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Processo n.º 601/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., Reclamante nos presentes autos em que figura como Reclamado o Ministério Público, inconformado com a decisão do Tribunal da Relação do Porto que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional, veio da mesma reclamar.
É o seguinte o teor do despacho reclamado:
“A inconstitucionalidade das normas aplicadas ou de respetiva interpretação deve ser suscitada no processo previamente, como pressuposto do recurso para o Tribunal Constitucional, para efeitos do fundamento previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.
Ora, o recorrente alega que não suscitou a inconstitucionalidade porque era imprevisível e inesperada a interpretação que foi dada pelo Tribunal da Relação.
Apesar da explicação, consideramos que tal não é relevante e que, no caso concreto, inexiste fundamento para o recurso para o Tribunal Constitucional, motivo pelo qual, decidimos não admitir o recurso que se pretende interpor com o requerimento de fls. 631 e seguintes.”
O Reclamante fundamentou a sua reclamação da seguinte forma:
“Não se podendo conformar com a decisão Sumária de 22 de junho de 2011, por posterior Acórdão de 9/11/2011 e por Acórdão de 14/03/2012 onde os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores da Relação do Porto indeferiram a pretensão de Aclaração do Acórdão de 9/11/2012, o ora reclamante dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso esse que não lhe veio a ser admitido, na Relação do Porto vem agora, mui respeitosamente ao abrigo do 405.° C.P. Penal reclamar de tal não admissão. Sucede porém, que admitindo por mero lapso, se entendeu que tal decisão seria irrecorrível, uma vez que a inconstitucionalidade das normas ou da respetiva interpretação deve ser suscitada no processo previamente, como pressuposto do recurso para o Tribunal Constitucional, para efeitos do fundamento previsto no artigo 70°, n° 1, al. b) da Lei 28/82, de 15 de setembro. Pese embora o ora recorrente não tenha suscitado a inconstitucionalidade previamente no processo tal também não seria possível pois a inconstitucionalidade à data era imprevisível e inesperada. Entende assim o ora recorrente que não seria possível levantar a questão da inconstitucionalidade baseada num juízo de prognose de que a interpretação do Tribunal da Relação quanto ao artigo 50°, n° 1 do CP, seria no sentido de que o tribunal não tem que fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão. Destarte a questão da inconstitucionalidade não poderia ser levantada antes pois era imprevisível e inesperado a interpretação dada pela Relação do Porto por violação do artigo 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 e da Constituição da República Portuguesa.”
2. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de que a reclamação não merece deferimento, uma vez que o arguido não suscitou a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em temos de este estar obrigado a dela conhecer.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. No Tribunal da Relação do Porto foi proferido despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade com fundamento na não suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade ora invocada.
Inconformado, o recorrente reclamou para o Tribunal Constitucional da não admissão do recurso de inconstitucionalidade interposto.
Em sede de reclamações deduzidas ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4 da LTC, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se se encontravam reunidos os pressupostos necessários à admissão do recurso que foi recusada pelo tribunal a quo.
4. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – ao abrigo da qual foi interposto o recurso de constitucionalidade –, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, impendendo sobre o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade «perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Ou seja, em momento prévio à respetiva prolação, o que, manifestamente, não se verifica nos presentes autos, como, o próprio reclamante reconhece.
No que ora importa reter, o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade refere o seguinte:
“ (…)3 — A questão da inconstitucionalidade não foi levantada antes pois era imprevisível e inesperado a interpretação dada pela Relação do Porto. (…).”
5. O tribunal recorrido não admitiu a interposição de recurso de inconstitucionalidade com fundamento na omissão de suscitação prévia no processo.
Alega o reclamante que não suscitou a inconstitucionalidade previamente no processo pois «era imprevisível e inesperado a interpretação dada pela Relação do Porto», entendendo que «não seria possível levantar a questão da inconstitucionalidade baseada num juízo de prognose de que a interpretação do Tribunal da Relação quanto ao artigo 50º, nº 1 do CP, seria no sentido de que o tribunal não tem que fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão».
6. Dos autos resulta que o ora reclamante recorreu para o Tribunal da Relação do Porto do acórdão proferido pelo 1º Juízo Criminal do Porto que o condenou pela prática de crime de tráfico de estupefacientes na pena de prisão efetiva de 4 anos e 3 meses de prisão.
Inicialmente rejeitado por decisão sumária, o acórdão que decidiu a reclamação para a conferência daquela decisão viria negar provimento ao recurso, confirmando a decisão de 1ª instância.
Seguiu-se requerimento de aclaração do acórdão e suscitação de nulidades, que também foi indeferido.
Em nenhum dos aludidos requerimentos foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada ao artigo 50.º do CP como o próprio reclamante reconhece.
7. Quando interpôs o recurso para o Tribunal da Relação, o recorrente já estava, porém, em condições de suscitar a questão de inconstitucionalidade em causa, sendo de acompanhar a fundamentação do despacho reclamado quando assim conclui.
Na verdade, entre as pretensões formuladas no recurso contava-se a revogação da pena de prisão efetiva e sua substituição por suspensão da execução da pena. Por sua vez, entre os fundamentos apresentados, o recorrente suscitava a nulidade do acórdão condenatório por omissão de pronúncia quanto à possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão. E sendo assim, a decisão do tribunal de recurso teria, com efeito, de pronunciar-se sobre aquela matéria, o que efetivamente fez, negando razão ao recorrente e entendendo por não verificada a invocada nulidade, com a seguinte fundamentação:
«(…) a decisão recorrida limitou-se a ponderar e afastar por desaconselhadas as penas não privativas da liberdade, não se tendo pronunciado especificamente sobre a suspensão da execução da pena. Porém, sendo a suspensão da execução da pena, ela mesma uma pena de substituição da prisão, não detentiva, tem de entender-se que ao afastar a aplicação das penas não privativas da liberdade está também a afastar-se a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão. Assim, e apesar de o Acórdão não ter sido expresso em afastar a aplicação do disposto no artigo 50.º do C. Penal, tem de entender-se que tal raciocínio está implícito quando afasta a aplicação das penas não privativas da liberdade e, por esse motivo, não se verifica a invocada nulidade».
Independentemente da bondade do assim decidido, o que escapa ao controlo de constitucionalidade atribuído ao Tribunal Constitucional, certo é que a decisão correspondeu ao conhecimento de questões suscitadas no recurso, não podendo representar surpresa para o recorrente que as invocou. No que respeita à suficiência da fundamentação exarada em afastamento da suspensão da execução da pena, a decisão do tribunal de recurso, confirmando o decidido pelo tribunal recorrido, nada tem, pois, de imprevisível. Antes cabia ao recorrente o ónus de antecipar a decisão, nas várias soluções configuráveis, e, em conformidade suscitar, em devido tempo, a via do recurso de constitucionalidade da solução com que não se conforma (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Cumpre, assim, confirmar o despacho que é objeto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de outubro de 2012.- Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.
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