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Processo n.º 693/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do Acórdão n.º 564/2011, proferido a fls. 560 e ss, a reclamante A., S.A. apresentou requerimento a pedir, com invocação do disposto no artigo 669º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 69º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, o seguinte esclarecimento:
1º
Perante a alegação de violação do artigo 8.º n.º 4 da CRP, traduzida na interpretação do artigo 152º, nº 1, alínea b) do CPTA, no sentido de não ser obrigatório o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) de questão de Direito Fiscal Europeu suscitada pelo contribuinte quando se julgue a final que não estavam reunidos os pressupostos processuais para admissão do recurso,
2º
o douto Acórdão decidiu não se verificarem “os pressupostos que autorizam o recurso’”, fundamentando este entendimento na asserção “...a estrutura do recurso previsto na alínea b) já referida (do artigo 152º nº 1 do CPTA) não permite ao Tribunal sindicar tal proposição. E, essencialmente, por duas razões; em primeiro lugar, porque o preceito não comporta este sentido normativo, não sendo efetivamente possível ao Tribunal extrair um tal sentido da literalidade da norma; em segundo lugar, tal asserção surge, no aresto, em correspondência com uma ponderação jurisdicional sem natureza normativa, inidónea para preencher o objeto do recurso de natureza normativa.”
3º
Salvaguardado o devido respeito pelo Tribunal e pelo próprio Acórdão rigorosamente elaborado, e reconhecendo a sua limitação, a ora Requerente não alcançou compreender neste ponto a decisão.
4º
A aplicação do princípio da cooperação (da lealdade), impõe aos órgãos jurisdicionais a
competência de assegurar a proteção jurídica decorrente para os particulares do efeito direto das disposições do Direito Comunitário – Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 1980, Ariete, proc. 811/79, Recueil, p. 2545 e Acórdão Mireco, proc. 826/79, Recueil, p. 2559,
5º
O Tribunal de Justiça tem interpretado este preceito como norma incondicionada, desde que o recurso esteja perante o órgão jurisdicional que decide em última instância (como foi o caso do venerando STA), cuja aplicação é vinculativa para os tribunais nacionais ope legis artigo 8.º n.º 4º da CRP, impondo portanto o reenvio prejudicial sempre que este seja suscitado pela contribuinte e o tribunal decida em último grau (de jurisdição).
6º
Neste sentido apontam os Acórdãos do TJUE Kühne & Heftz NL, de 13 de janeiro de 2004; Cilfit, de 06.10.1982 e, por fim, o Acórdão Kôbler, de 30 de setembro de 2003, cujos preclaros parágrafos 34 e 35 passamos a citar na língua original:
“....”
7º
A este respeito cumpre observar que não existe ato claro, nem qualquer pronúncia nacional sobre a conformidade do artigo 69º, n.º 2 do Código do IRC com o artigo 11.º da Diretiva n.º 90/434/CEE., de 23 de julho de 1990, questão de Direito Fiscal Europeu que por isso carece de interpretação pela única instância competente, o Tribunal de Justiça.
8º
Sublinhe-se que a não existência de ato claro é atestada pelo reenvio prejudicial para aquele Tribunal de Justiça efetuado pelo STA, 2ª secção, no processo 0844/09 de 03/02/2010 (...).
9º
Pelo exposto se torna evidente a aplicabilidade direta do artigo 8º da CRP, e por essa via a existência de preceito expresso contendo o sentido normativo (obrigatoriedade do reenvio prejudicial).
10º
A presente aclaração ê portanto suscitada para tornar evidente à Requerente qual a posição deste venerando Tribunal quanto à questão da violação do artigo 8.º n.º 4º da CRP, traduzida na interpretação do artigo 152.º n.º 1, alínea b) do CPTA, no sentido de não ser obrigatório o reenvio prejudicial e por esta via quanto ao primado do direito internacional.
11º
Isto é; a Requerente não logrou assimilar a posição deste venerando Tribunal no sentido da:
– existência ou não de uma força vinculativa direta e imediata daquela norma (artigo 8.º, n.º 4 da CRP) na interpretação normativa de outra regra jurídica (maxime, de natureza processual, como seja o artigo 152.º, n.º 1, alínea b) do CPTA), e por via desse desígnio, resultar a necessidade imperativa (ou não) de compatibilizar a pronúncia do Direito Interno face ao postulado pelo Direito Comunitário, hierarquicamente superior, o qual se assumirá (ou deverá – por comando do artigo 8.º da CRP) como última instância, sendo então constitucionalmente admissível (ou não) a subtração da competência própria e insubstituível da jurisprudência europeia.
12º
É que tal posição não resulta inteiramente clara do douto Acórdão já que os dois fundamentos ali ínsitos se apresentam como contraditórios, ou pelo menos incompletos.
13º
O primeiro argumento – “o preceito não comporta este sentido normativo, não sendo efetivamente possível ao Tribunal extrair um tal sentido da literal idade da norma” – aplicado ao caso em que a norma do artigo 152º foi de facto interpretada no sentido de impedir o reenvio prejudicial no caso de indeferimento da receção do recurso, apresenta-se como contraditório, surgindo como desfasado da realidade verificada.
14º
A Requerente confessa também dificuldades na compreensão do segundo argumento - “tal asserção surge, no aresto, em correspondência com uma ponderação jurisdicional sem natureza normativa, inidónea para preencher o objeto do recurso de natureza normativa”, já que a ponderação jurisdicional em causa, tal como defendida desde a petição inicial, se prende diretamente com a hierarquia legal, e a aplicação do artigo 8º da CRP.
15º
Em suma, a Requerente não consegue retirar do presente Acórdão a afirmação indubitável de que se considera conforme à Constituição a interpretação do mencionado artigo 152º no sentido de, depois de admitido o recurso, permitir a recusa do reenvio prejudicial suscitado pelo Recorrente.
16º
Sendo certo que, desde o inicio deste longo processo que a ora Requerente pugna pelo cumprimento do Direito Comunitário na ordem interna conforme impõe o referido comando jus-fundamental citado, e desde o primeiro momento em que tal foi negado suscitou a inconstitucionalidade da interpretação (que presidiu à ratio decidendi, nas decisões recorridas), efetuada com critério dotado de generalidade e abstração, assim quedando violado o artigo 267.º, 2º parágrafo (ex-artigo 237.º do Tratado Comunidade Europeia – “TCE”) e o artigo 4º, n.º 3, ambos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
17º
Perante a existência de norma diretamente aplicável (artigo 8º CRP), e a possível violação dessa norma pela interpretação (do artigo 152º do CPTA) levada a cabo pelos tribunais nas concretas decisões recorridas (com efeitos produzidos na vida real da Recorrente), torna-se evidente a normatividade da questão interpretativa em apreço, emergindo a necessidade de esclarecimento da questão (de conformidade com a Constituição da interpretação do mencionado artigo 152º no sentido de permitir a recusa do reenvio prejudicial suscitado pelo Recorrente) por parte deste colendo Tribunal.
2. A entidade recorrida – o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais – respondeu: entende, em suma, que não assiste razão à reclamante, pelo que o requerimento deveria ser indeferido.
3. Sem vistos prévios, vem o processo à Conferência para decisão.
4. Depois de esgotado o seu poder jurisdicional, quanto à matéria em causa, pela prolação do aresto, pode ainda o Tribunal esclarecer – a pedido do interessado – alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos. É nessa situação que a reclamante enquadra o pedido ora em análise.
A verdade, porém, é que se não verifica qualquer obscuridade ou ambiguidade quanto à decisão propriamente dita, pois é manifesto que o Tribunal decidiu não tomar conhecimento da totalidade do objeto do recurso.
Pretende, todavia, a reclamante que o fundamento dessa decisão no que refere à norma que retirou do artigo 152º n.º 1 alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – com o sentido de não ser obrigatório o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia de questão de direito fiscal europeu suscitada pelo contribuinte – seria pouco claro, uma vez que «a Requerente não consegue retirar do presente Acórdão a afirmação indubitável de que se considera conforme à Constituição a interpretação do mencionado artigo 152º no sentido de, depois de admitido o recurso, permitir a recusa do reenvio prejudicial suscitado pelo Recorrente».
Mas a simples enunciação da questão logo revela o equívoco em que labora a reclamante; na verdade, ao contrário do que se insinua na reclamação, o Tribunal não tinha que fazer – nem, obviamente, fez – qualquer pronúncia quanto à conformidade, ou quanto à desconformidade, constitucional da aludida norma, pois é exatamente essa a consequência da decisão de não tomar conhecimento do objeto do recurso. Ora, não sendo possível reeditar no presente acórdão o debate desta questão, os argumentos para tal avançados pela reclamante são inoportunos e, por isso, inelutavelmente improcedentes.
5. Em suma, o Tribunal decide indeferir o pedido. Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 5 de janeiro de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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