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Processo n.º 168/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Em 27 de março de 2012, o Relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A., B. e C. (fls. 1111 e segs.). Notificados de tal decisão, os recorrentes deduziram reclamação para a conferência, a qual veio a ser rejeitada pelo acórdão n.º 242/2012 (fls. 1155 e segs.).
Vêm agora arguir a nulidade desse acórdão nos seguintes termos:
«(…)
- a nulidade do acórdão em conferência proferido em 14.5.2012, Lei do Tribunal Constitucional – art. 69 e CPC, art. 668,1,d), porquanto:
1. Questões prévias:
1.1 Liberdade de imprensa/ resenha breve da jurisprudência:
1.1.1. Estando em causa noticias inseridas em jornalismo de opinião há que aferir a pretensa ofensa do bom nome à luz da liberdade de expressão, em que imperam os princípios do pluralismo, tolerância e espírito de abertura, sem os quais não existe sociedade democrática – Ac TRL, 18.12.2008, 8361/2008, dgsi.pt.
1.1.2. Acompanha-se o Ac TRL, 1613/10, 15.11.2011, idem:
- Os direitos ao bom nome e à liberdade de imprensa não tem prevalência um em relação ao outro, impondo-se a compatibilização entre si;
- Numa sociedade pluralista e democrática, a liberdade de expressão e informação constitui a regra, e as restrições a exceção;
- Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, temos que:
- a liberdade de expressão é pilar fundamental do Estado de Direito Democrático no desenvolvimento de cada pessoa;
- as figuras públicas devem ser mais tolerantes a criticas do que os particulares, devendo ser admissível maior grau de intensidade destas;
1.1.3. O A é uma figura pública e por isso deve aceitar-se um maior grau de intensidade nas críticas a ele dirigidas;
1.2 – para além da matéria alegada pelos RR na reclamação para a conferência (normas aplicadas que infrinjam a CRP), devia ter-se tomado em conta outra matéria que consta dos autos:
a) aplica-se o disposto no CPC subsidiariamente – Lei do TC, art. 69.º;
b) o juiz deve conhecer das questões ainda que não suscitadas pelas partes – CPC, art. 660º, 2, no caso porque as invocações da inconstitucionalidade constam dos autos e não foram todas elas objeto da pronúncia;
e) ao exigir-se a indicação da norma – Lei do TC, art. 75º-A, 2 , não se exclui que o TC oficiosamente conheça da inconstitucionalidade das normas que a parte alegou em peças processuais, e tenha omitido no requerimento de interposição do recurso para o TC;
1. Em excertos cita-se a decisão em causa:
-“ ... não satisfaz essa exigência a alegação de que a decisão recorrida ao ter decidido como decidiu ... o fez com violação de preceitos constitucionais. Dizer que os recorrentes “agiram no limite do direito a informar ...“ ou que ao coligirem o material informativo .. e ao terem consultado uma pessoa de renome internacional fizeram-no convictos de que (i) estavam a exercer o direito de informar ... e que ... estavam a dar um contributo ..“.
2. No acórdão não houve pronúncia sobre matéria que dela devia ter sido objeto, a saber:
1) Parte Geral
A) Na Lei de Imprensa plasmou-se matéria constitucional de direitos liberdades e garantias (excertos):
- CRP- art. 37º, 1 – “... Todos tem direito ... bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos ou discriminações.”
- Lei de Imprensa – art, lº, 2 – “A liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos ou discriminações.”;
B) O legislador limitou-se a transpor na Lei de Imprensa princípios constitucionais e fez mais – transcreveu ipsis verbis o sentido material do princípio da liberdade de expressão e de informação;
C) Será redutor, assim, afirmar-se que por ao citar-se a Lei de Imprensa nesta parte, não se está a alegar preceitos constitucionais;
D) São materialmente inconstitucionais os arts. 71º, l e 75º-A, 2) – Lei do Tribunal Constitucional, no segmento de interpretação que permita entender-se que:
- a invocação da constitucionalidade – no recurso para o Tribunal Constitucional – está limitada à referência direta ao preceito constitucional e não se basta com a referência a preceito legal que transcreve o preceito constitucional – CRP – art. 37º, l e Lei de Imprensa, art. 1º, 2;
E) E são materialmente inconstitucionais, porquanto se viola a CRP – arts:
a) 18º, 1 e 2 - os princípios constitucionais (e entre eles o acesso ao direito e aos tribunais, art. 20,1), são aplicáveis diretamente e vinculam as entidades públicas;
a)1) nesse segmento restringia-se desrazoavelmente a apreciação das inconstitucionalidades, com fundamento em razão formal – a expressa menção do preceito constitucional, em detrimento da razão de substância – a invocação dos RR nos autos teve lugar por citação de preceito legal que absorveu no espírito e na letra o preceito constitucional em causa;
a)2) nesse segmento, permitir-se-ia que a lei ordinária – Lei do Tribunal Constitucional violasse a proibição de restrição que consta da CRP – art. 18º, 2;
b) violava-se ainda, pelo exposto, o art. 20º, l, pela injustificada restrição no acesso aos tribunais;
c) violava-se também o disposto na CRP – art. 16º, 1;
c)1) e assim é porque reconhecendo a CRP o acolhimento de direitos fundamentais em leis ordinárias – “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis ..
c)2) no caso, na Lei de Imprensa, consagra-se como vimos o complexo dos direitos próprios da Liberdade de Imprensa – informar, informar-se e ser informado; e que constam da CRP, art. 18º, l;
d) violava-se a CRP – art. 3º, 3, – a Lei do TC – na aplicação do segmento referido – na medida em que a sua “validade” não estaria pelo exposto, conforme com a CRP – em resumo, limitação injustificada do direito ao recurso;
F) Assim, deve ter-se como cumprido o requisito exigido pela Lei do Tribunal Constitucional – arts. 70º-l,b) e 75º-A,2, quando se invoque a Lei de Imprensa na parte em nela se transcrevem disposições constitucionais;
II) Parte Especial – os autos – a invocação da inconstitucionalidade
G) Os RR invocaram expressamente:
G)1) na contestação – ponto 67,b) — “No caso concreto estamos perante uma colisão de direitos entre: ... b) e do direito à liberdade de expressão – idem, art. 37º,1;
G)2) nas alegações dos RR:
(#) - recurso de apelação:
– pág. 25: “Os Apelantes agiram no limite do direito a informar, consagrado no nº 1 do Art. 37º da Constituição ... e na Lei de Imprensa, no nº 2 do artigo 1º cumprindo escrupulosamente os seus deveres e obrigações ...“;
- pág. 47 –”... o trabalho dos Apelantes foi realizado ... dentro dos limites da liberdade de expressão e nos limites do direito a informar.”;
- conclusão 8 – “... os Apelantes não agiram de forma ilícita mas sim nos limites do exercício do direito à liberdade de expressão e no cumprimento do dever de informação …”;
(##) recurso de revista, mesma citação, pág. 31;
(###) recurso subordinado interposto pelo A:
– pag. 17 –72 – “O dever dos jornalistas é o de informar, e como tal ... terão apenas o dever de fornecer os dados de forma objetiva e imparcial e deixar aos destinatários das suas mensagens a tarefa de criticar e ajuizar o conteúdos das mesmas.”
- pag. 17 – 73 – “O trabalho dos recorrentes ... foi realizado .. dentro dos limites da liberdade de expressão e no exercício do direito a informar.”;
III) A omissão da pronúncia em concreto
II) Na decisão em causa faltou apreciar as ora referidas invocações dos preceitos cuja inconstitucionalidade se reclama, e concluir sobre se, perante elas estamos ou não a cumprir a Lei do TC – arts. 70º,1 ,b) e 75º-A,2.
H)1) Faltou a pronúncia quanto às referências supra – pontos G)1) – contestação e G)2) – contra-alegações do recurso subordinado.
IV) Se assim se não entender, requer-se a reforma do acórdão – CPC, art. 669º,2,b):
I) A invocação do preceito da CRP – exigência do art. 75º-A, 2, Lei do Tribunal Constitucional, deve considerar-se satisfeita com a invocação da Lei de Imprensa –art, 1, 2, como vimos acima.
J) Logo, os autos contém todos os elementos que implicam a prolação de urna decisão diversa daquela que foi proferida, ou seja considera-se verificado o requisito da Lei do TC - art. 75º-A, 2.
V) Conclusões:
A) com a invocação da Lei de imprensa nas diversas peças processuais – indicadas supra – II) – G)1) e G)2), para onde se remete, satisfez-se a exigência prevista na Lei do tribunal Constitucional – preceitos a referir de imediato;
B) a decisão recorrida omitiu na sua pronúncia todas as referências ora indicadas – supra II) – G)19 e G)”), na medida em que não considerou aquela que consta da contestação – em especial, e em geral quanto às outras, na medida em que não considerou que bastava a referência à Lei de Imprensa – art. Lº, 2, para que se satisfizessem as exigências da Lei do TC – art. 75º-A, 2 – “constar a indicação da norma ou principio constitucional ou legal que se considera violado ...“;
C) se assim se não entender que bastou a referência à Lei de imprensa – art. 1º, 2, temos que:
D) São materialmente inconstitucionais os arts. 71º,1 e 75º-A,2) – Lei do Tribunal Constitucional, no segmento de interpretação que permita entender-se que:
E – a invocação da constitucionalidade – no recurso para o Tribunal Constitucional – está limitada à referência direta ao preceito constitucional e não se basta com a referência a preceito legal que transcreve o preceito constitucional – CRP – art. 37º, l e Lei de Imprensa, art. 1º, 2;
F) E são materialmente inconstitucionais, porquanto se viola a CRP – arts:
G) a) 18º, 1 e 2 – os princípios constitucionais (e entre eles o acesso ao direito e aos tribunais, art. 20º,1), são aplicáveis diretamente e vinculam as entidades públicas;
H) a)1) nesse segmento restringia-se desrazoavelmente a apreciação das inconstitucionalidades, com fundamento em razão formal – a expressa menção do preceito constitucional, em detrimento da razão de substância – a invocação dos RR nos autos teve lugar por citação de preceito legal que absorveu no espírito e na letra o preceito constitucional em causa;
I) a)2) nesse segmento, permitir-se-ia que a lei ordinária – Lei do Tribunal Constitucional violasse a proibição de restrição que consta da CRP – art. 18º, 2;
J) b) violava-se ainda, pelo exposto, o art. 20.º,1, pela injustificada restrição no acesso aos tribunais;
K) c) violava-se também o disposto na CRP – art. 16º, l;
1) c)1) e assim é porque reconhecendo a CRP o acolhimento de direitos fundamentais em leis ordinárias – “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição… não excluem quaisquer outros constantes das leis
M) c)2) no caso, na Lei de Imprensa, art. 1º, 2, consagra-se como vimos o complexo dos direitos próprios da Liberdade de Imprensa – informar, informar-se e ser informado; e que constam da CRP, art. 18º, 1;
N) d) violava-se a CRP – art. 3º, 3, - a Lei do TC – na aplicação do segmento referido – na medida em que a sua “validade” não estaria pelo exposto, conforme com a CRP – em resumo, limitação injustificada do direito ao recurso;
O) Assim, deve ter-se como cumprido o requisito exigido pela Lei do Tribunal Constitucional – arts. 70º-1,b) e 75º-A, 2, quando se invoque a Lei de Imprensa na parte em que nela se transcrevem disposições constitucionais; e é o caso nos autos – Lei de Imprensa – art. 1º, 2;
P) Se assim se não entender, deve proceder-se à reforma do acórdão – CPC, art. 669º,2,b);
Q) Com efeito dos autos constam todos os elementos que impõem uma decisão diversa daquela que o acórdão tomou, ou seja deve aceitar-se que a exigência da Lei do TC foi cumprida – “indicação da norma ou principio ... que se considera violado...” – art. 75º-A,2;
R) Por erro de interpretação o acórdão cuja nulidade se argui, violou a lei por erro de interpretação – ou sejam os artigos – Lei do TC – 75º-A,2/ Lei de imprensa – 1º,2/ CRP – 3º – 3, 18º – 1 e 2, 20º - 1 e 16º - 1/CPC – 668º,1,d) e 669º,2,b).»
2. O recorrido não respondeu.
3. Os recorrentes vêm arguir a nulidade e a reforma do acórdão n.º 242/2012, invocando, em primeiro lugar, omissão de pronúncia e, em segundo lugar, a inconstitucionalidade dos artigos 71.º, n.º 1 e 75.º-A, n.º 2 da LTC “ao entender-se que a invocação de inconstitucionalidade está limitada à referência direta ao preceito constitucional e não se basta com a referência a preceito legal que transcreve o preceito constitucional”, por violação dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º e 20.º da Constituição. Concluem, propugnando pela reforma do acórdão no sentido de se entender que, do processo, constam todos os requisitos necessários à prolação de uma decisão de mérito sobre o recurso de constitucionalidade. Adiante-se já que não lhes assiste razão.
Através da invocada “omissão de pronúncia”, os recorrentes pretendem sustentar que todas as referências que fizeram, nos seus requerimentos processuais, a direitos, princípios ou normas constitucionais, deveriam igualmente ter sido considerados, em sede do acórdão ora impugnado, de modo a que tais invocações pudessem ser consideradas como suficientes para se ter por adequadamente suscitada, durante o processo, a questão de constitucionalidade. Caso assim se não entendesse, deveria então o Tribunal ter fundamentado porque é que, em relação a cada uma dessas passagens, não se poderia tal ónus ter por preenchido. O silêncio relativamente a esta questão constitui, em sua ótica, omissão de pronúncia. Não assiste razão aos recorrentes.
A razão que baseou a decisão de não conhecimento nestes autos reside – recorde-se – no facto de, durante o processo, não ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade de normas jurídicas. O que não se verificou em momento algum do iter processual relevante, incluindo as passagens que agora são expressamente destacadas pelos recorrentes. E é notável que, mesmo em sede de arguição de nulidade, os recorrentes persistem num absoluto silêncio quanto ao que foi o fundamento efetivo que votou ao não conhecimento o seu recurso de constitucionalidade.
O que acaba de dizer-se quanto à imprestabilidade da argumentação dos recorrentes relativamente à nulidade vale “mutatis mutandis” relativamente ao pedido de reforma do acórdão. Efetivamente nada do que os recorrentes dizem é susceptível de integrar as hipóteses de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 669.º do Código de Processo Civil.
4. Quanto às invocadas inconstitucionalidades dos artigos 71.º, n.º 1 e 75.º-A, n.º 2 da LTC, saliente-se que qualquer invocação sustentada de inconstitucionalidades deste tipo deveria ter ocorrido em momento anterior, designadamente, no máximo, após a prolação da decisão sumária, de modo a permitir ao Tribunal a sua apreciação num momento processualmente idóneo, e já não em momento em que o poder jurisdicional se mantém apenas em termos excecionais como sucede no âmbito de arguições de nulidade e pedido de reforma
De qualquer modo, sempre se adianta que jamais foi salientada qualquer falta de “referência direta ao preceito constitucional” como fundamento da decisão de não conhecimento, pelo que as invocadas inconstitucionalidades se apresentam como incompreensíveis. De facto, quando os recorrentes invocam como bastante uma referência a preceitos legais que reproduzem preceitos inconstitucionais, defendendo que tal deveria bastar, sob pena de violação dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2 e 20.º da Constituição, limitam-se a argumentar que deram cabal cumprimento à exigência de indicação do parâmetro que se apresentaria violado pela questão normativa integrada pelo objeto do recurso. Mas essa discussão não tem qualquer nexo com razão de decidir do acórdão. De facto, o motivo que determinou o não conhecimento do recurso não se relaciona com a ausência de indicação do parâmetro constitucional, mas antes com a não suscitação da questão de inconstitucionalidade como respeitante a normas jurídicas perante o Tribunal da Relação. Efetivamente para que possa considerar-se ter sido adequadamente suscitada a inconstitucionalidade de uma norma legal, ou de determinada dimensão normativa, é essencial que, no mínimo, a parte identifique e enuncie essa norma ou dimensão. O que, repete-se, não foi feito pelos recorrentes em momento algum.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a arguição de nulidade e o pedido de reforma do acórdão e condenar os recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 27 de junho de 2012.- Vítor Gomes – Ana Guerra Martins – Gil Galvão.
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