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Processo n.º 292/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do Acórdão n.º 134/2012, no qual foi decidido não conhecer do objecto do recurso, a recorrente, A., SA, veio requerer a aclaração daquele acórdão nos seguintes termos:
«1. É natural, e compreensível, o distanciamento do Tribunal Constitucional relativamente ao contexto em que surgem as questões que é chamado a dirimir — as quais, em matéria fiscal, como é o caso, acabam por assumir contornos de especial complexidade técnica.
2. A Recorrente, surgindo no litígio jurídico-tributário na sua veste de Contribuinte, ansiava e esperava, legitimamente, uma pronúncia deste Tribunal sobre a complexa questão em causa nos autos — atendendo, ademais, ao facto de a interposição do recurso lhe ter sido deferida nos moldes propostos — porquanto está plenamente convicta que a técnica normativa utilizada na determinação dos concretos coeficientes de localização utilizados na avaliação do património imobiliário são manifestamente contrários à Constituição da República Portuguesa.
3. No douto acórdão proferido por este Tribunal, foi decidido não se conhecer do objecto do recurso,
4. Entendendo a Recorrente que tal terá sucedido, porventura, pelo facto de o Tribunal a quo, não ter autonomizado devidamente os vícios imputados ao acto avaliativo.
5. Assim, com todo o elevado respeito que merece a decisão em causa — entende a Recorrente que a mesma carece de esclarecimentos, nos termos adiante expostos,
6. pedindo-se a este Tribunal, desde já, a compreensão pelas legítimas expectativas da Recorrente em ver apreciada a inconstitucionalidade invocada e o paciente labor para analisar cabalmente o presente pedido, pois que só o correcto enquadramento da questão poderá conduzir a uma decisão justa.
Isto posto:
7. Como resulta dos autos, o recurso foi interposto para apreciação da inconstitucionalidade material dos artigos 42.º e 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, quando interpretados no sentido de que, para a respectiva eficácia jurídica erga omnes, não é necessário um acto legislativo, publicado em Diário da República, que fixe os concretos zonamentos, os concretos coeficientes de localização e as concretas percentagens do valor do terreno de implantação usados nas avaliações, por violação dos artigos 103.º n.º 2, 112.º n.º 1 e n.º 5, 119.º n.º 1 h), 165.º n.º 1 i) e 198.º n.º 1 b) da Constituição da República Portuguesa.
8. A sindicância que este Tribunal foi chamado a fazer incide sobre uma decisão judicial, proferida num processo de impugnação judicial, onde se discute a legalidade e constitucionalidade de um procedimento de avaliação imobiliária.
9. Como resulta dos autos, a ora Recorrente invocou, naquele processo de impugnação, entre outros vícios:
- a falta de fundamentação do concreto coeficiente de localização aplicado no procedimento avaliativo, por não se explicitarem as características do prédio que terão conduzido à atribuição desse coeficiente, e;
- a ineficácia jurídica do concreto coeficiente de localização aplicado no procedimento avaliativo, por não se encontrar definido e publicado num diploma legal.
Em consequência:
10. O Tribunal a quo veio a decidir:
- quanto à falta de fundamentação que:
como se vê das fichas e dos termos de avaliação transcritos no probatório, é indicada claramente a localização dos prédios, refere-se expressamente a fórmula de determinação do valor patrimonial tributário, o valor da área de implantação e coeficientes aplicados, as operações de quantificação realizadas, bem como se citam as disposições legais aplicadas.», e;
- quanto à ineficácia jurídica (e inconstitucionalidade) que:
«(...) quanto ao facto de não ter sido publicada qualquer portaria ao abrigo do artigo 62.º n.º 3 do CIM1, deve ter-se em conta (...) o que dispõe a alínea b) do n.º 1 daquele preceito legal. (...) Donde, a obrigatoriedade legal de as propostas da CNAPU serem aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças se mostrar, assim, satisfeita no n.º 2 da citada Portaria.».
11. Assim, trata-se de duas questões distintas e autónomas, sobre as quais se pronunciou o Tribunal a quo, sendo que este Tribunal apenas foi chamado a pronunciar-se sobre a segunda daquelas questões.
12. Ora, em face do contexto em que a decisão foi proferida pelo Tribunal a quo, é inegável, salvo o devido respeito, que o acórdão recorrido se suporta, efectivamente, numa interpretação inconstitucional dos artigos 42.º e 62.º do CIMI
13. Com efeito, a Recorrente invocou que compete à CNAPU propor trienalmente os “zonamentos” e respectivos “coeficientes de localização”, que tal “proposta” deve ser aprovada por Portaria do Ministro das Finanças, e que analisada a Portaria n.º 982/2004, esta não especifica OS CONCRETOS “zonamentos e respectivos coeficientes de localização” utilizados na avaliação.
14. Referiu ainda a Recorrente que a Portaria 982/2004, no seu ponto 7.º - quando remete para o site do Ministério das Finanças, ou para os Serviços de Finanças locais, a publicação de alguns parâmetros de avaliação, como é o caso do CI — mais não faz senão determinar a criação de regras legais através de um procedimento ad hoc ilegal, tendo em conta que não se trata apenas da publicação de tais parâmetros.
15. Ou seja: A ESSA PUBLICACÃO NÃO ANTECEDE QUALQUER ACTO LEGISLATIVO, EM SENTIDO FORMAL OU MATERIAL, A DEFINIR, EM CONCRETO. OS COEFICIENTES A SER “PUBLICADOS”.
16. Está em causa, portanto, a regulamentação técnica usada para a definição dos concretos coeficientes a aplicar na avaliação do património imobiliário, e não a fundamentação desses concretos coeficientes.
17. Ora, para decidir pelo não conhecimento do recurso, este Tribunal refere que “a fundamentação da decisão está construída pela positiva, realçando a suficiência dos elementos normativos constantes da lei”.
18. Todavia, este Tribunal, ao assim entender, está a referir-se ao vício de falta de fundamentação dos coeficientes, atendendo ao facto de que, inclusivamente, reproduz parte da decisão judicial do Tribunal a quo, quando refere «Trata-se, pois, de parâmetros legais de fixação do valor patrimonial com base em critérios objectivos e claros e, por isso, facilmente sindicáveis, bastando a indicação da localização dos prédios e a referência do quadro aplicável para que se compreenda como foi determinado o referido coeficiente.» (destaque nosso).
19. Ora, como resulta dessa decisão, o citado entendimento colhe-o o Tribunal a quo da jurisprudência firmada pelo acórdão do STA de 01.07.2009, dado no processo n.º 239/09, onde se conclui que: «(...) a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios (...) ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável.» (destaque nosso).
20. Assim, como resulta do exposto, o Tribunal a quo está apenas a pronunciar-se sobre o vício de falta de fundamentação do coeficiente de localização.
21. mas, de seguida, o Tribunal a quo parte para o conhecimento da segunda questão que é a única que interessa aos presentes autos e que, salvo o devido respeito, não se vislumbra como tendo sido dilucidada por este Tribunal.
22. Efectivamente, refere o Tribunal a quo:
«POR OUTRO LADO, quanto ao facto de não ter sido publicada qualquer portaria ao abrigo do artigo 62.º n.º 3 do CIMI, deve ter-se em conta (...) o que dispõe a alínea b) do n.º 1 daquele preceito legal. (...) Donde, a obrigatoriedade legal de as propostas da CNAPU serem aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças se mostrar, assim, satisfeita no n.º 2 da citada Portaria.» (destaque nosso).
23. Isto é, o Tribunal a quo acaba por, ainda que de forma pouco perceptível, autonomizar as questões, e por decidir que, relativamente ao facto de não existir qualquer Portaria ou outro instrumento legal a fixar os concretos coeficientes de localização aplicáveis - uma vez que o CIMI apenas fixa mínimos e máximos - e de os mesmos não estarem publicados em Diário da República - mas apenas no síte das Finanças -
24. que «(...) a obrigatoriedade legal de as propostas da CNAPU serem aprovadas por Portaria do Ministro das Finanças se mostrar, assim, satisfeita no n.º 2 da citada Portaria.»,
25. que «(...) há que ter em atenção, também, que o seu número 7 refere que os zonamentos aprovados e os coeficientes de localização são publicados no sítio www.e- financas.gov.pt podendo ser consultados aí por qualquer interessado, estando ainda disponíveis em qualquer serviço de finanças.»,
26. e que «Este sistema de regulamentação técnica não contraria o disposto no artigo 119.º da CRP, nem qualquer um dos princípios constitucionais citados pela recorrida nas suas contra-alegações, na medida em que o que a lei, de facto, apenas estabelece é a necessidade das propostas da CNAPU a respeito de zonamento e respectivos coeficientes de localização serem aprovados por Portaria do Ministro das Finanças (e não a sua publicação em jornal oficial) (...)».
27. Este Tribunal entendeu que o tribunal recorrido concluiu pela correcção da regulamentação técnica, por referência à suficiência de fundamentação, e não por referência à inexistência de diploma legal a fixar os concretos coeficientes, quando é claro, quer da decisão recorrida, quer da demais jurisprudência sobre o tema, a concreta individualização das duas dimensões jurídicas em causa.
28. Assim, por exemplo:
- «A fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se pode circunscrever à identificação geográfica/física do prédio, ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe seja aplicável.» (Ac TCAS, de 01-06-2010, proc. n.º 03953/10);
- «(...) não vislumbramos que alguma Portaria tenha sido publicada ao abrigo do citado n.º 3 do art.º 62.º do CIMI, a fixar em concreto os zonamentos e respectivos coeficientes de localização dos prédios neles situados, mediante proposta da CNAPU, como legalmente se encontra estabelecido na norma do citado art.° 62.º (...) sabido que apenas constituem actos legislativos os expressamente previstos na lei, nos termos do disposto no art.º 112.º, n.º5 da CRP, desta forma ficando sem arrimo legal a atribuição do referido coeficiente de localização na avaliação em causa o que a inquina na sua legalidade(...)»
(Ac TCAS, de 26-01-2010, proc. n.º 03232/09).
29. Salvo o devido respeito, nos termos que constam da decisão do Tribunal a quo, onde claramente se pronuncia sobre as duas dimensões da questão, não é perceptível à Recorrente os motivos que conduziram este Tribunal ao não conhecimento do objecto do recurso — quando é essa mesma dualidade de dimensões que, pelo teor expresso da decisão recorrida, impunham precisamente esse conhecimento.
Pelo exposto, requer respeitosamente a V. Exas se dignem aclarar o teor da decisão judicial proferida, de não conhecimento do objecto do recurso, porquanto, em face do concreto e definido recorte da questão a apreciar, e atendendo ao teor da decisão recorrida, afigura-se claro que o Tribunal a quo, na sua decisão, pronunciou-se expressamente pela conformidade da regulamentação técnica com o artigo 119.º da CRP. e os princípios constitucionais que a Recorrente entende terem sido violados.»
2. A recorrida Fazenda Pública não apresentou resposta.
3. Nos termos do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, qualquer das partes pode pedir ao Tribunal o esclarecimento de alguma “obscuridade” ou “ambiguidade” da decisão ou dos seus fundamentos.
No caso em apreço, ao referir que «não é perceptível à Recorrente os motivos que conduziram este Tribunal ao não conhecimento do objecto do recurso», o pedido de aclaração visaria suprir a obscuridade dos fundamentos da decisão.
Alega a requerente que, na questão de constitucionalidade suscitada estava em causa «a regulamentação técnica usada para a definição dos concretos coeficientes a aplicar na avaliação do património imobiliário, e não a fundamentação desses concretos parâmetros». Ora, no seu entender, este Tribunal não autonomizou suficientemente as duas questões, apresentando uma razão para o não conhecimento que tem a ver com o “vício de falta de fundamentação dos coeficientes”, e não com o objecto do pedido: a falta de «qualquer acto legislativo, em sentido formal ou material, a definir, em concreto, os coeficientes a ser “publicados”». Tal seria patente pelo teor da parte da decisão do tribunal a quo que a fundamentação reproduz. Tira daí a conclusão de que “não se vislumbra como tendo sido dilucidada por este Tribunal” a questão objecto do recurso.
Mas a alegação não procede.
Na verdade, a decisão de não conhecimento apresenta-se fundamentada, de forma clara. À fundamentação explicitadora das razões do não conhecimento se dedica todo o ponto 9. do Acórdão n.º 134/2002, onde, de forma patente, se expendem considerações atinentes à base legal dos critérios de avaliação dos prédios e não à fundamentação das características destes que conduziram à atribuição de determinados coeficientes. Nenhuma das afirmações que aí se colhem se reporta ao “vício de falta de fundamentação dos coeficientes”. E, contrariamente ao alegado, o próprio passo do acórdão recorrido que nesse ponto se transcreveu está centrado na questão da suficiência dos parâmetros legais, como claramente se infere dos seus termos. O arrazoado subsequente, que dele consta e a requerente refere, tem por objecto a portaria e não a questão da necessidade de definição, em concreto, por acto legislativo, dos coeficientes a aplicar.
Como se vê, o Tribunal não cometeu o erro que, na óptica da requerente, está na base da apontada obscuridade. Obscuridade que não existe, no que diz respeito à dilucidação do fundamento da decisão de não conhecimento.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir o presente pedido de aclaração.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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