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Processo n.º 3/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O arguido A. requereu, junto dos serviços do Centro Distrital do Porto da Segurança Social, que lhe fosse concedido apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a fim de recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo n.º 438/07.2PBVCR.
O requerimento veio a ser deferido, por despacho proferido em 31 de agosto de 2011, atenta a situação de desemprego do requerente, que se verificava desde 25 de maio de 2011.
Comunicada esta decisão ao Tribunal da Relação de Guimarães, este informou os referidos serviços da Segurança Social que o arguido havia requerido apoio judiciário após o termo do prazo de recurso em 1.ª instância e, nessa sequência, o Centro Distrital do Porto da Segurança Social decidiu revogar o despacho proferido em 31 de agosto de 2011, determinando o cancelamento do apoio judiciário concedido.
O arguido impugnou judicialmente esta decisão junto do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo que, por decisão de 30 de dezembro de 2011, negou provimento à impugnação.
O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), em que indicou:
“A) Normas Constitucionais Violadas: Os art.ºs 1.º “...justa...”, 9.º alínea b), 13.º n.ºs 1 e 2 “...situação económica, condição social ... “, 16.º n.º 2, 18.º n.º 2, 20.º, n.º 1, 32.º n.ºs 1, 2, 3, 5, 6 e 7, e 202.º n.º 2, todos da Constituição da Republica Portuguesa;
B) Norma Violadora Em Apreciação: A norma resultante das alterações introduzidas ao art.º 44º n.º 1 da Lei 34/2004, de 29 de julho (na redação que lhe foi dada pela Lei 47/2007 de 28 de agosto), segundo a qual:
1. O pedido de Apoio Judiciário, deve ser “...requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. “;
2. Quando a primitiva redação do n.º 1 do art. 44.º, da referida lei (LADT) dispunha, “... devendo o apoio judiciário ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final.”;
3. A sentença de que se recorre, para além de negar provimento sem fundamentar o facto concreto que legitima a manifesta inviabilidade do mesmo, sendo uma ilegalidade, até porque o Arguido, tem outra morada (para citação ou notificação) que não aquela, não refere quem rececionou nem quando, e o I. S. S. não notificou o seu mandatário constituído, passa um atestado de “menoridade” quando expressa o seguinte: “Não tendo o Requerente apresentado o requerimento de apoio judiciário até ao termo do prazo de recurso da decisão judicial em primeira instância, não se compreende como ainda assim entende o arguido que lhe foi negado o direito de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, tanto mais que é a Constituição da República Portuguesa que estipula que o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva será definido por lei...”;
4. Ora salvo melhor opinião, quem interpreta assim a LADT e a CRP, interpreta erroneamente ambas, senão vejamos: - A LADT no seu art. 18º, n.º 2 (n.º 3 na redação original), estipula que o pedido de apoio “... deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.”, logo, ficou desempregado (em 25-05-2011), só após essa data é que estava em condições de requerer (não ia requerer quando não estava na situação de insuficiência económica), só que para seu azar, para além de ficar desempregado, isso ocorreu após o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. Portanto, não podia ter requerido antes; - Quanto à errónea interpretação da CRP, prende-se com o facto de que, ao cancelarem o benefício de apoio judiciário, anteriormente concedido, o Requerente/Arguido viu ser-lhe denegado o acesso à Justiça (recorrer) por insuficiência de meios económicos. O Instituto de Segurança Social reconheceu que este se encontrava numa situação de insuficiência económica, só que essa situação apesar de reconhecida, deixou de ter valor, porque ocorreu num tempo posterior ao devido, ora ao aceitar-mos esse tipo de interpretação da norma (n.º 1 do art. 44.º), estamos a negar “...o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, numa clara violação do art. 20.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;
5. Porque se um qualquer cidadão ficar numa situação de insuficiência económica (ex-desempregado), depois do termo do prazo de recurso de decisão em primeira instância, ficará sem mais acesso ao direito e aos tribunais, não podendo recorrer para obter justiça, porque não pagando as taxas o seu recurso é declarado deserto, ora este direito estipulado na CRP, não foi reconhecido nesta sentença, pelo que, se pugna pela declaração de inconstitucionalidade da norma do n.º 1, do art. 44.º, da LADT…”
O Recorrente apresentou as respetivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. O Recorrente requereu o benefício de Apoio Judiciário, e foi-lhe deferido, por se encontrar numa situação de insuficiência económica. Mais tarde é-lhe cancelado esse benefício, alegadamente, por essa insuficiência ter ocorrido, após o termo do prazo fixado na Lei n.º 34/2004, de 29/07, art. 44º, n.º 1, com a redação dada pela Lei 47/2007, de 28/08.
2. Ora a parte final deste n.º 1, do artigo 44º, viola princípios fundamentais de um estado de direito, e mas concretamente da nossa constituição, violando também até normas da DUDH;
3. Ao aceitar-se a norma fixada no n.º 1 do art. 44.º, estamos a negar “...o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, numa clara violação do art. 20.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, estamos a denegar aos cidadãos, que fiquem numa situação de insuficiência económica após aquele prazo, de acederem ao direito e aos Tribunais, como lhe é protegido na CRP.
4. Atravessamos momentos e tempos de grandes dificuldades económicas, em especial para os cidadãos que ficam desempregados, sem terem contribuído para isso, retirar-lhe o direito de acederem aos tribunais e ao direito, só porque ficaram nessa situação, após o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, é penalizá-los duas vezes, uma é a insuficiência económica, a outra é o não poderem aceder como os outros cidadãos ao direito e aos Tribunais.
5. Num mero desabafo, felizmente que para se recorrer a este Douto Tribunal, não há lugar ao pagamento de taxas de justiça, senão o aqui Recorrente não teria acedido a ele, um bem haja.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente nos moldes expostos, devendo ser declarada inconstitucional a norma do n.º 1, do artigo 44º, da LADT, seguindo-se os demais termos até final.»
Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O Recorrente pretende sindicar a constitucionalidade da norma constante do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, na parte em que estabelece que o pedido de apoio judiciário, formulado pelo arguido em processo penal, deve ser “(…) requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”, sustentando que este segmento normativo viola o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Importa, no entanto, precisar e delimitar a dimensão normativa efetivamente questionada com o presente recurso.
Com efeito, o que está em causa, segundo alega o Recorrente, não é apenas a circunstância de a norma em causa impor que o pedido de apoio judiciário, formulado pelo arguido em processo penal, seja requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, mas mais precisamente que tal imposição se mantenha nos casos em que se verifique uma situação de insuficiência económica superveniente a esse momento processual e seja ainda exigível o pagamento de uma taxa de justiça como condição de apreciação de um recurso.
Sendo essa a situação em causa nos presentes autos, o recurso deverá ter como objeto o segmento normativo extraído do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, interpretado no sentido de que o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido em processo penal deve ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, no caso de alegação de insuficiência económica superveniente a esse momento processual, quando ainda seja exigível o pagamento de uma taxa de justiça como condição de apreciação de um recurso.
2. Do mérito do recurso
Vejamos, antes de mais, o teor do preceito de onde resulta a norma a fiscalizar.
O artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, tem o seguinte teor:
«Artigo 44º
Disposições aplicáveis
1 – Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com exceção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.
[…]»
O artigo 44.º, n.º 1, na redação originária da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, tinha a seguinte redação:
«1 – Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com exceção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final.»
A redação atual desta norma resulta, assim, da alteração introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, sendo que tal alteração, na parte que ora releva, consistiu na substituição, na parte final, da expressão «(…) devendo o apoio judiciário ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final», por «(…) devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância».
Em termos sistemáticos, esta norma encontra-se inserida no Capítulo IV da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, relativo às “Disposições especiais sobre processo penal”, sendo aplicável apenas à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal.
Relativamente aos restantes processos, a regra geral, no que respeita à oportunidade da formulação do pedido de apoio judiciário, encontra-se prevista no n.º 2, do artigo 18.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, onde se estabelece que «O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica», acrescentando o n.º 3 que «Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário (…)».
Anteriormente, designadamente, na vigência da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, o pedido de apoio judiciário poderia ser formulado em qualquer estado da causa, independentemente de a insuficiência económica do requerente ser ou não superveniente, o que levou a que se colocasse a questão de saber se seria de admitir um pedido formulado já depois da decisão final, nos casos em que o requerente o não pretendesse para a fase de recurso.
Com a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, consagrou-se um regime mais restritivo, estabelecendo-se, como regra geral, que o pedido judiciário deve ser formulado «antes da primeira intervenção processual». Consagrou-se, no entanto, uma exceção a esta regra, que consiste em permitir a apresentação posterior do pedido de apoio judiciário no caso de a situação de insuficiência económica ser superveniente, hipótese em que tal pedido deve ser efetuado «antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica». Esta exceção pretendeu, justamente, salvaguardar a hipótese de ocorrer uma deterioração superveniente da situação económica do interessado que, nesse caso, pode requerer apoio judiciário mesmo depois da primeira intervenção processual.
Mas no que respeita à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal, o artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, prevê que se apliquem, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, «com exceção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância».
Segundo a interpretação sob fiscalização, em processo penal o apoio judiciário tem de ser requerido pelo arguido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, não se prevendo a hipótese, contemplada no citado artigo 18.º, n.º 2 – cuja aplicação, como se disse, é expressamente afastada pelo artigo 44.º, n.º 1 – de, no caso de insuficiência económica superveniente, o apoio judiciário poder ser requerido em momento posterior.
Nesta leitura o interessado tem o ónus de fazer valer a sua pretensão (neste caso o pedido de apoio judiciário) até um determinado momento ou fase processual (termo do prazo de recurso em primeira instância), com a consequência de, não tendo tal direito sido exercido até esse momento, tal envolver um efeito preclusivo, impedindo-o de formular tal pretensão em momento posterior do processo, nas situações de insuficiência económica superveniente e quando ainda pode ser exigido o pagamento de taxas de justiça como condição para a apreciação de recursos.
Ao Tribunal Constitucional compete, apenas, apreciar se este critério normativo é ou não desconforme a normas ou princípios constitucionais, designadamente, ao invocado n.º 1, do artigo 20.º, da Constituição. Não lhe cabe, por ser matéria que já respeita à aplicação do direito ordinário, saber se esta interpretação é a mais correta do ponto de vista infraconstitucional.
O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, consagra o princípio de que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, estabelecendo ainda a garantia de que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.
A Constituição não prevê a gratuitidade dos serviços de justiça, mas não permite que tais serviços sejam tão onerosos que dificultem, de forma considerável, o acesso aos tribunais, não podendo deixar de haver formas de apoio para quem não possa suportar os respetivos custos.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre este princípio, designadamente, a propósito de situações em que estavam em causa normas ou interpretações normativas das quais resultava uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de acesso à justiça resultante da obrigação de pagamento de determinadas quantias.
Sobre essa questão o Tribunal tem firmado jurisprudência que tem por base o entendimento, sintetizado no Acórdão n.º 30/88 (acessível na Internet, assim como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, em www.tribunalconstitucional.pt), que cita o Parecer n.º 8/87 da Comissão Constitucional, segundo a qual a Constituição “se deveria ter por violada sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídico-económico em vigor para o acesso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa”, uma vez que a Lei fundamental “indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais”, se propõe “afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça”.
Já no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa. Por esta razão se tem considerado que não fere os princípios constitucionais a solução segundo a qual não é admissível a dedução de pedido de apoio judiciário após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando se tem apenas como objetivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por efeito dessa decisão (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos n.ºs 508/97, 308/99, 112/2001, 297/01 e 590/2001).
Regressando ao caso dos autos, recorde-se que o arguido, ao pretender recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, solicitou apoio judiciário, invocando uma situação de insuficiência económica superveniente.
Neste caso, ao qual ainda era aplicável o disposto no Código das Custas Judiciais, o recebimento do recurso e respetivo seguimento tinha como condição o pagamento de taxa de justiça no valor de 2 UC, a qual deveria ser autoliquidada pelo Recorrente, que deveria ainda proceder à junção do documento comprovativo de tal pagamento junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo (cfr. artigos 80.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais).
Na falta de apresentação, no referido prazo, do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, a secretaria notificava o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de cinco dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, sendo que a omissão do pagamento de tais quantias determinava que o recurso fosse considerado sem efeito (artigo 80.º, n.ºs 2 e 3, do Código das Custas Judiciais).
O artigo 80.º, n.º 4 do Código das Custas Judiciais continha uma “válvula de escape”, dispondo que «o recurso que tendo por efeito manter a liberdade do arguido é recebido independentemente do pagamento da taxa de justiça», mas tal exceção abrangia apenas um número limitado de situações que não abrangiam este caso.
Refira-se que o atual Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 28 de agosto, que veio substituir o Código das Custas Judiciais, já prevê no seu artigo 15.º, alínea c), que estão dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça «os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais», aplicando-se tal norma apenas aos processos iniciados a partir da entrada em vigor do referido decreto-lei, respetivos incidentes, recursos e apensos (cfr. artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 28 de agosto).
Assim, no âmbito da aplicação do Código das Custas Judicias, onde se insere o processo no qual foi suscitada a presente questão de constitucionalidade, numa situação em que a situação de insuficiência económica do recorrente se verifica já após o fim do prazo de recurso em primeira instância, segundo a interpretação sindicada, o arguido já não pode requerer o benefício do apoio judiciário, de forma a não ter de suportar o pagamento das quantias acima referidas, pelo que aquela limitação temporal pode impedir o arguido de aceder aos tribunais de recurso por insuficiência económica para suportar tais custos.
Assim sendo, é de concluir que esta interpretação não garante o acesso a todos os tribunais de recurso por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos inerentes ao desenvolvimento do processo judicial, pelo que ofende a garantia de não denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, prevista no artigo 20º, n.º 1, da Constituição.
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional o segmento normativo constante do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na interpretação segundo o qual é extemporâneo o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido em processo penal após o decurso do prazo de recurso da decisão proferida em primeira instância, no caso de insuficiência económica superveniente, quando ainda seja exigível o pagamento de uma taxa de justiça como condição de apreciação de um recurso.
b) conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o antecedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 24 de abril de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.
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