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Processo n.º 781/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 508/2010, que ora se transcreve:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão proferido, em conferência, pela 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em 04 de Maio de 2010 (fls. 1093 a 1142), para que seja apreciada a “inconstitucionalidade da norma contida no art. 340º do Código de Processo Penal na parte em que permite que o Tribunal assuma postura intoleravelmente acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da própria acusação, possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e indiscriminadamente a produção de meios de prova, por ofensa das garantias de defesa consagradas no art. 32º da Constituição” (fls. 1167).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 1170), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que os mesmos não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A título preliminar, impõe-se notar alguma discrepância entre o modo como o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido e o modo como agora delimita o objecto do presente recurso. Com efeito, através da conclusão 18ª, inclusa nas suas motivações de recurso, o recorrente suscitou a seguinte questão de inconstitucionalidade:
“18ª – Resta a questão da inconstitucionalidade do art. 340º do CPP na parte em que permite ao Tribunal, para fundamentar a condenação do arguido, ordenar oficiosa e indiscriminadamente a produção de quaisquer provas por ofensivo, nessa parte, das garantias de defesa inscritas no art. 32º da CRP (…)” (fls. 938)
De qualquer modo, o sentido dominante da interpretação normativa em causa encontra correspondência com o objecto do presente recurso, tal como delimitado pelo recorrente, pelo que dele assim se conhecerá.
4. Na medida em que o Tribunal Constitucional funciona como mero órgão de recurso, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (artigo 280º, da CRP), este apenas pode conhecer de normas ou interpretações normativas que tenham sido efectivamente aplicadas pelos tribunais recorridos. É essa, aliás, a competência que lhe é expressamente conferida pelo artigo 79º-C da LTC.
Ora, analisada a decisão recorrida, conclui-se que a mesma nunca interpretou o artigo 340º do Código de Processo Penal (CPP), num sentido segundo o qual aquele “permite que o Tribunal assuma postura intoleravelmente acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da própria acusação, possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e indiscriminadamente a produção de meios de prova”.
Desde logo, o recorrente faz referência genérica ao artigo 340º do CPP, sendo flagrante que a decisão recorrida não aplicou todas as dimensões normativas que dele emergem, designadamente, as que poderiam resultar da interpretação dos n.ºs 3 e 4 do referido preceito legal. Por outro lado, torna-se ainda evidente que a decisão recorrida também nunca interpretou os n.ºs 2 e 3 do artigo 340º do CPP de maneira tal que aqueles permitissem a assunção de uma postura acusatória por parte do tribunal de primeira instância, mediante a determinação indiscriminada de meios de prova, com vista a condenar o arguido (ora recorrente). Pelo contrário, conforme resulta da decisão recorrida, foi, antes, entendido o seguinte:
“Respondeu o MP, com inteiro acerto, em nosso entender, que o Tribunal não usou o art. 340º do CPP «para fundamentar a condenação do arguido», mas para descobrir a verdade material e que não o fez «indiscriminadamente».
A utilização dos mecanismos de produção de prova em audiência têm critérios legais estabelecidos, que vão desde a legalidade do meio de prova a produzir, que passa pela sua relevância ou pertinência, pela sua adequação e possibilidade de obtenção e pela sua oportunidade.
Não se trata de actividade discricionária, nem de mero expediente. O tribunal tem não só o poder (vinculado a critérios ou parâmetros e obrigatório), mas o dever de investigar em audiência o assunto que está a tratar. Trata-se do princípio da investigação tal como o STJ o enunciou no Ac. STJ de 25-3-1998, CJ STJ, 1998, I, 238.
(…)
Não há qualquer desproporcionalidade na admissão legal de produção de prova, oficiosamente ou a requerimento, na audiência de julgamento, desde que observados os condicionalismos legais, e com o objectivo de esclarecer o assunto submetido a julgamento.
(…)
No fundo, se bem atentamos no que refere o recorrente, este limita-se a colocar uma hipótese (…) que nada tem a ver com a realidade do ocorrido na audiência, uma vez que nem o Tribunal determinou a produção de qualquer meio de prova para condenar o arguido tal qual se extrai da acta de julgamento, nem tão pouco tomou qualquer decisão indiscriminada e, tanto basta, para darmos por improcedente a questão.” (fls. 1139 a 1141)
Assim sendo, torna-se inegável que a decisão recorrida não aplicou efectivamente a interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente, pelo que, por força do artigo 79º-C da LTC, mais não resta que recusar o conhecimento do objecto do presente recurso.
Por último – e a título meramente subsidiário –, refira-se ainda que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a julgar compatível com os direitos de defesa dos arguidos (artigo 32º, da CRP), uma interpretação do artigo 340º do CPP que permite ao tribunal de julgamento ordenar a produção de prova, mesmo oficiosamente, desde que a mesma seja objectivamente equacionável como necessária à descoberta da verdade material e à correcta decisão da causa (cfr. Acórdãos n.º 586/96, n.º 137/02, n.º 171/05 e n.º 296/06, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Como tal, mesmo que não subsistisse o fundamento que obsta ao conhecimento do objecto do presente recuso, já supra referido, sempre se concluiria pela não inconstitucionalidade de uma interpretação normativa tal como aquela efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. Inconformado, o recorrente apresentou reclamação, limitando-se a requerer à conferência que determine que seja proferido acórdão sobre o objecto do recurso interposto.
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“1º
Através do recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente pretendia ver apreciada a “inconstitucionalidade da norma contida no artigo 340.º do Código de Processo Penal, na parte em que permite que o Tribunal assuma postura intoleravelmente acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da própria acusação, possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e indiscriminadamente a produção de meios de prova”.
2º
Pela Decisão Sumária n.º 508/10 decidiu-se não conhecer do objecto do recurso porque a decisão recorrida – o Acórdão da relação de Évora – não tinha interpretado a norma, da forma atrás referida, explicitando-se, claramente, o porquê desse entendimento.
3.º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente limita-se a requerer que “sobre a matéria recaia Acórdão”, não adiantando quaisquer argumentos que demonstrem as razões da sua discordância com o decidido.
4.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida limita-se a requerer a modificação da decisão reclamada, sem aduzir nenhum fundamento que sustente tal pretensão.
Não se vislumbrando qualquer motivo que imponha a reforma da decisão sumária proferida, confirma-se o juízo de não conhecimento do objecto do recurso, por não ter sido efectivamente aplicada pelo tribunal recorrido a interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 01 de Fevereiro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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