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Processo n.º 511/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O recorrente pede a aclaração do acórdão n.º456/10, que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão n.º 392/10, que desatendeu a reclamação da decisão sumária de não conhecimento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão de 17 de Setembro de 2009 do Tribunal da Relação do Porto que, por seu turno, negou provimento a recurso de decisão do Tribunal Judicial de Tanto Tirso que indeferiu o requerimento de substituição da pena de prisão em que o ora recorrente foi condenado por uma pena de natureza não detentiva.
A reclamação tem o seguinte teor:
«A., arguido nos autos supra identificados, face ao indeferimento da nulidade por si suscitada, vem requerer esclarecimento nos termos do artº 669 C.P.C., aplicável ex vi artº 69 da LTC, à decisão por lhe parecer obscura na sua fundamentação:
1. De facto refere-se, na douta decisão, que
(…)
“o Ac. que decidiu a reclamação ocupou-se da única questão relevante face à decisão sumária, ao teor da reclamação e Às competências do Tribunal perante um recurso de fiscalização concreta interposto ao abrigo da al. a) do nº 1 do art. 70 da LTC: saber se a decisão recorrida recusou aplicação à norma do artigo 58 do C. P. com fundamento em inconstitucionalidade. E, concluindo que a decisão recorrida não recusou aplicação à referida norma, por desconformidade com a Constituição, antes fez dela aplicação expressa, ponderando a situação concreta face aos seus comandos, embora em sentido desfavorável ao recorrente, nada mais tinha a apreciar ou decidir.
Designadamente, não cabe na competência do T C., averiguar se o acórdão da Relação incorrera em nulidade, por excesso ou omissão de pronúncia, ou se fez incorrecta apreciação dos factos ou aplicação do regime legal. Pelo que, face à natureza do recurso de Constitucionalidade e ao que estava em causa na Reclamação para a Conferência, a arguição de nulidade é destituída de fundamento. Aliás, só por absoluta desconsideração do modo como o regime de fiscalização concreta de constitucionalidade vem configurado na Constituição (art. 280 da CRP), e na Lei do T.C., artigo 70 da LTC, pode dizer-se que é irrelevante a aplicação ou recusa de aplicação que a decisão judicial recorrida tenha feito da norma cuja a apreciação se quer submeter ao T.C., como faz o recorrente. (cfr n° 37 e 38 da reclamação acima transcrita).”
(...)
São pressupostos processuais para a admissibilidade do recurso da LTC., para alem do prazo, os seguintes:
- identificação de uma ou varias normas jurídicas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
- A aplicação pela decisão judicial recorrida dessa ou dessas normas jurídicas;
-Inconstitucionalidade suscitada no recurso apresentado para o Tribunal que interpretou a norma desse modo, no caso STJ;
A interposição do recurso pela parte que suscitou a questão da inconstitucionalidade;
A não admissibilidade de recurso ordinário da decisão judicial em causa Isto posto:
2. O exponente suscitou uma outra questão para além da referida na decisão sumaria e que tem a ver com a o artigo 32 da CRP e da qual a douta decisão nada esclarece.
3. De facto, se é certo que o Ac. da Relação se pronunciou sobre a aplicação do artigo 58 do CP., também é certo que foi ele quem primeiro e unicamente se pronunciou sobre tal.
4. Ora, o artigo 32 da CRP. Assegura as garantias de direito de defesa do arguido onde se insere o direito ao recurso.
5. Neste contexto, e face a uma primeira decisão sobre a questão suscitada, não ocorre dupla conforme.
6. Contudo, ficou esgotada a intervenção jurisdicional na Relação da apreciação da aplicação do artigo 58 do C.P., nos moldes em que o foi.
7. Tanto mais que o STJ rejeitou o recurso acerca dessa matéria.
8. Neste contexto foram violados os direitos de defesa do arguido.
9. E encontram-se preenchidos todos os pressupostos que justificam o recebimento do presente recurso
10. Tal questão, suscitou-a quer na reclamação para a conferência, quer na nulidade invocada.
11. Com certeza mereceu ponderação desse Tribunal, contudo nenhum esclarecimento é prestado na douta decisão em crise.
12. E é fundamental para uma compreensão total da decisão em causa.»
2. O Ministério Público pronuncia-se no sentido de que o acórdão cuja aclaração se pretende não enferma de qualquer obscuridade ou ambiguidade, devendo o requerimento ser indeferido.
3. O pedido de aclaração tem cabimento (artigo 669.º do CPC ex vi do artigo 69.º da LTC) sempre que algum trecho essencial da decisão aclaranda seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos). Não é meio, ainda que com uma retórica interrogativa, para demonstrar divergência com os fundamentos ou a decisão ou para suscitar um suplemento de fundamentação.
Ora, o acórdão cuja aclaração se pretende, no seu texto e no contexto das decisões que o precedem e das peças processuais a que responde, é perfeitamente claro na enunciação das razões pelas quais se entendeu que não fora cometida a nulidade arguida. Não se vislumbra, pelo padrão de um destinatário normal, que o trecho que a reclamação transcreve seja ambíguo ou obscuro, pelo que o pedido tem de ser, sem mais, indeferido.
4. Decisão
Pelo exposto, indefere-se o pedido de esclarecimento e condena-se o recorrente nas custas, ficando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
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