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Processo n.º 607/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 27 de Setembro de 2010, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
“1.º - Entendeu o Sr. Juiz Conselheiro Relator que o recurso interposto não é admissível porque pretendia a apreciação de inconstitucionalidade duma decisão.
2.° - Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
3.º - o Recorrente alegou:
a) A inconstitucionalidade dos art.°s 400.°, n.° 1, al. c), e 432.°, n.° 1, al. b), do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido de limitar o direito ao recurso penal fora dos casos expressamente previstos na lei, como fez o despacho em crise, afectando de forma grave os direitos e expectativas do Arguido e todo o seu estatuto processual, tal como já havia invocado nas alegações do recurso;
b) O Excelentíssimo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação quanto à invocada inconstitucionalidade, não se chegando a pronunciar verdadeiramente acerca da mesma.
4.º - Ou seja, o que está em causa é a possibilidade da norma poder ser interpretada no sentido de vedar o direito ao recurso num caso como o do Recorrente.
5.º - Ora, estando em causa QUESTÕES E DIREITOS CONSTITUCIONAIS deveriam ser totalmente irrelevantes as nuances ou subtilezas semânticas para se ponderar a admissibilidade dum recurso no presente Tribunal — diferença entre norma e interpretação ou aplicação da norma, já que em termos práticos a norma só existe quando e para ser interpretada...
6.° - Certo é que o Recorrente alegou que os art.°s 400.°, n.° 1, al. c), e 432.°, n.° 1, al. b), do Código de Processo Penal eram inconstitucionais na interpretação dada pelos doutos despachos do Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator e do Excelentíssimo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça!
7.º - E, explicou que no seu entender, essa inconstitucionalidade ocorreu ou materializou-se por força do entendimento que foi feito de que a norma previa não ser admissível o recurso interposto pelo Recorrente,
8.° - Quando era, já que a regra no processo penal e por força da Constituição é que só não é possível praticar os actos que estão vedados por força da Lei.
9.º - Considerando a unidade do sistema processual penal e do sistema constitucional, as decisões em causa negaram ao Recorrente o acesso ao recurso que o direito processual e constitucional conferiam.
10.º - É necessário recordar, e com veemência, que o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou a inconstitucionalidade invocada!
11.º - E o Recorrente não invocou a prática de uma ilegalidade mas sim duma INCONSTITUCIONALIDADE!
12.° - EM CONCLUSÃO, a interpretação dada à norma, além de não ter correspondência na letra da Lei, violava, violou e viola os princípios constitucionais de exercício do direito ao recurso, acesso aos tribunais e apreciação da constitucionalidade das normas (art.°s 20.°, n.° 1, 32.°, n.° 1, e 280.° da Constituição da República Portuguesa).
13.º - Essas alegações deveriam ser mais que suficientes para ver o recurso, pelo menos, apreciado.”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“3. Profere-se decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso.
O Recorrente pretende ver apreciada a (in)constitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal ‘quando interpretados no sentido de limitar o direito ao recurso penal fora dos casos expressamente previstos na lei.’ Assim configurada a questão – e não relevando o facto de que, durante o processo, incluindo no requerimento de interposição do presente recurso o Recorrente se foi referindo à inconstitucionalidade da decisão, a qual, obviamente, não pode ser objecto de apreciação em sede de recurso de constitucionalidade estritamente normativo – a mesma não constitui objecto idóneo de recurso. Com efeito, o que o Recorrente exprime e suscita é a inconstitucionalidade que resulta do facto de a interpretação efectuada pelo tribunal a quo restringir (alegadamente) os casos de recurso expressamente previstos na lei. Assim configurada a inconstitucionalidade facilmente se intui que a mesma não é imputada aos preceitos legais ou a uma sua interpretação e sim ao facto de daí advir uma restrição ao recurso que não consta da lei (ou melhor, em sentido contrário à lei). O que significa que a violação dos parâmetros constitucionais cotejados resultaria de modo mediato da concretização judicativa do preceito que originava uma restrição ao recurso fora dos casos previstos na lei. Um objecto de tal tipo teria lugar num típico recurso de amparo mas não num recurso de constitucionalidade que, como o nosso, é exclusivamente normativo, isto é, analisa normas e não decisões.”
3. O Representante do Ministério Público, notificado da reclamação, pronunciou-se no sentido da sua improcedência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Adiante-se já que a reclamação deduzida carece de fundamento. Como se sabe, o conhecimento de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade depende da suscitação e integração no respectivo objecto de uma questão de constitucionalidade normativa. O Tribunal Constitucional conhece de normas ou interpretações normativas, não emitindo qualquer juízo sobre a actividade jurisdicional dos outros tribunais.
5. O Recorrente vem invocar, em reclamação, que suscitou uma verdadeira questão de inconstitucionalidade de normas. O certo é que não o fez. E não se trata aqui de qualquer subtileza semântica, como ele invoca, mas sim da correcta interpretação do que foi por si alegado durante o processo. Como o Recorrente bem sabe, os pressupostos do recurso de constitucionalidade exigem, em ordem ao seu cabal cumprimento, a adopção, durante o processo, de uma estratégia processual adequada, que se traduz em vários ónus. O incumprimento de tais ónus não pode deixar de redundar na impossibilidade de conhecimento do recurso, consequência unicamente assacável à omissão dessa mesma estratégia.
6. Como se explicou na decisão sumária, o que o Recorrente invocou, durante o processo, foi que a interpretação judicial dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal se traduziu na restrição do recurso fora dos casos previstos na lei. Significa isto que o juízo de desconformidade surge imputado, em primeira linha, ao direito ordinário, e só mediatamente às normas fundamentais. Não se traduz o assim alegado, portanto, na suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e sim na imputação do desvalor à actividade interpretativa do tribunal a quo por referência directa ao quadro normativo legal aplicável.
Pelo que improcede a reclamação.
III – Decisão7. Face ao exposto, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010.- José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.
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