|
Processo n.º 827/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por acórdão de 17 de Junho de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça [através da formação de apreciação preliminar a que se refere o n.º 3 do artigo 721.º do Código de Processo Civil (CPC)] decidiu não admitir o recurso de “revista excepcional” interposto pelo réu A. de um acórdão da Relação que o condenara a pagar determinada quantia ao autor B..
O recorrente pediu a aclaração e arguiu nulidades desse acórdão, o que foi indeferido por acórdão de 14 de Setembro de 2010.
2. O recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), mediante requerimento do seguinte teor:
«[…] não se conformando com o douto acórdão que indeferiu o requerido pelo ora recorrente, vem INTERPOR RECURSO Para o Tribunal Constitucional
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 – Nos termos do art. 75-A da Lei 28/82 de 15/11, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) nº 1 e f) do art. 70º.
II – Pretende-se que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade dos arts. 201º nº 1, 508º nº 2, 722º, 720º nº 1 c), 732°, 668°, 716º e 721º- A nº 2 – c) todos do Código de Processo Civil, na interpretação e aplicação dada pelos Senhores Juízes Conselheiros no âmbito do processo em epígrafe.
III – Considera-se que a interpretação e aplicação dada pelos Senhores Juízes Conselheiros, viola os arts. 2, 8º nº 2, 13º, 20º da Constituição da Republica Portuguesa e ainda os arts. 2º nº 2, 3º nº 3, 201º nº 1, 508º nº 2, 668º, 716º, 720º, 721º- A nº 2 – c), 722º, 732º todos do Código do Processo Civil, na redacção em vigor à data.
IV – Os recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade e ilegalidade, em requerimento nos autos, no qual foi proferido o douto acórdão de que agora se recorre.
No qual, suscitaram a violação do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que entrou em vigor na Ordem Jurídica Portuguesa a 9/11/1978 e alegaram as seguintes decisões proferidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cujos princípios e fundamentos, consideram violados com o acórdão proferido:
“– Uma apreciação manifestamente errada dos argumentos das partes pode constituir falta de fundamentação e violação do direito de acesso a um tribunal (Acórdão Dulaurans C. França de 21/03/2000, Considerandos 33 e ss)
– A omissão de um tribunal se debruçar sobre a questão posta pelo requerente pode violar o direito a um processo equitativo previsto no nº 6 da C.E.D.HH (Acórdão Rotaru C. Roménia, de 04/05/2000, Considerando 78;
Acórdão Gheorgh C. Roménia de 15/03/2007, §§ 49-51)
“Um tribunal superior não pode pura e simplesmente confirmar uma decisão dum tribunal inferior sem apreciar as questões essenciais que lhe são postas. Os tribunais têm de apreciar as alegações, argumentos e provas das partes. Caso contrário, há falta de fundamentação (Acórdão Aluna C. Roménia de 28/04/2005, Considerando 30 e ss)
“A efectividade do direito de acesso exige que o indivíduo goze da possibilidade, clara e concreta, de contestar qualquer acto que constitua uma ingerência nos seus direitos “. O sistema deve ser claro e oferecer garantias suficientes para evitar qualquer mal entendido quanto às modalidades de exercício do recurso oferecido e quanto às limitações que decorrem do seu exercício (Acórdão Bellet C. França de 04/12/1995, Considerandos 36 e 37) e
“Um sistema jurídico deve ser suficiente claro e apresentar garantias suficientes para evitar qualquer mal entendido quanto às modalidades dos recursos oferecidos e quanto às limitações que decorrem do exercício simultâneo de duas vias de direito, sob pena de vilar o direito de acesso ao Tribunal, que não é um direito absoluto, mas que não pode ser atingido na sua essência” Ac. F.E.C. França de 30/10/1998, Considerandos 46 e ss.
Finalmente,
“Uma jurisprudência contraditória que conduz a um resultado imprevisível ou arbitrário, privando os interessados da protecção efectiva dos seus direitos, é incompatível com o princípio da legalidade (Acórdão Belvedere Albergliera C. Itala de 30/05/2000, Considerando 58) e
As divergências na jurisprudência são inerentes a qualquer sistema judicial, sendo função do Supremo Tribunal dirimir as contradições da Jurisprudência. Se a própria jurisprudência do Supremo Tribunal for contraditória gera uma incerteza e insegurança permanentes e diminui a confiança do público no sistema judicial que é um dos elementos essenciais do Estado de Direito e está implícita no conjunto dos artigos da convenção. Os altos tribunais não podem ser uma fonte de inseguranças, reduzindo dessa forma, a confiança do público no sistema judicial. (Acórdão Pauraru C. Roménia de 1/12/2005, Considerandos 98 e 99, remetendo para o Acórdão Zaelinsk e Pradal & Gonxalez, de 28/10/1999, Considerandos 59, Acórdão Brian C. Roménia, de 6/12/2007; 37e 39)
Termos em que se requer que seja admitido o presente recurso e tenha lugar a subsequente tramitação.»
Este recurso não foi admitido, por despacho do Exmo. Conselheiro Relator que, como razão decisiva, considerou que:
“o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade – ou violação de convenção internacional – durante o processo, da norma, um segmento ou uma interpretação, cuja aplicação (ou não aplicação) tenha sido determinante para o julgado – artigos 70.º e 72.º da L.O.F.P.T.C.”
3. O recorrente reclama deste despacho, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, reproduzindo o que diz serem os fundamentos do recurso e insistindo em que, “como resulta da lei e dos fundamentos do recurso interposto …. a decisão proferida é recorrível para o Tribunal Constitucional”.
O Ministério Público emitiu parecer, de que o reclamante foi notificado, no sentido de que o reclamante não cumpriu o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Teria de suscitar tal questão nas alegações do recurso de revista excepcional, não sendo já o requerimento de arguição de nulidades meio idóneo. Acresce que não se verifica uma situação em que o recorrente possa ser dispensado do referido ónus, designadamente, não podendo dizer-se que a decisão recorrida tenha feito uma aplicação insólita, inesperada ou imprevisível das normas cuja inconstitucionalidade se quer ver apreciada. Aliás, o reclamante nada disso alega, como lhe competia.
4. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos da admissibilidade do recurso previsto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: a definição de uma norma ou interpretação normativa como objecto de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade ou de violação de lei com valor reforçado, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida [artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC]. Sendo tais requisitos cumulativos, basta a não verificação de qualquer deles para que o recurso não deva ser admitido.
Como nem o requerimento de interposição de recurso, nem a reclamação, são claros na identificação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de que se pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional, foi o reclamante convidado a esclarecer que decisão pretendera impugnar. Esclareceu que pretendeu recorrer do “último acórdão do Supremo Tribunal de Justiça”, ou seja, do acórdão que recaiu sobre o pedido de esclarecimento e arguição de nulidades. É, pois, em relação a essa decisão que hão-de verificar-se os pressupostos do recurso agora interposto.
5. O fundamento decisivo do despacho que não admitiu o recurso foi a não suscitação prévia pelo recorrente das questões cuja apreciação pretende submeter a apreciação pelo Tribunal Constitucional. É fundamento absolutamente exacto. Em nenhum momento o recorrente convocou o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no requerimento de fls. 1034 e segs. (pedido de aclaração e arguição de nulidades) a deixar de aplicar qualquer norma por ser desconforme à Constituição [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC] ou a lei com valor reforçado [alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC). Com vislumbre de relevância limitou-se a arguir a violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Porém, não imputa essa desconformidade a qualquer norma aplicada, mas ao próprio acórdão de que reclamava. Consequentemente, não podia o recurso, cujo objecto (em sentido material) é necessariamente normativo e depende de suscitação prévia de questão com essa mesma natureza, ser admitido, como não foi.
Assim, independentemente de outras questões, designadamente de saber se o acórdão recorrido fez efectiva aplicação das normas referidas pelo recorrente, a reclamação é improcedente.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
|