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Processo n.º 120/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido na Relação de Coimbra em 28 de setembro de 2011, nos seguintes termos:
A., arguido nos autos supra referenciados e nos mesmos melhor identificado, tendo sido notificado do douto despacho proferido, no sentido da improcedência da nulidade e inconstitucionalidade invocadas, relativamente à interpretação do art. 428º do Código de Processo Penal (doravante CP brevitatis causa), vem, nos termos e para os efeitos dos arts. 280.º nº. 1 b) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP brevitatis causa), 70º nº.1 b) e nº.2, 75º e 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional bem como da alínea i) do nº.1 do art. 61º do Código de Processo Penal (doravante CPP brevitatis causa), apresentar recurso de constitucionalidade nos termos e com os seguintes
Fundamentos:
Dando cumprimento ao plasmado nos nºs 1 e 2 do art. 75º-A da LTC, refere-se que o presente recurso versa sobre uma questão concreta e objetiva: inconstitucionalidade da interpretação das normas legais em causa (arts. 410º e 428º CPP) tendente aos poderes, e sua natureza, de cognição do Venerando Tribunal de recurso.
Tal questão foi, em termos que reputamos por, valida e expressamente suscitada no requerimento de invocação de nulidade apresentado no dia 14 de outubro de 2011, [maxime 90 parágrafo de fls. 2, 8º de fls. 4, 2a conclusão a fls. 5 e introito de recurso de constitucionalidade nessa data apresentada e doutamente admitido)].
Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado no douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, inicialmente em resultado da omissão de pronúncia, e depois no douto despacho ora em causa, já de forma expressa, proferidos nos presentes autos e relativamente à cognição do recurso a justificar desconsideração, ausência de problematização ou discussão do depoimento do I) único terceiro imparcial II) que se mostrava presente no local, III) havia sido arrolado como testemunha pelo Ministério Público na acusação bem como pelo assistente ao nível do pedido de indemnização cível, IV) mantinha relação de amizade e profissional com o assistente e V) acabou por ser a melhor e única testemunha de defesa...
Tem-se assim por inconstitucional, em violação do art. 32º nº. 1 CRP, o entendimento segundo o qual o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais na ótica do Tribunal ad quem, sem que se mostre justificada qual a razão da desconsideração das passagens indicadas em sede de recurso e que, modestamente, teriam a virtualidade decisiva e gritante de alteração a decisão final, seja ela de condenação vs absolvição ou simples alteração da medida da pena.
Ora, tal desconsideração e cindibilidade da prova produzida tem-se por ilícita e inconstitucional, devendo a mesma ser aferida tendo por base a sua imagem globalmente considerada e a unicidade do recurso, não se mostrando legítima a interpretação do n.º 1 do art. 32º CRP que permita a cisão e desconsideração recursórias tal como se os poderes de cognição vertidos no art. 428º CPP e fundamentos de recurso vertidos no art. 410.º do mesmo diploma legal, não constituíssem um poder-dever e possam ser letra morta.
Mais se alega que a interpretação da garantia de um segundo grau de recurso em matéria de facto se mostraria com “pés de barro” atenta a cindibilidade, ausência de análise integral do recurso bem como fundamentação, e omissão de pronúncia operadas, sendo tal circunstância geradora de inconstitucionalidade por violação do n.º 1 do art. 32º CRP que consagra o direito a um recurso pleno e não sectável obrigando assim o Tribunal ad quem, a pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas ou a, pelo menos, fundamentar (nos termos do arts. 374.º nº.2, 379.º n.º 1 a), aplicáveis por força do nº. 4 do art. 425º, todos do CPP e exigência vertida no art. 205º CRP) tal exclusão ou omissão de pronúncia.
Como tem por cumprido o dever de cognição quando inexiste tomada de posição expressa e concreta sobre a matéria de facto em concreto (nomeadamente o ponto inerente a uma alegada exaltação colérica) bem como a consideração de tal facto por provado ou não provado, quando é decisivamente relevante para a boa decisão da causa?!
Tais decisões não se pronunciaram pela inconstitucionalidade e continuaram a aplicar tal norma de forma literal, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violadoras, desde logo, dos arts. 8º n.º 1 e 9º CC e 13º, 18º, 26º, 32º nº1, 202º nº2, 203º a 205º da CRP, para além de diversas normas legais consagradas de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.
E tal questão afigura-se, não só relevante como essencial para a boa decisão da causa principal, uma vez que em causa estão direitos, liberdades e garantias do recorrente, constitucionalmente tutelados, e sempre, em último caso, pelo menos, se não a condenação, a medida da pena será atenuada em razão da inexistência do quadro fáctico (a cólera e ira!) que presidiu à determinação da mesma.
Razão pela qual, nos termos do art. 78º LTC, deverá o mesmo ter efeito suspensivo e subir nos próprios autos, sendo certo que em sede de alegações se corporizará os fundamentos do presente recurso e razões subjacentes à sua bondade e mérito.
Destarte,
Requer-se, mui respeitosamente a V. Exas., a procedência do presente requerimento com a verificação da apontada nulidade,
Caso assim não entendam V/ Exas., mui respeitosamente e sempre com o V/ mui douto suprimento, se interpõe para o Tribunal Constitucional o competente recurso de decisão negativa de inconstitucionalidade, o qual deverá ser admitido, com todas as demais consequências legais.
Assim decidindo, farão V/ Exas., como sempre, a costumada,
Justiça
2. Admitido o recurso na Relação de Coimbra, foi depois proferida a Decisão Sumária n.º 128/2012 que decidiu não conhecer do seu objeto. A decisão apresenta os seguintes fundamentos:
«[...] Os preceitos legais de onde o recorrente pretende extrair as normas impugnadas apresentam a seguinte redação:
Artigo 410.º
Fundamentos do recurso
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse
conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito
cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
Artigo 428.º
Poderes de cognição
As relações conhecem de facto e de direito.
Sustenta o recorrente que o tribunal recorrido retirou destes normativos um sentido, que «tem por inconstitucional», por violação do artigo 32º n.º 1 da Constituição, «segundo o qual o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais na ótica do Tribunal ad quem, sem que se mostre justificada qual a razão da desconsideração das passagens indicadas em sede de recurso e que, modestamente, teriam a virtualidade decisiva e gritante de alteração a decisão final, seja ela de condenação vs absolvição ou simples alteração da medida da pena.»
É esta, em suma, a questão que afirma pretender ver decidida no presente recurso.
Todavia, o Tribunal não pode conhecer do recurso, e por várias razões.
Em primeiro lugar, o recorrente não suscitou a questão adequadamente, isto é, não colocou a questão ao tribunal de recurso antes de o tribunal ter proferido o acórdão recorrido, sendo certo que depois de proferida a decisão, os tribunais não podem conhecer de questões novas.
Em segundo lugar, a questão colocada não reveste natureza normativa, pois resulta de uma pretensa subsunção concreta de normas, típica de uma decisão de natureza jurisdicional.
Finalmente, afigura-se bastante claro que o tribunal recorrido não adotou, sequer, o entendimento aqui questionado, pois não afirmou, em parte alguma, que o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais, sem justificar a razão da desconsideração das passagens indicadas em sede de recurso, «que teriam a virtualidade decisiva e gritante de alteração a decisão final».[...]»
3. Contra esta decisão reclama o arguido recorrente, nos seguintes termos:
'A., arguido/recorrente nos autos supra referenciados e nos mesmos melhor identificado, tendo sido notificado de douta decisão sumária proferida, nº. 128/12, no sentido de não tomada de conhecimento do recurso interposto, vem, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC brevitatis causa), apresentar
reclamação para a conferência nos termos e com os seguintes fundamentos:
I) Da decisão sumária
1.º Mediante douta decisão sumária, proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro relator, foi decidido não se tomar conhecimento do objeto do recurso apresentado.
2º Ora, tal douta decisão não deixa de ser curiosa e surpreendente na sua fundamentação...
3º O presente recurso foi objeto de decisão sumária de não conhecimento em razão de 3 ordens de razões, às quais de seguida se exercerá contraditório.
4.ºAlega-se, que tal questão não terá sido suscitada adequadamente pelo ora reclamante, o que, valendo o que vale, não constituiu obstáculo a que o mesmo fosse admitido!
5º Na verdade, há que ter em linha de conta que verdadeiramente tal questão assenta no entendimento sufragado em fase posterior à prolação do douto acórdão, após invocação de nulidade por parte do recorrente.
6º Ora, como se tem por notório e conforme às regras da experiência e da vida, nunca o recorrente poderia prognosticar tal desfecho, pois não tem dotes de previsão do futuro e caso os tivesse, seria tentador não os aplicar na Justiça e nos Tribunais!
7.º Constitui fundamento para apresentação de recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º LTC, que tenha havido aplicação de norma inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
8º E tal expressão “durante o processo” não se mostra sinónima de “antes de o tribunal ter proferido o acórdão recorrido”...
9.º Porém, in casu, o primeiro fundamento de rejeição do recurso interposto radica no facto de “depois de proferida a decisão, os tribunais não podem conhecer de questões novas”.
10º E sempre o cumprimento de tal ónus agora exigido na douta decisão sumária se mostraria de muito difícil execução, além de representar uma limitação quase mortal para a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, desarmando totalmente os arguidos...
11.º Com o devido respeito dir-se-á que a decisão de conhecimento de nulidade invocada relativa a acórdão proferido ainda será parte do mesmo, razão pela qual, tecnicamente, não se trata de nenhuma questão nova proferida após acórdão.
12º Assim sendo, como poderia o recorrente fundamentar tal recurso na inconstitucionalidade de interpretações que apenas a posteriori vieram a ser assumidas e que nunca haviam sido tidas e consideradas no processo por ser o primitivo recurso?!
13º Por outro lado, é exigência do n.º 2 do art. 75º-A LTC que se indiquem as peças processuais onde tal questão de inconstitucionalidade foi suscitada.
14º Ora, dentro de toda boa-fé que sempre moveu o reclamante, não iria recorrer com base em questões não suscitadas por si no processo, indicando a real peça processual em que tal invocação se mostra a previamente exposta...
15º Razão pela qual si entenda que enferma a douta decisão sumária de vício na sua fundamentação, mostrando-se mesmo violadora dos limites impostos na própria LTC e que norteiam o âmbito dos recursos de constitucionalidade, sendo o entendimento nela consagrado, ironia das ironias, e com o devido respeito, a ostentar aparente desconformidade à Lei fundamental.
16º Com efeito, a ser dado provimento a tal linha jurisprudencial, mais uma vez se vê o reclamante prejudicado nos seus direitos, sendo, na gíria popular, “preso por ter cão e por não ter”.
17º Na verdade, que sentido fará que qualquer arguido em fase de recurso e no momento da sua elaboração tenha logo de prever que apenas parte do recurso será conhecido e invocar logo, ad cautelam, inconstitucionalidade de tal entendimento no caso de se confirmar tal receio e cindibilidade?!
18.º Não se deverá antes formular um juízo de previsível conformidade e adequação decisórias por o Venerando Tribunal da Relação ser do mesmo credor?!
19.º Assim, o que está em causa para o reclamante é a suscitação de uma questão que não teve ainda nenhum grau de jurisdição decisória em sede de recurso.
20.º Na verdade, está em causa a violação de norma processual e a preterição de direitos de defesa validamente suscitados, sendo que o entendimento sui generis vertido na decisão judicial constituiu verdadeira decisão-surpresa!
21º Com efeito, tais restrições ao direito de recurso apenas poderão valer quando o recorrente pretenda novamente questionar a pena aplicada ou a condenação.
22º Ora, no presente caso, trata-se de questão diversa, uma vez que a única coisa que exatamente se pretende é a reposição e harmonia do processo penal.
23º A entender-se diversamente, toda e qualquer preterição de direitos dos arguidos, ficariam impunes, pois bastaria ao Tribunal de recurso negar provimento quer ao recurso quer à nulidade invocada, se n qualquer sindicabilidade.
24º Viam-se os arguidos impedidos de reagir contra tais violações processuais, da mesma forma que o Tribunal da Relação ganharia um poder acrescido que nunca seria sindicável.
25º Ora, tal conceção de Direito processual que se queira justo é para nós intolerável!
26º Concorda-se que assim deva ser quando o recorrente mais não pretenda que um terceiro grau de julgamento, sobre questões já anteriormente julgadas e reapreciadas.
27º Agora quando, no presente caso, se pretende a apreciação em primeiro grau de questões que o Venerando Tribunal de recurso expressamente não conheceu, cremos que tal entendimento comportará a inconstitucionalidade apontada.
28º No tocante à segunda questão, embora se confesse que se não percebe bem o alcance de tal consideração, sempre se afirma que a questão colocada tem que ver com interpretação das duas normas apontadas.
29º Ou seja, há tais duas normas e há o entendimento e aplicação das mesmas em concreto, sendo que em virtude da sua desconsideração ou errada interpretação foi colocado de lado parte do alegado em sede recursória.
30º Na verdade, como não ver natureza normativa em tal “pretensa subsunção concreta de normas, típica de uma decisão de natureza jurisdicional”?!
31º De facto, a dita subsunção coenvolve o fenómeno interpretativo, como não poderá deixar de ser e a própria raiz morfológica do vocábulo sempre o deixaria subentender.
32º Por fim, refere-se na douta decisão sumária que se afigura bastante claro que o Tribunal recorrido não adotou o entendimento questionado.
33º Ora, não deixa de ser deveras curiosa tal afirmação, deixando-se, unicamente, para rebate da mesma uma afirmação muito simples: a ser verdade, teria o recurso sido conhecido na sua integra, explicitada a razão da desconsideração do depoimento da testemunha Rui Jorge na parte que se tem por de essencialíssima relevância para a decisão da causa e, em razão de tal depoimento, seria o arguido absolvida.
34.º De facto, questiona-se como possa a única testemunha imparcial e isenta, arrolada pelo Ministério Público e assistente, sem qualquer interesse processual e/ou relação conjugal com o assistente, ser perentória ao afirmar que as únicas vozes que ouvia na discussão eram as do assistente e ser dado como provado não só o proferir de expressões ofensivas da honra pelo arguido bem como um alegado “tom agressivo e colérico” do mesmo?!
35º E não se diga que se não mostravam perfeitamente autonomizáveis e identificadas tais concretas a impor assim o conhecimento e pronúncia do recurso em parte!
36º Na verdade, é contrária à natureza das coisas, regras da experiência e inteligibilidade humana, que alguém em “tom agressivo e colérico” (já de si uma subsunção e matéria de direito e não de facto!) se exprima de modo a não ser ouvido por quem se mostre nas mediações...
37º Porém, há que notar ainda que o facto dado por provado envolvia além de tal “tom agressivo e colérico” igual e cumulativamente o facto de o recorrente ter vociferado “em local público e para quem quis ouvir”, ou seja, ninguém tendo ouvido seria porque o não quis fazer e não já por tal grau colérico e agressivo não ter existido...
38º O que move o arguido é no fundo esta guerra conta tal injustiça, sendo tal facto expressamente essencial, desde logo, para a fixação da medida da pena!
39º Um pequeno pormenor dirão V/ Exas., se assim optarem por tal pleonasmo, mas a verdade é que se trata de um verdadeiro pormaior!
40º E tal conhecimento terá de ser feito por tal Venerando Tribunal, que não o Tribunal Constitucional, como se tem por pacífico...
41º Todavia, para que venha a existir tal conhecimento imperioso se trata que venha a ser formulado juízo de inconstitucionalidade nos termos formulados e assim seja imposta tal necessidade de apreciação integral do recurso...
42º Em sede de alegações, como se espera, não se deixará de devida e convenientemente elucidar o Tribunal Constitucional para a temática em causa!
43º Tem-se assim por de duvidosa bondade jurídica a decisão sumária proferida nos presentes autos, surgindo assim efetuar justiça ao reclamante...
44º Há boas e válidas razões que sustentam a cognoscibilidade do objeto do recurso interposto, a não se coadunar com a sumariedade da decisão ora reclamada...
45º Há assim que interpretar cum grano salis tal disposição legal, que não terá querido deixar os sujeitos processuais à mercê de decisões judiciais que se possam mostrar inquinadas ou sejam resultado de “atropelos” processuais e à Lei fundamental.
46º De facto, a ser interpretada de tal forma, não deixará de ser a mesma inconstitucional por violação das garantias de defesa constitucionalmente tuteladas.
47º Na verdade, o TC tem decidido que o núcleo essencial de garantias de defesa abrange o «direito a ver o caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior» (cf. Ac. do TC n.º 565/07, DR II Série, de 03-01-08).
48º Por isso, deve aceitar-se que o legislador possa fixar um limite abaixo do qual não é possível um terceiro grau de jurisdição — duplo grau de recurso —, reservando o STJ para a apreciação dos casos mais graves, tal como parece ter sido o espírito que presidiu à recente reforma processual penal.
49º O recurso penal — que consta do art. 2.º do protocolo n.º à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado, para ratificação, pela Resolução da AR n.º 22/90, de 27-09, e ratificado pelo Decreto do PR n.º 51/90 — é um dos direitos fundamentais do arguido, com consagração no art. 32.º, n.º 1, da CRP (após a 4.ª revisão constitucional), havendo sempre que salvaguardar a existência de um duplo grau de jurisdição.
50º E humildemente se confessa que “duplo grau de jurisdição” não é a mesma coisa que um duplo grau de recurso, tendo-se perfeita consciência de tal facto, pois nunca se pretendeu exercer o denominado “terrorismo de direitos fundamentais”.
51º Na verdade, na vida sempre haverá que fazer honra e timbre da Justiça, nem sempre os fins justificando os meios.
52º Ao interpor o recurso de constitucionalidade ordinário, pretendeu unicamente o reclamante exercer um seu direito de “manifestação de posição contrária” face à interpretação inovatória e nunca esperada vertida no douto acórdão de recurso, em resultado do conhecimento parcial do objeto do recurso...
53º Na verdade, a enfermar, como supomos, o dito acórdão de uma nulidade e mostrando-se violada lei processual penal, como garantir o duplo grau de jurisdição face a tal douta decisão ou a reação face à mesma?
54º O presente recurso versa sobre uma concreta questão de Direito, que se não mostra ainda julgada anteriormente.
55º Afinal, sobre a mesma não há mesmo decisão, uma vez que o que existe são omissões de pronúncia sucessivas...
56º Assim sendo, havendo fundamentos de nulidade do douto acórdão recorrido, estará o reclamante coartado processualmente, não podendo reagir contra a mesma?!
57º Ora, tal entendimento é juridicamente sindicável e violador da lei, representando sinais de um sistema jurídico que, por certo, se não quer ou aceita por não erigido sob os alicerces e pilares de um Estado de Direito!
58º Citando Ortega y Gasset, desde logo se dirá que “a única perspetiva falsa é que a pretende ser única”, pelo que quer a defendida no douto despacho quer a que infra deixaremos, nunca poderão gozar da característica da verdade suprema.
59º Na verdade, com o recurso interposto não pretendia o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do n.º 1 do art. 61º CPP e no n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP brevitatis causa).
60º Sucede que tal decisões de não conhecimento de tal recurso se afiguram, salvo o devido respeito por melhor opinião, aos olhos do ora reclamante, como sendo um retrato distorcido da legalidade plasmada no Código de Processo Penal bem como dos seus direitos, ou seja, disforme com a normatividade jurídica vigente aplicável ao presente caso.
61º Estando na base do recurso primacialmente tal questão (e não a condenação e medida da pena em si!) que ainda não foi julgada em recurso (nem em primeiro nem em segundo graus), entende-se que não haverá assim razão atendível ou justa causa para a ausência de conhecimento do atual.
62º Assim falecendo igualmente as razões de sustentação da condenação em taxa de justiça, a qual seguirá a sorte da decisão reclamada.
63º Ora, assim ficarão VI Exas. devida e cabalmente elucidadas sobre a luta do reclamante, em prol da reposição da verdade processual, podendo constatar quão juridicamente injusta foi a decisão proferida em sede de recurso bem como a decisão sumária...
64º Entendendo-se assim que nada obsta ao conhecimento do recurso interposto por assumir o mesmo a característica de legalmente admissível, constituindo, além do mais, a única via de reação ao combate a tamanha injustiça de que se mostra o recorrente vítima!
65º Na verdade, ao longo deste processo, corre o recorrente o risco de não só ser arguido como igualmente terminar como vítima...
Requer-se, mui humilde e respeitosamente a VExas., a procedência da presente reclamação e o consequente conhecimento do objeto do recurso interposto, assim se revogando in totum a douta decisão sumária proferida.
VExas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa por ser impossível alcançar justiça sem sabedoria, todavia, como sempre, decidindo farão a costumada e almejada Justiça.'
4. Respondeu o representante do Ministério Público nos seguintes termos:
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe (cfr. fls. 307-314 dos presentes autos), vem responder-lhe nos termos que em seguida se indicam.
1º Pela Decisão Sumária 128/12, de 5 de março (cfr. fls. 300-303 dos autos), o Ilustre Conselheiro Relator entendeu, no presente caso, não conhecer do objeto do recurso.
2º Reporta-se, a mesma Decisão Sumária, ao recurso de inconstitucionalidade oportunamente interposto (cfr. fls. 271-277, 288-291 dos autos), para este Tribunal Constitucional, pelo recorrente, A., do Acórdão, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de setembro de 2011 (cfr. fls. 229-258 dos autos).
3º Considerou, a concluir, o Ilustre Conselheiro deste Tribunal Constitucional, na Decisão Sumária 128/12, ora reclamada (cfr. fls. 302-303 dos autos) (destaques do signatário):
“Todavia, o Tribunal não pode conhecer do recurso, e por várias razões.
Em primeiro lugar, o recorrente não suscitou a questão adequadamente, isto é, não colocou a questão ao tribunal de recurso antes de o tribunal ter proferido o acórdão recorrido, sendo certo que depois de proferida a decisão, os tribunais não podem conhecer de questões novas.
Em segundo lugar, a questão colocada não reveste natureza normativa, pois resulta de uma pretensa subsunção concreta de normas, típica de uma decisão de natureza jurisdicional.
Finalmente, afigura-se bastante claro que o tribunal recorrido não adotou, sequer, o entendimento aqui questionado, pois não afirmou, em parte alguma, que o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais, sem justificar a razão da desconsideração das passagens indicadas em sede de recurso, «que teriam a virtualidade decisiva e gritante de alteração a decisão final».
4º Ora, crê-se que assiste razão ao Ilustre Conselheiro Relator, quando entende que o recorrente não enuncia, verdadeiramente, uma questão de constitucionalidade com dimensão normativa, mas recorre, no fundo, a elementos específicos do caso concreto, para criar, artificialmente, uma questão de constitucionalidade suscetível de impugnação.
5º É, no entanto, jurisprudência assente deste Tribunal Constitucional, que o recurso de constitucionalidade deve integrar uma dimensão normativa, não servindo, apenas, para colocar em causa a bondade da decisão impugnada.
Como referido a este propósito, por exemplo, no Acórdão 633/08 (destaques do signatário):
“Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de outubro de 2000 - e sobre o sentido de tal requisito, José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição, revista e atualizada, pp. 40 e 72), razão pela qual as partes, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental, impendendo sobre elas um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspetiva, quanto à sua conformidade constitucional.
Concretizando, ainda, aspetos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objeto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, percetível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […]».
6º Por outro lado, este Tribunal Constitucional também tem, reiteradamente, afirmado, que o recorrente tem o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e percetível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adotado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
7º Ora, o interessado assenta, fundamentalmente, toda a sua argumentação naquilo que designou como o “depoimento da única testemunha isenta e imparcial em todo o processo” (cfr., por exemplo, fls. 263, 271 dos autos), depoimento, esse, que, segundo alega, o tribunal de julgamento não terá apreciado como devia.
Assim, facilmente se intui que o arguido, no fundo, questiona fundamentalmente a forma como o tribunal de julgamento apreciou a prova – a concreta decisão tomada pelo tribunal, ou seja, a forma como determinou a sua livre convicção quanto aos factos submetidos à sua apreciação – tendo, em consequência, enunciado, em conformidade, uma pretensa questão de constitucionalidade.
Ora, não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a forma como a instância apreciou a prova no caso concreto, uma vez que só lhe cabe apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas.
8º Por outro lado, nem sequer é verdade que o recorrente tenha razão na sua argumentação, como facilmente se comprova pela fundamentação expendida no Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de setembro de 2011.
Aí se pode ler, designadamente (cfr. fls. 250-251 dos autos) (destaques do signatário):
“Como sabemos a prova – salvo a chamada prova tarifada –, é, conforme dispõe o art. 127º do C.P.P., «…apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente».
Dos termos da lei resulta, primeiro, que a convicção relevante é a convicção da entidade competente para apreciar a prova, que é a entidade perante a qual ela é produzida e sobre a qual vai ter que se pronunciar, ou seja, o tribunal, melhor, o juiz. Para além disso, resulta que neste trabalho de apreciação o juiz está liberto das amarras que a prova tarifada impõe podendo, ao invés, socorrer-se de toda a sua experiência, aqui incluída a experiência do homem comum suposto pela ordem jurídica, ao serviço da averiguação da verdade.
A livre convicção não se forma contabilizando os depoimentos e decidindo de acordo com o número de afirmações feitas para cada lado, não se forma apenas e só a partir de depoimentos claros, inequívocos, que relatem todos os pormenores, que recordem todos os episódios e entre os quais haja coincidência absoluta.
No entanto se estas circunstâncias existirem e se o tribunal, no seu juízo de apreciação, conferir credibilidade a estes depoimentos claros e convergentes, então diremos que a tarefa do juiz fica especialmente facilitada.
E foi isto, claramente, que aconteceu no processo.
Ouvida a prova é óbvio, é evidente que os factos provados radicam, em absoluto, na prova produzida em audiência. A versão acolhida na sentença não é apenas uma das versões que resultam da prova produzida, é a única versão plausível que se retira da prova, analisada esta à luz das tais regras da experiência.
Não tem, pois, nenhuma razão o arguido.
Da clareza da prova retirou a sentença recorrida a certeza de que o arguido praticou os factos referidos. E perante uma tal certeza é despiciendo invocar o princípio in dubio pro reo, que só opera, como sabemos, perante a dúvida persistente sobre a prática, pelo agente, de factos que lhe sejam desfavoráveis.”
9º Acresce ser igualmente jurisprudência constante, deste Tribunal Constitucional, que a admissibilidade do recurso, formulado ao abrigo da alínea b), do nº 1, do art. 70º da LTC, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários, tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente (cfr. a este propósito, por exemplo, os Acórdãos 269/94, 352/94, 367/94, 560/94, 155/95, 192/00, 199/98, 618/98, 710/04).
Faltando um destes requisitos, designadamente a possibilidade, para o tribunal a quo, de apreciar a questão de constitucionalidade ulteriormente submetida ao Tribunal Constitucional, o recurso não pode ser conhecido.
10º Ora, desde logo, a (pretensa) questão de constitucionalidade acabou por ser suscitada já depois de o tribunal recorrido sobre ela se poder pronunciar, uma vez que foi suscitada, apenas, no requerimento de arguição de nulidades do Acórdão recorrido (cfr. fls. 272 dos autos).
Mas não se trata de nenhuma decisão-surpresa, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, uma vez que a questão da ponderação da prova, que lhe está subjacente, já havia sido suscitada no recurso interposto, da decisão de primeira instância, para o Tribunal da Relação de Coimbra (cfr. fls. 166-168 dos autos).
Assim, e à cautela, a eventual (embora artificiosa) questão de constitucionalidade já deveria ter sido, aqui, suscitada e não foi.
11º Com efeito, este Tribunal Constitucional tem reiteradamente entendido, como se constata, por exemplo, da leitura do Acórdão 714/10 (destaques do signatário):
“9.2. No presente caso, é manifesto que se não pode considerar que uma questão de constitucionalidade normativa tenha sido “suscitada, pelo recorrente, de modo processualmente adequado, perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida”, conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional.
Com efeito, na referência que à problemática é feita nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, os recorrentes limitam-se a afirmar que a interpretação - que, em caso algum identificam - dada pelo tribunal aos artigos Código de Processo Penal que questionam, “inquina essas normas de inconstitucionalidade por contender com o estatuído com o art.º 32º da CRP.” Ora, uma tal forma de proceder é manifestamente insuficiente para que se possa considerar cumprido o ónus, que impende sobre o recorrente, de, caso pretenda vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, suscitar previamente, perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa que por este possa vir a ser apreciada.
Na verdade, este pressuposto de admissibilidade do recurso só é, em regra, de considerar preenchido quando o interessado, pelo menos, identifica a norma que reputa de inconstitucional, menciona a norma ou princípio constitucional que considera infringido e justifica, ainda que de forma sumária, mas de modo claro e preciso, as razões que, no plano constitucional, invalidam a norma e impõem a sua “não aplicação” pelo tribunal da causa, ao abrigo do disposto no artigo 204ºda Constituição. O que, de todo em todo, não aconteceu no presente caso.
E nem se diga que basta que, apesar de uma hipotética deficiência da colocação da questão de constitucionalidade por parte do(s) recorrente(s), o tribunal a quo se tenha efetivamente ocupado dela e assumido que a tinha como objeto de pronúncia obrigatória. Não basta. Por um lado, porque o tribunal a quo poderá estar confrontado com uma questão de inconstitucionalidade da decisão judicial sobre a qual não pode deixar de se pronunciar, sem, que tal suscitação da questão abra o recurso para o Tribunal Constitucional; por outro lado, porque, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal como se encontra constitucional e legalmente desenhado, não é admissível substituir o ónus de suscitação atempada de uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão por uma qualquer pronúncia que este, por qualquer imaginável razão, venha a produzir.”
12º Por outro lado, como afirmado, por exemplo, na Decisão Sumária 514/10 (destaques do signatário):
“Por outro lado, tratando se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
A suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica, no plano formal, que o recorrente tenha cumprido perante o tribunal recorrido o ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação da questão de constitucionalidade que posteriormente vem a colocar ao Tribunal Constitucional, em termos de vincular o tribunal recorrido ao seu conhecimento.
E se o recorrente entende que certo preceito não é inconstitucional “em si mesmo”, mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma clara e percetível implica o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais.
Neste sentido, escreveu-se no acórdão n.º 269/94 (acessível na Internet em www.tribunalconstitucional.pt)
“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.”
13º Para além de que, finalmente, como se viu, nem sequer se pode dizer, que a questão de constitucionalidade suscitada tenha integrado a ratio decidendi do Acórdão recorrido, que expressamente afastou tal interpretação do arguido, quando considerou que a prova – toda a prova – tinha sido corretamente interpretada pelo tribunal de primeira instância.
No fundo, como se disse, pretende o Réu manifestar a sua discordância pela forma como a prova foi avaliada pelo tribunal de julgamento, e, posteriormente, confirmada pelo tribunal de recurso.
Está no seu direito, mas tal discordância não significa, como pretende fazer crer, que haja violação de preceitos constitucionais em tal atividade subsuntiva.
14º Por todo o exposto, crê-se que a reclamação para a conferência, em apreciação, não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 128/12, que determinou a sua apresentação.
5. Sem vistos, o processo vem à Conferência para decisão.
Pretende, em suma, o arguido reclamante ver analisado, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, 'o entendimento segundo o qual o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais na ótica do Tribunal ad quem, sem que se mostre justificada qual a razão da desconsideração das passagens indicadas em sede de recurso e que, modestamente, teriam a virtualidade decisiva e gritante de alteração a decisão final, seja ela de condenação vs absolvição ou simples alteração da medida da pena'.
Ora, seja qual for o entendimento que se possa adotar quanto aos poderes do Tribunal no âmbito do recurso de fiscalização concreta disciplinado pelo referido preceito da LTC, o certo é que este anunciado não representa uma 'norma jurídica' para efeitos de poder constituir objeto idóneo de um tal recurso. E isto essencialmente porque a fórmula não apresenta uma estrutura normativa, pois dela não decorre qualquer regra ou critério que possa razoavelmente ser extraída dos preceitos legais invocados como seu suporte (artigos 410º e 428º do Código de Processo Penal). O enunciado pretende representar a atividade processual do tribunal a quo, mas não identifica, sequer, um entendimento verdadeiramente sufragado na decisão recorrida.
Assim, e mesmo sem discutir a matéria da não suscitação atempada da questão perante o tribunal recorrido, a verdade é que inevitavelmente se teria que concluir que o recorrente não apresenta um objeto idóneo que possa ser conhecido pelo Tribunal no âmbito da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, visto que não reveste natureza normativa.
Tal é o suficiente para confirmar a decisão de não conhecer do objeto do recurso.
6. Em consequência, e sem necessidade de outras considerações, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a decisão sumária reclamada. Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 18 de abril de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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