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Processo n.º 303/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Ponta do Sol, em que é recorrente A., Lda. e recorrida B., SA, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da constitucionalidade da norma do 814.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que limita a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória.
2. A recorrente apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«A) Por tudo isto, conclui-se que o procedimento da injunção não cumpre nem respeita a mesma tramitação típica e obrigatória do processo civil, em especial na apresentação dos elementos de prova, na alegação dos factos e nas regras de citação do requerido.
B) Por essa razão, não existe qualquer intervenção de um juiz em todo o procedimento da injunção, pelo que a aposição da fórmula executória não implica uma apreciação do pedido e da causa de pedir.
C) Sendo essa aposição da fórmula executória, por falta de oposição do requerido, efetuada por um secretário judicial, o qual não tem as competências legais para produzir uma sentença judicial, matéria da reserva exclusiva dos juízes.
D) Não podendo a injunção aposta com fórmula executória ser equiparada, em termos da sua natureza, a uma sentença judicial.
E) Não é a alteração de uma norma processual que altera a natureza substantiva da injunção.
F) Nesse sentido, qualquer executado que seja confrontado com uma execução baseada numa injunção não contestada, tem a legitimidade em deduzir oposição à execução com os fundamentos que lhe seriam lícitos alegar no processo declarativo, perante um juiz, caso ele tivesse ocorrido, conforme o art.º 816.º do Código do Processo Civil.
G) Estando, desta maneira, o art.º 814.º, n.º 1 e 2 do Código do Processo Civil, a violar o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proibição da indefesa da ora recorrente, previstos nos arts.º 2.º e 20.º, n.º 1 da Constituição, ao impedi-la de apresentar a sua oposição à execução com os fundamentos previstos no art.º 816.º do Código do Processo Civil.
Nestes termos e demais de direito, deverão V. Exas. julgar procedente, por provado, o presente recurso de fiscalização concreta da inconstitucionalidade, julgando:
1 — Inconstitucional, por violar o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proibição da indefesa, previstos nos arts.º 2.º e 20.º, n.º 1 da Constituição, a norma prevista no art.º 814.º, n.º 1 e 2 do Código do Processo Civil.
2 — Em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar a sua reforma de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.»
3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
«A. O Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro prevê, no n.º 1 e 2 do artigo 12.º, que a notificação ao requerido seja realizada pelo secretário judicial por carta registada com aviso de receção, aplicando-se com as necessárias adaptações o previsto no CPC quanto à citação.
B. Ficando assegurado na íntegra a regularidade e certeza da notificação do requerido no âmbito do procedimento de injunção.
C. O requerimento injuntivo melhor identificado nos autos em epígrafe, deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 26.02.2010.
D. A alteração ao Código de Processo Civil que deu origem à nova redação do n.º 2 do artigo 814.º (decreto-lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), colocada em causa neste recurso pela recorrente, entrou em vigor no dia 31.03.2009.
E. O recorrente foi regularmente notificado do requerimento injuntivo, como aliás o mesmo confessa.
F. O recorrente, regularmente notificado da injunção, teve hipótese de pagar voluntariamente a divida, ou, caso entendesse que não era devida, opor-se à injunção.
G. Caso o recorrente tivesse deduzido oposição à injunção, o processo teria sido envaido à distribuição, distribuído a um tribunal para realização da audiência de discussão e julgamento.
H. O recorrente optou, voluntariamente, por não deduzir oposição à injunção.
I. À data da notificação para pagar ou opor-se à injunção já estava em vigor a nova redação do artigo 814.º do CPC.
J. O recorrente sabia à data da notificação, que se não se opusesse à injunção no momento em que estava a ser notificado da mesma (no prazo de 15 dias), não poderia no futuro, em sede de oposição à execução, utilizar os mesmos fundamentos para de opor.
K. O ora aqui recorrente abdicou desse direito de defesa.
L. O direito de defesa que as partes têm não é um direito indisponível, pelo que pode ser afastado pela sua vontade.
M. A natureza jurídica da injunção é uma questão doutrinária, irrelevante para o que se discute neste recurso.
N. O artigo 814.º do CPC apenas equipara a injunção à sentença no que concerne à limitação dos fundamentos de defesa em sede de oposição à execução, e sempre nos casos em que o requerido, no processo de formação do título executivo, tenha tido oportunidade de deduzir oposição.
O. O artigo 814.º do CPC, uma vez que o recorrente teve hipótese de deduzir oposição em sede de requerimento injuntivo, não viola o preceito constitucional de acesso aos tribunais, ou limita os meios de defesa, plasmado no artigo 20.º da CRP.
Nestes termos, e demais de direito, deverão V. Exas. julgar improcedente, por não provado, o presente recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, mantendo a decisão recorrida na íntegra.»
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4. Questão idêntica à que é objeto do presente recurso foi recentemente decidida nesta 2.ª Secção, no Acórdão n.º 437/2012, onde se decidiu, por unanimidade, julgar inconstitucional a norma contida no artigo 814.º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória.
Concluiu-se neste aresto, que «a ‘norma’ em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o ‘princípio da proibição da indefesa’, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição.»
Esta jurisprudência, que aqui se reitera, é inteiramente aplicável ao caso em apreço.
III - Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se, pelos fundamentos constantes do Acórdão n.º 437/2012:
a) Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 814.º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória.
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 1 de outubro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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