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Processo n.º 169/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos Autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de inconstitucionalidade elencadas no requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, o reclamante argumentou do seguinte jeito:
“(...)
Resta, por isso, sem prejuízo do douto suprimento de Vossas Excelências, formular as seguintes
CONCLUSÕES:
I – A Decisão Sumária n.º 200/2012 interpretou, de modo errado, os requisitos inerentes à FISCALIZAÇÃO DIFUSA CONCRETA E SUCESSIVA de NORMAS ou INTERPRETAÇÕES JURÍDICAS de normas, assim sendo a decisão de não conhecimento do RECURSO, em si mesma, INCONSTITUCIONAL, por força da violação do dever (jurisdicional) de obediência à lei e CRP 1976 e não postergação de tutela jurisdicional efetiva, ex vi artigos 20.º, nºs 1 e 4, 202.º, nºs 1 e 2., 204.º e 205.º, n.º 1, da CRP1976, e artigos 70, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (LOFTC).
II – Em vários momentos processuais, mormente junto do Tribunal da Relação de Évora e junto do Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente procedeu à suscitação da questão da constitucionalidade em termos legalmente adequados.
III – Na verdade, se quaisquer dúvidas existissem, basta recordar, com a bondade de Vossas Excelências, alguns dos trechos do Recurso de Apelação e de Revista, já que, como é sabido, a SUSCITAÇÃO DA QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE pode ocorrer em qualquer fase processual, mormente quando se referiu, na MOTIVAÇÃO, o seguinte:
«(...) Quanto ao terceiro ponto - Erro na decisão recorrida ao aludir à ausência de qualquer reclamação relativamente à elaboração da especificação e questionário em sede de despacho saneador -, alega-se que se trata de uma nulidade processual, não arguida em tempo, só que tal foi-o através – da reclamação de que acima se deu conta e, contrariamente ao que refere o acórdão («efetivamente foi apresentada, mas também foi apreciada e decidida desfavoravelmente para o reclamante... »), tal não foi
IV – Depois, haverá que atentar, ainda, no modo inequívoco e correto em que a questão da INCONSTITUCIONALIDADE foi suscitada ao nível das conclusões.
V -Alguma doutrina - BENJAMIM SILVA RODRIGUES (Direito Constitucional, Tomo I, Rei dos Livros, 2011, p. 56-65) - já escreveu, em termos a merecer a nossa atenção, o seguinte:
«4. A suscitação da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal a quo
28. Sob pena de uma radical despromoção da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, deve entender-se que a invocação, no requerimento de interposição do recurso para o TC, da violação de norma ou princípio constitucional ou legal diverso do indicado durante o processo não tem como consequência o não conhecimento, nessa parte, do objeto do recurso, visto que a lei não prevê, como requisito processual de tal recurso, a identidade dessa norma ou princípio. Daí que propugnemos a tese de que, nos recursos previstos nas alíneas b) e f), do n.º 1, do artigo 70.º, da LOFPTC, o recorrente pode invocar, no respetivo requerimento de interposição do recurso junto do TC, a violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles que foram invocados durante o processo, sem que isso obste, por parte do TC, ao conhecimento do objeto do recurso, na parte respeitante à norma ou princípio constitucional ou legal anteriormente não identificado e 'suscitado' apropriadamente junto do tribunal recorrido.
VI – Dir-se-á que a presente Decisão Sumária padece de tal insuficiência de concretização do dever de fundamentação expressa e acessível.
VII – Quedou-se violado o princípio da LEALDADE e TUTELA DAS LEGÍTIMAS EXPECTATIVAS dos cidadãos, ex vi princípio do Estado de Direito [: princípio do Estado de Direito Democrático; princípio da fundamentação expressa e acessível - por exigências democráticas - das decisões que não sejam de mero expediente - artigos 1.º, 2.º, 9.º, b), 13.º, 20.º, nºs 1 e 2, 202.º, nºs 1 e 2, 204.º, e 205.º, n.º 1, da CRP 1976].
Nestes termos, deve a presente reclamação (para a conferência) ser recebida, julgada procedente e, por via disso, ser proferido douto acórdão que revogue a decisão sumária recorrida n.º 200/2012, com admissão e conhecimento de fundo do recurso tempestivamente interposto e onde foi suscitada uma questão de constitucionalidade com influência direta nas decisões judiciais de fundo.
Assim decidindo, V. Exas. Farão justiça!
(...)”
3. Notificada para o efeito, B. respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
II. Fundamentação
4. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
A., melhor identificado nos Autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), requerendo que sejam apreciadas as seguinte questões de inconstitucionalidade:
“(...)
A interpretação partilhada pelo Tribunal da Relação de Évora e pelo Supremo Tribunal de Justiça segundo a qual, ainda que a sentença judicial do Tribunal Judicial de Portimão seja nula, sempre assistiria às instâncias de recurso a possibilidade de, a posteriori, ratificarem e suprirem a falta de tal fundamentação – de facto e de direito – da decisão judicial que conheceu o mérito da causa, por aplicação conjugada dos artigos 659.º, n.ºs 2 e 3, 668.º, n.º 1, alíneas. b) e c), 690.º [=685.º-A], do CPC, quer o disposto no artigo 715.º, do CPC, e artigos 205.º, n.º 1, e 268.º, n.º 3, da CRP 1976.
A inconstitucionalidade da interpretação, formulada por todas as instâncias, de que uma decisão judicial, em matéria de conhecimento do mérito da causa, não necessita, para ser válida, de conter o raciocínio que presidiu à seleção dos seus fundamentos de facto e de direito, já que tal corresponde, na prática, à inviabilização da possibilidade de compreensão da decisão judicial e, igualmente, posterga a possibilidade da sua plena impugnação (...), se não forem expostos os argumentos fácticos e jurídicos que permitem dar uma coerência racional, interna e externa, à decisão judicial (...). Afigura-se, por isso, materialmente inconstitucional o entendimento segundo o qual a decisão judicial não é nula, por ausência de fundamentação, nem desproporcionada, ilegal, inconstitucional ou injusta, nem configura uma qualquer restrição ilegítima a uma justa e igualitária tutela jurisdicional efetiva, mormente à luz do disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, e 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP 1976, e artigos 659.º, n.ºs 2 e 3, e 668.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.
Tendo sido apresentada uma reclamação, relativamente à matéria de facto, junto do Tribunal de 1.ª instância, e não a tendo o mesmo decidido – nem o Tribunal da Relação de Évora -, tal significa a verificação de uma omissão de pronúncia e denegação efetiva de tutela jurisdicional, com notória inutilização do “âmbito material de utilidade” do artigo 653.º, n.º 5, e sua desconsideração, à luz dos artigos 13.º, 20.º e 202.º da CRP 1976, como configurando uma tutela jurisdicional efetiva e não discriminatória, em virtude de atentar princípios e regras constitucionais.
Conclui-se pela inconstitucionalidade material do artigo 511.º, n.º 1, do CPC, quando interpretado – como foi o caso – no sentido de desatender, em sede de seleção da matéria de facto relevante, à tese propugnada por uma das partes na lide, já que tal configura um tratamento jurisdicional discriminatório e a denegação de qualquer verdadeira tutela jurisdicional efetiva.
Afigura-se materialmente inconstitucional o artigo 690.º-A [redação anterior Reforma 2007], do CPC, quando interpretado no sentido de que não preenche tal conceito aí requerido, para efeito de reapreciação da matéria julgada, a menção aos quesitos mal respondidos e a indicação dos termos em que o Tribunal se deveria ter pronunciado, já que se está a exigir e a dar uma maior amplitude ao preceito que se traduz numa maior exigência do recorrente que se reconduz ao apertar da malha de admissibilidade do recurso e, na prática, a uma efetiva denegação da justiça do caso concreto.
Afigura-se materialmente inconstitucional o entendimento que desconsidera a tese que o recorrente, para dar cumprimento ao dever processual ínsito no artigo 690.º-A, n.º 1, do CPC, ao transcrever na sua reclamação, junto do Tribunal de 1.ª Instância, ao nível das suas alegações, os factos, e a elas aludindo, sem necessidade de as reproduzir a cada momento, cumpriu, cabalmente, o disposto no artigo 690.º-A, n.º 1, do CPC, de tal modo que, ao ter omitido tal pronúncia, o Tribunal da Relação de Évora não só denegou tutela jurisdicional efetiva, como desconsiderou, de forma gravosa, o seu dever de legalidade e conformidade à CRP 1976 (artigos 20.º, 202.º, 204.º, 205.º, n.º 1, da CRP 1976, de modo manifesto, inconstitucional.”
O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. No entanto, em face do disposto do artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
O recorrente intentou uma ação declarativa de condenação no Tribunal Judicial de Portimão, tendo a mesma sido julgada improcedente e o réu absolvido do pedido. Inconformado, apelou para o Tribunal da Relação de Évora que, por unanimidade, no seu Acórdão de 23/02/11, julgou parcialmente procedente a apelação “considerando a sentença nula por falta de fundamentação de facto, mas, decidindo, em substituição do Tribunal recorrido, confirmar a decisão final da sentença, ou seja a improcedência da ação e absolvição da R. dos pedidos.”
Ainda inconformado, o recorrente interpôs então recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando, entre o mais, que o Tribunal da Relação de Évora nunca poderia ter suprido, ao abrigo do artigo 715.º, do CPC, a falta de fundamentação de facto revelada pela sentença recorrida, e que tal Tribunal, ao desconsiderar a reclamação, relativa à matéria de facto, incorreu em omissão de pronúncia, assim denegando tutela jurisdicional efetiva e desconsiderando, de forma gravosa, o seu dever de legalidade e conformidade à CRP de 1976 (artigos 20.º, 202.º, 204.º, 205.º, n.º 1, da CRP 1976). Conclui, portanto, que o dito Acórdão é “nulo, ilegal e, de modo manifesto, inconstitucional.” Instado a pronunciar-se, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerimento de reforma do acórdão.
Por fim, foi interposto, de todos estes arrestos e nos termos supra referidos, o presente recurso de constitucionalidade.
Este funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Nos termos de tal preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Tal recurso, portanto, há de ter por objeto uma questão de inconstitucionalidade de norma ou normas jurídicas, tempestiva e adequadamente suscitada perante o Tribunal a quo, de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação, entenda-se, que hajam sido relevantes para a decisão da causa.
Cumpre então apurar, na decisão sobrante, se os pressupostos processuais inferidos do artigo 70.º, n.º 1, al. b) da LTC, se encontram preenchidos.
Decorre do referido supra que, para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, entre o mais, que o recorrente haja suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa (i) durante o processo (ii).
O mesmo é dizer que o tipo de recurso a cuja disquisição se procede tem por objeto o problema da desconformidade de um ato normativo, que é ratio decidendi num caso submetido a julgamento, com o conjunto das normas e princípios constitucionais. Tem, pois, natureza necessariamente normativa, atenta a inexistência, no nosso modelo de fiscalização da constitucionalidade, da figura da ação de defesa da constitucionalidade (v.g., a Verfassungsbeschwerde alemã, ou o recurso de amparo mexicano e espanhol), a qual permitiria ao Tribunal Constitucional sindicar diretamente a constitucionalidade das decisões jurisdicionais por violação do parâmetro constitucional (v.g., os Acórdãos n.ºs 353/86 e 45/88, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Depois, afigura-se necessário que a questão de constitucionalidade - adequadamente entendida nos termos supra mencionados – seja suscitada, pelo recorrente, durante a pendência da causa. O Tribunal Constitucional vem entendendo o requisito da tempestividade processual, não num sentido puramente formal, mas numa aceção funcional, a fim de garantir que a questão de constitucionalidade seja suscitada num momento em que ainda seria possível ao tribunal a quo conhecer da mesma (v.g., os Acórdãos n.ºs 352/94 e 618/98, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Daqui decorre, necessariamente, que é absolutamente irrelevante levantar a questão de constitucionalidade no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional.
Ora, a adequada compreensão dos requisitos processuais expostos permite concluir que os mesmos não se encontram preenchidos no caso vertente.
Na verdade, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente limitou-se a sustentar, que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora afrontava preceitos ou princípios da Constituição, imputando diretamente a uma tal decisão o vício de inconstitucionalidade, e abstendo-se de especificar as normas cuja interpretação operada pelas instâncias reputa inconstitucional. Com efeito, no entender do recorrente, impresso no recurso (alegações 3.ª e 24.ª), «o Tribunal da Relação de Évora, ao desconsiderar a reclamação, relativa à matéria de facto, junto do M.mo Juiz “a quo” significou uma omissão de pronúncia, assim se violando o artigo 653.º, n.º 5, do CPC, e se denegando, para efeitos dos artigos 13.º, 20.º e 202.º, da CRP 1976, uma tutela jurisdicional efetiva e não discriminatória». O mesmo tribunal, ao omitir pronúncia sobre a reclamação da matéria de facto, nos termos do artigo 690.º-A, n.º 1, do CPC, “desconsiderou, de forma gravosa, o seu dever de legalidade e conformidade à CRP de 1976 (artigos 20.º, 202.º, 204.º, 205.º, n.º 1, da CRP 1976), ferindo de morte o seu acórdão, por o mesmo ser nulo, ilegal e, de modo manifesto inconstitucional.”
Vale por dizer que em nenhum momento do processo suscitou o requerente uma verdadeira questão de constitucionalidade, limitando-se a invocar a desconformidade da decisão judicial proferida com as normas e princípios constitucionais. Sintomático disso mesmo é o facto de, as mais das vezes, o recorrente confundir objeto e parâmetro de controlo da constitucionalidade, assacando à decisão judicial em causa, simultaneamente, ilegalidades e inconstitucionalidades.
Assim sendo, somos levados a concluir que o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente não reúne os pressupostos processuais inferidos do artigo 70.º, n.º 1, al. b), preceito ao abrigo da qual o recurso de constitucionalidade é interposto.
Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto de recurso.
(...)”
5. Ao invés de aduzir argumentos que permitam contestar o teor da decisão sumária produzida, a reclamação vertente limita-se a confirmar a procedência dos argumentos em razão dos quais se não tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto. Com efeito, parece evidente que o reclamado não entende aquilo que quer a doutrina jus-constitucional, quer a jurisprudência deste Tribunal consideram ser uma questão de inconstitucionalidade, nem tampouco o modo como esta deve ser levantada em juízo.
Vejamos.
6. Na reclamação veiculada, o reclamante dá conta dos vários momentos processuais em que, no seu entender, suscitou adequadamente a questão de inconstitucionalidade, dessa forma cumprindo o ónus constante do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, e preenchendo os requisitos processuais a que os recursos interpostos com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da LTC, devem obedecer. Sustenta o reclamante que essa arguição está patente nas seguintes alegações e conclusões:
“(...)
Quanto ao terceiro ponto (...), tal não foi decidido, de forma fundamentada, pelo juiz de 1.ª Instância, visto que se limitou a desconsiderar as mesmas sem justificar, como lhe convinha – e porque não era um mero despacho de expediente (artigo 205.º, n.º 1, da CRP de 1976) – por imperativo constitucional e legal!
Não há, por isso, nesta matéria, qualquer lapso ou confusão do recorrente, nem mesmo inocuidade ou insubsistência, já que decidir mediante “simples consideração”, sem qualquer fundamentação, de facto ou de direito, relativamente a cada uma das reclamações apresentadas, é denegar justiça e, por isso, abrir a via recursória, até às portas da jurisdição constitucional, assim se postergando o disposto nos artigos 20.º, 202.º, 204.º, 205.º, n.º 1, da CRP 1976.
(...)
O Tribunal da Relação de Évora não só denegou tutela jurisdicional efetiva, como desconsiderou, de forma gravosa, o seu dever de legalidade e conformidade à CRP 1976 (artigos 20.º, 202.º, 204.º, 205.º, n.º 1 da CRP 1976) ferindo de morte o seu acórdão, por mesmo ser nulo, ilegal e, de modo manifesto, inconstitucional.
(...)
3.ª O Tribunal da Relação de Évora, ao desconsiderar a reclamação, relativa à matéria de facto, junto do Mmo Juiz “a quo”, significou uma omissão de pronúncia, assim se violando o artigo 653.º, n.º 5, do CPC, e se denegando, para efeitos dos artigos 13.º, 20.º e 202.º da CRP 1976, uma tutela jurisdicional efetiva e não discriminatória.
(...)”
7. Ora, uma questão de inconstitucionalidade traduz-se no problema da desconformidade entre uma norma jurídica – ou interpretação normativa desta (objeto do controlo) – e o parâmetro normativo-constitucional, entenda-se, o conjunto de normas e princípios constitucionalmente relevantes (parâmetro do controlo). O mesmo é dizer – e esta é uma exigência transversal a todos os recursos de constitucionalidade – que o controlo a que procede o Tribunal Constitucional é um controlo normativo, isto é, um controlo que tem por objeto normas jurídicas (ou interpretações normativas) que são ratio decidendi da sentença proferida pelo tribunal a quo no processo-base. Ou seja, o Tribunal Constitucional não se debruça sobre o mérito da decisão proferida no processo principal, nem tampouco sobre as eventuais inconstitucionalidades de que padeça essa mesma decisão, uma vez que não tem previsão entre nós a figura da Verfassungsbeschwerde alemã ou o recurso de amparo espanhol (v.g., os Acórdão n.º 353/86, Diário da República, II Série, de 9 de abril de 1987).
Não há dúvidas, por outro lado, de que este é também o entendimento manifestado em jurisprudência constante deste Tribunal. Do Acórdão n.º 551/01 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), decorre claramente que ao “Tribunal Constitucional compete julgar, não o ato decisório recorrido em si mesmo considerado, envolvendo a ponderação decisiva da singularidade do caso concreto, ou tão pouco o mesmo, visto como resultado da conjugação da matéria de facto ao critério normativo utilizado, mas sim a constitucionalidade mesma desse critério normativo” (v. ainda o Acórdão n.º 82/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, o reclamante parece confundir o levantamento de uma questão de inconstitucionalidade, entendida nos termos supra mencionados, com a mera referência aos princípios e normas constitucionais violados. Com efeito, não obstante inexistir uma qualquer “fórmula sacramental” para o correto levantamento da questão de inconstitucionalidade, é manifesto que tal arguição não se basta com uma referência àquele parâmetro, carecendo de uma expressa e precisa delimitação do objeto do controlo. Esse objeto, já se esclareceu, só pode consistir numa norma jurídica ou numa interpretação normativa da mesma.
Tem razão o reclamante quando, convocando as considerações doutrinais expedidas por Benjamim Silva Rodrigues, dá conta que “nalgumas situações se torna muito difícil distinguir problemas de inconstitucionalidade relativos à interpretação da norma a aplicar ao caso e problemas de má aplicação do direito pelos tribunais...”. Sucede, no entanto, que o caso vertente não é uma dessas situações difíceis, uma vez que o recorrente se limita a “sustentar, no decurso do processo, que certa ou certas decisões judiciais, tomadas pelas instâncias afrontam preceitos ou princípios da Constituição, imputando diretamente a tais factos ou decisões o vício de inconstitucionalidade, sem curar de especificar ou precisar, em termos minimamente claros e contundentes, quais as interpretações da norma ou normas convocáveis para a dirimição do litígio” (Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 33).
8. O desacerto da reclamação veiculada é ainda flagrante na parte em que, no sentido de sustentar a ilegitimidade da decisão sumária proferida, se serve de considerações doutrinais que não têm qualquer conexão relevante com os fundamentos que motivaram aquela decisão. De facto, aquelas considerações, expendidas por Benjamim Silva Rodrigues, reportam-se à questão de saber “se o recorrente pode, no requerimento de interposição de recurso, perante o Tribunal Constitucional, invocar a violação de normas ou princípios diversos daqueles que invocou durante o processo junto do tribunal a quo.” Este é indubitavelmente um problema relevante, sobretudo tendo em conta que, nos termos do artigo 51.º, n.º 5 da LTC, este Tribunal está limitado pelo pedido do recorrente mas não pela causa de pedir subjacente. O mesmo não apresenta, porém, qualquer pertinência para o caso em análise, já que o recorrente, não obstante ter invocado quer no processo, quer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, as mesmas (e variadas) normas e princípios constitucionais, omite em ambos qualquer referência às normas jurídicas (ou interpretações normativas) que alegadamente os contradizem.
III. Decisão
9. Nos termos supra expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 30 de maio de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.
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