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Processo n.º 207/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 16 de Março de 2011, vem dela reclamar, dizendo, no seu requerimento, o seguinte:
“1. O Exmo. Conselheiro Relator louva-se no argumento do acórdão do STJ de não ter o recorrente levado às conclusões, na minuta do recurso penal para a última Instância, esta questão da inconstitucionalidade, ou de a não ter debatido no corpo das alegações, acaso se considere que, pelo contrário, concluiu pela desconformidade à Constituição dessas normas aplicadas no Julgamento.
2. Todavia, muito ao contrário do que se afirma no acórdão do STJ, o recorrente, na minuta do recurso, desenvolveu o tema da inconstitucionalidade, como se vê do ponto II— Sobre o decorrer da Audiência.
3. E levou-o às conclusões, precisamente nos termos em que defendeu no requerimento de interposição do recurso para o TC:
«... tópico [levado] às conclusões, muito embora, nestas apenas tenha referido o art.° 348.°15 CPP, naturalmente porque é a norma mais geral, a norma umbrela do arco legal criticado (na interpretação que dele foi feita pelas instâncias — no sentido de não valorarem negativamente o interrogatório feito ao arguido [contra o princípio da presunção de inocência])».
4. Em suma: o problema que o recorrente põe é efectivamente uma questão de inconstitucionalidade normativa, a qual desenvolveu do ponto de vista formal, com suficiência.
5. Diz respeito, a saber: se é admissível no território da constitucionalidade a instância judicial do arguido, levada a cabo sob o preconceito de ter sido o autor do crime.
6. Não se trata, naturalmente, de um erro de julgamento e, por isso mesmo, apenas sindicável pelas instâncias, mas do conceito operacional de interrogatório do arguido em julgamento, autorizado, ou não, pela Constituição da República na modalidade do parti prie.
7. Parece claro que o recurso, não só merece ser decidido, como, tratando-se de um julgamento feito pelo Tribunal de Júri (e tendo em vista o particular desenho institucional português de uma intervenção popular na administração da justiça, no limite, conduzida e hegemonizada pelos juízes togados), levanta uma questão atractiva e, bem vistas as coisas, bastante importante, do ponto de vista jurisprudencial.”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“2. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, na medida em que o despacho de admissão do mesmo, proferido pelo tribunal a quo, não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3 daquele diploma).
Como resulta dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para que se possa lançar mão do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ali previsto, é necessária a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, não cabendo a este Tribunal apreciar a conformidade da decisão recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as decisões proferidas por outros tribunais.
2.1. Assim, o objecto do recurso de constitucionalidade apenas poderá incidir sobre a apreciação, à luz das regras e princípios jurídico-constitucionais, de um juízo normativo efectuado pelo tribunal recorrido. O Tribunal Constitucional aprecia normas ou interpretações de normas – a sua actuação não versa as decisões dos outros tribunais.
A suscitação de questão de constitucionalidade dita normativa, apta a adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional implica que ‘a parte identifique expressamente [ess]a interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido.’ (Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004, p. 8).
2.2. Ora, no caso dos autos, o Recorrente nunca suscitou, durante o processo, qualquer inconstitucionalidade normativa, tendo-se limitado a imputar a inconstitucionalidade à ‘postura do Senhor Juiz Presidente durante a inquirição de testemunhas (…)’. Imputa à posição desse mesmo Juiz do Tribunal de Júri de Viseu a inconstitucionalidade, invocando o artigo 348.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, porque considerou violado o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – presunção de inocência.
Como foi dito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
‘ (…) No corpo da motivação e como atrás se referiu, o Recorrente, a propósito da postura do Senhor Juiz-presidente, disse suscitar «uma questão forense de constitucionalidade dos arts. 323° e 126°/1 CPP, em contravenção, nesse feito, com o art° 32°/2 e 18° da CRP....». Mas não a levou às conclusões. O que significa, como também no início sublinhámos, que se trata de questão excluída do objecto do recurso. Por sua vez, a alegada inconstitucionalidade do art° 348°, n° 5, do CPP, embora equacionada nas conclusões, não foi tratada na motivação, como bem observou a Senhora Procuradora-Geral Adjunta do Supremo Tribunal de Justiça no seu parecer. Por isso, porque, como também dissemos, as conclusões da motivação não podem ampliar do objecto recurso, também esta questão não pode ser apreciada. Fosse como fosse, as duas questões referem-se à postura do Senhor Juiz presidente com reflexo na conduta do Tribunal. Mas, como não conhecemos dessa matéria por termos julgado que o recurso era inadmissível, a sua a apreciação sempre ficaria prejudicada.’
Não enunciou, portanto, como lhe competia, a dimensão normativa que, correspondendo à concretização interpretativa da norma nos termos da decisão concreta, pudesse ser destacada e apreciada pelo Tribunal Constitucional de moldes totalmente abstraídos das especificidades do caso.
Isto é, identificar o critério normativo significa que o Recorrente deveria ter formulado a norma do caso, em termos de generalidade e abstracção, de modo a que fosse possível ao Tribunal Constitucional conhecer uma tal questão e, caso procedesse a inconstitucionalidade invocada, pudesse a mesma ser enunciada na sua decisão de modo a que, para o futuro, os operadores do direito fiquem a saber que a mesma, naquele caso concreto, foi julgada inconstitucional.
O Recorrente não se conforma com o decidido. O certo é que, no entanto, o modo como configurou tal questão durante o processo não constitui uma questão de constitucionalidade normativa, e esta não é a sede idónea para proceder à sindicância da conformidade das decisões proferidas pelos outros tribunais. O Tribunal Constitucional aprecia normas ou dimensões normativas e não a concreta actividade judicativa que se traduz na decisão dada ao pleito.”
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo. Isso mesmo decorre não só de tal preceito, mas também do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
5. Como foi referido na decisão sumária, durante o processo o reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma e, como referiu o Exmo. Magistrado do Ministério Público: “a questão respeita, no fundo, à avaliação da matéria de facto, excluída da apreciação deste Tribunal Constitucional, bem como à actuação do tribunal de primeira instância, na condução da audiência de julgamento. (…) toda esta argumentação, a que alude o recorrente na sua motivação da reclamação para conferência, não integra nenhuma questão de constitucionalidade normativa.”
Reitera-se, pois, o já decidido na decisão sumária, não procedendo a argumentação do reclamante. A Constituição e a lei são suficientemente claras na indicação dos pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade e dos elementos essenciais que devem constar do respectivo requerimento do recurso. Estas exigências não assentam em considerações formalistas e sim na necessidade de pré-conformar, com a natureza e segurança necessárias, os casos concretos que podem aspirar a ser objecto de um processo desta índole.
Pelo que improcede a reclamação.
III – Decisão
6. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Abril de 2011.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.
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