|
Processo n.º 54/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 69/2012:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e CMVM - Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, foi interposto recurso, em 10 de janeiro de 2012 (fls. 140), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do despacho proferido pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, em 14 de dezembro de 2011 (fls. 133 a 135), que indeferiu reclamação de despacho proferido pela Juiz junto da 2ª Secção do 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, em 07 de novembro de 2011 (fls. 5 a 29), que rejeitou recurso interposto para aquele tribunal.
O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 74º do Regime Jurídico das Contraordenações (RJC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, por violação das suas garantias de defesa (artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – CRP).
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Conforme bem salientado pela decisão recorrida, o Tribunal Constitucional já dispõe de jurisprudência sobre a questão que o recorrente pretende ver apreciada. Com efeito, por força do Acórdão n.º 77/2005, já se concluiu pela não inconstitucionalidade de interpretação normativa idêntica:
“(…) tendo o arguido em processo contra?ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de, ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, refletir sobre ela, ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contraordenação, é o absentismo simultâneo do arguido – que viu a sua presença logo no julgamento dispensada – e do seu mandatário constituído, que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de, notificado do dia da leitura da decisão, ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do ato judicial de leitura da decisão, e, em processo de contraordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído.”
Sucede, aliás, que, nos presentes autos, a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida é bem menos gravosa do que aquela sindicada no âmbito do acórdão supra citado, já que, ao contrário do que sucedeu naqueles autos, o ora recorrente foi devidamente representado por defensor portador de substabelecimento concedido pelo seu mandatário. Por maioria de razão, não sendo inconstitucional uma interpretação do artigo 74º, n.º 1, do RJC, que pressupõe a ausência do defensor constituído da leitura da sentença, mais razões subsistem para concluir pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreço nos presentes autos.
Como tal, havendo jurisprudência anterior sobre questão normativa similar à ora em apreço, procede-se a decisão imediata de não inconstitucionalidade, mediante remissão para a mais extensa fundamentação constante do Acórdão n.º 77/2005, a que se adere, ao abrigo do artigo 78º-A da LTC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se negar provimento ao presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.”
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
“1- Para fundamentar a decisão sumária, entendeu o Tribunal que já havia jurisprudência sobre a questão suscitada pelo recorrente, designadamente o Acórdão n° 77/2005.
2- Acontece que o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 77/05 de 15 de fevereiro de 2005 (Processo n° 149/04, 2 Secção, relator Paulo Mota Pinto) vai no sentido diferente daquele que é referido na decisão sumária, constituindo também jurisprudência do Tribunal Constitucional.
3- Aliás, tal facto, é, salvo melhor entendimento, suscetível de fazer aplicar o disposto no artigo 79°-A da LTC.
Termos em que deve ser admitida a presente reclamação para a conferência, devendo a mesma ser julgada procedente.”
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
“1º
O recorrente com o recurso para o Tribunal Constitucional pretendia ver apreciada a constitucionalidade de determinada interpretação do artigo 74.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Contraordenações, onde se estabelece o prazo de interposição de recurso para a Relação, das decisões proferidas em 1.ª instância.
2º
Como sobre a matéria o Tribunal Constitucional já se tinha pronunciado – designadamente pelo Acórdão n.º 77/2005 – a questão foi considerada simples, tendo sido proferida a douta Decisão Sumária n.º 69/2012, que negou provimento ao recurso.
3º
Dessa decisão reclama o recorrente, argumentando que o Acórdão n.º 77/2005, “vai no sentido diferente daquele que é referido na decisão sumária”.
4º
O Acórdão n.º 77/2005 não julgou inconstitucional a norma do artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, interpretado no sentido de que, sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão de impugnação judicial em processo contraordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário.
5º
Na Decisão Sumária afirma-se e demonstra-se que, sendo a situação verificada nos presentes autos menos gravosa para o arguido do que a constante da dimensão normativa não julgada inconstitucional pelo Tribunal, por maioria de razão a interpretação que constituía objeto do recurso não era inconstitucional.
6º
Ora, parece-nos evidente que, na verdade, não sendo inteiramente coincidentes as dimensões normativas, a verificada nos presentes autos é “mais amiga” dos direitos do arguido.
7.º
Aliás, na reclamação, o recorrente limita-se a produzir uma afirmação, não explicitando minimamente porque entende que o Acórdão nº 77/2005 vai num sentido diferente e qual é esse sentido.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
4. Igualmente notificado para o efeito, a recorrida CMVM veio responder nos seguintes termos, que ora se resumem:
“II. A manifesta improcedência da reclamação
6. O recorrente vem reclamar da Decisão Sumária proferida com fundamento único na invocação de que “o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/05 de 15 de fevereiro de 2005 (Processo n.º 149/04, 2. Secção, relator Paulo Mota Pinto) vai no sentido diferente daquele que é referido na decisão sumária, constituindo também jurisprudência do Tribunal Constitucional.”.
7. O teor da reclamação é, a todos os títulos, incompreensível e, em qualquer caso, manifestamente improcedente:
8. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/2005 invocado pelo reclamante é, justamente, o aresto que fundamenta e justifica a Decisão Sumária proferida (e que já tinha, inclusivamente, sido invocado pela Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa).
9. Dá-se o caso que a alegação do reclamante de que este acórdão “vai no sentido diferente daquele que é referido na decisão sumária” é absolutamente errónea e injustificável. Vejamos:
10. Através do Acórdão n.º 77/2005 o Tribunal Constitucional decidiu, por unanimidade, não julgar inconstitucional o artigo 74. °, n.º 1 do RGCORD “interpretado no sentido de que, sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão de impugnação judicial em processo contraordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário” — cf. dispositivo do Acórdão n.º 77/2005.
11. No Acórdão n.º 77/2005 pode ler-se no final da fundamentação, em jeito de conclusão, que: “Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do ato judicial de leitura da decisão, e, em processo de contraordenação, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído.”.
12. Isso mesmo afirma também Paulo Pinto de Albuquerque em anotação ao regime geral das contraordenações: “Sendo notificado o mandatário do dia designado para leitura de sentença em audiência, o prazo para recorrer conta-se a partir da data da leitura em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário (Acórdão n.° 77/2005).2.
13. Ora, no caso dos autos não só o mandatário do arguido, presente em audiência de julgamento, foi notificado presencialmente da data da leitura da sentença como o arguido fez-se representar por advogada na leitura da sentença, a qual apresentou substabelecimento aos autos (outorgado pelo mandatário do arguido) e recebeu cópia da sentença.
14. Disso mesmo deu conta a Decisão Sumária reclamada ao afirmar que “nos presentes autos a interpretação normativa acolhida é bem menos gravosa do que aquela sindicada no âmbito do acórdão [n.º 77/2005] supra citado, já que, ao contrário do que sucedeu naqueles autos, o ora recorrente foi devidamente representado por defensor portador de substabelecimento concedido pelo seu mandatário” (p. 2).
15. O que significa, como bem explicou a Decisão Sumária, que a decisão de negar provimento ao recurso foi tomada “por maioria de razão” uma vez que “não sendo inconstitucional uma interpretação do artigo 74. °, n.º 1 do RJC, que pressupõe a ausência de defensor constituído da leitura da sentença [como ficou decidido no caso do Acórdão n.º 77/2005], mais razões subsistem para concluir pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreço nos presentes autos.” uma vez que o arguido foi representado por mandatária que recebeu, inclusivamente, cópia da sentença condenatória (p. 2-3).
16. Pelo exposto é por demais evidente que a “questão a decidir é simples” pelo que podia e devia ter sido decida através de Decisão Sumária (cf. artigo 78. °-A, n.º 1 da LTC).
17. Com efeito, como já se viu, a questão suscitada pelo recorrente já foi “objeto de decisão anterior do Tribunal”, in casu, no Acórdão n.º 77/2005 em termos que permitem, agora, a tomada de decisão por maioria de razão.
18. Ao exposto acresce que estando no âmbito contraordenacional, e tendo o arguido estado sempre representado (na audiência de produção de prova e na de leitura de sentença) por defensor constituído, nenhuma dúvida existe de que a alegação de que teriam sido violados os direitos de defesa do arguido é manifestamente infundada.
19. O que também legitima e justifica que a decisão possa ser tomada através de Decisão Sumária (cf. artigo 78. °-A, n.º 1 in fine da LTC).”
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. É por demais evidente que não existe qualquer contradição entre a fundamentação do Acórdão n.º 77/2005 e a decisão reclamada. Pelo contrário, a decisão reclamada sustenta-se precisamente no sentido decisório, mais amplo, daquele aresto. Se o Acórdão n.º 77/2005 concluiu pela não inconstitucionalidade de interpretação normativa extraída do artigo 74º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) que pressupunha que o início da contagem do prazo de recurso devia reportar-se à data da audiência de leitura da sentença, na qual não estivesse presente nem o arguido, nem o respetivo mandatário, mais razões haveria para julgar não inconstitucional uma interpretação – como aquela em apreço nos presente autos – em que o arguido se encontrou devidamente representado por mandatário portador de substabelecimento.
A circunstância de não haver uma rigorosa coincidência entre os fatos que estiveram na base da tomada de decisão de não inconstitucionalidade, pelo Acórdão n.º 77/2005, não implica que haja qualquer contradição entre aquele e a decisão ora reclamada. Trata-se apenas da adoção de uma fundamentação com base no argumento “de maioria de razão”.
Não subsistem, por conseguinte, quaisquer motivos para reformar a decisão reclamada, razão pela qual se procede à sua confirmação.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 13 de março de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
|