|
Processo n.º 403/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por acórdão de 11 de março de 2011, da 2.ª Secção do Juízo de Grande Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, o arguido A. foi condenado, em cúmulo jurídico, pela prática, como autor material e em concurso real, de 5 crimes de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, de 5 de crimes de violação de correspondência, previsto e punido pelo artigo 194.º, n.º 1, do Código Penal, de 5 crimes de falsificação de documento, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, 79.º, 256.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, do Código Penal, e de 5 de crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, 79.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena única de 6 anos de prisão.
O arguido recorreu deste acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa e, por decisão sumária proferida pelo Desembargador Relator em 20 de dezembro de 2011, foi rejeitado o recurso por extemporâneo.
Notificado desta decisão, o arguido reclamou para a conferência, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 28 de fevereiro de 2012, confirmado a decisão sumária.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo o recurso sido admitido com fundamento no disposto no artigo 432.º, n.º 1, alíneas a), b) e) e d), a contrario, do Código de Processo Penal.
O arguido reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão de não admissão do recurso e, por despacho de 12 de maio de 2012 do Conselheiro Vice-Presidente daquele Tribunal, a reclamação foi indeferida.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
«A., reclamante, melhor id. nos autos do processo, supra referenciado, notificado da douta decisão que indeferiu a sua reclamação do acórdão proferido em 28.02.2012, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão sumária de rejeição do recurso por extemporâneo, não se conformando com essa decisão e tendo legitimidade, dela vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 280º, nº 1 alíneas a) e b) da Constituição da República Portuguesa; art. 70º, nº 1, alíneas a) e b) e nº 2 e nº 3, art. 72º, nº 1, alínea b), art. 75º, nº 1 e 75º-A, todos estes da Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de novembro e posteriores alterações, com os seguintes fundamentos:
1. Nos termos do art. 432º, nº 1, b) do Código de Processo Penal (CPP) é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º.
2. O arguido foi condenado por factos em data não concretamente apurada, situada entre 8 de setembro de 2003 e 16 de junho de 2004.
3. Na data da ocorrência dos factos estava em vigor o CPP com a redação que lhe fora dada pelo DL 324/2003 de 27 de dezembro.
4. Nessa redação, não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa [art. 400º, nº 1 c)], sublinhado nosso.
5. Ora, o acórdão de rejeição liminar do recurso, por extemporâneo, proferido por este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa põe, manifestamente, termo à causa. Por conseguinte, o recurso é manifestamente admissível, a contrario.
6. Por outro lado, a decisão ora recorrida fundamenta que a interpretação normativa adotada do art. 5º, nº 2 a) do CPP não viola o nº 1 do art. 32º da CRP por se bastar com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição, que o reclamante utilizou ao recorrer para o Tribunal da Relação.
7. Salvo o devido respeito, o acórdão que decidiu rejeitar liminarmente o recurso impediu justamente ao arguido o segundo grau de jurisdição.
8. Porquanto, foi essa interpretação inconstitucional que motivou a aplicação da lei processual penal em vigor na data da sentença que motivou essa rejeição liminar e não na data em que os factos foram cometidos.
9. Pois que, se o acórdão que rejeitou liminarmente o recurso tivesse aplicado a legislação processual penal em vigor na data da ocorrência dos factos pelos quais o arguido foi condenado o recurso nunca poderia ter sido liminarmente rejeitado.
10. Decorre da fundamentação invocada na douta decisão de indeferimento da reclamação que a mesma não aplicou ao recurso o art. 400º, nº 1, alínea c) na redação que lhe fora dada pelo DL 324/2003 de 27 de dezembro.
11. Nessa medida, e por não ter aplicado ao recurso essa disposição legal, o despacho recorrido fez inadequada e inconstitucional interpretação do art. 5º, nº 2 a) do CPP que manda aplicar ao processo penal a legislação em vigor na data da ocorrência dos factos, quando da sua não aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa, por violação dos art. 29º, nº 4 e 32º, nº 1, da CRP.
12. Por outro lado, ao ter aplicado, como fundamento de indeferimento da reclamação, essa mesma disposição legal na redação atualmente em vigor, o despacho recorrido fez inadequada e inconstitucional interpretação do art. 5º, nº 2 a) do CPP que proíbe a aplicação da lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando da sua aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa, por violação dos art. 29º, nº 4 e 32º, nº 1, da CRP.»
Foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por se ter considerado que a questão em causa revestia simplicidade, por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal, em que se não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos previsto na Lei n.º 48/2007 (nomeadamente a alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP) aos processos em que a primeira decisão condenatória tenha sido proferida depois da entrada em vigor da referida Lei, mesmo que o processo se tenha iniciado em data anterior, tendo-se julgado improcedente o recurso.
Foi a seguinte a fundamentação desta decisão:
“O recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos previsto na Lei n.º 48/2007 (nomeadamente a alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP) aos processos em que a primeira decisão condenatória tenha sido proferida depois da entrada em vigor da referida Lei, mesmo que o processo se tenha iniciado em data anterior.
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar, por diversas vezes, após a entrada em vigor da reforma processual penal decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, sobre questões de constitucionalidade muito semelhantes à que subjaz ao presente caso (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 263/09, 551/09, 645/09, 125/10, 276/10, 277/10, 359/10, 471/10 e 215/11, acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt).
Concretamente, o mencionado Acórdão n.º 263/2009 pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da «norma dos artigos 432.º n.º 1 alínea b) e 400.º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, em conjugação com o disposto no artigo 5.º n.º 1 e n.º 2 alínea a) do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
Escreveu-se neste acórdão:
«[…]
6. Sucede, porém, que na interpretação normativa sub judice está em causa a aplicação da lei processual penal no tempo, tendo-se entendido ser aplicável a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, aos processos em que a sentença condenatória de 1.ª instância tenha sido proferida depois da entrada em vigor daquela lei, não obstante ser mais restritiva, quanto à admissibilidade de recurso, do que a lei vigente no momento em que o processo se iniciou, o que confronta a norma com o princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º da Constituição.
Na verdade, na interpretação normativa sindicada, a inadmissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1.ª instância e condenem em pena de prisão não superior a 8 anos, decorre de se aplicar a nova redação conferida à alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal nos processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, em que a sentença de 1ª instância foi proferida após a entrada em vigor dessa lei.
Deve entender-se o critério fixado no aludido artigo 29º da Constituição, quanto à aplicação da lei de processo penal no tempo, em sintonia com o que se dispõe no artigo 5º do Código de Processo Penal: a lei nova não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando possa resultar, dessa aplicação, uma limitação dos direitos de defesa do arguido. Todavia, o Tribunal também tem entendido, como já se fez notar, que a garantia consagrada no n.º 1 do artigo 32º da Constituição, quanto ao recurso, não implica, obrigatoriamente, um duplo grau de recurso, designadamente perante acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações, confirmativos de decisão da 1ª instância na qual o arguido foi condenado em pena de prisão não superior a 8 anos.
Deste modo, do aludido artigo 29º da Constituição não é possível retirar uma proibição absoluta de aplicação imediata de lei 'nova', em matéria de recursos em processo penal, da qual resulte a referida limitação, impedindo o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça de recursos de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações nas aludidas circunstâncias.
É certo que o aludido princípio constitucional proíbe que da aplicação da lei nova possa resultar uma inesperada e imprevisível alteração do regime de recursos, em processos pendentes, que afete o exercício do direito de defesa do arguido; mas o certo é que o momento relevante para o exercício do direito de defesa do arguido, designadamente no que respeita à estratégia processual a adotar, coincide com a prolação da sentença condenatória em primeira instância e a sua notificação ao arguido, pois só então se estabilizam os elementos essenciais a atender no exercício do aludido direito de defesa. Mostra-se, por isso, preservado, no essencial, o exercício do direito de defesa do arguido quanto à oportunidade da estratégia processual a adotar.
Não pode, por isso, afirmar-se que, a norma constitui uma desproporcionada limitação das garantias de defesa do arguido, restringindo de forma inadmissível o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça.»
Esta orientação foi reafirmada no Acórdão n.º 551/2009, que se pronunciou no sentido de julgar não inconstitucional «a norma extraída do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, em conjugação com a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, interpretada no sentido de que não é admissível recurso de acórdão proferido em recurso pelas relações que confirme decisão de 1.ª instância proferida após a entrada em vigor da referida lei e que aplique pena de prisão não superior a 8 anos, quando por aplicação do regime vigente à data da instauração do processo esse recurso seria admissível.»
A este propósito, refere-se o seguinte em tal acórdão:
«[…]
O artigo 5.º do Código de Processo Penal institui a regra de que a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior (tempus regit actum). Com duas exceções (n.º 2 do artigo 5.º). A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua entrada em vigor quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; b) quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo.
O Tribunal tem admitido que a questão de constitucionalidade dos regimes de aplicação da lei processual penal no tempo pode e deve ser vista à luz do princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido constante do nº 4 do artigo 29º da nossa Lei Fundamental. Segundo esta jurisprudência, o domínio deste princípio não se restringe à aplicação da lei penal substantiva, antes deverá ser alargado até ao ponto de serem colocadas sob a sua proteção certas situações em que esteja em causa uma norma processual penal de natureza material. A projeção dessas normas no processo e na responsabilização penal do arguido não pode deixar de ter-se por intimamente conexionada com o próprio princípio da legalidade e, consequentemente, com a garantia por ele conferida.
[…]
São estes os princípios que se reafirmam e a que importa submeter a norma em apreciação.
Essa norma elege como critério de determinação da lei aplicável em matéria de admissibilidade de recurso de acórdão das relações para o Supremo o momento em que tenha sido proferida a sentença de 1ª instância que seja confirmada pelo acórdão de que se pretende recorrer. Foi este, aliás, o critério adotado no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, I Série, de 19 de março de 2009, embora aplicado a uma situação inversa daquela que agora está em consideração (a decisão de 1ª instância era anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007).
Este critério não pode ser censurado por abrir a porta aos riscos que levam a estender as consequências do princípio constitucional da legalidade penal a certas normas de processo penal respeitantes à situação processual do arguido. Na verdade, só com a sentença fica definida a resposta judicial à pretensão punitiva do Estado. O direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis que passa a integrar o estatuto do arguido (alínea i) do n.º 1 do artigo 61.º do CPP) só se define perante uma concreta decisão que lhe seja desfavorável. É perante o conteúdo desta que se fixam os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o exercício do direito de recorrer, os pressupostos e o âmbito possível do recurso. Até aí o direito de recorrer, o âmbito do recurso e a sua extensão possível na hierarquia dos tribunais constituem uma mera potencialidade no estatuto do sujeito processual, que se ignora se virá a concretizar-se e em que termos. Perante essa situação de incógnita – para o arguido, para os restantes sujeitos processuais, para o poder legislativo –, não se verificam as razões que levam a proibir soluções legislativas que comportem o risco de um possível arbítrio ou excesso do poder estatal, diminuindo o legislador (ou gerando objetivamente a suspeita de diminuir), de forma direcionada e intencional, o nível de proteção da liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos em processos concretos já iniciados.
Por outro lado, a eleição do momento em que é proferida a sentença condenatória como fator de determinação do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo acautela suficientemente os direitos de defesa, também na perspetiva de que o arguido é livre de escolher e adequar a sua estratégia processual aos meios legais existentes no momento em que exerce determinado direito. Só perante a sentença o arguido saberá se dela discorda e em que termos pode ou lhe convém atacá-la. Se a lei vigente nesse momento lhe permitir levar o recurso até ao Supremo Tribunal, é legítimo que opte por reservar a discussão de algum aspeto da questão ou a apresentação de determinados argumentos para a fase de recurso perante o Supremo. Ora, a fixação da extensão admissível dos recursos de acordo com a lei vigente no momento da sentença de 1ª instância preserva integralmente essa liberdade e a tutela da confiança no seu exercício, que a escolha da lei vigente em momento posterior, designadamente o do acórdão da relação, poderia vulnerar.
Mas só isso pode reclamar-se em nome da preservação dos direitos de defesa, não sendo legítimo que o arguido confie em que o sistema de recursos vigente no momento em que o processo é instaurado se mantenha inalterado. Não se concebe a existência de estratégia processual que venha a ser comprometida pela alteração do regime de recursos antes de ter sido proferida a decisão que se pretende atacar, porque só perante esta surge, em concreto, o interesse em recorrer e se define o seu âmbito possível.»
A jurisprudência sustentada nestes dois acórdãos, em que se entendeu não serem inconstitucionais interpretações normativas no sentido de considerar como momento processualmente relevante para aferir dos pressupostos da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça aquele em que foi proferida a sentença condenatória da 1.ª instância, e não a data do início do processo, é inteiramente transponível para o caso dos presentes autos.
De facto, a interpretação normativa em causa não atenta contra as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas, uma vez que estas não envolvem a existência obrigatória de um duplo grau de recurso e o momento processualmente relevante para a fixação dos pressupostos do direito ao recurso coincide com a prolação da sentença condenatória em 1.ª instância, não sendo legítimo que o arguido confie em que o sistema de recursos vigente no momento em que praticou os factos e se iniciou o respetivo processo penal se mantenha inalterado.
Pelo exposto, remetendo-se para a aludida jurisprudência, cujos fundamentos se acompanham, é de negar provimento ao recurso, proferindo-se decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
O Recorrente vem reclamar desta decisão com os seguintes argumentos:
A douta decisão sumária negou provimento ao recurso por não julgar inconstitucional a norma constante do art. 5º, nº 2 a) do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos previsto na lei 48/2007 (nomeadamente a alínea c) do nº 1 do art. 400º do CPP) aos processos em que a primeira decisão condenatória tenha sido proferida depois da entrada em vigor da referida Lei, mesmo que o processo se tenha iniciado em data anterior.
Salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta decisão sumária não respondeu totalmente ao requerimento e motivação do recurso, nomeadamente, quanto à violação do princípio da aplicação retroativa das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido consagrado no art. 29º, nº 4 da CRP.
Ademais, serviram de fundamentação à douta decisão sumária dois acórdãos deste Tribunal Constitucional cujo conteúdo, salvo o devido respeito e melhor opinião, não foi devidamente tido em conta na douta apreciação da não inconstitucionalidade da norma.
Por um lado, o acórdão 551/2009 refere, expressamente, “a questão da constitucionalidade dos regimes da aplicação da lei processual penal no tempo pode e deve ser vista à luz do princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido constante do nº 4 do artigo 29º da nossa Lei Fundamental. Segundo esta jurisprudência, o domínio deste princípio não se restringe à aplicação da lei penal substantiva, antes deve ser alargado ao ponto de serem colocadas sob a sua proteção certas situações em que esteja em causa uma norma processual de natureza material. A projecção dessas normas no processo e na responsabilidade penal do arguido não pode deixar de ter-se por intimamente conexionada com o próprio princípio da legalidade e, consequentemente, com a garantia por ele conferida. (sublinhado nosso).
Por outro, o acórdão 263/2009 expressamente refere “... a lei nova não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando possa resultar, dessa aplicação, uma limitação dos direitos de defesa do arguido”.
Pese embora esse mesmo acórdão tenha considerado que “... a garantia consagrada no nº 1 do artigo 32º da Constituição, quanto ao recurso não implica obrigatoriamente, um duplo grau de recurso, designadamente perante acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações, confirmativos de decisão da 1ª instância na qual o arguido foi condenado em pena de prisão não superior a 8 anos.”, no presente recurso não está em causa um acórdão condenatório confirmativo de decisão da 1.ª instância, mas sim uma decisão de rejeição liminar do recurso por recusa na aplicação retroativa da lei processual penal mais favorável ao arguido e cuja admissão desse recurso até obtivera provimento junto do Tribunal de 1ª instância.
Nesta matéria, embora não impondo o direito a um duplo recurso, ou a um triplo grau de jurisdição, este Tribunal Constitucional já por diversas vezes considerou que o nº 1 do artigo 32º da Constituição consagra o direito ao recurso em processo penal, como uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido.
Ou seja, se por um lado essa rejeição liminar do recurso se deveu à aplicação da nova lei processual, posterior ao início do processo e cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo arguido, por outro lado, a não admissão do recurso sobre essa decisão de rejeição liminar - cujo conteúdo nem sequer consubstancia um acórdão condenatório confirmativo de decisão da 1ª instância - não garante ao arguido qualquer sindicância dessa decisão de rejeição liminar do recurso cuja admissão até tivera provimento, numa primeira decisão do Tribunal de 1ª instância.
O arguido está assim impedido de exercer o direito, não a um triplo grau de jurisdição (duplo recurso), mas sim a um duplo grau de jurisdição (mero recurso) quanto à decisão de rejeição liminar do recurso proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
A não admissão do recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações, confirmativos de decisão da 1ª instância na qual o arguido foi condenado em pena de prisão não superior a 8 anos está diretamente relacionada com a dupla conforme, porque confirmativa de uma anterior decisão.
Todavia no presente recurso e sobre a matéria de não admissão do mesmo, não existe sequer uma dupla conforme. Pois, o Tribunal de 1ª instância decidiu em sentido diametralmente oposto ao Tribunal da Relação de Lisboa.
A não aplicação ao arguido da lei processual penal em vigor na data em que os factos foram pretensamente praticados ofende, manifestamente, o princípio da aplicação da lei penal mais favorável ao arguido consagrado no artigo 29º, nº 4 da nossa Lei Fundamental, invocado no requerimento de interposição do recurso.
O domínio deste princípio não se restringe à aplicação da lei penal substantiva, antes deve ser alargado ao ponto de serem colocadas sob a sua proteção certas situações em que esteja em causa uma norma processual de natureza material. A projecção dessas normas no processo e na responsabilidade penal do arguido não pode deixar de ter-se por intimamente conexionada com o próprio princípio da legalidade e, consequentemente, com a garantia por ele conferida (cfr., entre outros, Acórdão 551/2009, acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Nessa medida, e por não ter aplicado ao recurso essa disposição legal, o despacho recorrido fez inadequada e inconstitucional interpretação do art. 5º, nº 2 a) do CPP que manda aplicar ao processo penal a legislação em vigor na data da ocorrência dos factos, quando da sua não aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa, por violação do princípio da aplicação retroativa das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido consagrado no art. 29º, nº 4 da CRP.
Sobre a admissão do recurso existem duas decisões diametralmente opostas; a da 1ª instância que o admitiu, por tempestivo e a do Tribunal da Relação de Lisboa que o rejeitou liminarmente, por extemporâneo.
Ou seja, neste capítulo não foi assegurado ao arguido/recorrente o direito ao recurso em processo penal, como uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido, consagrado no artigo. 32º, nº 1 da nossa Lei Fundamental.
Decorre da fundamentação invocada na douta decisão de indeferimento da reclamação que a mesma não aplicou ao recurso o art. 400º, nº 1, alínea c) na redação que lhe fora dada pelo DL 324/2003 de 27 de dezembro.
Nessa medida, e por não ter aplicado ao recurso essa disposição legal, o despacho recorrido fez inadequada e inconstitucional interpretação do art. 5º, nº 2 a) do CPP que manda aplicar ao processo penal a legislação em vigor na data da ocorrência dos factos, quando da sua não aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa, por violação dos art. 29º, nº 4 e 32º, nº 1, da CRP.
Por outro lado, ao ter aplicado, como fundamento de indeferimento da reclamação, essa mesma disposição legal na redação atualmente em vigor, o despacho recorrido fez inadequada e inconstitucional interpretação do art. 5º, nº 2 a) do CPP que proíbe a aplicação da lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando da sua aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação do arguido, nomeadamente, uma limitação do seu direito de defesa, por violação dos art. 29º, nº 4 e 32º, nº 1, da CRP.
Ademais, a não aplicação retroativa da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, viola esse mesmo princípio, constitucionalmente consagrado no art. 29º, nº4 da CRP.
Por fim, da fundamentação invocada na douta decisão de indeferimento da reclamação decorre que a mesma não aplicou ao recurso o art. 400º, nº 1, alínea c) na redação que lhe fora dada pelo DL 324/2003 de 27 de dezembro, impedindo o arguido/recorrente de exercer o direito ao recurso, na medida em que sobre a sua admissão existem duas decisões diametralmente opostas;
- a da 1ª instância que o admitiu, por tempestivo, e;
- a do Tribunal da Relação de Lisboa que o rejeitou, por extemporâneo.
Tal interpretação, por inviabilizar ao arguido, não um triplo grau de jurisdição (duplo recurso), mas sim um duplo grau de jurisdição (mero recurso) sobre a decisão de rejeição liminar do recurso proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deve ser considerada inconstitucional, por violação do artigo 32, nº 1 da Constituição.
Deve pois este Tribunal, julgar inconstitucional a norma constante do art. 5º, nº 2 a) do Código de Processo Penal, que proíbe a aplicação da lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando interpretada no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos previsto na lei 48/2007 (nomeadamente a alínea c) do nº 1 do art. 400º do CPP) impedindo o arguido de exercer o direito de recurso sobre duas decisões diametralmente opostas relacionadas com a admissão desse mesmo recurso.
Mais, o despacho recorrido fez inadequada e inconstitucional interpretação do art. 5º, nº 2 a) do CPP que proíbe a aplicação da lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando interpretada no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos previsto na lei 48/2007 (nomeadamente a alínea c) do nº 1 do art. 400º do CPP) e dessa aplicabilidade possa resultar o não exercício, por parte do arguido, do direito de recorrer de uma decisão desfavorável que num momento imediatamente anterior lhe tinha sido favorável.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
A questão de constitucionalidade colocada neste recurso é idêntica às decididas nos anteriores acórdãos deste Tribunal referidos na decisão reclamada.
O recorrente não aduz quaisquer argumentos que justifiquem uma alteração da posição que o Tribunal Constitucional tem vindo a seguir, não infirmando a fundamentação exposta naqueles arestos, com a qual se concorda.
Por esta razão indefere-se a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins
- Joaquim de Sousa Ribeiro.
|