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Processo n.º 138/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 27.10.2009, julgou-se improcedente a impugnação judicial apresentada por “A., S. A.” contra o ato de liquidação das taxas de ocupação do domínio público municipal (do Município do Seixal) com infraestruturas de distribuição de energia elétrica, relativo ao exercício de 2004.
Inconformada, veio “A., S. A.” dessa decisão interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, suscitando, na parte que releva para efeitos do presente recurso de constitucionalidade, a questão de constitucionalidade do artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril, quando interpretado no sentido de que a isenção do pagamento de taxas pela ocupação do domínio público nela prevista apenas abrange as infraestruturas de distribuição de energia em baixa tensão.
Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 11.01.2011, foi negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Para fundamentar a sua decisão, considerou o Tribunal, na parte que releva para efeitos do presente recurso, que não decorre nem do contrato de concessão nem da portaria publicada no seu seguimento (Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril) qualquer isenção de taxas por ocupação do solo e subsolo municipais pela passagem de linhas e redes de alta tensão, como as relativas às taxas impugnadas.
É desse acórdão que é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro.
Através dele pretende a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição do artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril, quando interpretado no sentido de que a isenção do pagamento de taxas pela ocupação do domínio público nela prevista apenas abrange as infraestruturas de distribuição de energia em baixa tensão.
2. Notificada para o efeito, a recorrente veio apresentar alegações, tendo concluído do seguinte modo:
1ª Nos termos do disposto no artigo 78.°, n.° 3 da Lei do Tribunal Constitucional, ao presente recurso deve ser atribuído um efeito suspensivo, uma vez que, estando em causa a impugnação de uma decisão já proferida em sede de recurso, era esse o efeito do recurso anterior;
2ª O contrato de concessão de distribuição de energia elétrica, celebrado, em 30 de agosto de 2001, entre Recorrente e Recorrido, prevê, na sua cláusula 12ª, um sinalagma prestacional – fazendo corresponder ao pagamento de uma renda pela concessionária o direito desta a uma determinada isenção de taxas dominiais – que se revela essencial para a configuração do equilíbrio financeiro do contrato, atentas as evidentes repercussões financeiras das prestações envolvidas nesse sinalagma;
3ª Averiguando-se qual o preciso alcance dado pelas partes contratantes a esse sinalagma prestacional, há que concluir que ele foi efetivamente configurado com base na correspectividade entre o pagamento da renda pela concessionária e a isenção total de taxas de ocupação do solo dominial com equipamentos integrantes das redes de distribuição de energia elétrica;
4ª Com efeito, interpretando-se a cláusula 12ª daquele Contrato de Concessão à luz do padrão legal do “destinatário normal” (artigo 236.°, n.° 1, do Código Civil), é este o sentido interpretativo que se revela como exteriorizável e cognoscível, tendo em conta os elementos que um declaratário medianamente diligente, sagaz e experiente deveria atender – nomeadamente, (i) os restantes termos do negócio jurídico em causa, (ii) o contexto global em que ele foi produzido e (iii) o comportamento das partes posterior à conclusão do negócio;
5ª Na verdade, relativamente a (i), e atendendo ao disposto na cláusula 4ª do Contrato de Concessão – que confere à concessionária o direito de utilizar as vias públicas para a instalação das infraestruturas de distribuição de energia, determinando expressamente que esse direito abrange as infra- estruturas de baixa, média e alta tensão – revela-se evidente, para um “declaratário normal”, que a isenção fixada na cláusula 12ª do Contrato de Concessão para o uso dos bens do domínio público municipal por essa concessionária terá de abranger todos os bens ocupados por infraestruturas de distribuição de energia elétrica (independentemente do nível de tensão em que operam);
6ª No que concerne a (ii), a ponderação das circunstâncias que, no momento em que as partes celebraram o Contrato de Concessão, rodeavam o exercício da atividade de distribuição de energia elétrica – as quais revelam que tal atividade estava concentrada, em todos os seu vetores (alta, média e baixa tensão) na A. Distribuição –, sempre levaria um “declaratário normal” a concluir que tal contrato foi configurado – em todos os seus elementos integrantes, incluindo a isenção de taxas pela ocupação do domínio público municipal – atendendo à unidade empresarial que caracterizava a referida atividade de distribuição de energia elétrica;
7ª Por fim, quanto a (iii), tendo em conta a conduta das partes no período inicial de execução do contrato – que é aquele que deve relevar para a definição e estabilização do exato sentido das declarações negociais que o integram –, um “declaratário normal” só poderá concluir que o equilíbrio de posições jurídicas vertido naquela cláusula 12ª assentava efetivamente numa reciprocidade prestacional entre renda e isenção total de taxas dominiais, na medida em que, durante os anos que se seguiram à celebração do contrato (2002 e 2003), o município do Seixal não liquidou à A. Distribuição qualquer taxa por ocupação do domínio público municipal;
8ª Tendo, em 2005, o município do Seixal decidido inverter esta prática – que é, aliás, generalizada a todos os contratos de distribuição de energia elétrica vigentes no território continental – e liquidado à A. Distribuição uma taxa de € 3.171.854,10 pela ocupação do domínio público com infraestruturas de distribuição de energia elétrica em alta tensão no ano de 2004, a Recorrente impugnou tal decisão judicialmente;
9ª Ao julgar tal impugnação, o TCA Sul baseou-se na interpretação do artigo 11.º da Portaria n.° 437/2001, de 28 de abril, para concluir que dele não decorre “qualquer isenção de taxas pela ocupação do solo e subsolo municipais com linhas e redes de alta tensão, como as relativas às taxas ora impugnadas”, reconhecendo, assim, que a A. Distribuição não poderia exigir tal isenção e que o município do Seixal tinha legitimidade para cobrar a essa entidade concessionária taxas pela ocupação do solo dominial com infraestruturas de alta tensão;
10ª Ao interpretar o artigo 11.º da Portaria n.° 437/2001 no sentido de que a isenção do pagamento de taxas com a ocupação do domínio público – aí fixada como contrapartida do pagamento de uma renda pela concessionária de distribuição de energia elétrica – é necessariamente parcelar, apenas abrangendo as infraestruturas de distribuição de energia em baixa tensão, o TCA Sul produziu uma solução interpretativa que, rompendo com o sinalagma contratual que esteve efetivamente na base da decisão de contratar, datada de 30 de agosto de 2002, envolveu uma rutura do equilíbrio financeiro do contrato de concessão celebrado entre o município do Seixal e a A. Distribuição;
11ª Sucede que o equilíbrio financeiro de um contrato administrativo – no caso particular, do Contrato de Concessão de distribuição de energia elétrica celebrado entre Recorrente e Recorrido – tem na sua base posições jurídicas que são objeto de tutela jus?fundamental, quer pelo direito de propriedade (artigo 62.° da Constituição), quer pelo direito de livre iniciativa económica privada (artigo 61.° da Constituição);
12ª Com efeito, deve entender-se que cabem na garantia constitucional do direito de propriedade todos os direitos subjetivos de conteúdo patrimonial – isto é, todas as posições jurídicas que sejam aptas a conferir ao seu titular um espaço de liberdade material, ainda que tendo na sua origem um ato de direito público – pois esta é a única leitura compatível com o telos subjacente ao artigo 62.º da Constituição;
13ª Ora, neste quadro, a posição da Recorrente no que respeita à manutenção do equilíbrio financeiro do Contrato de Concessão, enquanto posição jurídica com indiscutível relevância económica e expressão patrimonial, é tutelada pelo direito de propriedade, que confere ao seu titular o direito de exigir que esse equilíbrio financeiro não seja subvertido sem a devida compensação patrimonial (cfr. artigo 62.°, n.°s 1 e 2 da Constituição);
14ª A mesma tutela é conferida pelo direito de livre iniciativa económica, na medida em que a adulteração do equilíbrio financeiro daquele contrato, impossibilitando que o exercício de uma atividade económica – ou seja, uma atividade de prestação de um determinado bem ou serviço (neste caso, distribuição de energia elétrica), mediante uma retribuição (que aqui consiste na cobrança de uma tarifa) – seja efetuado em moldes compatíveis com a autonomia da entidade empresarial contratante perante o Estado, lesa as possibilidades de prosseguimento dos fins pessoais garantidos por aquele direito (cfr. artigo 61.°, n.° 1 da Constituição);
15ª Se o resultado da interpretação do artigo 11.0 da Portaria n.° 437/2001 que foi sufragada pelo Tribunal “a quo” é o de subverter, em prejuízo da A. Distribuição, a equação financeira em que as partes assentaram o seu compromisso contratual, e se esta equação financeira goza de proteção constitucional, então terá de se concluir pela inconstitucionalidade daquela interpretação;
16ª Com efeito, ao conduzir a uma alteração do equilíbrio financeiro do Contrato de Concessão, desequilibrando-o em desfavor da A. Distribuição sem que a perda patrimonial assim sofrida seja por outro modo ressarcida, a solução interpretativa referida na conclusão 9ª consubstancia uma restrição ilegítima dos direitos fundamentais de propriedade e de livre iniciativa económica de que esta entidade é titular;
17ª A mesma solução interpretativa, na medida em que suporta um tratamento tributário diferenciado e injustificado entre as várias infraestruturas de distribuição de energia elétrica utilizadas pela A. Distribuição, revela-se inconstitucional por violação do princípio da igualdade;
18ª Justifica-se, portanto, que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 11.º da Portaria n.° 437/2001, de 28 de abril, quando interpretado no sentido de que a isenção do pagamento de taxas dominiais aí prevista tem caráter meramente parcelar, circunscrevendo-se às infraestruturas e equipamentos integrantes da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão.
3. Contra-alegou o recorrido, tendo sustentado que, desde logo, o recurso não seria admissível por a norma que integra o seu objeto não ter sido efetivamente aplicada pela decisão recorrida e que, caso o mesmo venha a ser admitido, lhe deve ser negado provimento.
4. Instada, por despacho da relatora, para se pronunciar sobre a questão prévia relativa à admissibilidade do recurso de constitucionalidade, colocada nas contra-alegações, veio a recorrente pugnar pela sua improcedência, reiterando essencialmente o que há havia dito no requerimento de interposição do recurso, a saber, que a norma cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada fora efetivamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Questão prévia: efeito atribuído ao recurso
5. No despacho que admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, proferido em 08.02.2011, determinou-se que o mesmo tinha efeito meramente devolutivo.
Nas alegações apresentadas, vem a recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, impugnar o efeito atribuído ao recurso, sustentando que ao mesmo deve antes ser atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78.º do referido diploma, uma vez que, estando em causa a impugnação de uma decisão já proferida em sede de recurso, era esse o efeito do recurso anterior.
Tendo ao recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul sido atribuído efeito suspensivo – efeito esse determinado, de resto, pela própria decisão ora recorrida, que deferiu a pretensão da recorrente nesse sentido –, e atendendo ao disposto no n.º 3 do artigo 78.º da LTC, é de deferir a pretensão da recorrente de ao presente recurso de constitucionalidade ser atribuído o efeito de suspensivo, que se lhe atribui.
Questão prévia: admissibilidade do recurso
6. Entende a recorrente que o tribunal a quo, ao julgar improcedente a impugnação judicial do ato de liquidação das taxas de ocupação do domínio público municipal (do Município do Seixal) com infraestruturas de distribuição de energia elétrica, relativo ao exercício de 2004, baseou a sua decisão numa determinada interpretação e aplicação do artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril.
No requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, ao procurar demonstrar que se encontra preenchido o pressuposto de admissibilidade do recurso relativo à efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma na interpretação considerada inconstitucional (pontos 46.º e seguintes), afirma a recorrente que “[…] o Acórdão recorrido, reconhecendo o caráter meramente parcelar da isenção, aplicou o normativo contido no artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001 na interpretação censurada pela Recorrente […] tendo tal interpretação condicionado, de modo decisivo, o resultado do processo de impugnação judicial deduzido pela Recorrente […] sendo manifesto que a solução de direito ínsita na decisão do litígio pelo TCA Sul não pode, de um ponto de vista lógico-jurídico, ter deixado de passar pela consideração do sentido normativo especificado pela Recorrente como inconstitucional”.
É esta a tese que fundamentalmente se reitera quando, em resposta ao despacho proferido pela relatora, a recorrente se pronuncia sobre a questão prévia da admissibilidade do recur5so, colocada pelo recorrido nas suas contra-alegações.
Sem razão, porém.
Embora na decisão recorrida se afirme expressamente que a Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril apenas se reporta às rendas devidas como contrapartida da distribuição da energia elétrica em baixa tensão, tal não significa que tal entendimento constitua a sua ratio decidendi.
Desde logo, importa observar que o que esteve em discussão nas instâncias foi, não os termos do pagamento de renda pela concessão da distribuição de energia elétrica em baixa tensão, mas antes a cobrança de taxas de ocupação do domínio público municipal, efetuada ao abrigo do disposto nos artigos 17.º e 18.º do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal.
A isso acresce que, inserindo-se a questão jurídica controvertida no âmbito de um litígio que tem na sua base o contrato de concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, celebrado entre o Município do Seixal e a “A., S. A.”, em 30 de agosto de 2001, litígio esse precipitado pela cobrança de taxas de ocupação do domínio público municipal, e embora possa fazer sentido que, em ordem à sua resolução, para efeitos da determinação da correta interpretação do direito aplicável, a recorrente tenha, nas suas alegações perante as instâncias, convocado o disposto no artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril (diploma que estabelece o regime de fixação da renda a pagar pelo concessionário distribuidor de energia elétrica ao município concedente), com isso procurando demonstrar a existência de uma relação de sinalagmaticidade entre a obrigação do pagamento de renda pelo concessionário e a total isenção do pagamento de taxas pela utilização do domínio público municipal, que se configuraria, assim, como condição necessária daquele pagamento, resulta de uma análise cuidada da decisão recorrida que o resultado interpretativo a que aí se chega, segundo o qual inexiste qualquer isenção de taxas por ocupação do solo e subsolo municipais pela passagem de linhas e redes de alta tensão, se baseia na interpretação dada ao referido contrato de concessão, não configurando de todo em todo uma aplicação do disposto no artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril.
Com efeito, o que foi decisivo para a solução dada pela decisão recorrida ao litígio dos autos foi a interpretação conferida ao contrato de concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, celebrado entre o Município do Seixal e a “A., S. A.”, tendo-se entendido que das cláusulas contratuais resultava que, sendo o objeto da concessão apenas a distribuição de energia em baixa tensão na área do Município do Seixal – indo-se mesmo ao ponto de se excluir expressamente do âmbito da concessão as redes de média e alta tensão e os respetivos postos de seccionamento, bem como quaisquer outras instalações de média e alta tensão –, não poderia o mesmo, logicamente, prever isenções relativamente a taxas por ocupação do solo e subsolo municipais pela passagem de linhas e redes de alta e média tensão, i. é, por algo que seria estranho ao objeto da concessão.
É certo que na decisão recorrida também se afirma que a Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril apenas se reporta às rendas devidas como contrapartida da distribuição da energia elétrica em baixa tensão. Simplesmente, a referência feita a essa norma regulamentar não tem autonomia, enquanto fundamento para a decisão, face às considerações feitas a propósito da correta interpretação que deve ser dada às cláusulas do contrato de concessão.
Dito de outro modo, e ao contrário do que afirma a recorrente (tanto no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade quanto na resposta às contra-alegações do recorrido), a interpretação dada pelo tribunal a quo ao artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de abril não condicionou, de modo decisivo, o resultado do processo de impugnação judicial deduzido pela recorrente.
Tanto basta para que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
III – Decisão
6. Nestes termos, decide-se atribuir ao recurso o efeito de suspensivo, não conhecer do recurso e condenar a recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de conta.
Lisboa, 6 de março de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes (vencido conforme declaração anexa). – Gil Galvão.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso, por entender que, como a recorrente salienta na resposta, o acórdão recorrido fez efetiva aplicação do artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril, embora por via de remissão ou integração na cláusula 12.º do contrato de concessão
Estava em causa a impugnação de taxas por ocupação do domínio público, a cuja liquidação a impugnante opunha a isenção que, em seu entender, decorreria da qualidade de concessionária da distribuição de energia elétrica em baixa tensão no território do Município. É certo que essa qualidade resultava de um contrato e que se argumentou com o objeto do contrato para delimitar o âmbito da isenção. Mas, se bem interpreto a decisão recorrida, nenhum efeito conformador autónomo se retirou do clausulado contratual quanto ao âmbito objetivo da isenção tributária.
Efetivamente, sob a epígrafe “encargos da concessão e isenções” a referida cláusula dispunha que “ a concessão confere à Câmara o direito a uma renda e à A. Distribuição o direito a isenções nomeadamente quanto ao uso dos bens do domínio público municipal, as quais serão determinadas por portaria ministerial, sendo aquela e estas indissociáveis, pelo que nenhuma delas será devida separadamente”. Ora, o que está em discussão no presente processo é o alcance objetivo dessa isenção, matéria em que os contraentes nada estipularam inovatoriamente, limitando-se a remeter para o regime constante da portaria ministerial. Nem o acórdão do TCA, a meu ver, diz coisa diversa. O que diz – e esta é, na matéria, a sua ratio decidendi, por via do acolhimento integral da sentença de 1ª instância – é que “a portaria, publicada nos termos da cláusula 12.º do citado contrato de concessão, ao tempo vigente (em 2004), foi publicada nos termos do n.º 2 do art.º 6.º do Dec-Lei n.º 344/82, de 1 de setembro, e apenas se reporta às rendas devidas como contrapartida da distribuição da energia elétrica em baixa tensão, como desde logo se pode colher do respetivo preâmbulo, naturalmente, com expressão positiva nos seus artigos seguintes, como da mesma se pode ver, desta forma sendo manifesto que jamais foi concedida à ora recorrente, pelos citados instrumentos legais (contrato de concessão e portaria publicada no seu seguimento) qualquer isenção de taxas por ocupação do solo e subsolo municipais pela passagem de linhas e redes de alta tensão, como as relativas às taxas ora impugnadas, pelo que ao arrimo desta isenção não pode o recurso deixar de improceder. Como bem se pronuncia a Exma. Juiz do tribunal “a quo”, também a portaria n.º 454/2001, de 5 de maio, ao vir fixar os novos termos a que deviam obedecer os contratos de concessão de energia elétrica a celebrar com os Municípios, alterando os termos desse contrato tipo, igualmente, apenas e só se veio reportar aos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, através dos quais era devida a já aludida renda, nada tendo vindo regular para o caso do tipo de taxas ora impugnadas, de linhas de alta tensão”.
Foi este o fundamento decisivo para negar à impugnante a isenção que opunha à liquidação da taxa. É certo que o acórdão recorrido argumentou que, respeitando o contrato de concessão à distribuição de energia elétrica em baixa tensão, a isenção do pagamento de taxas pela ocupação do domínio público apenas abrangia as infraestruturas de distribuição de energia em baixa tensão. Mas isso, de ordem puramente lógica, não é senão interpretar o artigo 11.º da Portaria n.º 437/2001, porque é esse instrumento regulamentar que fornece o conteúdo da isenção que a recorrente invocara contra o ato de liquidação e que o acórdão rejeitou. Aliás, dificilmente poderia ser de outro modo. Trata-se de contratos de direito público que, neste aspeto, são de conteúdo normativamente pré-determinado. Em nenhum ponto o acórdão deixa sequer supor que as partes possam ter querido outro conteúdo senão o das normas para que remeteram.- Vítor Gomes.
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