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Processo n.º 504/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação do Porto, o arguido A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«O arguido interpôs recurso para o Venerando Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70.º n.º1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redacção que lhe foi dada pela Rectificação n.º 10/98 de 15/11, para o que está em tempo e tem legitimidade – cfr. artigos 70.º, n.º1, alínea b), 72.º e 75.º da citada Lei 28/82 com aquela alteração.
O presente recurso fundava-se – e funda-se – no disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer – cfr. artigo 72.º, n.º2 da mesma Lei Orgânica.
Na verdade o recorrente invocou nos termos e pelos fundamentos infra invocados, e que aqui por brevidade se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, que a interpretação dada as disposições conjugadas dos art.º 425.º n.º4, 379.º n.º1 alínea a) e 374.º n.º2 todos do Código Processo Penal no sentido de ser suficiente a fundamentação de facto e de direito com considerações genéricas ou meras conclusões de indeferimento é inconstitucional, violando os imperativos constitucionais plasmados nos artigos 205.º n.º1 e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, e ao contrário do alegado pelo Tribunal da Relação, se é certo que arguido fez uma referência genérica ao Art.º 32.º da CRP, também é certo que ao longo das motivações do Recurso foi cabalmente explicando as decisões de facto que atentaram contra esse preceito constitucional.
Pelo que in casu, é nosso entendimento que não deveria ter existido uma rejeição do Recurso interposto para o Tribunal Constitucional com fundamento na referencia genérica ao Art.º 32 da Constituição da República Portuguesa.
Assim sendo e face ao exposto, o recurso não deveria ter sido rejeitado tendo o citado despacho violado também ele, o disposto no art. 32.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
Parafraseando J.J. Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 1.º Volume, págs. 214 e 215 “A fórmula do n.º1 – referindo-se ao n.º1 do artigo 32.º da CRP – é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, neste preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. «Todas as garantias de defesa» engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (...) este preceito pode ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível”.
Pelo exposto, deveria, e deverá, ser revogado o douto despacho de indeferimento do Tribunal da Relação do Porto e admitido e conhecido de mérito o recurso interposto pelo arguido A., bem como, deverá previamente ser por esta conferencia conhecido o objecto do recurso para este Venerando Tribunal Constitucional.
Termos em que deve esta conferência conhecer o objecto deste recurso, o qual foi objecto de indeferimento, e a final deverá o recurso ser admitido e procedente com as legais consequências».
2. Em resposta, o Ministério Público tomou posição no sentido do indeferimento da reclamação, por entender que o recorrente não respeitou o ónus, sobre ele incidente, de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
3. Notificado da resposta, o reclamante nada disse.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
4. Para a apreciação da reclamação, importa considerar as seguintes incidências processuais:
4.1. O arguido A. foi condenado, por sentença proferida no Tribunal Judicial da Maia, em 30 de junho de 2011 pela prática de um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão;
4.2. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Apenas na indicação das normas jurídicas violadas surge referência a normativo constitucional, nestes termos:
«Disposições violadas: As supra referidas e as demais que V. Exias suprirão, bem como, os artigos 21.º, Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal e artigos 120.º, n.º2, d), 369.º e 410.º, n.º2 do Código Processo Penal e 32.º da Constituição da República Portuguesa».
4.3. Por acórdão preferido no Tribunal da Relação do Porto, em 29 de fevereiro de 2012, foi concedido provimento parcial ao recurso, com confirmação da condenação e redução da pena aplicada para um ano de prisão;
4.4. O arguido suscitou a nulidade e pediu a aclaração desse acórdão, o que foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de março de 2012.
4.5. Interpôs, então, o arguido, recurso para o Tribunal Constitucional, nestes termos:
«A., arguido/recorrente nos autos de processo crime supra identificados, vem interpor recurso do douto Acórdão prolatado em 29.02.2012, para o Venerando Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70.º n.º1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redacção que lhe foi dada pela Rectificação n.º 10/98, de 23/05, para o que está em tempo e tem legitimidade – cfr. artigos 70.º, n.º1, alínea b), 72.º e 75.º da citada Lei 28/82, com aquela alteração.
O presente recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer – cfr. artigo 72.º, n.º2 da mesma Lei Orgânica.
O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – cfr. artigo 69.º e seguintes da Lei 28/82.
Termos em que deve o recurso ser admitido».
4.6. Sobre esse requerimento recaiu o despacho reclamado, de indeferimento do recurso apresentado. Fundamentou-se essa decisão, no essencial, na seguinte ordem de considerações:
«(...)
Ora o recorrente limitou-se a sustentar nas suas alegações de recurso, mais precisamente sob a referência XI e no seguimento do que antes tinha referido no último parágrafo das suas motivações, que foram violados “os artigos 21.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/Jan.; 40.º 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal; 120.º, n.º2, al. d), 369.º e 410.º, n.º2 do Código de Processo Penal e 32.º da Constituição da República Portuguesa”.
Trata-se de uma referência meramente genérica sem que tenha sido suscitada uma questão concreta de inconstitucionalidade normativa, o que deveria ter passado pela imputação da desconformidade constitucional de uma certa e precisa norma (i) e que a mesma tivesse sido fundamento da decisão recorrida (ii), o que não sucedeu no recurso interposto para esta Relação.
Nos termos e fundamentos expostos, indefere-se o presente recurso para o Tribunal constitucional, condenando-se o arguido nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (513.º, n.º1 e 514.º, n.º1 do Código de Processo Penal)».
5. Tomando os termos da reclamação, importa dizer que a falta de fundamento do recorrente é manifesta.
Pretende o recorrente, ora reclamante, que suscitou «de modo processualmente adequado» perante o Tribunal recorrido questão de inconstitucionalidade, referida a interpretação conjugada dos artigos 425.º, n.º4, 379.º, n.º1, alínea a) e 374.º, n.º2, todos do Código de Processo Penal, «no sentido de ser suficiente a fundamentação de facto e de direito com considerações genéricas ou meras conclusões de indeferimento», e que tal interpretação viola o disposto nos artigos 205.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Verifica-se, desde logo, que essa formulação da questão não se encontra vazada no requerimento de interposição de recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º1, al. b) LTC, como obriga o artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da mesma lei. Aliás, não se encontra essa formulação, nem nenhuma outra, pois o requerimento apresentado não apresenta qualquer delimitação da norma, ou interpretação normativa, que se pretende que o Tribunal aprecie ou referência a norma ou princípio constitucional que se considera violado. Remete-se apenas para o disposto no n.º2 do artigo 72.º da LTC e evoca-se a prévia suscitação da «questão», sem o menor esclarecimento do seu conteúdo ou indicação da peça processual ponderada nessa asserção.
Não obstante, perscrutando na motivação do recurso que conduziu à decisão impugnada, considerou-se no despacho reclamado que nela se encontrava mera alusão genérica ao disposto no artigo 32.º, n.º1 da CRP, inidónea para fundar a suscitação de concreta inconstitucionalidade normativa.
O reclamante aceita que assim acontece, e que avançou com referência genérica ao artigo 32.º da CRP, mas contrapõe que «ao longo das motivações do recurso foi cabalmente explicando as decisões de facto que atentaram contra esse preceito constitucional».
Sem razão.
No desenvolvimento argumentativo das motivações apresentadas, e nas conclusões que delimitam a cognição do Tribunal ad quem, encontra-se apenas discussão sobre a correção da fundamentação exarada e o acerto da determinação da medida da pena, contida inteiramente no plano infraconstitucional. Como se disse, a referência ao artigo 32.º da CRP surge desligada de qualquer argumento e inscrita tão-somente no elenco das disposições violadas, no qual não se encontra menção de qualquer dos preceitos processuais penais apontados na reclamação.
Na verdade, a alusão a esses preceitos e formulação aproximada de questão constante da reclamação, encontram-se no incidente de nulidade e de aclaração suscitado pelo arguido, ou seja, em momento posterior à prolação da decisão recorrida, tendo sido apreciada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 28 de março de 2012, relativamente ao qual não foi interposto recurso para este Tribunal Constitucional.
Face ao exposto, importa concluir pelo acerto da decisão reclamada quando considerou que o recurso não revestia condições para ser admitido, por ausência de objeto normativo, em virtude da inobservância do ónus de formulação, em termos claros e percetíveis, de questão normativa, dirigida à decisão recorrida.
III. Decisão
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se, de acordo com a dimensão do impulso processual e o critério seguido neste Tribunal Constitucional, a taxa de justiça em 20 (unidades de conta).
Notifique.
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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