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Processo n.º 222/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Fls. 888: uma vez que as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie não foram aplicadas na decisão recorrida nas dimensões interpretativas que se lhes imputa, que foram clara e expressamente afastadas pelo acórdão, não admito o recurso interposto pelo arguido A.”.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
“1 - Por decisão sumária proferida no dia 14 de novembro de 2011 foi decidido não conhecer do recurso interposto da sentença proferida pela 1.ª instância, por o mesmo ser extemporâneo;
2 - Inconformado com esta decisão, o Reclamante veio apresentar a competente reclamação para a conferência, como resulta de Fls.
3 - Nesta mesma reclamação foi invocado pelo Reclamante, para o que agora interessa:
(i) a inconstitucionalidade do art. 411.º, n.º 4, do C.P.P., na interpretação normativa da decisão reclamada, nos termos da qual o prazo para o recurso, sempre que este tem por objeto a reapreciação da prova gravada, só será de 30 dias se, numa análise perfunctória, este merecer provimento, por violação das garantias de defesa e o direito ao recurso, fixados no art. 32.º, n.º 1, da Constituição ou, caso assim não se entenda,
(ii) a inconstitucionalidade do art. 411.º, n.º 4, por violação do art. 32.º, n.º 1, da Constituição, na interpretação segundo a qual o não cumprimento dos requisitos impostos pelo art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, quando o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada, tem por efeito que o prazo do mesmo passe a ser de 20 dias, com a consequente rejeição liminar do mesmo, por extemporâneo, sem que ao mesmo seja dada a faculdade de suprir tais deficiências;
4 - Por acórdão proferido 19 de janeiro de 2012, de Fls., foi a reclamação indeferida;
5 - Notificados deste acórdão, veio o Reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por requerimento de Fls.
6 - Este recurso, contudo, não foi admitido, por decisão proferida em 9 de fevereiro de 2012, a Fls., por se ter considerado que «as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie não foram aplicadas na decisão recorrida nas dimensões interpretativas que se lhes imputa».
7 - O Reclamante não pode conformar-se com esta decisão, uma vez que, ao contrário do decidido e como melhor se demonstrará, as normas cuja inconstitucionalidade foi invocada foram aplicadas pelo Tribunal da Relação precisamente com a dimensão normativa que se apontou.
8 - Em primeiro lugar, o Reclamante invocou a inconstitucionalidade do art. 411.º, n.º 4, do C.P.P., na interpretação normativa da decisão reclamada, nos termos da qual o prazo para o recurso, sempre que este tem por objeto a reapreciação da prova gravada, só será de 30 dias se, numa análise perfunctória, este merecer provimento, por violação das garantias de defesa e o direito ao recurso, fixados no art. 32.º, n.º 1, da Constituição.
9 - Não há qualquer dúvida de que foi precisamente esta a interpretação que esteve na origem da decisão de não conhecimento do recurso interposto da sentença proferida pela 1.ª instância.
10 -Deve recordar-se, em primeiro lugar, que é indubitável que o Reclamante invocou, como fundamento do seu recurso, a prova gravada.
11 - Na verdade, consta expressamente das conclusões da sua motivação de recurso que o mesmo tem, entre outros, o seguinte fundamento:
«Na perspetiva do Recorrente, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do n.º 3 do art. 412.º do C.P.P.) são:
(i) Depoimento da testemunha B., que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal recorrido, consoante ata da audiência de julgamento de 25.11.2010, de Fls. 535-538, com início às 12:26:41 e fim às 12:51:52, entre os minutos 9:20 e 13:10, e nas Fls. 92 e 93 dos autos;
(ii) Depoimento da testemunha C., que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal recorrido, consoante ata da audiência de julgamento de 9.12.2010, de Fls. 542-546, com início às 11:53:24 e fim às 12:07:49, entre os minutos 9:20 e 13:10, e a Fls. 94 e 95 dos autos;»
12 - É, assim, inquestionável, que o Reclamante fundamentou o seu recurso na prova gravada, pelo que o mesmo tem por objeto a sua reapreciação.
13 - Não obstante, o Tribunal da Relação decidiu que não beneficiava do prazo estabelecido no art. 411.º, n.º 4.
14 - Para o fazer, teve de lançar mão de uma fundamentação particular, uma vez que, sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, era claro que o mesmo tinha efetivamente por objeto a reapreciação da prova gravada.
15 - Ou seja, por outras palavras, o Tribunal da Relação procedeu a uma interpretação do art. 414.º, n.º 4, nos termos da qual veio a decidir que, não obstante os fundamentos do recurso do Reclamante – nos termos do quais entre visa a reapreciação da prova gravada –, o mesmo não estaria sujeito ao prazo fixado no referido preceito legal.
15- Esta interpretação traduziu-se, em concreto, no seguinte:
«As concretas provas que, segundo o recorrente, impunham decisão diversa da proferida eram os depoimentos das testemunhas B. e C. e o croqui de fls. 4.
Ora, como o próprio recorrente reconhece a fls. 681 e se pode ouvir da gravação efetuada (apesar da sua péssima qualidade), estas testemunhas afirmaram não se recordarem dos factos», razão pela qual foi requerida e deferida a leitura dos seus depoimentos prestados no inquérito (fls. 92 a 95) ( ... ) Diga-se, de resto, que depoimentos com as características dos indicados, que até podiam fazer duvidar da efetiva presença das testemunhas no local do acidente no momento em que ele ocorreu, nunca teriam a virtualidade de impor decisão diversa da recorrida, a cuja cuidada fundamentação o recorrente nem sequer se referiu».
16 - Fica assim demonstrado que o Tribunal da Relação interpretou o art. 411.º, n.º 4, do C.P.P., no sentido em que o prazo de 30 dias para interposição do recurso só é aplicável se, numa apreciação, ainda que perfunctória, de mérito, este merecer provimento.
17 - Esta mesma interpretação foi confirmada no acórdão proferido em conferência, não só porque se manteve a decisão reclamada, mas ainda porque no mesmo se começa por esclarecer que o prazo é de 30 dias «quando a elaboração da motivação requer a audição das gravações das declarações orais prestadas na audiência», para depois se afastar a sua aplicação no caso dos autos precisamente com base...no que as testemunhas em causa «declararam na audiência» – p. 17, nota 6.
18 - Deve ainda esclarecer-se que, ao contrário do que se pretende fazer crer no acórdão proferido em conferência, o recurso do Reclamante não teve apenas por fundamento os depoimentos escritos das testemunhas em causa, mas ainda a confirmação dos mesmos que ocorreu em audiência de julgamento, depois de ter tido lugar a sua leitura, como resulta claramente das motivações de recurso, mediante a identificação concreta das passagens das gravações respetivas.
19 - Pode assim concluir-se que, se a razão de ser do prazo para recorrer ser de 30 e não de vinte dias é, como se diz no acórdão proferido em conferência, a necessidade de o recorrente proceder à audição das declarações prestadas em audiência, basta uma leitura, ainda que desatenta, das motivações de recurso, para se concluir foi o que sucedeu no caso dos autos.
20 - A interpretação normativa que se aponta foi ainda confirmada neste mesmo acórdão, ao dizer-se, na nota 7, p. 26, que, apesar de o recurso ter efetivamente por objeto a reapreciação da prova gravada – uma vez que o recorrente, como se confessa, deu cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º –, o prazo só será de 30 dias se o mesmo «implicasse a reapreciação da prova gravada».
21- Ora, como se viu, não é isso que estabelece o art. 411.º, n.º 4, pelo que assim se demonstra que, quer em sede de decisão sumária, quer em sede de acórdão proferido em conferência, se interpretou este preceito no sentido que o prazo para recorrer só será de 30 dias se, para além de o recurso ter por objeto a reapreciação da prova gravada – único requisito exigido pela lei – este mereça provimento, numa primeira e perfunctória análise da mesma.
22 - Nesta interpretação, o recorrente nunca pode saber, à partida, qual o prazo que tem para interpor recurso, pois o mesmo ficaria dependente de um juízo, ainda que perfunctório, de mérito, com a consequente perda do direito de recorrer, sempre que tal apreciação lhe fosse desfavorável, apesar de a mesma ter por base... a prova gravada, que constitui o fundamento do recurso.
23 - Deve recordar-se que o direito ao recurso é um direito com expressa tutela no art. 32.º, n.º 1, da Constituição, cujo exercício ficaria irremediavelmente afetado, na interpretação que foi seguida pelo Tribunal da Relação, porque o recorrente nunca sabe qual o prazo que tem para o seu exercício, sendo que o seu incumprimento implica a impossibilidade do seu exercício.
24 - Por outro lado, já foi decidido, no acórdão n.º 284/00 do Tribunal Constitucional que: «se de uma interpretação que não é absolutamente imposta ou inequivocamente extraível da letra da lei, resulta que aquele critério funcional, que porventura legitima a exigência do formalismo ou da imposição de determinados ónus ou «rituais» em face da razão de ser substancial dessas exigências ou imposição (cfr., neste particular o Acórdão deste Tribunal nº 275/99, in Diário da República, 2ª Série, de 13 de julho de 1999), se não configura como adequada e proporcionalmente fundamentador dessa interpretação, então haverá que concluir que esta última, se vai contender com ou, mais propriamente, se vai precludir na sua totalidade uma garantia constitucionalmente consagrada, como, in casu, é a do direito ao recurso, tal interpretação há de ser reprovada do ponto de vista da sua compatibilidade com a Lei Fundamental».
25 - No que respeita à invocada inconstitucionalidade do art. 411.º, n.º 4, por violação do art. 32.º, n.º 1, da Constituição, na interpretação segundo a qual o não cumprimento dos requisitos impostos pelo art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, quando o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada, tem por efeito que o prazo do mesmo passe a ser de 20 dias, com a consequente rejeição liminar do mesmo, por extemporâneo, sem que ao mesmo seja dada a faculdade de suprir tais deficiências, é manifesto que foi efetivamente sustentada, quer na decisão sumária de indeferimento do recurso, quer no acórdão proferido em conferência.
26 - Deve recordar-se, em primeiro lugar, que esta questão apenas foi suscitada a título subsidiário, ou seja, para o caso de se entender que o Reclamante não deu integral cumprimento às exigências formais exigidas pelo art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, e que seria tal vício que estaria na origem da conclusão segundo a qual o recurso não tinha por objeto a reapreciação da prova gravada.
27 - Vem agora esclarecer-se que assim não terá sido, mas então não há, como se viu, qualquer razão para que não se tenha julgado que o recurso tinha por objeto a reapreciação da prova.
28 - A contradição em que o acórdão proferido em conferência incorre, e que resulta patente do que se escreve na nota n.º 6, demonstra bem que, ou o Tribunal da Relação entendeu que não basta que o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova, para que o prazo respetivo seja de 30 dias, ou entendeu que o mesmo, tendo em conta os seus termos, não cumpre os requisitos necessários para o efeito.
29 - No primeiro caso, é patente que a decisão proferida pressupõe a adoção da interpretação normativa que constitui o fundamento principal do recurso; no segundo, que foi sustentada a interpretação normativa que constitui o seu fundamento subsidiário.
30 - Pode assim concluir-se que, sendo inequívoco que o Reclamante pretende que o tribunal competente para o recurso da sentença proferida pela 1.ª instância proceda à reapreciação da prova gravada, a decisão reclamada, no sentido de que prazo respetivo é de 20 e não de 30 dias, só pode ter por base uma interpretação do art. 411.º, n.º 4, no sentido de que a consequência do incumprimento dos requisitos formais para que se possa considerar que o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada seria o seu não conhecimento, por extemporaneidade, sempre que tivesse sido apresentado para além do prazo de 20 dias, sem antes dar ao recorrente a possibilidade de corrigir eventuais deficiências no cumprimento destes requisitos.
31 - No fundo, ao contrário do decidido na decisão reclamada, as normas cuja inconstitucionalidade foi invocada foram efetivamente apreciadas na decisão reclamada nas dimensões interpretativas apontadas.
32 - Não existe qualquer outro motivo que obste ao conhecimento do recurso interposto pelo Reclamante.
Termos em que,
Deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogado o despacho de não admissão do recurso do acórdão proferido em sede de conferência, substituindo-se o mesmo por outro que o admita”.
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
A., Arguido nos autos à margem identificados, não se conformando com o acórdão de Fls., que confirmou a decisão de rejeição do presente recurso, por extemporâneo, vem, ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 30 de setembro, interpor recurso do mesmo para o Tribunal Constitucional, indicando, em cumprimento do art. 75.º-A do mesmo diploma legal:
1- Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (art. 75.º-A, n.º 1):
Norma constante do art. 411.º, n.º 4, do C.P.P., na interpretação normativa da decisão reclamada, nos termos da qual os prazos para o recurso, sempre que tem por objeto a reapreciação da prova gravada 1, só será de 30 dias se, numa análise perfunctória 2, este merecer provimento ou, caso assim não se entenda,
Norma constante do art. 411.º, n.º 4, na interpretação segundo a qual o não cumprimento dos requisitos impostos pelo art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, quando o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada, tem por efeito que o prazo do mesmo passe a ser 20 dias, com a consequente rejeição liminar do mesmo, por extemporâneo, sem que o mesmo seja dada a faculdade de suprir tais deficiências.
2 – Norma ou princípio constitucional que se considera violado (art. 75.º-A, n.º 2):
Princípio constitucional das garantias de defesa do arguido no processo penal, em geral e na dimensão específica do direito constitucional ao recurso, consagrados no art. 32.º, n.º 1, da Constituição.
3 – Peça processual em que o Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade (art. 75.º-A, n.º 2):
Reclamação da decisão de rejeição do recurso apresentado ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 8, do C.P.P., de Fls.”.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional, com fundamento em não terem as normas que integram o seu objeto sido aplicadas pela decisão recorrida nas dimensões interpretativas que se lhes imputa.
Na sua reclamação, o reclamante sustenta que, contrariamente ao decidido pelo despacho reclamado, as normas sindicadas foram aplicadas pela decisão recorrida precisamente com a dimensão normativa cuja conformidade com a Constituição se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
Não tem razão o reclamante.
Em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objeto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja suscetível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC n.ºs 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, resulta de uma análise cuidada da decisão recorrida – a qual, indeferindo a reclamação para a Conferência, confirmou a decisão sumária proferida pelo Exmo. Desembargador Relator que rejeitou o recurso por extemporaneidade – que o artigo 411.º, n.º 4 do Código de Processo Penal não foi interpretado com o sentido indicado pelo recorrente, ora reclamante.
Com efeito, nela se tendo entendido que o recurso interposto não tinha por objeto a reapreciação da prova gravada, careceria de qualquer efeito útil a apreciação que o Tribunal Constitucional viesse a fazer sobre qualquer das duas dimensões interpretativas que integram o objeto do recurso de constitucionalidade, tal como delimitado pelo recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição do mesmo, na medida em que tais dimensões interpretativas se referem a recurso que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada.
Tanto basta para que se não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 18 de abril de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.
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