|
Processo n.º 133/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 8 de março de 2012, o relator proferiu decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), negando provimento ao recurso de constitucionalidade interposto por A. (fls. 137 e segs.), com a seguinte fundamentação:
«3. O objeto do presente recurso integra o artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP na interpretação segundo a qual não é admitido recurso de acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando tenham sido arguidas nulidades desse mesmo acórdão.
Pelo acórdão n.º 659/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o tribunal concluiu pela conformidade constitucional dessa interpretação normativa, com os seguintes fundamentos:
“Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
Note-se que não cabe a este Tribunal aferir se esta situação configura ou não um caso de “dupla conforme”, para efeitos de aplicação da referida limitação ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, mas apenas verificar se a não admissibilidade de uma nova instância de recurso, nestas circunstâncias, configura uma violação do direito ao recurso garantido pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379.º, n.º 2, e 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objecto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.
Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.
Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objecto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.
O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objecto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.
Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).
Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos.
Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objecto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Alegaram ainda os recorrentes que a interpretação normativa sindicada é também ofensiva do artigo 20.º da Constituição.
Este preceito garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efective através de um processo equitativo (n.º 4) e que, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegure aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (n.º 5).
Os Recorrentes não referem, de forma clara, qual a dimensão da garantia da tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20.º da Constituição, que consideram ter sido violada pela interpretação normativa sindicada, depreendendo-se, no entanto, que em seu entender tal violação resulta de lhes ter sido negado o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, mediante recurso.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.
A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe, no entanto, que no seu núcleo essencial os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
Na interpretação normativa sob fiscalização não estamos perante uma situação de negação de acesso aos tribunais, mas sim de restrição do acesso, em via de recurso, a um determinado tribunal – o Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme se referiu, a arguição de nulidade do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação não tem de ser superada pela abertura de nova via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo legítimo, como tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, tenha sido aplicada. Por isso, o estabelecimento de um critério normativo que exclui o recurso nas aludidas situações, fundado em razões justificativas racionalmente inteligíveis, não contraria de forma alguma os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e de um processo equitativo.
Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que interpretação normativa objecto de fiscalização também não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição ou qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento.”
É esta a jurisprudência que agora se transpõe e reitera.»
Notificado de tal decisão, o recorrente vem agora deduzir reclamação para a conferência nos termos que se seguem:
“Nos presentes autos, o recorrente interpôs recurso da decisão sobre a reclamação proferida pelo STJ, na qual arguiu várias inconstitucionalidades, o que fez ao abrigo do artigo 70º, n.º 1 al. b) e nº 2 da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro com as alterações que lhe introduziu a Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
O Exmo. Sr. Conselheiro relator proferiu decisão sumária resumida nos moldes seguintes:
‘Conforme se referiu, a arguição de nulidade do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação não tem de ser superada pela abertura de nova via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo legítimo, como tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, tenha sido aplicada. Por isso, o estabelecimento de um critério normativo que exclui o recurso nas aludidas situações, fundado em ratões justificativas racionalmente inteligíveis, não contraria de forma alguma os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e de um processo equitativo.
Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que interpretação normativa objecto de fiscalização também não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição ou qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento.
A reclamação que esteve na génese da presente foi interposta do despacho proferido pela relação no qual se decidiu da não admissibilidade do recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Salvo o devido e muito respeito, não pode o recorrente concordar com o teor do despacho que indeferiu a reclamação do qual consta no essencial, e em resumo que, em face da alínea f) do seu n.º 1 do artº 400 do CPP a decisão seria irrecorrível.
E não se pode concordar pelos motivos que ora se expõem:
Constava da motivação do recurso interposto para a relação, entre outras as conclusões 12ª a 15ª e a 18ª, as quais foram elencadas no recurso não admitido e que esteve na génese da presente reclamação
Acontece, que analisando a decisão recorrida, a mesma não se pronunciou, detalhadamente, sobre as questões suscitadas, quando se encontrava legalmente vinculada a fazê-lo.
Efectivamente nos termos do disposto no artº 379º nº 1 al. c) a sentença é nula, nomeadamente ‘ ... quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar’
Ora o acórdão recorrido, não se tendo pronunciado sobre a referida matéria, padece do vício de omissão de pronúncia.
As questões suscitadas e não apreciadas, são essenciais, pois tem por finalidade última – se viessem a proceder – a modificação substancial da decisão recorrida.
Em face do exposto e, pese embora no caso sub júdice o Tribunal da Relação tenha confirmado na íntegra o acórdão do Tribunal de 1ª instância, não estamos perante uma dupla conforme condenatória, pois não se mostra cumprido o duplo grau de jurisdição.
O princípio da dupla conforme impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.
O acórdão da Relação, proferido em 2ª instância, não respeitou a garantia do duplo grau de jurisdição.
A interpretação dada pela decisão ora reclamada, à cerca da al. f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP, no sentido de que no caso de as relações não se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas pelos arguido no recurso, ainda assim caso a decisão da 1ª instância seja confirmada, tal decisão é irrecorrível, é materialmente inconstitucional, por violação, pelo menos do n.º 1 do art.º 32º da CRP.
Não admitindo o recurso o despacho que indeferiu a reclamação violou as normas constantes dos artigos al. i) do n.º 1 do 61º, al. b), 399º, al. b) do n.º 1 do art.º 401º, 400º nº 1, f), 432 al. b), todos do CPP e ainda 32 nº 1 da CRP.”
2. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
3. A decisão reclamada fundou-se no facto de o objeto do recurso integrar questão já apreciada e decidida por este Tribunal Constitucional pelo acórdão n.º 659/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Na reclamação que agora apresenta, o recorrente limita-se a repetir – ou melhor, a transcrever – a argumentação que havia já deixado enunciada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, sem cuidar de impugnar os concretos fundamentos que nortearam a dita decisão.
Assim, nada acrescentando o recorrente ao que foi já apreciado e não se vislumbrando razões para rever o entendimento jurisprudencial acolhido na decisão sumária em causa, só resta indeferir a reclamação.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 18 de abril de 2012.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
|