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Processo n.º 611/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão de 1 de Julho de 2010, a Relação de Coimbra manteve a decisão do Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz que confirmou a deliberação da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que aplicara à sociedade comercial denominada A. S. A. a coima de 35 unidades de conta pela prática da infracção p.p. pelos artigos 6.º, 7.º, e 20.º n.º 1 do Decreto--Lei n.º 84/97 de 16 de Abril e 620.º, n.º 4, alínea b) do Código de Trabalho. Inconformada, A. recorreu para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro. Admitido o recurso no tribunal recorrido, foi a recorrente convidada, no Tribunal Constitucional, a aperfeiçoar o seu requerimento enunciando a norma que pretendia impugnar. Em resposta, esclareceu:
«[...] Requerer-se que doutamente aprecie a interpretação sufragada pelo douto Tribunal “ad quo” do art. 58.°, do DL 433/82, conjugado com os arts. 123.° e 410.°, n.º 3, do CPP., o qual entendeu que a ausência parcial de fundamentação de facto da decisão da autoridade administrativa, constituía mera irregularidade, sanável nos termos do art. 123°, a qual no nosso entender é inconstitucional por violação, designadamente, do arts. 20.º, 32.º, 205.º e art. 268°, 3, 4 e 5 da CRP., e violadora do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, considerando o douto Ac. 680/98, do TC (que declarou inconstitucional o art. 374/2, do CPP de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões previsto no n.º 1 do art. 205.° da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art. 32.°, também da Constituição).
Pelo que se invoca a inconstitucionalidade do art. 58.º do DL 433/82, conjugado com o art. 374.º, 2, do CPP, na interpretação acima referida, por violação das normas constitucionais já mencionadas (art. 20.º, art. 32.°, 1 e 10, art. 205.º, 1.º e art. 268.°, 3, 4 e 5).»
2. Por decisão sumária proferida nos autos decidiu-se, porém, não conhecer do objecto do recurso. No essencial diz a decisão sumária:
«O recurso previsto na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem natureza normativa, cingindo-se à questão da conformidade constitucional de normas aplicadas na decisão recorrida. Acontece que, embora sob a aparência de impugnar uma norma jurídica – retirada do artigo 58.° do Decreto Lei n.º 433/82, conjugado com os artigos 123.° e 410.° n.º 3 do Código de Processo Penal e com o sentido de que «a ausência parcial de fundamentação de facto da decisão da autoridade administrativa, constituía mera irregularidade, sanável» – a recorrente visa afinal impugnar o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido na sua tarefa jurisdicional. Com efeito, não só o tribunal recusou aplicar ao caso os princípios invocados pela recorrente extraídos do Código de Processo Penal, como também entendeu que a decisão da autoridade administrativa não enfermava, pelas razões que aduziu, de falta de fundamentação.
Certo é, por isso, que a Relação de Coimbra não aplicou, na decisão recorrida, uma norma retirada do artigo 58.° do Decreto Lei n.º 433/82, conjugado com os artigos 123.° e 410.° n.º 3 do Código de Processo Penal, com o sentido de que «a ausência parcial de fundamentação de facto da decisão da autoridade administrativa, constituía mera irregularidade, sanável».
3. Pelas razões expostas, o Tribunal decide não conhecer do objecto do recurso interposto. Custas pela recorrente [...].»
3. Contra esta decisão reclama a recorrente, nos seguintes termos:
«A A., S.A., vem, nos termos do artigo 78.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro), reclamar da douta decisão proferida pelo Sr. Dr. Venerando Conselheiro Relator nos autos referidos em epígrafe, para tanto alegando os seguintes fundamentos:
Por entender que o Tribunal recorrido ao decidir que a ausência parcial da matéria de facto da decisão da autoridade administrativa, constituía mera irregularidade sanável, é inconstitucional tal entendimento, dando aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos desde o início invocados pelo recorrido.
Salvo o devido respeito, discorda-se da douta decisão sumária proferida nos autos, entendendo-se dela reclamar para a Conferência, nos termos do já invocado preceito legal e em consequência que o recurso deva ser admitido.
Pelo exposto, deve ser proferido douto Acórdão que admita o recurso.
Vossas Excelências, ao decidirem, farão, com sempre, JUSTIÇA! [...]»
4. O representante do Ministério Público entende, na sua resposta, que a reclamante não tem razão, pelo que o pedido deveria ser indeferido.
5. Cumpre decidir. A A. sustentou, no recurso interposto para a Relação de Coimbra, que a ACT não a notificara, em devido tempo, «de todos os factos imputados», designadamente os relativos «ao dolo ou à negligência», circunstância que lhe teria dificultado a defesa. E acrescentou que haveria «inconstitucionalidade do artigo 58.º do Decreto Lei n.º 433/82, conjugado com o artigo 374.°, n.º 2 do Código de Processo Penal, se interpretado com o sentido da ausência parcial de fundamentação, não constituir vício ou constituir mera irregularidade sanável...». Mas a Relação, analisando esta matéria, não deu por verificado (nem é possível retirar do acórdão outro entendimento) que tivesse ocorrido omissão de factos na notificação efectuada e concluiu que, ao contrário, «houve um absoluto cumprimento das normas relativas ao direito de defesa, pelo que não existe qualquer nulidade ou inconstitucionalidade em toda a actividade, quer administrativa, quer judicial.»
Ora, perante este quadro não é possível dar por assente que a Relação perfilhou o entendimento posto em crise no presente recurso. Se alguma coisa distingue com particular destaque o pedido de avaliação da inconstitucionalidade normativa, face ao da inconstitucionalidade da decisão é, precisamente, a circunstância de no primeiro caso se dever aceitar a decisão recorrida como um dado, sem que seja possível adjectivá-la com elementos de crítica extraídos da opinião do recorrente. É o que se passa no presente caso: apesar de o tribunal recorrido ter manifestamente entendido que não ocorrera «ausência parcial de fundamentação» da decisão administrativa, a recorrente insiste em ver apreciada uma 'norma' que implicaria que o Tribunal houvesse como certa a existência da aludida «ausência parcial de fundamentação», assim alterando o sentido da própria decisão recorrida.
Não assiste, por isso, qualquer razão à reclamante.
6. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 4 de Janeiro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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