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Processo n.º 511/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
Vem o arguido A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com referência à 'parte em que desatendeu a inconstitucionalidade da al. a) do nº 1 do artigo 152°-A do CP, quando interpretado no sentido de que pode violar os direitos consagrados nos artigos 67.°, al. c) e 70.º, nº l. al. a), ambos da CRP'.
Para tanto, o recorrente evoca o disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70.° da Lei n° 28/82, de 15/11, e reconhece que só agora suscitou a inconstitucionalidade da referida. Mas, sustenta, apenas neste momento foi confrontado com a aplicação da mesma, sem hipótese de recurso ordinário.
Porém, essa conclusão não encontra cabimento e representa a continuação da mesma visão errada sobre o sistema de apreciação da constitucionalidade de que enferma a arguição apreciada no aresto de 02/05/2012, na busca de instrumental idade dilatória, como se antecipou.
Recorrendo à síntese constante do Ac. do Tribunal Constitucional n° 514/2011, de 31/10:
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC - como ocorre no presente caso -, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou me que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Tomando o caso em apreço, a norma sobre a qual se pretende obter juízo de conformidade constitucional constitui nem mais nem menos do que o tipo penal incriminador constante da acusação e pelo que foi condenado pela primeira instância. Nenhuma surpresa existe neste domínio.
Assim, e de forma que se configura como manifesta, o arguido podia ter suscitado a questão e constitucionalidade no recurso que interpôs para esta Relação, como argumento principal ou coadjuvante da pretensão de desaplicação desse normativo, não se vislumbrando situação que tornasse inexigível essa arguição.
Importa referir que o arguido procurou trazer aos autos essa discussão através de arguição de nulidade, mas a sua pretensão não foi julgada, processualmente inadmissível, conforme o mesmo aresto de 02/05/2012, que, por isso, não conheceu dessa pretensão. Essa decisão não plicou, nem desaplicou, a norma da al. a) do nº 1 do art.º 152-A do CP, qualquer que seja o sentido interpretativo ponderado.
Face ao exposto, por falecer o requisito imposto pelo art.º 72.º, nº 2, com referência ao artigo 70.º, nº 1, al. b), e ao abrigo do art.º 76.º, nºs 1 e 2, todos da Lei, todos da Lei nº 28/82, de 15/11, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A.”.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
“I - O ora reclamante foi notificado do douto despacho que rejeitou o recurso interposto, com fundamento na inadmissibilidade legal.
II - O despacho que não admitiu o recurso é do seguinte teor:
'(...) por falecer o requisito imposto pelo artº 72.º, nº 2, com referência ao artº 70.º, nº 1, al. b), e ao abrigo do artº 76.º, nºs 1 e 2, todos da Lei nº 28/82, de 15/11, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A..'
III - Salvo o devido respeito, o entendimento do Exmº. Sr. Juiz do Tribunal 'a quo' não pode ser acolhido, pelas razões que se passa a expor:
O ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do douto Acórdão da Relação na parte em que 'desatendeu à inconstitucionalidade da al. a) do nº 1 do artigo 152.º-A do CP, quando interpretado no sentido de que pode violar os direitos consagrados nos artigos 67.º, al. c) e 70.º, nº. 1, al. a), ambos da CRP'.
Isto porque, conforme decorre do dispositivo do douto Acórdão não foi conhecida a questão da constitucionalidade formulada porque '(...) a pretensão do recorrente constitui, em substância, pedido de apreciação abstrata da constitucionalidade, para que apenas o Tribunal Constitucional é competente.(...)'. ´
Ou seja, o reclamante suscitou a questão da inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido, que a desatendeu.
A douta decisão não admite recurso ordinário.
Estando assim preenchidos os requisitos dos artigos 70.º n.º 2 e 72.º n.º 2, ambos da LTC.
IV - Nestes termos, face ao exposto, deve ser deferida a presente reclamação e em consequência revogado o douto despacho reclamado, que deverá ser substituído por outro que receba o recurso, assim se fazendo a costumada justiça.
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor:
“A., nos autos de processo comum singular acima identificados, não concordando com o douto Acórdão na parte em que desatendeu a inconstitucionalidade da al. a) do nº 1 do artigo 152.º A do CP, quando interpretado no sentido de que pode violar os direitos consagrados nos artigos 67.º, al. c) e 70.º, n.º 1, al. a), ambos da CRP, dele pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
O recurso tem subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, sendo interposto com base no disposto na alínea b) do número 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as posteriores alterações que entretanto se verificaram.
O recorrente só agora suscitou a questão da inconstitucionalidade da referida norma, para o Tribunal Constitucional, porque a mesma só agora se viu confrontado com a aplicação da mesma, sem hipótese de recurso ordinário”.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto pelo ora reclamante para o Tribunal Constitucional com fundamento na falta de verificação do pressuposto processual estabelecido no artigo 72.º, n.º 2 da LTC – o de prévia suscitação da questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Na reclamação apresentada o reclamante vem discordar desse entendimento, sustentando que suscitou a questão de inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido.
Não tem razão o reclamante.
Desde logo, para que se pudesse considerar cumprido o ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, estabelecido no artigo 72.º, n.º 2 da LTC, seria necessário que o recorrente, ora reclamante, tivesse suscitado a questão de constitucionalidade nas alegações do recurso interposto para o Tribunal a quo da decisão condenatória da 1ª instância, não sendo admissível que o venha fazer em momento posterior ao da prolação do acórdão que negou provimento ao recurso interposto.
Com efeito, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que os incidentes pós-decisórios não são já meios idóneos e atempados para suscitar – em vista de ulterior recurso para este Tribunal – a questão de inconstitucionalidade relativa a matéria sobre a qual o poder jurisdicional do juiz a quo se esgotou com a decisão e num momento em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma, apenas se dispensando o recorrente do ónus de invocar a inconstitucionalidade “durante o processo” nos casos excecionais e anómalos em que este não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente (v. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), situação excecional e anómala essa que, não obstante parecer ter sido alegada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, nele não se encontra satisfatoriamente demonstrada.
Não se podendo considerar verificado o pressuposto processual de prévia suscitação da questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, estabelecido no artigo 72.º, n.º 2 da LTC, é de manter na íntegra o despacho reclamado que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos.
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