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Processo n.º 218/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC):
«1. O recorrente instaurou ação de impugnação de despedimento contra a recorrida junto do Tribunal do Trabalho de Braga. Este Tribunal veio a julgar, entre outras questões, improcedentes as invocadas nulidades do processo disciplinar e a ilicitude do despedimento do autor. Interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, o mesmo foi julgado improcedente por acórdão de 2 de maio de 2011.
Notificado desta decisão, o autor tentou interpor recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça invocando, designadamente, a inconstitucionalidade da mesma por, ao não ter julgado a arguição da sentença com fundamento no disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho (CPT), ofender os artigos 18.º, n.ºs 1 e 3 e 20.º, n.º 4 da Constituição, nos mesmos termos em que o Acórdão n.º 304/2005 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, II série, de 5 de agosto de 2005) havia já decidido. A revista não foi admitida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 2011 (fls. 750 e seguintes). Novamente inconformado, o autor interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil (CPC), mas o mesmo não foi admitido por falta de requisitos, nos termos da decisão de fls. 785 e seguintes.
2. Nesta sequência, é interposto recurso de constitucionalidade, cujo objeto, após vicissitudes cujo relato não se afigura indispensável, já em resposta a convite, formulado no Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 75.º-A da LTC, é assim definido:
“1º O recorrente, recorre do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido em 25.02.2011, porque, embora, o recorrente tenha interposto deste douto Acórdão recursos de Revista Excecional e de Revista para fixação de Jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, que não tomou conhecimento dos mesmos por não estarem preenchidos os requisitos para a sua admissão (Acórdão proferido em 26 de outubro de 2011 e Acórdão proferido em 19 de janeiro de 2012.
2.º O recurso para o Tribunal Constitucional do douto Acórdão da Relação do Porto é apresentado ao abrigo das alíneas g) e b,) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por aquele Acórdão ter aplicado norma já anteriormente declarada inconstitucional e por ter aplicado norma cuja ilegalidade foi suscitada durante o processo.
3.º Com efeito, esse douto acórdão recorrido não se pronunciou sobre as nulidades alegadas pelo recorrente, por este ter incluído numa peça única o requerimento do recurso e as alegações das nulidades, por tal contrariar o disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, quando tal dispositivo já havia sido julgado ferido de inconstitucionalidade pelo Acórdão deste Tribunal Constitucional nº 304/2005, proferido no Processo 413/2004 – 3ª Secção e publicado no DR. N.º 150 –II Série de 5 de agosto de 2005.
4.º Sofre, também o referido Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de ilegalidade por se não ter pronunciado sobre o pedido de reapreciação da prova nele formulado pelo recorrente, o que constitui nulidade de sentença nos termos do art.º 668.º al. d) por omissão de pronúncia, sofrendo, assim, de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.º 4 e 202.º, n.º 2 da Constituição.
5.º Nestes dois casos, tais inconstitucionalidades só foram alegadas nos recursos para o Supremo Tribunal, que delas não conheceu pelos motivos acima apontados e, não o podiam ser antes, por ocorridas no Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, e, por isso, não poderem ter surgido ao recorrente antes da prolação do mesmo.
6.º E, dado que o Supremo Tribunal de Justiça não tomou conhecimento desses recursos, não se pronunciou sobre essas inconstitucionalidades de que padece o Acórdão recorrido, pelo que deve este Tribunal Constitucional conhecer do presente recurso conforme o disposto no n.º 6 do art.º 70.º da L.T.C.
7.º É, deste modo este recurso interposto com referência às alíneas b) e g) do n.º 1 do artº 70.º da LT.C.”
3. Pode assentar-se em que o recurso vem interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC e tem por objeto, em sentido processual, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento à apelação, pretendendo o recorrente ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional as questões enunciadas no requerimento de fls. 819/821.
Ora, é desde já seguro que o recurso assim definido não pode prosseguir ao abrigo de nenhuma das alíneas do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, invocadas pelo recorrente, pelo que se torna inútil apreciar outras questões.
Com efeito,
A)
Quanto à alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC – não curando agora de saber se haveria rigorosa coincidência com a interpretação normativa do n.º 1 do artigo 77.º do CPT julgada inconstitucional no acórdão n.º 304/2005 –, o certo é que, apesar da doutrina que começou por desenvolver a propósito das exigências formais da arguição de nulidades da sentença, a Relação acabou, em substância, por conhecer das arguidas nulidades. Acompanha-se, inteiramente, a interpretação que do acórdão da Relação foi feita pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão que não admitiu a revista excecional:
“(…)
E apesar de nas conclusões não se ter feito qualquer menção concreta às razões que determinam a necessidade duma revista excecional, colhe-se, contudo, do corpo da alegação do recorrente que este sustenta que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do TC nº 304/2005, de 8/6/2005 e com os acórdãos da RP de 3/10/2005, processo nº 054320; de 20/10/2005, processo 0542508 e de 3/12/2007, processo 054356, estes últimos disponíveis em www.dgsi.net, e que tal contradição se prende com o não conhecimento pela Relação dum pretenso vício da sentença da 1ª instância – nulidade por omissão de pronúncia.
No entanto, o Tribunal da Relação conheceu desta questão.
Efetivamente e apesar de num primeiro momento se ter referido que a arguição da nulidade da sentença tinha sido extemporânea, em virtude do recorrente não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 77º, n.º 1 do CPT (sendo quanto a este ponto que se invoca a contradição de julgados), o certo é que o acórdão acabou por conhecer da questão da nulidade que havia sido suscitada pelo A perante a Relação.
Na verdade, o recorrente alegara que a sentença recorrida não se havia pronunciado sobre as seguintes três questões:
a) categoria profissional;
b) trabalho suplementar; e
c) prémio de produtividade.
Ora, na parte final do ponto VII do acórdão diz-se expressamente que, “De qualquer modo sempre se adiantará que a sentença não padece do referido vício, porque expressamente tratou no ponto 3.4 do prémio mensal de produtividade, retribuição em espécie correspondente ao uso de veículo automóvel e do telemóvel e diferenças salariais (nesta última questão abordou-se a categoria profissional do A) e no ponto 3.5 tratou do trabalho suplementar”.
Donde resulta que o acórdão recorrido acabou por conhecer das pretensas nulidades da sentença, concluindo que elas inexistem por o Tribunal da 1ª instância ter conhecido das questões que o recorrente invocara como omitidas.
(…).”
Consequentemente, tem de considerar-se que, apesar das considerações iniciais nele feitas, não houve efetiva aplicação pelo acórdão da Relação da norma do n.º 1 do artigo 77.º do CPT com o sentido julgado inconstitucional pelo acórdão n.º 304/2005.
No limite, teria de considerar-se que o acórdão comporta uma dupla fundamentação, o que igualmente conduz a que não deva conhecer-se do recurso, atendendo à sua função instrumental.
B)
Quanto à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a “questão que o recorrente pretende submeter ao Tribunal só pode ser a referida no n.º 4 do requerimento de fls. 819/820 acima transcrito.
Ora, uma questão assim definida não constitui objeto idóneo para o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade tal como a Constituição (artigo 280.º da CRP) e a Lei (artigo 70.º da LTC), o delinearam no nosso sistema jurídico. Com efeito, apenas cabe recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da conformidade à Constituição por parte de normas jurídicas. Não cabe tal recurso para apreciação da violação da Constituição diretamente imputada à concreta decisão recorrida.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar o recorrente nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça.»
2. O recorrente reclama desta decisão nos seguintes termos:
«(…) A douta decisão sumária de que ora se reclama não tomou conhecimento do recurso interposto para este Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por ter entendido que o Tribunal da Relação do Porto acabou por conhecer, em substância, das nulidades arguidas e por o pedido de formulado ao abrigo da alínea g), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do modo com foi definida no número 4 do requerimento de fls. 819/820, não constituir objeto idóneo para o recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade tal como a Constituição (artigo 280.º da CPT) e a Lei (artigo 70.º da LTC), o delinearam no nosso sistema jurídico, apenas, cabendo recurso para apreciação da conformidade à Constituição das normas jurídicas não cabendo recurso para a apreciação da violação da Constituição diretamente imputada à concreta decisão recorrida.
4º
Contudo, crê o reclamante que a decisão sumária de que reclama se não compagina com a Constituição e com o disposto nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5º
Sendo verdade, que o Tribunal da Relação do Porto, embora, tenha referido que não conhecia das nulidades invocadas pelo recorrente, por tal invocação ser extemporânea por violação do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho, terminou por se pronunciar de forma vaga sobre as questões da categoria profissional, trabalho suplementar, prémio de produtividade e sobre a nulidade do processo disciplinar, remetendo, quanto a essas questões para os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância e para a extemporaneidade do recurso.
6º
E, é com fundamento nessa extemporaneidade que não aprecia as inconstitucionalidades alegadas e as restantes nulidades invocadas por omissão de pronúncia.
7º
Nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o aqui reclamante havia requerido a reapreciação da prova produzida no Tribunal de 1ª Instância, impugnando a decisão quanto à matéria de facto ao abrigo e cumprindo os requisitos do artigo 685.º -B do Código de Processo Civil.
8º
Contudo, o Tribunal da Relação não procedeu a tal reapreciação, nem no seu acórdão quanto a isso faz referência.
9º
O mesmo acontece com a douta decisão sumária de que se recorre.
10.º
Não tendo o douto acórdão recorrido procedido à reapreciação da prova produzida em 1ª Instância sofre de omissão de pronúncia, violando o disposto nos artigos 685.º-B e alínea d) do artigo 668.º do Código de Processo Civil e sofre de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 20.º n.º 4 e 202.º n.º 2 da Constituição.
11º
A douta decisão sumária não se pronúncia, como atrás se referiu, sobre a não reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação, apenas, referindo que o mesmo Tribunal acabou por se pronunciar sobre as nulidades da sentença que foram arguidas, o que, como se alegou, não aconteceu de todo, pelo menos quanto à alegada não reapreciação da prova.
12º
E, ao contrário da douta decisão sumária reclamada, o aqui reclamante não imputou tais violações da Constituição à concreta decisão recorrida, mas antes o fez em relação à violação de concretas normas jurídicas, nos termos referidos nos números 5.º, 7.º e 10.º desta reclamação e no requerimento de resposta ao convite formulado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator para precisar os termos do recurso de inconstitucionalidade que havia apresentado, bem como do requerimento de recurso para este Tribunal Constitucional apresentado no Supremo Tribunal de Justiça no que no mesmo impropriamente apelida de alegações.
3. O recorrente nada alega capaz de abalar os fundamentos da decisão sumária ou que justifique fundamentação suplementar. Limita-se, em síntese, a sustentar que ao não reapreciar a prova produzida o acórdão recorrido “sofre de inconstitucionalidade” por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 4 e 202.º n.º 2 da Constituição, o que, em seu entender, justificaria o prosseguimento do recurso. Insiste, portanto, em pretender que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade diretamente imputada à decisão jurisdicional recorrida, e não a normas de que esta tenha feito efetiva aplicação.
Ora, como já foi dito na decisão reclamada, o controlo cometido ao Tribunal Constitucional em fiscalização concreta de constitucionalidade incide sobre normas jurídicas e não sobre as concretas decisões judiciais. Os n.ºs 5º, 7º e 10º da reclamação tem um efeito contrário ao que o recorrente supõe. Tornam evidente que é o acórdão, e não o critério normativo da decisão, que se quer ver confrontado com normas ou princípios da Constituição.
Assim, não tendo o recurso objeto idóneo, a reclamação tem de improceder.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 20 de junho de 2012.- Vítor Gomes – Ana Guerra Martins – Gil Galvão.
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