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Processo n.º 547/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamado o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem reclamar, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/08/2012 que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 216-217).
2. O ora reclamante apresentou requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, nos termos seguintes (cfr. fls. 269):
«A., já identificado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do douto Acórdão constante de folhas... dos sobreditos autos, o qual determinou a revogação da suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão a que tinha sido condenado, vem, muito respeitosamente, atento o previsto e estatuído no nº 1 alínea b) do artigo 70º, alínea b) do artigo 72º, nº 1 do artigo 75º, nº 1 do artigo 75º - A, todos da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por entender, sempre com o devido respeito por melhor opinião, que este Alto Tribunal, ao violar como violou, como se demonstrará em sede de alegações, a produzir nos termos do nº 1 do artigo 79º da já supra citada Lei nº 28/82, a alínea b) do nº 1 do artigo 56º, nº 3 do artigo 52º, nº 1 do artigo 40º todos do Código Penal, violou também, o estipulado no artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, violações essas, que foram aduzidas e não atendidas, na motivação de recurso interposto junto deste Venerando Tribunal pelo ora requerente e constante de folhas... dos presentes autos.»
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 26/06/2012, indeferiu o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 272-273):
«A fls. 269, vem o arguido, A., interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, do acórdão proferido, em conferência, por este Tribunal da Relação, que negou provimento ao recurso por si interposto do despacho judicial que revogou a suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses em que havia sido condenado, alegando que este Tribunal da Relação, ao violar a alínea b) do n.' 1 do art. 56.º, o n.º 3 do art. 52.º, e o n.º 1 do art. 40.º, todos do Código Penal, violou também o estipulado no art. 1.º da Constituição da República Portuguesa.
Importa apreciar da admissibilidade do recurso interposto, nos termos do disposto no art. 76.º, n.º1, da Lei n.º 28/82, de 15-11 (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional –, adiante designada por LTC).
Os fundamentos dos recursos, para o Tribunal Constitucional, das decisões dos tribunais, com vista à fiscalização concreta da constitucionalidade, constam dos arts. 280.º, n.ºs 1,2,5 e 6, da CRP, e 70.º, n.º 1, da LTC.
Os requisitos formais de tais recursos constam dos arts. 70.º, n.ºs 2 a 6, 71.º, n.º 1, 75.º e 75.º-A, do mesmo diploma.
As regras relativas à legitimidade para a interposição de recurso figuram nos arts. 280.º, n.º 4, da CRP, e 72.º, n.º 2, da LTC.
O acórdão ora recorrido não é susceptível de recurso ordinário, nos termos dos arts. 399.º e 400.º, n.º 1, al. c). ambos do Cf'P. uma vez que não conhece, a final, do objecto do processo, pelo que, de acordo com o disposto no art. 70.º, n.º 2, da LTC, dele cabe, em principio, recurso para o Tribunal Constitucional.
Por outro lado, ao recorrente assiste legitimidade para recorrer, nos termos do disposto no art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP, e 72.º, n.º 1, al. b), da LTC.
No seu requerimento, o recorrente indica que pretende recorrer ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC.
No entanto, não indica qual a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, como impõe o n.º 1 do art. 75.º -A da LTC.
Embora tal vício fosse susceptível de sanação, mediante convite prévio nos termos do disposto no art. 75.º -A, n.º 5, da LTC, o que resulta inequivocamente do requerimento de interposição de recurso é que o recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional aprecie da inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma, mas sim impugnar o acórdão que negou provimento ao recurso que interpôs de um despacho judicial que revogou a suspensão da execução da pena em que havia sido condenado, por entender que esse acórdão deste Tribunal da Relação violou o preceituado nos arts. 56.º, n.º 1, al. b). 52.º, n.º 3, e 40.º, n.º 1, todos do Código Penal, e também o art. 1.º da Constituição da República Portuguesa.
Contudo, no domínio da fiscalização concreta, como é o caso, a sindicância reservada ao Tribunal Constitucional circunscreve-se ao controlo normativo, não podendo o Tribunal Constitucional avaliar a conformidade legal ou constitucional das próprias decisões judiciais, como decorre do disposto no art. 70.º da LTC.
Por esse motivo, o objecto do recurso é totalmente inidóneo para ser conhecido em sede de recurso de constitucionalidade, não podendo, assim, ser admitido.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art. 76.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15-11 (LTC), indefere-se o recurso interposto pelo arguido, A., para o Tribunal Constitucional.».
4. Notificado, em 27/06/2012, do despacho de não admissão de recurso para este Tribunal o recorrente reclamou nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, nos termos seguintes (cfr. fls. 276-277):
«A., já identificado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do, aliás, douto despacho proferido a folhas... dos sobreditos autos, o qual indeferiu o recurso interposto pelo presente arguido para o tribunal Constitucional, vem, muito respeitosamente, atento o previsto e estatuído no artigo 77.º da LTC, reclamar do sobredito despacho nos termos infra exarados.
Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do
Tribunal Constitucional
A., já identificado nos autos supra identificados, vem, muito respeitosamente, atento o preceituado no artigo 77.º da Lei N.º 28/82 de 15 de Novembro, reclamar do douto despacho proferido a folhas... dos acima referidos autos, o qual indeferiu o recurso interposto pelo aqui reclamante para este Alto Tribunal, o que faz nos seguintes termos:
1 - o douto despacho de que ora se reclama, elaborado de forma mui douta, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, concluiu, afirmando, que não assistia o direito ao presente reclamante de interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Ora,
2 - sempre com o devido respeito por melhor opinião, entendemos que tal decisão não está conforme com o legalmente previsto, daí a presente reclamação! Vejamos então,
3 - o aqui reclamante em sede de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional alegou, que ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, violou o constante na alínea b) do nº 1 do artigo 56º, nº 3 do artigo 52º, nº 1 do artigo 40º, todos do Código Penal e, em consequência, o artigo 1º da Constituição da República Portuguesa. Ou seja,
4 - o que se pretendia e pretende demonstrar junto deste Alto Tribunal, o qual além do mais, tem a nobre missão de sindicar e decidir no sentido de declarar se as decisões proferidas pelos nossos tribunais estão, ou não, em conformidade com a nossa LEI das leis. Na verdade,
5 - o aqui arguido, entende, como o demonstrou em sede de motivação de recurso e pretende demonstrar junto deste Alto Tribunal, que ao decidir como decidiu o tribunal “a quo”, cuja confirmação foi efectivada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no que tange à revogação da suspensão da execução da pena de quatro anos e seis meses de prisão, a que tinha sido condenado o presente reclamante, violou os preceitos legais penais acima citados e, em consequência, o artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, daí a presente reclamação!
FACE AO EXPOSTO,
sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. requer-se que a presente reclamação seja atendida e, consequentemente, seja admitido o recurso interposto pelo arguido, aqui reclamante, para este Alto Tribunal, tudo com as legais consequências. (…)».
5. A reclamação para este Tribunal foi admitida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 12/07/2012 (cfr. fls. 278).
6. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu pelo indeferimento da reclamação, nos termos seguintes:
«1. A. interpôs recurso para a Relação de Lisboa da decisão que, em 1.ª instância, revogou a suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão em que havia sido condenado.
2. Negado provimento ao recurso, o arguido, do acórdão da Relação, interpôs recurso para este Tribunal Constitucional.
3. No respectivo requerimento diz o recorrente:
“(…)
Vem, muito respeitosamente, atento o previsto e estatuído no n.º 1, alínea b), do artigo 70.º, alínea b) do artigo 72.º, n.º 1, do artigo 75.º, n.º 1, do artigo 75.º-A, todos da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por entender, sempre com o devido respeito por melhor opinião, que este Alto Tribunal, ao violar como violou, como se demonstrará em sede de alegações, a produzir nos termos do n.º 1, do artigo 79.º da já supra citada Lei n.º 28/82, a alínea b), do n.º 1 do artigo 56.º, n.º 3 do artigo 52.º, n.º 1 do artigo 40.º todos do Código Penal, violou também, o estipulado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa”.
4. Como o recurso não foi admitido, reclamou para este Tribunal.
5. A competência do Tribunal no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, exerce-se, exclusivamente, sobre normas ou interpretações das mesmas.
6. Como se vê pela parte do requerimento atrás transcrito, o recorrente imputa a violação do artigo 1.º da Constituição, conjuntamente com as normas de direito ordinário que refere, à própria decisão.
7. Na reclamação agora apresentada, apenas se confirma o afirmado no requerimento recursório.
8. Assim, parecendo-nos evidente que não vem enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade que possa constituir objecto idóneo de recurso de constitucionalidade, deve a reclamação ser indeferida.
9. Poderia ainda acrescentar-se que na motivação do recurso para a Relação – o momento próprio – não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade de natureza normativa, tendo a mesma sido tratada de forma idêntica aquela que consta do requerimento de interposição de recurso.».
7. Cumpre apreciar e decidir nos termos do n.º 3 do artigo 77.º da LTC.
II – Fundamentação
8. O recorrente reclama para a conferência do despacho do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/06/2012 que indeferiu o recurso interposto para este Tribunal por discordar do decidido.
Discorda o ora reclamante da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa de indeferimento por entender «que tal decisão não está conforme com o legalmente previsto» (cfr. n.º 2 do requerimento de reclamação, fls. 277).
9. Não assiste razão ao reclamante.
9.1 O Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu o recurso para este Tribunal por entender que «o objecto do recurso é totalmente inidóneo» (cfr. fls. 273).
9.2 Não obstante considerar que o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não indica todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC – no caso, a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que este Tribunal aprecie – considerou também que, ainda que tal vício fosse susceptível de sanação, nos termos do n.º 5 do artigo 75.-A da LTC, «o que resulta inequivocamente do requerimento de interposição de recurso é que o recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional aprecie da inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma, mas sim impugnar o acórdão que negou provimento ao recurso que interpôs de um despacho judicial que revogou a suspensão da execução da pena em que havia sido condenado, por entender que esse acórdão deste Tribunal da Relação violou o preceituado nos arts. 56.º, n.º 1, al. b). 52.º, n.º 3, e 40.º, n.º 1, todos do Código Penal, e também o art. 1.º da Constituição da República Portuguesa» (cfr. fls. 273).
9.3 E, afirmando que «(…) no domínio da fiscalização concreta, como é o caso, a sindicância reservada ao Tribunal Constitucional circunscreve-se ao controlo normativo, não podendo o Tribunal Constitucional avaliar a conformidade legal ou constitucional das próprias decisões judiciais, como decorre do disposto no art. 70.º da LTC» (cfr. fls 273), conclui o Tribunal da Relação de Lisboa pelo indeferimento do recurso.
9.4 Da análise do teor e fundamentação do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, bem como da reclamação apresentada, e da análise do processo, decorrem liminarmente elementos bastantes no sentido da inexistência dos pressupostos de admissibilidade do recurso e, em consequência, a inutilidade de prolação de despacho-convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 264/06 (n.º 3), disponível, bem como o adiante citado, em http://www.tribunalconstitucional.pt).
9.5 Com efeito, do teor e fundamentação do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, bem como da reclamação apresentada, decorre que o ora reclamante não pretende que o Tribunal Constitucional exerça um controlo da constitucionalidade com natureza normativa.
9.6 Conforme consta do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, o recorrente afirma, referindo-se ao Acórdão proferido, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 31/05/2012, que (cfr. fls. 269):
«(…) este Alto Tribunal, ao violar como violou, como se demonstrará em sede de alegações, a produzir nos termos do nº 1 do artigo 79º da já supra citada Lei nº 28/82, a alínea b) do nº 1 do artigo 56º, nº 3 do artigo 52º, nº 1 do artigo 40º todos do Código Penal, violou também, o estipulado no artigo 1º da Constituição da República (..)».
E, na sua reclamação, afirma que (cfr. fls. 277):
«(…) 3 - o aqui reclamante em sede de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional alegou, que ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, violou o constante na alínea b) do nº 1 do artigo 56º, nº 3 do artigo 52º, nº 1 do artigo 40º, todos do Código Penal e, em consequência, o artigo 1º da Constituição da República Portuguesa. Ou seja,
4 - o que se pretendia e pretende demonstrar junto deste Alto Tribunal, o qual além do mais, tem a nobre missão de sindicar e decidir no sentido de declarar se as decisões proferidas pelos nossos tribunais estão, ou não, em conformidade com a nossa LEI das leis. Na verdade,
5 - o aqui arguido, entende, como o demonstrou em sede de motivação de recurso e pretende demonstrar junto deste Alto Tribunal, que ao decidir como decidiu o tribunal “a quo”, cuja confirmação foi efectivada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no que tange à revogação da suspensão da execução da pena de quatro anos e seis meses de prisão, a que tinha sido condenado o presente reclamante, violou os preceitos legais penais acima citados e, em consequência, o artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, daí a presente reclamação! (…)»
9.7 Do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, bem como do teor da reclamação apresentada – na qual, como sublinha o representante do Ministério Público junto deste Tribunal «apenas se confirma o afirmado no requerimento recursório» (cfr. n.º 7, fls. 284) – decorre, pois, que o ora reclamante pretende que este Tribunal aprecie o Acórdão proferido em 31/05/2012, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso por si interposto do despacho judicial que revogou a suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses em que havia sido condenado.
Conforme afirma o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, o recorrente e ora reclamante «imputa a violação do artigo 1.º da Constituição, conjuntamente com as normas de direito ordinário que refere, à própria decisão» (cfr. n.º 6, fls. 284).
9.8 A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da competência deste Tribunal incide sobre normas e não sobre decisões, incluindo, como se pretende no caso, decisões judiciais. Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):
«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».
9.9 Pelo que não é possível conhecer do objeto do recurso.
III – Decisão
10. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Lisboa, 1 de outubro de 2012.- Maria José Rangel de Mesquita – Fernando Vaz Ventura – Rui Manuel Moura Ramos.
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