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Processo n.º 486/2012
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de fls. 251 dos presentes autos, que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A., arguida no Processo à margem supra referenciado, e ora Reclamante, notificada do Douto Despacho, de 24 de maio de 2012, que não admitiu o Requerimento de Recurso que interpôs para o Colendo Tribunal Constitucional para apreciação das inconstitucionalidades invocadas naquele requerimento, vem apresentar Reclamação, com vista à sua admissão, o que faz nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 3; 76.º, n.º 4 e 77.º todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro — Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), com as alterações que lhe foram introduzidas, o que faz com os fundamentos seguintes:
Colendos Conselheiros do Tribunal Constitucional
I
O Douto Despacho aqui em causa não admitiu o Requerimento de Recurso apresentado pela ora Reclamante e aqui junto como Doc. 1., com fundamento de que “A norma cuja inconstitucionalidade vem invocada não foi, no entanto, aplicada na decisão reclamada, sendo inteiramente estranha à construção e fundamentação normativa da decisão.
II
Porém, e salvo o muito devido respeito, não é correta tal interpretação in casu por estar em causa norma — art.º 2.º do Código de Processo Civil (CPC) — que, por ser definidor de um princípio que atribui o direito subjetivo ao acesso a Justiça, não pode ter direta aplicação no Direito adjetivo, cimo são as normas do CPC.
III
E o fundamento da inadmissibilidade invocada no Douto Despacho aqui em causa, não consta das normas dos art.ºs 70.º, n.º 1, al. b) e 76.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 28/82, de 15 de novembro, no mesmo invocadas.
IV
Na verdade, outrossim, encontram-se preenchidos os requisitos impostos pelo art.º 75.º-A, daquela Lei 28/82 de 15 de novembro (LTC) para admissão do Recurso interposto.
V
Com efeito, como impõe o n.º 2 do supra citado art.º 75.º-A da LTC, o Requerimento de Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º daquela Lei (LTC) deve constar a norma ou princípio constitucional ou legal que se considere violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
VI
O que a ora Reclamante efetivamente fez naquele Requerimento de Recurso que, pelo Douto Despacho aqui em causa não foi, contudo, admitido.
V1I
Ademais, entre outros nos pontos III, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV do seu Requerimento de Recurso (cfr. Doc.1) a ora Reclamante indicou, sobejamente as normas constitucionais que a atuação levada a efeito pelo Douto Despacho, ato jurisdicional de suporte daquele Requerimento, havia violado.
VIII
Normas constitucionais que, de forma processualmente adequada, havia a ora Reclamante suscitado, durante todo o Processo, referente à questão sub judicio no ato jurisdicional de suporte do Requerimento de Recurso de constitucionalidade.
IX
Tendo, a ora Reclamante, aliás, de forma clara e expressa suscitado, no Requerimento de Suspeição sobre o qual recaiu o referido ato jurisdicional de suporte do Requerimento de Recurso a questão da inconstitucionalidade da norma do art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) operada pela violação do art.º 2.º do Código de Processo Civil (CPC).
X
Ali tendo, naquele Requerimento de Suspeição (Cfr. Doc.2, ex. pontos XLI, XLIV, XLV, XLVI, LVI, ...) transcrito mesmo a Douta Decisão tomada pelo Colendo Tribunal Constitucional sobre idêntica questão ali ocorrida e neste mesmo processo à margem supra referenciado e na qual foi aplicado o CPC.
XI
Aplicação do Código de Processo Civil que se reclamou com a apresentação no Requerimento de Suspeição e que o Douto Despacho, ato jurisdicional de suporte do Requerimento de Recusa decidiu não aplicar, e assim, consequentemente em violação do conceito normativo ínsito e que subjaz à norma constitucional do art.º 20.º, nº 4 da CRP.
XII
Norma constitucional que, consagra um princípio constitucional — o princípio da tutela jurisdicional — que a ora Reclamante no Requerimento de Recurso para esse Colendo Tribunal Constitucional, nos termos do citado n.º 2 do art.º 75.º-A da LTC indicou, sobejamente, como violado, na sequência daquela suscitação feita no Requerimento de Suspeição.
XIII
Princípio constitucional que se acha violado pelo facto, bem demonstrado, de que a questão submetida a Juízo pela ora Reclamante não teve decisão, como impõe o art.º 2.º do CPC, em realização daquele princípio constitucional.
XIV
E o fundamento invocado no Douto Despacho aqui em causa para não admitir o Requerimento de Recurso para esse Colendo Tribunal Constitucional de que “A norma cuja inconstitucionalidade vem invocada não foi, no entanto, aplicada na decisão reclamada, sendo inteiramente estranha à construção e fundamentação normativa da decisão” jamais in casu poderia colher, pois o art.º 2.º do CPC — que realiza o referido princípio da tutela jurisdicional — não pode nunca ter direta aplicação em qualquer decisão.
XV
Pois, como resulta do citado art.º do CPC — a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão jurisdicional que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar — tal norma legal consagra ela própria uma disposição fundamental, o princípio da tutela jurisdicional, ou seja, o direito subjetivo de acesso aos tribunais (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anot., 3.ªed.,1993)
XVI
Ora, as normas que definem, regem, regulamentam e impõem os princípios que devem ser observados na aplicação das Leis - no caso as que integram o Código de Processo Civil — como é o art.º 2.º do CPC, não são normas decisórias e não têm direta aplicação, pelo que tal preceito, o art.º 2.º do Código de Processo Civil não podia ter nunca tido aplicação na decisão reclamada.
XVII
Está em causa, no Requerimento de Recurso interposto para esse Colendo Tribunal Constitucional o princípio constitucional — o da tutela jurisdicional — art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa consagrado entre os Direitos Fundamentais em preceito que, por outro lado, é diretamente aplicável e vincula os Órgãos Jurisdicionais.
XVIII
A não realização da justiça, em violação dos conceitos normativos, cuja inconstitucionalidade se invoca para ser apreciada no Requerimento de Recurso não admitido é tanto mais grave quando está em causa a imparcialidade e a consequente confiança da comunidade na administração da Justiça.
XIX
A Apreciação das inconstitucionalidades impõe-se ainda por força das normas e dos princípios de Direito Internacional geral e comum que fazem parte integrante do Direito Português, nomeadamente das Convenções Internacionais que vigoram na Ordem Jurídica interna e que vinculam o Estado, tal como a Reclamante invocou já em todos os Requerimentos atinentes ao presente Processo e como o impõem os art.ºs 8.º e 16.º da Constituição da República Portuguesa
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e deve, consequentemente ser admitido, o Requerimento de Recurso interposto pela ora Reclamante para esse Colendo Tribunal Constitucional do Douto Despacho de 3 de maio de 2012, ato jurisdicional de suporte de tal requerimento.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. A., arguida, apresentou requerimento de recusa de dois conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que haviam subscrito acórdãos daquele Supremo Tribunal em processos em que aquela figurava como recorrente.
2. Por acórdão de 23 de novembro de 2011, foi recusado, por intempestividade, o requerimento de recusa, sendo relatora e também subscritora desse acórdão a Exm.ª Senhora Conselheira Isabel Celeste Alves Pais Martins.
3. A arguida arguiu a nulidade desse Acórdão e apresentou pedido de recusa da Senhora Conselheira Isabel Pais Martins.
4. Este pedido foi indeferido pelo Acórdão de 18 de janeiro de 2012, tendo o posterior Acórdão, de 15 de fevereiro de 2012, indeferido a arguição de nulidade do primeiro.
5. Sendo, subscritor e relator dos dois acórdãos anteriores o Senhor Conselheiro Eduardo Maia Costa e deduzido incidente de recusa, também em relação àquele Senhor Conselheiro, foi o mesmo indeferido.
6. Resolvido o incidente de recusa da Senhora Conselheira Isabel Pais Martins (vd. n.ºs 3 e 4), foi apreciada e indeferida, por acórdão de 29 de fevereiro de 2012, a arguição de nulidade do Acórdão de 23 de novembro de 2011 (vd. n.ºs 2 e 3).
7. Desse Acórdão, de 29 de fevereiro, foi deduzido, pela arguida, incidente de suspeição em relação à Senhora Conselheira Isabel Pais Martins, invocando-se o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Civil.
8. A Senhora Conselheira em causa entendeu:
- que o incidente de suspeição mais não era “do que uma duplicação, sob uma nova veste processual, do anterior incidente de recurso” (vd. n.ºs 3 e 4);
- que sendo a matéria regulada no Código de Processo Penal, não existia qualquer lacuna que legitimasse o uso do incidente regulado no Código de Processo Civil;
- que, de qualquer forma, o prazo para a dedução da suspeição (artigo 128.º do Código de Processo Civil), não se encontrava respeitado.
9. Remetido o incidente ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi proferida, em 3 de maio de 2012, a douta decisão que, considerando não ser aplicável o regime de processo civil sobre “impedimentos” e “suspeições”, por não existir qualquer incompletude de regulação no processo penal, indeferiu o requerido, por ser manifestamente inadmissível.
10. É desta decisão que, pela arguida, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, enunciando aquela, a seguinte questão:
“Termos em que se requer a apreciação da inconstitucionalidade do art.º 2.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido que viola a constitucionalidade do conceito normativo que subjaz à norma do art.º 20.º, n.º 4 da CRP que as normas daquele artigo 2.º do CPC realizam e, bem assim por consequência, a inconstitucionalidade também arguida ao longo do presente Requerimento dos conceitos normativos das normas dos art.ºs 32.º, n.º 1, 32.º, n.º 5, 13.º, 18.º, 17.º e 16.º da CRP cuja violação foi também operada por aquela interpretação que em sentido da não aplicação das normas do CPC fez desaplicar e deixar sem eficácia tais conceitos normativos.”
11. Aliás, ao longo do requerimento de interposição do recurso, quando não se imputa a inconstitucionalidade à própria decisão (vd., vg., ponto XVI a fls. 239), é sempre referido o artigo 2.º do Código de Processo Civil (vd., v.g., n.ºs III, XI, XIII, XV, XXXI, XXXII, XXXVII).
12. Embora o afirmado pela recorrente não seja facilmente percetível, falando-se inclusivamente da inconstitucionalidade dos conceitos normativos de diversas normas da Constituição, a única norma de direito ordinário que, de forma confusa e sem especificar com o mínimo de clareza o sentido interpretativo, a recorrente refere, é o artigo 2.º do Código de Processo Civil.
13. Ora, a decisão recorrida, proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, limitou-se a sufragar o entendimento de que tendo sido levantado o incidente de suspeição invocando-se o artigo 127.º do Código de Processo Civil, o regime vigente nesta matéria em processo civil, não era aplicável, uma vez que o processo penal (artigos 39.º a 47.º do CPP) a regulava de forma própria, autónoma e completa, não existindo qualquer lacuna.
14. Parece-nos, pois, evidente, que não foi aplicado o artigo 2.º do Código de Processo Civil, que, aliás, não é sequer referido – nem tinha que ser – na douta decisão reclamada.
15. Poderíamos ainda acrescentar que não tendo a interpretação levada a cabo pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nada de imprevisível ou anómalo, bem pelo contrário, a recorrente não estava dispensada do ónus da suscitação prévia e adequada da sua inconstitucionalidade, desde logo, quando suscitou o incidente, o que não fez.
16. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
3. A reclamante pretende recorrer para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para que, em síntese, e nos seus próprios termos, seja apreciada a «inconstitucionalidade do art.º 2.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que viola a constitucionalidade do conceito normativo que subjaz à norma do artigo 20.º, n.º 4, da CRP que as normas daquele artigo 2.º do CPC realizam e, bem assim por consequência, a inconstitucionalidade também arguida ao longo do presente Requerimento dos conceitos normativos das normas dos artigos 32.º, n.º 1, 32.º, n.º 5, 30.º, 18.º, 17.º, e 16.º da CRP cuja violação foi também operada por aquela interpretação que em sentido da não aplicação das normas do CPC fez desaplicar e deixar sem eficácia tais conceitos normativos. O despacho reclamado não admitiu o recurso com fundamento na não aplicação, pela decisão recorrido, da norma arguida inconstitucional».
A transcrição que efetuamos dá suficiente nota de que a reclamação apresentada não prima pela clareza. É, todavia, seguro que a única norma de direito ordinário que a reclamante questiona, do ponto de vista da sua constitucionalidade, é o artigo 2.º do CPC, norma que, sob a epígrafe “garantia de acesso aos tribunais”, se refere a um conjunto de garantias com consagração constitucional.
Atente-se em que a própria reclamante acaba por admitir que este artigo 2.º do CPC define um «princípio que atribui o direito subjetivo ao acesso à Justiça», pelo que «não pode ter direta aplicação no direito adjetivo» (cfr. ponto II da reclamação).
Como bem salienta o tribunal recorrido, no despacho aqui reclamado e o Ministério Público, na sua resposta, este preceito do CPC não foi aplicado pela decisão recorrida, como sua ratio decidendi. De facto, esta decisão – decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de maio de 2012, que indeferiu o requerimento da aqui reclamante referente ao incidente de suspeição – fundamentou-se no entendimento de que o regime dos incidentes de suspeição regulado no artigo 127.º do CPC (norma ao abrigo da qual a reclamante havia suscitado um novo incidente de suspeição) não era aplicável nos presentes autos, uma vez que o processo penal regulava essa matéria de forma própria e autónoma, nos artigos 39.º a 47.º do CPP.
Assim, é por demais evidente que esta decisão não aplicou, como fundamento do decidido, a norma do artigo 2.º do CPC.
Tal é o bastante, sem necessidade de mais considerações, para que o recurso não possa ser admitido.
4. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de setembro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.
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