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Processo n.º 615/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 2 de maio de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 458/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Identifica-se “o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (Acórdão n.º 361/98, entre muitos outros, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Face ao teor do requerimento de interposição de recurso é de concluir que o recorrente pretende a apreciação da decisão judicial que confirmou a aplicação de uma coima, cujo montante considera desproporcionado e excessivo. Tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
Com efeito, além de toda uma argumentação em que manifesta a sua discordância quanto ao montante de coima aplicada, o recorrente conclui que é evidente a desproporção entre os factos e a coima aventada, o que viola o princípio da adequação da medida da pena [sanção] à medida da culpa, bem como os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso. O que contrariaria, segundo o recorrente, as regras de determinação da coima constantes do artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto. Isto é: a inconstitucionalidade que aponta a esta disposição legal resultaria afinal de a coima não ter sido determinada de acordo com os critérios legalmente fixados, o que nada tem a ver com a constitucionalidade da norma»
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«O Recorrente, ora reclamante, não concorda com a decisão sumária proferida e considera-se prejudicado pela Decisão Sumária proferida pela Exma. Juíza Consª Relatora, a qual não é de mero expediente e, em consequência, requer que sobre tal decisão se pronuncie a Conferência do presente Tribunal.
Na verdade, as questões inconstitucionais colocadas em causa pelo Reclamante são importantes e relevantes, não podendo a sua pertinência e oportunidade ser posta em causa.
Ademais, a questão de inconstitucionalidade em causa nos presentes autos, foi suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo a que o tribunal a quo dela conhecesse.
Na verdade, o reclamante suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma aplicada, cuja explicitação foi feita de forma clara e objetiva relativamente à antinomia entre uma norma individualizada (art. 20º da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto) e um parâmetro constitucional também concretizado (princípio da proporcionalidade).
Acresce que, de facto, foi adequadamente suscitada a questão da inconstitucionalidade, na sua natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas nas decisões recorridas, em termos de deverem ser conhecidas (artigos. 71º, 72º, nº 1. b) e nº 2 da LTC). Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso atinentes, nomeadamente a alínea b) do art. 70º da LTC.
É competente a Conferência do Tribunal Constitucional para julgar a reclamação da Decisão Sumária que não tomou conhecimento do objeto do requerimento de recurso (arts. 78º-A, nº 3 da LTC).
E o recorrente não pode ser prejudicado pela decisão sumária da qual se reclama, motivo pelo qual a Conferência do presente Tribunal deve tomar conhecimento do objeto do presente Recurso e em consequência ordenar o prosseguimento dos presentes autos».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 458/2012, não se conheceu do objeto do recurso porque se entendeu que o recorrente, face ao teor do requerimento de interposição do recurso, pretendia a apreciação da decisão judicial – no caso o Acórdão da Relação do Porto – que confirmara a aplicação de uma coima.
2º
Da leitura do requerimento de interposição do recurso, parece resultar, com clareza, que ali não vem enunciada uma questão de inconstitucionalidade normativa, única passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente não impugna verdadeiramente o fundamento que consta da Decisão Sumária para não conhecer do recurso, apenas invocando a importância das questão para justificar que sobre ela recaia acórdão.
4º
O que o recorrente afirma na reclamação é que, durante o processo, suscitou adequadamente a questão.
5º
Efetivamente este é um outro fundamento de cuja verificação depende a admissibilidade do recurso.
6.º
No entanto, como é com o requerimento de interposição do recurso que se fixa o seu objeto e naquela peça não vinha enunciada uma questão de constitucionalidade que pudesse constituir o objeto idóneo do mesmo, faltava um requisito de admissibilidade, que, levando ao seu não conhecimento, tornava desnecessária a indagação da existência, ou não, de outros requisitos.
7.º
No entanto, vendo a motivação do recurso para a Relação – o momento processual próprio para suscitar a questão – constata-se que apesar de uma parte ser dedicada à “inconstitucionalidade do artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de junho” ali não se suscita uma questão de inconstitucionalidade normativa, reportada àquele preceito.
8.º
A questão é ali tratada em termos idênticos aqueles que constam do requerimento de interposição do recurso.
9.º
Assim, diferentemente do que vem afirmado na presente reclamação, durante o processo não foi adequadamente suscitada a questão.
10.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada conclui pelo não conhecimento do objeto do recurso. Para contrariar o decidido, o reclamante argumenta, por um lado, com a importância e relevância das «questões inconstitucionais colocadas» e, por outro, que suscitou a questão de constitucionalidade em «termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo e de modo a que o tribunal a quo dela conhecesse». Não questiona, porém, a razão que ditou o não conhecimento do objeto do recurso.
O Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, por o recorrente ter requerido afinal a apreciação do acórdão que confirmou a coima que lhe foi aplicada e não a apreciação de uma norma, quando apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto do recurso de constitucionalidade interposto (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC). Com efeito, além de toda uma argumentação em que manifesta a sua discordância quanto ao montante de coima aplicada, o recorrente conclui, por referência aos critérios de determinação da coima constantes do artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, que é evidente a desproporção entre os factos e a coima aventada, o que viola o princípio da adequação da medida da pena [sanção] à medida da culpa, bem como os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso (cf. pontos 13. a 16. do requerimento de interposição de recurso).
Há que indeferir, pois, a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.
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