, e sem detrimento da muita estima e consideração pela Mui Ilustre Conselheira, afigura-se-nos que queda tal decisão, precipitada e redutora,
8.º
Assim, estão reunidos os pressupostos processuais para o conhecimento do recurso ora interposto, pois foi dado cumprimento ao ónus de suscitação prévia, nos termos do artigo 70º, nº 1, al. b) e 72º, nº2 da LTC.
9.º
Na verdade, se o ilustre julgador entendia que se não verificavam as situações previstas no normativo do art.º 70.º, n.º1 da Lei 28/82, impendia sobre si o poder-dever de prévia notificação ao recorrente, nos termos do art.º 75.º-A, n.º5 da LT.C. para prestar essa indicação no prazo de 10 dias».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público vem dizer o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 448/2012, não se tomou conhecimento do objeto do recurso porque durante o processo o recorrente não suscitara a questão da inconstitucionalidade reportada ao artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aquela que, no requerimento de interposição do recurso, identificou como seu objeto.
2º
Faltava, pois, aquele requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
Sendo a decisão recorrida o Acórdão da Relação que julgou a apelação da ora recorrente improcedente, o momento próprio e o meio adequado para suscitar a questão da inconstitucionalidade era nas alegações então apresentadas.
4º
Efetivamente, só constando das alegações tal questão, a Relação estaria obrigada a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
5º
Vendo tal peça processual, ali não vem suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 519.º, nº 2, do Código de Processo Civil, como muito bem se conclui na douta Decisão Sumária.
6.º
Nos artigos 77.º a 82.º, agora mencionados na reclamação, refere-se a violação dos artigos 25.º e 26.º da Constituição, mas nunca se alude ao artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e finaliza-se com a afirmação de que “a sentença está ferida de inconstitucionalidade”.
7.º
Naturalmente que no Acórdão, a Relação, quando conheceu desta questão fê-lo também na mesma perspetiva: “Nulidade da sentença por inconstitucionalidade por violação de reserva da vida privada”.
8.º
Pelo que fica dito, é irrelevante que o recorrente, em fases anteriores do processo, tivesse suscitado a questão, como alega, indicando o requerimento que apresentou em 2 de dezembro de 2010.
9.º
De qualquer forma, sempre se dirá que, nesse requerimento, apresentado na 1ª instância e na sequência do indeferimento da reclamação de base instrutória, também não vem suscitada a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 519º, nº 2, do Código de Processo Civil.
10.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
5. Notificado da reclamação, o recorrido concluiu que a mesma deve improceder e ser inteiramente confirmada a decisão reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que o recorrente pretendia pôr por referência ao artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
1. Para contrariar tal fundamento, o reclamante sustenta que a questão “foi suscitada amplamente longo do processo”, tanto em sede de 1.ª instância, como em sede recursiva, concretamente nos artigos 77.º a 82.º das alegações do recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
Importa começar por dizer que o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade dá-se por verificado se tal suscitação tiver ocorrido, de forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), pelo que é irrelevante que o recorrente tenha questionado a constitucionalidade da norma cuja apreciação pretendia perante tribunal diferente do que proferiu o acórdão de 19 de junho de 2012 – o Tribunal da Relação do Porto.
E perante o tribunal que proferiu o acórdão recorrido não foi, de facto, questionada a conformidade constitucional de uma qualquer norma reportada àquele artigo do Código de Processo Civil. Designadamente nas artigos das alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, que o reclamante agora especifica, segundo os quais:
«77.º
Tais testes científicos, na situação em que se encontra o Réu no caso em apreço, isto é, nunca ter tido qualquer relação com a Mãe do Autor, mais não seria que um ato que, quando tendo em vista um critério de razoabilidade lógica, de objetividade judicativa e de normalidade moral e ética, violaria a sua integridade física e moral, previsto e punido de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 25.º da CRP,
78.º
Implicando uma intromissão, que se nos afigura inadmissível, e que de modo algum se justifica, na vida privada e familiar do Réu e na sua reserva pessoal, expressamente previsto no artigo 26.º da CRP.
79.º
“O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, enquanto direitos fundamentais de personalidade, são inatos, inalienáveis, irrenunciáveis e absolutos, no sentido de que se impõem, por definição, ao respeito de todas as pessoas. - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de junho de 2005.
80.º
Na verdade, esta ação apenas irá contribuir para colocar em causa a estabilidade e harmonia da vida e da família conjugal do Recorrente.
81.º
A sentença está ferida de inconstitucionalidade por violar Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente protegidos, expressamente previstos nos artigos 25.º e 26.º da C.R.P..
Com efeito,
82.º
Nunca o Réu reconheceu o Autor como seu filho nem publicamente, nem na intimidade, uma vez que não é pai do mesmo».
Além de não haver aqui qualquer referência ao artigo 519.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é posta em causa, de forma expressa, a conformidade constitucional de uma decisão judicial. Não, portanto, de uma qualquer norma.
2. O reclamante argumenta ainda que, entendendo-se, como se entendeu, que não estavam verificadas as situações previstas no normativo do artigo 70.º, n.º1, da Lei n.º 28/82, a relatora tinha o poder-dever de prévia notificação ao recorrente, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC para prestar essa indicação no prazo de 10 dias.
Sem razão, uma vez que a decisão reclamada não teve como fundamento a não satisfação dos requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC). O convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC “só é possível se a omissão for sanável, ou seja, se consistir numa falta do próprio requerimento, não tendo cabimento para o suprimento de falta de pressupostos de admissibilidade do recurso que seja insanável” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Ora, no caso, foi invocada a falta, insanável, de um pressuposto de admissibilidade do recurso – a falta de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade.
Em face de tudo o que ficou dito há que confirmar a decisão sumária prolatada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.
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