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Processo n.º 427/2010
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a sociedade A., S.A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal de 10 de Maio de 2010.
2. A decisão recorrida recusou a aplicação do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, na versão originária, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Na parte relevante para a decisão a tomar, a sentença recorrida tem o seguinte teor:
«Na decisão recorrida é imputada à recorrente a prática da seguinte infracção:
a)– a contra-ordenação por não disponibilização imediata do livro de reclamações, seguida de intervenção da autoridade policial, p. e p. pelos arts. 3.º, n.º 1, al. b), e n.º 4, e 9.º, n.º 1, al. a), e n.ºs 3 e 4, do DL n.º 156/2005, de 15/09, correspondendo-lhe uma coima de € 15 000,00, a € 30 000,00, por se tratar de pessoa colectiva.
(…)
Relativamente à matéria em causa nestes autos e à sanção a aplicar, importa atender ao douto Ac. do TRC de 09/12/2009, no processo n.º 79/09.OTBCR.C1, relatado pelo Sr. Des. Dr. João Trindade, in www.dgsi.pt/jtrc, o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, o n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09 – cfr. também neste sentido a sentença proferida no Recurso de Contra-Ordenação n º 277/09.6TPPRT, deste Juízo/Secção.
Como se sabe, o princípio da igualdade está consagrado no art.º 13.º da CRP, significando igualdade dos cidadãos perante a lei, vedando-se privilégios e descriminações, devendo ser dado um tratamento igual a situações iguais e um tratamento desigual a situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da CRP, o qual se analisa em três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito).
Como vem sendo entendido, a necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim da norma e não a outro. A racionalidade implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos), que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido.
A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade traduz-se em excesso – cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148-163, bem como Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 144–154, e ainda Santiago Mir Puig, in “O princípio da proporcionalidade enquanto fundamento constitucional de limites materiais do Direito Penal, publicado na RPCC, Ano 19, n.º 1, Janeiro-Março 2009, Coimbra Editora, p. 7-38.
(…)
A violação do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 3.º do citado DL n.º 156/2005 (recusa do livro de reclamações), quando o infractor é uma pessoa colectiva, é punida com a coima mínima de € 3500.
Mas se tal violação da lei for depois constatada/presenciada pela autoridade policial a coima mínima passa para €15 000 – cfr. o n.º 3 do citado art.º 9.º do DL 156/2005.
A citada quantia de € 15 000 corresponde a mais de quatro vezes o mínimo de € 3500 - a mais do quádruplo de € 3 500.
Cabe precisamente às autoridades policiais, entre o mais, fiscalizar o cumprimento das leis, e designadamente do disposto no citado DL n.º 156/2005 – cfr. o art.º 48.º do RGCC.
A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
Estabelecendo o legislador de forma tão diversa a coima mínima para a mesma violação da lei com base na mera intervenção da autoridade policial, cremos que existe violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade – cfr. os arts. 13.º e 17.º, n.º 2, da CRP.
Para a mesma contra-ordenação, e só pelo facto de existir ou não posterior intervenção policial, a moldura abstracta da coima a ter em conta é muito diferente e muito mais grave (o mínimo passa de € 3 500 para € 15 000, mais do quádruplo, consoante haja ou não intervenção policial).
Quando ocorre a intervenção policial, a contra-ordenação em causa já está há muito consumada.
A intervenção policial já não vai prevenir ou evitar qualquer infracção.
A obrigação a cargo do visado/arguido(a) perante o cliente/utente já estava incumprida. O exercício imediato do direito de queixa já tinha sido posto em causa.
E também não se pode confundir a moldura abstracta das coimas com os critérios para definir a sua medida concreta e em cada caso concreto. A moldura abstracta da coima não se pode confundir com a aplicação em concreto e a respectiva medida concreta.
A sanção imposta tem de ser proporcional à infracção cometida.
Tal agravação da coima mínima aqui em causa (o citado n.º 3 do art.º 9.º) não estava prevista de igual forma nos diplomas legais anteriores ao citado DL n.º 156/2005 e que já regulavam a matéria do livro de reclamações, designadamente o DL n.º 168/97, de 04/07.
Mesmo no âmbito do Código Penal as agravações das penas aí previstas não são tão amplas e elevadas como no citado n.º 3 do art.º 9.º. A agravação da pena normalmente é de apenas um terço do limite mínimo – cfr. os arts. 76.º, 141.º, 147.º, l77.º, 183.º, 184.º e 197.º, todos do Código Penal.
Com o devido respeito por outra posição, cremos que é de acolher a argumentação do douto acórdão da Relação de Coimbra acima citado – o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, o n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09.
Não é assim constitucionalmente justificada a norma do n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09.
Conclui-se, pois, pela verificação da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09, violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Não existe qualquer outra inconstitucionalidade a ter em conta nestes autos.
Por força da inconstitucionalidade acima decretada, nos presentes autos não pode ser aplicada a citada norma do n.º 3 do art.º 9.º do citado DL n.º 156/2005, de 15/09 – cfr. o art.º 204.º da CRP.
Face à conclusão anterior, só pode aplicar-se aos presentes autos a norma do art.º 9.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 156/2005, de 15/09 – tal norma prevê a moldura abstracta da coima entre € 3 500 e € 30 000.
Nada obsta agora à aplicação de tal norma ao caso em análise, devendo aplicar-se a coima em conformidade.»
3. Notificado para alegar, o recorrente concluiu que:
«1- Numa jurisprudência uniforme e constante o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de conformação, na definição de crimes e fixação de penas, sendo de considerar violado o princípio de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), apenas quando a sanção se apresente como manifesta e ostensivamente excessiva.
2- Em direito sancionatório, essa ampla liberdade de legislador ordinário só pode ser maior, quando exercida fora do âmbito criminal, como é o caso do direito de mera ordenação social.
3- Tendo o Governo competência para legislar em matéria contra-ordenacional, desde que respeite o regime geral (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), goza, portanto, uma liberdade reforçada, no que respeita à tipificação como contra-ordenação de certas condutas, e à fixação das respectivas coimas.
4- A radical distinção entre pessoas singulares e colectivas justifica, constitucionalmente, que as coimas aplicáveis a estas últimas sejam de montante substancialmente superior às aplicáveis às primeiras.
5- Uma vez que não se está perante uma recusa simples - por parte do fornecedor de bens - em facultar o livro de reclamações ao utente, mas antes perante uma insistência nessa recusa, na presença de uma autoridade policial convocada precisamente para a remover, a norma do artigo 9º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Decreto-Lei nº 156/2005, 15 de Setembro enquanto fixa, para as pessoas colectivas, uma coima cujo limite mínimo se situa nos €15.000, para a contra-ordenação prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 1, e 3º, nºs 1, alínea b) e 4, todos daquele diploma legal, não viola o principio de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), nem de igualdade (artigo 13º da Constituição) não sendo, por isso, inconstitucional.
6- Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso».
4. A recorrida contra-alegou, requerendo à relatora que:
«1. Não dê provimento ao recurso do digníssimo representante do Ministério e em consequência mantenha a decisão proferida pelo 3.º Juízo da pequena Instância Criminal do Porto.
2. Caso assim não se entenda o que não se consente e apenas por mero dever de patrocínio se admite, mande aplicar aos presentes autos o instituto da Dispensa da Pena, limitando-se, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 51.º do DL 433/82 e do artigo 74.º do Código Penal, aplicável por remissão do art.º 32 do referido diploma, a proferir um mera admoestação;
3. Em alternativa e caso não se entenda que estão preenchidos os pressuposto para aplicação do instituto da Dispensa da Pena, e a proferir um mera admoestação, se digne aplicar o instituto da Atenuação Especial da Pena, previsto no art.º 72 do Código Penal, devendo em consequência, o limite máximo da pena de multa ser reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal nos termos do n.º l alínea c) do art.º 73.º daquele diploma».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto recusou a aplicação do n.º 3 do artigo 9.º do citado Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, na redacção originária, com fundamento em inconstitucionalidade.
A norma que é objecto do presente recurso tem a seguinte redacção:
«Artigo 9.º
Contra-ordenações
1 – (…)
2 – (…)
3 – Em caso de violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.
4 – (…)».
Por seu turno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º e o n.º 4 deste mesmo artigo estatuem o seguinte:
«Artigo 3.º
Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços
1 – O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:
a) (…)
b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado;
c) (…)
d) (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa».
Para o que importa apreciar e decidir, é ainda relevante o que se dispõe na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º:
«Artigo 9.º
Contra-ordenações
1 – Constituem contra-ordenações puníveis com a aplicação das seguintes coimas:
a) De € 250 a € 3500 e de € 3500 a € 30 000, consoante o infractor seja pessoa singular ou pessoa colectiva, a violação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º, nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 5.º e no artigo 8.º;
b) (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)».
2. Estas disposições legais inserem-se no diploma que Estabelece a obrigatoriedade de disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público em geral.
O livro de reclamações foi concebido pelo legislador como “um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu”. A institucionalização da obrigatoriedade de existência e disponibilização do livro de reclamações em todos os estabelecimentos constantes do anexo I ao Decreto-Lei n.º 156/2005 justifica-se pela “necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei”. Sendo, por isso, “necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho” – Lei de Defesa do Consumidor (cf. Exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 156/2005).
3. Face ao teor da decisão recorrida e das disposições legais transcritas, a norma cuja aplicação foi recusada e que a este Tribunal cumpre apreciar é o artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, que sanciona com coima, cujo montante não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º (€ 30 000, quando o infractor é pessoa colectiva), o fornecedor de bens ou prestador de serviços que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa.
Sendo o infractor uma pessoa colectiva, o agente é sancionado com uma coima entre € 15 000 e € 30 000 (artigos 9.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, e 3.º, n.ºs 1, alínea b), e 4, do Decreto-Lei n.º 156/2005). Diferentemente do que sucede quando o fornecedor de bens ou prestador de serviços não faculta imediatamente ao utente o livro de reclamações, o qual é sancionado com coima entre € 3500 a € 30 000 (artigos 9.º, n.º 1, alínea a), e 3.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 156/2005).
Comparando estas duas molduras sancionatórias, a decisão recorrida recusou a aplicação da norma que é objecto deste recurso por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, convocando os artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
4. A decisão recorrida recusou a aplicação do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, com fundamento na violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), princípio em relação ao qual há jurisprudência firmada deste Tribunal.
No Acórdão n.º 187/2001 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) lê-se que:
«É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções – proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta, aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e 683/99, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, vols. 11º, pp. 233 e ss., 23º, pp. 369 e ss., 24º, pp. 549 e ss., 36º, pp. 793 e ss., e no Diário da República, 2ª série, de 25 de Março de 1999 e de 3 de Fevereiro de 2000).
Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente relevante».
Ora, relativamente à norma em apreciação, há que concluir que há fundamento material bastante, justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes, para sancionar de forma diferenciada o fornecedor de bens ou prestador de serviços que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa. Precisamente porque ao ser posteriormente requerida a presença da autoridade policial está a ser frustrada a intenção precípua da lei de tornar mais acessível ao consumidor o exercício do direito de queixa, reclamando no local onde o conflito ocorreu. Não tendo sido facultado imediatamente o livro de reclamações, é necessário que o utente requeira a presença da autoridade policial para remover a recusa do fornecedor de bens ou prestador de serviços, com o risco inerente de ser desincentivada e desencorajada a utilização deste livro, legalmente concebido como instrumento de defesa dos direitos dos consumidores.
Diferentemente do sustentado pela decisão recorrida, ocorrendo “intervenção policial” a requerimento do utente, as duas situações em confronto são “substancial e objectivamente desiguais”, impondo-se, por isso, concluir que a norma que é objecto do presente recurso não viola o princípio constitucional da igualdade.
5. A decisão recorrida recusou a aplicação do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, também com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade por referência ao artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Ainda que se conceda que a lei que sanciona com coima determinado comportamento é uma lei restritiva para os efeitos previstos nesta disposição constitucional, é de concluir que a norma que é objecto do presente recurso não viola o princípio da proporcionalidade (em sentido amplo), ao sancionar com uma coima entre € 15 000 e € 30 000 a pessoa colectiva, fornecedora de bens ou prestadora de serviços, que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa.
Sobre este princípio, em matéria contraordenacional, lê-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 574/95 (disponível em www.tribunalconstitucional) que:
«Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - 'uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social', aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social».
Reiterando este entendimento do princípio da proporcionalidade das sanções e tendo presente, especificamente, que as exigências do princípio são diferentes consoante a sanção tenha natureza penal ou contraordenacional, impõe-se afirmar que aquela coima não é inadequada, desnecessária ou manifesta e claramente excessiva. Tendo em vista o reforço dos procedimentos de defesa dos direitos dos consumidores e utentes no âmbito do fornecimento de bens e prestação de serviços, instituindo a obrigatoriedade de existência e disponibilização imediata do livro de reclamações (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 156/2005), sanciona-se, com uma coima entre € 15 000 e € 30 000, a pessoa colectiva que dificulte ao utente o exercício do direito de queixa no local onde o conflito ocorreu.
É certo que a decisão recorrida chega ao juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, comparando a moldura legal prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005 para os casos em que a pessoa colectiva não faculta imediatamente ao utente o livro de reclamações – coima entre € 3500 e € 30 000 – com a moldura sancionatória decorrente do n.º 3 daquele artigo 9.º para as situações em que a pessoa colectiva não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa – coima entre € 15 000 e € 30 000.
Deve notar-se, contudo, que a diferença ocorre somente no limite mínimo da moldura sancionatória, havendo, por isso, uma zona ampla de sobreposição daquelas molduras legais, o que afasta um qualquer juízo de desproporcionalidade quando se considere o que coincide em ambas as situações – a recusa por parte da pessoa colectiva, fornecedora de bens ou prestadora de serviços, em facultar imediatamente ao utente o livro de reclamações. Transpondo para os presentes autos o critério constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 329/97 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), é de afirmar que o que o princípio da proporcionalidade impõe, em conjugação com o princípio da igualdade, é que as molduras em confronto não sejam de tal forma diversas que se descaracterize em absoluto a valoração do comportamento contraordenacional.
6. Face às considerações feitas, há que não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, que sanciona com coima entre € 15 000 e € 30 000 o fornecedor de bens ou prestador de serviços que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa, à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
7. Face ao conteúdo das contra-alegações, diga-se, por último, que este Tribunal não tem competência para apreciar o que a recorrida requer de forma subsidiária e alternativa.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da sentença recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.
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