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Processo n.º 401/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A., S.A. e reclamado o Ministério Público, a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 16 de abril de 2012, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. A reclamante apresentou reclamação junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de despacho que não admitiu o recurso por si interposto, concluindo o seguinte:
«CONCLUSÕES:
(…)
10. O Ilustre Desembargador Relator não admitiu o recurso interposto pela recorrente, com os seguintes fundamentos:
... Nos termos do artigo 700, nº 3 do Cod. Proc. Civil dos despachos do Relator, a haver direito a tal, reclama-se para a conferência, o que a arguida/recorrente não fez.
Além do mais, a decisão final deste processo não admite ela mesma qualquer recurso para o ...STJ;
11. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a decisão final proferida no âmbito deste processo, é suscetível de recurso porquanto há oposição de julgados entre Acórdãos da Relação de Coimbra no que concerne à vexataquaestio da prescrição e da integração do ilícito na categoria dos ilícitos com caráter duradouro ou ilícitos instantâneos com caráter duradouro (nomeadamente entre o Acórdão proferido nestes autos e, por exemplo, os proferidos em 13.01.2010, proc. 1180/09.5TBFIG.C1, em 04.06.08, proc. 2.631/07.9TBPBL, e em 20.03.06, proc. 95/06-1, também pelo Tribunal da Relação de Coimbra);
12. No que concerne à reclamação para a conferência, é entendimento da recorrente que se aplica in casuo previsto no Código do Processo Penal e não no Código de Processo Civil;
13. Considerando que no nº 8 do artigo 417 do CPP o legislador estipulou as situações em que cabe reclamação para a conferência (despachos proferidos pelo relator nos termos dos nºs 6 e 7), é de concluir que em todas as outras situações, obviamente com as limitações previstas no art. 432 do CPP, não se reclama, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça;
14. Acontece que o despacho em causa não se enquadra em nenhuma das alíneas dos nºs 6 e 7 do artigo 417 do CPP, pelo que à recorrente só restava recorrer para o tribunal superior;
15. E, ao contrário do defendido pelo Ilustre Desembargador Relator, não se será de aplicar o art. 700, 3 do CPC, ex vi art. 4º do Código de Processo Penal, porquanto não se está perante um caso omisso;
16. O facto do Código de Processo Penal não estipular, como acontece no Código de Processo Civil, que dos despachos proferidos pelo Relator, à exceção dos previstos no art. 688 e dos de mero expediente, se reclama sempre para a conferência, não significa que se esteja perante um caso omisso na regulamentação penal;
17. Há que considerar, isso sim, que o Código de Processo Penal procurou resolver todos os casos, ainda que de modo diverso das soluções encontradas para situações idênticas pelo processo civil;
18. Na situação em apreço há que considerar que, na última reforma ao Código de Processo Penal, o disposto no art. 417 do CPP foi profundamente alterado, os poderes do Relator foram alargados, dos seus despachos, proferidos no âmbito dos nºs 6 e 7, cabe reclamação para a conferência;
19. Em todas as outras situações, com as limitações já referidas, salvo melhor entendimento, recorre-se para o tribunal superior;
20. Sem conceder, não deve ser negada….por razões de mero procedimento... à parte que inequivocamente manifestou vontade de ver reapreciado o mérito de uma decisão judicial que a prejudica, o direito de a ver sindicada por uma entidade diversa da que a proferiu, … assim dando efetiva consistência prática ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva que se consagra no art. 20 da Constituição (Acórdão do STJ, de 29.01.08, Col. Ac. STJ, XVI, 1, pág. 67);
21. Pelo que é de concluir que deve ser revogada a decisão do Exmo. Desembargador Relator, a qual violou, entre outros, os normativos insertos nos artigos 700, nº 3 do Cod. Proc. Civil e 417 do CPC, ordenado que seja admitido o recurso, a subir de imediato e com efeito suspensivo.
Nestes termos e pelo que, como sempre, não deixará de ser por V. Exa. proficientemente suprido, deve a presente reclamação ser julgada procedente, devendo ser admitido o recurso em causa».
3. Por despacho de 14 de março de 2012, a reclamação foi indeferida.
Notificada desta decisão, a reclamante interpôs recurso de constitucionalidade para apreciação da:
«(…) constitucionalidade da norma do art. 75º, 1 do Decreto-Lei 433/82 de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações) na interpretação aplicada na decisão recorrida, segundo a qual em nenhuma circunstância seria admissível recurso ordinário para o STJ, quando, em boa verdade, é possível recurso para uniformização de jurisprudência.
(…)
A questão da constitucionalidade da norma em causa é apenas, neste momento, suscitada na medida em que a aplicação do citado artigo 75º, 1, na interpretação ora objeto de recurso, só foi especificada na decisão que indeferiu a reclamação».
4. Através da decisão ora reclamada, não foi admitido o recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
«Face ao disposto no n.º 2 do art.º 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Na reclamação não foi suscitada a inconstitucionalidade da norma do art. 75.º n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro; consequentemente, logo por este fundamento, o recurso não é admissível.
Por outro lado, a citada norma não foi interpretada no sentido que a recorrente refere.
Com efeito, a norma do art. 75.ºn.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro na dimensão normativa referida na decisão recorrida, segundo a qual em «nenhuma circunstância seria admissível recurso ordinário para o STJ», é inteiramente diferente da dimensão normativa que a recorrente invoca como pressuposto e fundamento do recurso para o TC.
Na decisão da reclamação, a norma foi referida apenas ao âmbito do recurso ordinário é não do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, que é matéria que não está em causa, e foi expressamente afastada da formulação empregue para delimitar a aplicação da norma em matéria de inadmissibilidade do recurso.
Nestes termos, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional».
5. A presente reclamação tem como objeto esta decisão de não admissão e nela é sustentado que:
«O Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 16 de abril de 2012, não admitiu o recurso porquanto considerou, por um lado, que na reclamação não foi suscitada a inconstitucionalidade da norma do art. 75º, nº 1 do Decreto-Lei 433/ 82 de 27 de outubro, e por outro que a dimensão normativa referida na decisão recorrida, segundo a qual em nenhuma circunstância seria admissível recurso ordinário para o STJ é inteiramente diferente da dimensão normativa que a recorrente invoca como pressuposto e fundamento do recurso para o TC.
V – Da decisão que se reclama
E é desta decisão que se reclama porquanto se é certo que não foi suscitada a questão da constitucionalidade da norma qua tale do artigo 75º, nº1 do DL 433/82 de 27.10, já o foi na interpretação dada ao referido artigo quando na decisão se refere que nos termos do art. 75º nº 1, da decisão da Relação não cabe recurso; nestes casos a intervenção do Tribunal da Relação é, assim, definitiva.
É que a referida norma, quando assim interpretada, ou melhor, quando assim aplicada viola os princípios consagrados nos artigos 13º, 1 e 20º, 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa já que a reclamante vê coartada a possibilidade de interpor recurso para fixação de jurisprudência.
Salvo o devido respeito, que é muitíssimo, na reclamação dirigida ao Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros aspetos, a reclamante, em resposta à decisão do Ilustre Desembargador Relator que considerou que a decisão final do processo não admite ela mesma qualquer recurso para o...STJ, replicou afirmando que a decisão final proferida do âmbito deste processo é suscetível de recurso já que, conforme referido, há oposição de julgados entre Acórdãos da Relação de Coimbra no que concerne à vexata quaestio da prescrição e da integração do ilícito na categoria dos ilícitos com caráter duradouro ou ilícitos instantâneos com caráter duradouro, tendo efetuado referências concretas a Acórdãos com decisões distintas.
E já naquela reclamação tinha referido que “não obstante se tratar de um processo contraordenacional, é passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, já que há oposição de julgados entre Acórdãos da Relação de Coimbra, nos termos dos arts. 41,1 e 73, 2 da RGCO e do art. 437,2 do CPP”.
Pelo que é de concluir que deve ser revogada a decisão do Exmo. Presidente do Supremo Tribuna1 de Justiça e ordenado que seja admitido o recurso e feito o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
CONCLUSÕES:
23. E é desta decisão que se reclama porquanto se é certo que não foi suscitada a questão da constituciona1idade da norma qua tale do artigo 75º, nº1 do DL 433/82 de 27 de outubro, já o foi na interpretação dada ao referido artigo quando na decisão se refere que nos termos do art. 75º nº 1, da decisão da Relação não cabe recurso; nestes casos a intervenção do Tribunal da Relação é, assim, definitiva;
24. É que a referida norma, quando assim interpretada, viola os princípios consagrados nos artigos 13º, 1 e 20º, 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa já que a reclamante vê coartada a possibilidade de interpor recurso para fixação de jurisprudência;
25. E, salvo o devido respeito, que é muitíssimo, na reclamação dirigida ao Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros aspetos, a reclamante, em resposta à decisão do Ilustre Desembargador Relator que considerou que a decisão final do processo não admite ela mesma qualquer recurso para o...STJ, replicou afirmando que a decisão final proferida do âmbito deste processo é suscetível de recurso já que, conforme referido, há oposição de julgados entre Acórdãos da Relação de Coimbra, tendo efetuado referências concretas a Acórdãos com decisões distintas;
26. Tendo também referido que “não obstante se tratar de um processo contraordenacional, é passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, já que há oposição de julgados entre Acórdãos da Relação de Coimbra, nos termos dos arts. 41, 1 e 73, 2 da RGCO e do art. 437,2 do CPP”;
27. Pelo que é de concluir que deve ser revogada a decisão do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça porquanto na reclamação foi suscitada a inconstitucionalidade da interpretação, ou melhor, da aplicação da norma do art. 75º, por violação dos princípios consagrados nos artigos 13º, 1 e 20º, 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, ao decidir-se que em nenhuma circunstância, atento o disposto no artigo 75, 1, a decisão é passível recurso, coartando à reclamante a possibilidade prevista nos artigos 41º, 1 e 73º,2 da RGCO e do art. 437, 2 do CPP, de interpor recurso para fixação de jurisprudência».
6. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
«5. É deste despacho [do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade] que é interposta a presente reclamação para este Tribunal Constitucional (cfr. fls. 3-13, 14-24 dos autos).
No entanto, para além de voltar a referir argumentos já esgrimidos anteriormente, a interessada nada aponta que possa contrariar os fundamentos da decisão impugnada do Ilustre Vice-Presidente do STJ.
Bem pelo contrário, a interessada acaba por reconhecer (cfr. fls. 8 dos autos), que “se é certo que não foi suscitada a questão da constitucionalidade da norma qua tale do artigo 75º, nº 1 do DL 433/82 de 27.10, já o foi na interpretação dada ao referido artigo quando na decisão se refere que nos termos do art. 75º nº 1, da decisão da Relação não cabe recurso; nestes casos a intervenção do Tribunal da Relação é, assim, definitiva.”
Acrescenta, logo a seguir:
“É aqui que a referida norma, quando assim interpretada, ou melhor, quando assim aplicada viola os princípios consagrados nos artigos 13º, 1 e 20º, 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, já que a reclamante vê coartada a possibilidade de interpor recurso para fixação de jurisprudência.”
6. No entanto, tal argumentação não anula, bem pelo contrário, a argumentação, constante do despacho recorrido, de, por um lado, não ter sido atempadamente suscitada a inconstitucionalidade do art. 75º, nº 1 do Decreto-Lei 433/82 e, por outro, a dimensão normativa invocada não ter integrado a ratio decidendi da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Não estão, pois, reunidos os pressupostos para apreciação de um eventual recurso de constitucionalidade, apresentado pela ora reclamante.
7. Pelo exposto, crê-se que a presente reclamação não deve merecer deferimento por parte deste Tribunal Constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho reclamado assenta, por um lado, na falta do requisito da suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade e, por outro, na não aplicação pelo tribunal recorrido da norma indicada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – alínea ao abrigo da qual foi interposto o recurso de constitucionalidade – cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Constituindo um ónus do recorrente que o faça de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, sob pena de falta de legitimidade para recorrer para este Tribunal (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). E, de facto, a ora reclamante não questionou a constitucionalidade de qualquer norma reportada ao artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações quando reclamou junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não lhe admitiu o recurso para esta instância.
Questionar uma norma do ponto de vista da sua conformidade constitucional implica que se identifique tal norma, reportando-a a um preceito legal, e qual a norma ou princípio constitucional que se considera violado, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos. Perante o Supremo Tribunal de Justiça, em parte alguma foi referido aquele artigo 75.º – o que a reclamante, de resto, admite – nem tão-pouco foram invocados, os “princípios consagrados nos artigos 13.º, 1 e 20.º, 1 e 4 da Constituição”.
Tanto basta para confirmar o despacho objeto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 5 de julho de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.
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